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RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS – Rui
Stocco
(in Tratado de Responsabilidade Civil – 6ª ed., RT)
NOTA INTRODUTÓRIA DE DOUTRINA:
a) A atividade médica: origem e regulamentação
1- A tentativa ou o exercício da cura remonta a
período longínquo, no início da civilização.
Constituía uma prática empírica e rudimentar
através da técnica "tentativa/erro - tentativa/acerto".
Era, portanto, experimental.
A atividade médica e a preocupação com o
problema que as doenças ainda sem cura causavam
não se traduzem em prática e discussão atual.
Constituem matéria tratada desde os primeiros
registros da existência de uma sociedade organizada.
A existência de médicos leigos e curiosos ou
experimentadores recebe notícia em épocas remotas
da nossa civilização e já despertava a atenção da
sociedade e dos dirigentes.
Há registro do surgimento de médicos, ao lado
dos "mágicos", curandeiros ou feiticeiros, nos
primórdios.da humanidade, com indícios que
remontam ao ano de 4000 antes de Cristo, entre os
Sumérios, na Mesopotâmia.
..
Até então, a cura dos males do homem (físicos ou
mentais) era atribuída a forças divinas e à ocorrência
de doenças relacionadas aos pecados.
A conversão dessa prática em ciência ocorreu
tempos depois.
Mas os registros confiáveis mais antigos acerca
da regulamentação da atividade médica surgiram nos
séculos XVIII e XVII a.C, levada a efeito pelo sexto
rei da Primeira Dinastia da Babilônia, o Rei KhamuRabi ("Hamurabi"), que reinou de 1728 a 1686 antes
de Cristo, ao qual se atribui a instituição do Código
de Hamurabi (cf. Revista Ser Médicos, ano V, n.
18).
Nesse momento surgiram a discussão acerca da
prática médica e as punições que ensejava.
Nos seus 282 artigos, que dispõem sobre diversos
assuntos, o Código de Hamurabi contém três
preceitos cuidando da prática médica:
"Art. 215. Se um médico trata alguém de uma
grave ferida com a lanceta de bronze e o cura ou se
ele abre a alguém uma incisão com a lanceta de
bronze e o olho é salvo, deverá receber dez siclos. "
"Art. 218. Se um médico trata alguém de uma
grave ferida com a lanceta de bronze e o mata, ou
lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o
olho fica perdido, dever-se-lhe-á cortar as mãos. "
"Art. 219. Se o médico trata o escravo de um
liberto de uma ferida grave com a lanceta de bronze
e o mata, deverá dar escravo por escravo. "
A romancista Taylor Caldwell, em livro baseado
na vida de São Lucas, lembrou: "O poderoso e
esplêndido Império Babilônico (ou Caldéia) não é
familiar para muitos leitores, bem como não o são os
estudos de medicina, os tratamentos médicos ali
feitos pelos sacerdotes-médicos e sua ciência - que
egípcios e gregos herdaram totalmente. Os cientistas
babilônicos conheciam as forças magnéticas e se
utilizavam delas. Tudo isso constava dos milhares de
volumes da maravilhosa Universidade de
Alexandria, incendiada pelo imperador Justiniano
vários séculos mais tarde, num acesso de errôneo
zelo. A medicina e a ciência modernas estão
começando a redescobrir essas coisas. A época atual
ficou mais pobre, em conseqüência do fervor de
Justiniano. Se a ciência e a medicina da Babilônia
nos tivessem chegado intactas, nosso conhecimento
do mundo seria muitíssimo mais avançado do que
atualmente" (Médico de homens e de almas. 29. ed.
Rio de Janeiro: Editora Record, 2001, prefácio, p. 7).
Extrai-se dos relatos bíblicos o cuidado dos
judeus com a circuncisão dos infantes, que, ao lado
de preceito religioso, apresenta indisfarçável
preocupação higiênica e preventiva (cf. Euclides
Benedito de Oliveira. Direito à saúde: garantia e
proteção pelo Poder Judiciário. Revista de Direito
Sanitário, São Paulo: LTr, v. 2, n. 3, 2001, p. 36-58).
Na Pérsia antiga, exigia-se dos médicos
habilitação profissional, após submissão a "prova"
perante o Conselho Real. Nesse período o
misticismo ainda prevalecia e a medicina era
considerada uma arma para combater os demônios.
No período de declínio do império romano, entre
as diversas causas que contribuíram para a sua queda
(ano 476 d.C., marcando o fim da Antigüidade e o
início da Idade Média), ocorreram pestes e
epidemias, com as quais os médicos não
conseguiram sucesso, nem mostraram eficiência, até
porque naquela época a medicina como ciência
ainda era embrionária e incipiente.
Esse insucesso contribuiu para o ressurgimento
das práticas supersticiosas (cf. Roberto Margotta.
História ilustrada da medicina. Editora Manole,
1998).
Na Grécia antiga tivemos Hipócrates como a
figura mais expressiva na área médica, nascido na
llha de Cós (mar Egeu), em 460 ou 450 a.C.,
segundo o biógrafo Sorano de Éfeso.
Aliás, entre os gregos o incentivo a práticas
desportivas ligava-se ao ideal de saúde e vitalidade,
com o objetivo de dotar-se de dois elementos
fundamentais, ''força" e "beleza", visando o
equilíbrio entre corpo e alma.
O juramento que Hipócrates redigiu, invocado
até hoje por sua atual pertinência, ressalta a
dedicação ao doente, a boa prática da medicina e a
busca incessante do conhecimento, nos seguintes
termos:
"Eu juro por Apolo médico, por Esculápio, Hígia
e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e
1
todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e
minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto
quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte;
fazer vida comum e, se necessário for, com ele
partilhar meus bens; ter seus filhos por meus
próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles
tiverem
necessidade
de
aprendê-la,
sem
remuneração e nem compromisso escrito; fazer
participar dos preceitos, das lições e de todo o resto
do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os
discípulos inscritos segundo os regulamentos da
profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes
para o bem do doente segundo o meu poder e
entendimento, nunca para causar dano ou mal a
alguém. A ninguém darei por com prazer, nem
remédio mortal nem um conselho que induza à
perda. Do mesmo modo, não darei a nenhuma
mulher uma substância abortiva. Conservarei
imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a
talha, mesmo sobre um calculoso confirmado:
deixarei essa operação aos práticos que disso
cuidam. Em toda casa, aí entrarei para o bem dos
doentes, mantendo-me longe de todo o dano
voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos
prazeres do amor, com as mulheres ou com os
homens livres ou escravizados. Àquilo que no
exercício ou fora do exercício da profissão e no
convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que
não seja preciso divulgar, eu conservarei
inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento
com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente
da vida e da minha profissão, honrado para sempre
entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o
contrário aconteça. "
Segundo Roberto Margotta (ob. cit.), essa figura
importante da nossa história possuía profundo
conhecimento do sofrimento humano e enfatizava
que o lugar do médico era ao lado do paciente.
11- Nos tempos atuais, aquele que pretender
dedicar-se ao exercício da arte médica e tornar-se
um profissional médico terá que cursar a escola
básica ou fundamental (primeiro grau),.o segundo
grau ou ensino médio e, depois, prestar vestibular
como condição para freqüentar o curso superior e ser
aprovado em uma das Universidades credenciadas a
manter Faculdade de Medicina. Terminado o curso
específico com duração de seis anos, terá que
cumprir estágio de dois anos, vulgarmente
denominado "residência médica”, em hospital.
Somente após esse périplo é que poderá obter
registro no Conselho Regional de Medicina como
condição para exercer o seu mister.
Aliás, observa Sérgio Cavalieri Filho: "Algumas
profissões, pelos riscos que representam para a
sociedade, estão sujeitas a disciplina especial. O erro
profissional, em certos casos, pode ser fatal, razão
pela qual é preciso preencher requisitos legais para o
exercício de determinadas atividades laborativas,
que vão desde a diplomação em curso universitário,
destinado a dar ao profissional habilitação técnica
especial, até a inscrição em órgão especial. Estão
nesse elenco ,os médicos, dentistas, farmacêuticos,
engenheiros etc.” (Programa de responsabilidade
civil. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 249).
Cuida-se, pois, de atividade que depende de
expressa autorização do Poder Público para ser
exercida.
Aliás, nos termos do art. 22, inciso XVI da
Constituição Federal, compete privativamente à
União legislar sobre as condições para o exercício de
profissões.
Para o exercício da medicina, impõe-se a
inscrição 'no Conselho Regional do respectivo
Estado, Território ou Distrito Federal.
Portanto, a atividade médica é regrada, impondose ao profissional normas de conduta médica e até
mesmo de comportamento pessoal.
Essas regras e sistema de fiscalização encontramse estabelecidas no Código de Ética Médica, posto
em vigor pela Resolução do Conselho Federal de
Medicina 1.246, de 08.01.1988.
Acerca desse estatuto, Jurandir Sebastião, ilustre
magistrado em Minas Gerais e destacado autor,
assim se expressa: "O atual Código de Ética Médica
(Resolução n. 1.246/88) estabelece uma série de
normas de conduta profissional, de proibição ou de
obrigação e, ainda, o rol de prerrogativas individuais
ou em grupo. Como categoria profissional
regulamentada em lei (inciso XIII do art. 5°da
CF/88, Decreto-lei n. 7.955, de 13.09.1945, Lei n.
3.268, de 30.09.1957, e Decreto n. 44.045, de 19 de
julho de 1958), cumpre ao órgão de Cúpula Conselho Federal de Medicina - por competência
delegada e mediante Resoluções, estabelecer e
alterar as regras de conduta profissional de acordo
com os avanços constantes da medicina e das novas
necessidades do Estado e da civilização, como um
todo – visto que a saúde é questão de interesse da
própria humanidade. O próprio Código de Ética
Médica em vigor prevê essa possibilidade de
mudança constante, nos arts. 143 e 144, ancorados
na letra 'd' do art 5.°, da Lei n. 3.268/57. As
modificações, como dito, são feitas mediante
Resoluções Normativas baixadas pelo CFM,
revogando, modificando, complementando ou
regulamentando os dispositivos atuais ou mesmo, a
qualquer momento, adotando novo CEM. Portanto,
para o exercício da medicina, as Resoluções
Normativas baixadas pelo CFM são normas de
cumprimento obrigatório. É óbvio que tais normas
profissionais não podem se sobrepor às leis
existentes. Estas prevalecerão sobre aquelas, em
caso de eventual conflito. As normas regulamentares
vigentes (CEM e Resoluções complementares)
destinadas à punição dos médicos, devem ser
2
interpretadas restritivamente - como é da essência de
qualquer direito punitivo. As novas obrigações ou
proibições impostas, tanto por modificação no
próprio CEM quanto por edição de Resolução que
lhe venha complementar, entram em vigor na data de
sua publicação; como regra. Só a partir da
publicidade legal o cumprimento será obrigatório.
Para que norma internacional, relativa à conduta
profissional, seja cumprida no território nacional, em
caráter cogente, é necessário que Resolução
Normativa do CFM a adote. Por exemplo, a
Declaração de Helsinque, elaborada por ocasião da
18ª Assembléia Mundial de Médicos em, 1964 e
revista em 1975, cuidando de pesquisa clínica na
prática terapêutica, foi adotada pelos médicos
brasileiros por intermédio da Resolução n. 671/75 e
revista pela Resolução nº 1.098/83 do CFM. Esta
última se encontra em vigor. Assim como ocorreu,
por exemplo, com a Resolução n. 1.243/87 (que
cuida de 'quelação' nas doenças vasculares), o CFM
pode, a todo instante, condenar ou regulamentar
conduta técnica, permitindo, limitando ou
reprovando determinada prática terapêutica. Em
conclusão, pela Resolução n. 1.499/98 os médicos
não podem utilizar qualquer prática terapêutica 'não
reconhecida pela comunidade científica' . E o
reconhecimento em nosso país é feito por meio de
Resolução baixada pelo CFM" (Responsabilidade
médica civil, criminal e ética. 3. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003, p. 91-92).
b) A relação entre médico e paciente
Na passagem do século XIX para o século XX o
médico era visto como profissional cujo título
garantia a onisciência - médico da família, amigo e
conselheiro - figura de uma relação social que não
admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços e,
menos ainda, a litigância sobre eles (cf. Ruy Rosado
de Aguiar Júnior. Responsabilidade civil do médico.
RT 718/33).
O ato médico se resumia na relação entre uma
confiança (a do cliente) e uma consciência (a do
médico) (Miguel Reale. Código de Ética Médica. RT
503/47).
Atualmente, conforme correta observação de
Ruy Rosado de Aguiar Jr., "as circunstâncias estão
mudadas. As relações sociais se massificaram,
distanciando o médico do seu paciente. A própria
denominação dos sujeitos da relação foi alterada,
passando para usuário e prestador de serviços, tudo
visto sob a ótica de uma sociedade de consumo, cada
vez mais consciente de seus direitos, reais ou
fictícios, e mais exigente quanto aos resultados"
(artigo citado, p. 33).
E mais, o considerável avanço científico, a
extrema especialização em áreas estanques, a ponto
dessa exacerbação do conhecimento localizado
conduzir à especialização dentro da própria
especialidade (ortopedista que só cuida das mãos,
oftalmologista que só cuida de miopia ou do nervo
ótico, ou da retina...), o desenvolvimento de técnicas
médicas novas, a dependência de exames cada vez
mais sofisticados, a globalização das descobertas e
das drogas desenvolvidas, aumentando os recursos à
disposição desses profissionais, fizeram aumentar a
possibilidade de ação, no afã da cura, e, na mesma
proporção, fizeram crescer os riscos.
Aliás, o notável dramaturgo britânico Bernard
Shaw, em tom de crítica, dizia que o especialista
sabe cada vez mais sobre menos, até saber tudo
sobre nada, enquanto o generalista sabe cada vez
menos sobre mais, até saber nada sobre tudo.
E, como a competência e a eficácia do resultado
(embora se cuide, como regra, de uma obrigação de
meios) éque caracteriza a medicina moderna,
exacerbou-se grandemente a suspeita e a prevenção
do paciente para com o médico, com o qual passou a
ter uma relação episódica, rápida, pontual, e
desprovida de uma maior interação.e empatia entre
eles, até porque também o médico já não dispensa a
mesma atenção que antes concedia aos seus
pacientes, limitando-se a diagnosticar e prescrever.
O automatismo no atendimento aos pacientes e a
imposição do sistema público de saúde ou das
grandes e modernas clínicas e hospitais particulares,
conveniados ou credenciados por planos de saúde,
nos quais a dinâmica de atendimento, com horários
fixos de plantão e rígida repartição de tempo nos
atendimentos, impuseram partilhamento na atenção
aos pacientes e conduziram ao absurdo de o médico
já não mais saber quem está atendendo e sequer o
seu nome.
O histórico de antecedentes desse paciente, o seu
perfil e anamnese - necessários a uma consulta
criteriosa e à busca do diagnóstico correto - são;
mais das vezes, colhidos por outros, fazendo com
que o profissional não se "envolva" com o paciente,
não desenvolva sentimento de amizade, afeto,
afeição ou consideração, nem lhe dedique um
mínimo de comiseração.
Quando indagado, como ocorreu recentemente
em reportagem de televisão, certo profissional
médico não lembrou de um nome sequer de seus
pacientes e ainda indagou, verbis: "por que eu
deveria lembrar dos nomes dos meus pacientes?"
Do que se conclui que também o paciente
converteu-se em um número. Esse estado de coisas
converteu o médico em "prestador de serviços" e o
paciente em "consumidor", e fez aumentar e
exacerbou a suspeita e a prevenção deste último para
com o primeiro e vice-versa.
A conseqüência disso foi o excessivo número de
ações de responsabilidade civil, ações essas que se
proliferaram no mundo todo, especialmente nos
Estados Unidos da América, onde, em 1970, um
quarto dos médicos respondia a ações de reparação
de dano (cf. Wanderby Lacerda Panasco. A
3
responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense,1984).
c) As causas que podem conduzir ao dever de
reparar
Mas, independentemente disso, o médico tem o
dever de agir com diligência e cuidado no exercício
de sua profissão, dever esse consubstanciado em um
Código que dita o seu comportamento moral e ético,
ao qual deve respeito e obrigação.
Portanto, essa exigência e cuidado devem ser
estabelecidos segundo o atual estágio da ciência e as
regras consagradas pela prática médica.
São deveres estabelecidos no referido Código de
Ética, ao qual todos os médicos devem respeito e
obediência.
Aliás, a legislação a respeito é pobre e escassa,
pois regem a matéria, basicamente, a Lei 3.268, de
30.09.1957, dispondo apenas sobre os Conselhos de
Medicina, regulamentada pelo Decreto 44.045, de
19.07.1958, e o Código de Ética Médica (Resolução
1.246, de 08.01.1988, do Conselho Federal de
Medicina).
Aguiar Dias assim decompõe as obrigações
implícitas no contrato médico: 1. Conselhos; 2.
Cuidados; 3. Abstenção de abuso ou desvio de poder
(Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, n.
116).
O primeiro deles corresponde ao dever de
informação. O médico deve esclarecer o seu
paciente sobre a sua doença, prescrições a seguir,
riscos possíveis, cuidados com o seu tratamento;
aconselhando a ele e a seus familiares sobre as
precauções essenciais requeridas pelo seu estado.
Mostra Caio Mário da Silva Pereira que, ao
reverso do que ocorria anteriormente, a tendência
hoje, seguindo a escola americana, é a de manter o
paciente informado da realidade do seu estado
(Responsabilidade médica. Coad 217).
Quando os prognósticos são graves, é preciso
conciliar esse dever de informar com a necessidade
de manter a esperança do paciente, para não levá-lo
à angústia ou ao desespero (Georges Boyer Chamard
e Paul Monzein. La responsabilité médicale. Presses
Universitaires, 1974, p. 132).
Se a perspectiva é de desenlace fatal, a
comunicação deve ser feita ao responsável nos
termos do art. 59 do Código de Ética - Resolução n.
1.246, de 1988, do Conselho Federal de Medicina
O
prognóstico
grave
pode
ser
compreensivelmente dissimulado; o fatal, revelado
com circunspecção ao responsável. Em se tratando
de risco terapêutico, o médico deve advertir os riscos
previsíveis e comuns, os excepcionais podem ficar
na sombra (cf. Jean Penneau. La réforme de la
responsabilité médicale. Revue Internationale de
Droit Comparé, 1990, n. 3, p. "530).
Na cirurgia, porém, especialmente na estética, a
informação deve ser completa e exaustiva, inclusive
quanto ao uso de novos medicamentos ou novas
técnicas cirúrgicas. Tais esclarecimentos devem ser
feitos em termos compreensíveis ao leigo, mas
suficientemente esclarecedores para atingir seu fim,
pois destinam-se a deixar o paciente em condições
de se conduzir diante da doença e de decidir sobre o
tratamento recomendado ou sobre a cirurgia
proposta (cf. Ruy Rosado de Aguiar Jr., artigo
citado, p. 36).
Outro aspecto importante a ser evidenciado é
que a intervenção médica há, sempre, de estar
precedida do consentimento do paciente ou de seu
responsável, salvo, evidentemente, os casos de
atendimento de emergência, quando haja risco de
vida ou de dano físico irreversível ou quando,
durante a intervenção cirúrgica, surge um fato novo,
a exigir imediata providência, sem tempo para
interrompê-la e consultar os familiares. "
"Nesse sentido o art. 46 do Código de Ética, que
veda ao médico efetuar qualquer procedimento
médico sem o esclarecimento e o consentimento
prévios do paciente ou de seu responsável legal.
Demonstra o ilustre Min. Ruy Rosado que, "além
dos deveres de informação, obtenção de
consentimento e de cuidado, tem o médico os
deveres de: a) sigilo, previsto no art. 102 do Código
de Ética; b) não abusar do poder, submetendo o
paciente a experiências, vexames ou tratamentos
incompatíveis com a situação; c) não abandonar
paciente sob seus cuidados, salvo caso de renúncia
ao atendimento, por motivos justificáveis,
assegurada a continuidade do tratamento (art. 61 do
Código de Ética); d) no impedimento eventual,
garantir sua substituição por profissional habilitado;
e) não recusar o atendimento de paciente que
procure seus cuidados em caso de urgência, quando
não haja outro em condições de fazê-lo" (artigo
citado, p. 37).
Em resumo, a doutrina estabeleceu a conduta e a
obrigação médica segundo alguns parâmetros, quais
sejam:
a) dever de aconselhar adequadamente o
paciente;
b) obrigação de tomar os cuidados necessários e
manter sigilo;
c) não cometer desvio ou abuso de poder
(experiências médicas);
d) dever de informação, esclarecendo o paciente
sobre a doença, os cuidados, as prescrições, os riscos
possíveis e as precauções a serem tomadas;
e) manter o paciente informado da realidade do
seu estado e dos riscos possíveis;
f) nos casos de cirurgia exigir o consentimento
do paciente (art. 46 do Código de Ética), salvo nas
emergências, com informações completas sobre o
4
procedimento cirúrgico e a técnica a ser utilizada;
g) não recusar atendimento ou omitir socorro.
Com base nessa construção da doutrina, pode-se,
desde logo, apontar algumas causas, diversas do erro
médico, que poderão conduzir à obrigação de
indenizar:
I - a violação da lei ou do regulamento e o abuso
de poder;
II - a prática de experiências médicas com
técnicas não aceitas;
III - deixar de informar e aconselhar
adequadamente o paciente;
IV - o erro grosseiro no diagnóstico, como causa
do insucesso no procedimento médico;
V - a quebra do sigilo médico;
VI - exorbitar dos limites estabelecidos no contrato;
VII - a violação do consentimento do paciente;
VIII - omitir ou negar socorro em caso de iminente
perigo de vida ou de urgência.
Do que ficou assentado pode-se extrair a primeira
conclusão, ou seja:
"O médico poderá ser responsabilizado em razão da
infringência da lei e dos preceitos éticos, quando
deles resultar danos".
Ocorre que, como não se desconhece, a atividade
do médico é de meio e não de resultado, salvo na
cirurgia
estética
ou
nos
procedimentos
embelezadores ou cosmetológicos.
Assim, o profissional obriga-se apenas a
empregar todo o seu esforço e atenção e a utilizar as
técnicas consagradas e aceitas, não devendo fazer
experimentos ou experiências, dele se exigindo
apenas o melhor tratamento e a diligência
necessária.
Não se cobra dele um resultado, ou seja, a cura, a
longevidade, a saúde perfeita ou que sobreviva até
os cem anos de idade.
Diante disso, podemos agora estabelecer a
segunda conclusão, no sentido de que:
"Por falta de resultado não se pune, nem se
impõe reparação" (salvo as exceções apontadas).
d) O erro médico e suas conseqüências
Um dos aspectos da responsabilidade civil, no
campo da atividade médica, que mais dificuldades
apresenta pertine ao "erro médico", sua natureza,
conceito e alcance.
Segundo nos parece, ainda não ficou claro na
doutrina o que seja "erro médico".
Cabe esclarecer, desde logo, que o "erro de
técnica", que não se confunde com o "erro médico",
é visto com prudência e especial cuidado pelo Poder
Judiciário e seus membros, no exercício da atividade
de julgar.
É que não cabe ao Juiz dizer se aquela técnica é
boa ou má; se adequada, ou que existe outra melhor.
O notável Yussef Said Cahali já alertava que "ao
Juiz é defeso, por não ser de sua competência,
pronunciar-se por essa ou aquela escola, optar por
esse
ou
aquele
método
operatório"
(Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p.
348).
Isso porque todo aquele que exerce publicamente
uma arte, profissão ou ofício presume-se habilitado.
E não poderia ser diferente, pois o médico - tal
como outros profissionais liberais (advogado,
dentista, psicólogo, engenheiro, arquiteto) -, ademais
de ter de comprovar a conclusão de curso superior
específico, estágio de residência e especialização
para determinadas áreas, necessita autorização
expressa do Poder Público para atuar, e, ainda, de
credenciamento especial por parte do órgão de
classe, no caso, o Conselho Regional de Medicina.
Esse credenciamento, que às vezes é precedido
de exigência de prova de capacitação, significa
habilitação para o exercício da profissão.
Ademais disso, sob outro enfoque, nos casos
controvertidos ou duvidosos, o erro profissional não
pode ser considerado imperícia, imprudência ou
negligência.
Impõe-se fazer nítida distinção entre "erro
profissional" e "imperícia".
Ocorre o "erro profissional" quando a conduta
médica é correta, mas a técnica empregada é
incorreta. Significa que o médico aplica
corretamente uma técnica ruim para aquele caso.
Há "imperícia" quando a técnica é correta e
adequada, mas a conduta ou atuação do médico é
incorreta ou desastrosa. Quer dizer o médico aplica
mal uma técnica boa.
A primeira hipótese ("erro profissional") contém
o chamado "erro escusável", ou seja, justificável
quando se cuida de técnica conhecida, usual e aceita.
A segunda hipótese ("imperícia") contém o "erro
inescusável" ou não justificável, portanto erro
punível no plano civil e que impõe o dever de
reparar.
Diante desse escorço podemos fixar e estabelecer
uma terceira conclusão, no sentido de que: "o erro
profissional não pode ser objeto de valoração pelo
Juiz, nem pode ser considerado como hipótese de
imperícia, imprudência ou negligência".
Impõe-se, então, resumir no sentido de que o
médico pode ser responsabilizado não só quando se
afasta daqueles parâmetros acima apontados, que são
antecedentes ou anteriores à sua atuação
procedimental propriamente dita junto ao paciente, e
que ofendem os preceitos legais e éticos, como
também responderá quando, no exercício de sua
atividade típica junto ao paciente, age com dolo ou
intenção de lesar ou com culpa, nas modalidades de
imperícia - não confundível com o "erro
profissional" -, negligência ou imprudência.
Não há, contudo, como apontar exemplos ou
estandartes que ensejem reparação, pois as hipóteses
5
em que nasce esse dever são várias e dependem da
análise de cada caso concreto.
Cabe, entretanto, não deslembrar que o médico é
o guardião da vida, o protetor e responsável pela
saúde física e mental das pessoas.
Dele se exige correção, dedicação e até mesmo
perfeição muito maior do que dos demais
profissionais, pois o seu erro poderá importar em
uma vida a menos e conduzir ao sofrimento, à dor, à
angústia e à perda irreparável.
Mas também deve ser visto como profissional e
como indispensável à sociedade.
Cabem aqui as palavras de advertência de
Rosana Jane Magrini, forte em ensinamentos de
Savatier: "O médico não é o responsável pelo caos
da saúde no Brasil. Eliminar de nosso sistema de
uma vez a indesculpável injustiça que se comete
contra este nobre profissional é o que se deve
buscar, porque, como disse René Savatier (De la
responsabilité civile, 2. ed., t. 2, p. 778): 'A medicina
não é ciência exata., a arte de curar requer, muitas
vezes, dom divino" (Médico. Conduta. Teoria da
imprevisão. Caso fortuito. Força maior. Nexo causal:
Em matéria de responsabilidade, o exame da
conduta do médico deve ser aferido com
flexibilidade. RT 78l/145).
Essa visão deve ser resguardada e preservada,
pois o erro é exceção e acontecimento isolado ou
episódico, não podendo extravasar e projetar-se em
toda a classe e afetar a imagem da instituição como
unidade.
Portanto, valorizar o médico é valorizar a vida.
O ideal a alcançar é que os médicos, que são
guardiães da vida, possam continuar sendo
verdadeiros guardiães.
Mas, em conclusão, se da ação ou omissão
dolosa ou culposa, que, neste caso, se traduz em
"erro médico", o paciente vier a sofrer dano de
qualquer ordem, seja físico, psíquico ou moral,
nasce o dever de reparar, pois é ele destinatário
daquele dever de guarda e incolumidade.
18.01 - A obrigação contratual do médico é de
"meios" ou de "resultado"? (a questão da inversão do
ônus da prova)
V. tb. o Item 2.20 deste Capítulo (A Teoria do
Resultado à Luz do Código de Defesa do
Consumidor) e, também neste Capítulo, o Item
18.12 abaixo (Responsabilidade do Cirurgião
Plástico na Cirurgia Estética ou Reparadora).
NOTA DE DOUTRINA:
1. No Item 2.20 deste Capítulo, ao desenvolver
estudos acerca da defesa do consumidor,
esclarecemos a relevância e a distinção entre as
obrigações de meio ou de resultado em face da
chamada "teoria do resultado", aprofundando a
pesquisa em torno desse tema instigante e
controvertido, trazido a lume por R. Demogue, mas
pouco compreendido por alguns e repudiado por
outros, que não lhe dão importância, embora o tema
seja de extrema importância no campo da prova.
Convida-se o leitor a visitar aquela página, a fim
de melhor entender a questão aqui estudada.
2. Ensina Aguiar Dias: "o que se torna preciso
observar é que o objeto do contrato médico não é a
cura, obrigação de resultado, mas a prestação de
cuidados conscienciosos, atentos e, salvo
circunstâncias excepcionais, de acordo com as
aquisições da ciência" (op. cit, p. 284).
Teresa Ancona Lopez, forte em ensinamentos de
René Savatier (Traité de la responsabilité civile en
droit français. Paris: LGDJ, 1939, t.l, p.146), traz
esclarecimentos mais dilargados sobre a questão,
assim expondo:
"A questão da presunção de culpa e conseqüente
inversão do onus probandi não se liga à divisão entre
culpa contratual e aquiliana, mas, sim, ao fato de a
doutrina e a jurisprudência, mais recentemente,
interpretarem as obrigações contratuais como
obrigações de meio e obrigações de resultado, e aí
está, segundo o mesmo autor, 'a chave da mudança
sobrevinda quanto ao ônus da prova'. Em resumo, o
que importa na responsabilidade dos médicos é a
relação entre a culpa e o dano para que possa haver
direito à reparação; mas para maior apoio ao
ofendido é preciso saber-se se o dano foi causado no
inadimplemento de uma obrigação de meios ou, ao
contrário, de resultado, pois neste último caso (e
somente neste, cabe acrescentar) haverá inversão do
ônus da prova e a vítima da lesão ficará em posição
mais cômoda."
"Ora, na obrigação de meios o que se exige do
devedor é pura e simplesmente o emprego de
determinados meios sem ter em vista o resultado. É
a própria atividade do devedor que está sendo objeto
do contrato. Esse tipo de obrigação é o que aparece
em todos os contratos de prestação de serviços,
como o de advogados, médicos, publicitários etc.
Dessa forma, a atividade médica tem de ser
desempenhada da melhor maneira possível com a
diligência necessária e normal dessa profissão para o
melhor resultado, mesmo que este não seja
conseguido. O médico deve esforçar-se, usar de
todos os meios necessários para alcançar a cura do
doente, apesar de nem sempre alcançá-la."
"Na obrigação de resultado o devedor, ao
contrário, obriga-se a chegar a determinado fim sem
o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou
consegue o resultado avençado ou deverá arcar com
as conseqüências. É o que se dá, por exemplo, no
contrato de empreitada, transporte e no de cirurgia
estritamente estética ou cosmetológica. Em outras
palavras, na obrigação de meios a finalidade é a
própria atividade do devedor e na obrigação de
6
resultado, o resultado dessa atividade."
"A obrigação do médico pode ser de meios,
como geralmente é, mas também pode ser de
resultado, como quando faz um Raio X, um checkup, aplica ondas de calor, dá uma injeção, faz
transfusão de sangue, procede a determinada
esterilização necessária ou, como já nos referimos,
no caso da cirurgia plástica estética. Também há
possibilidade da obrigação do médico ser de
resultado quando assume expressamente a garantia
da cura."
"Dessa forma, a responsabilidade contratual do
médico pode ser presumida ou não. Não há
obrigatoriedade de presumir-se a culpa só por
estarmos diante de um contrato. O parâmetro deve
ser o tipo de obrigação assumida pelo facultativo
com seu cliente. Se este se propôs a alcançar um
determinado resultado, como na cirurgia estética, é
presumidamente culpado caso não o atinja. Cabe a
este profissional demonstrar a sua não culpa ou
ocorrência de caso fortuito ou força maior. O cliente
(credor) só deve demonstrar o inadimplemento, isto
é, que o resultado não foi alcançado."
"Ao contrário, se o médico somente se
compromete a se esforçar para conseguir a cura,
cabe à vítima do dano provar a sua culpa ou dolo. É
o cliente ou a sua família que tem de demonstrar que
o médico agiu com negligência, imprudência ou
imperícia para que possa receber a indenização
devida" (Responsabilidade civil dos médicos.
Responsabilidade civil. Coord. Yussef Cahali. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1988, p. 319-321).
Desse entendimento, dentre outros, difere
Reynaldo Andrade da Silveira ao dizer que "a
responsabilidade contratual pode ou não ser
presumida, e no caso do médico não o é",
esclarecendo que assim se tem entendido porque via
de regra o médico no desempenho de suas funções
não tem comprometido um determinado resultado,
mas apenas exige-se-lhe que se conduza de certa
forma e que no caso do médico "não há o
compromisso de curar, mas tão-somente o de
proceder de acordo com as regras e os métodos da
profissão". Por fim, alinha que "desta forma, a
obrigação médica é de meio, e não de resultado, o
que difere basicamente, sua responsabilidade das
demais contratuais, mesmo que pertença no modelo
jurídico a esta espécie" (Responsabilidade civil do
médico. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 674, p.
57, dez./91).
Discordamos desse ponto de vista pois há, sem
dúvida comportamentos na profissão médica que se
traduzem como uma obrigação contratual de
resultado, como bem demonstrou Teresa Ancona,
anteriormente citada, apontando, v.g., a cirurgia
plástica de efeito meramente estético, em que a
pessoa busca melhorar a sua aparência, não
padecendo de qualquer mal, mas apenas afetada de
vaidade, que é um bem. Nessa e em outras hipóteses
o profissional promete, sem dúvida, um resultado e,
portanto, assume contratualmente essa obrigação.
Evidentemente que se o resultado procurado for
a cura de um mal, de uma doença, não se poderá
responsabilizar o médico tão-só em razão da não
obtenção desse objetivo. Tal não poderá jamais ser
exigido do médico pois a ciência médica é, por
definição, uma ciência incompleta, que a cada dia
busca e encontra novas fronteiras mas que defrontase com enfermidades novas ou desconhecidas.
Como observou Nestor José Forster, "numa
visão radical da questão, exigir do médico obrigação
de resultado seria o mesmo que exigir dele
onipotência devida, em que ele atuasse como senhor
supremo da vida e da morte. Como, infelizmente, os
seres humanos continuam a morrer, e isso ocorre
também com os médicos, é evidente que a cura nem
sempre é possível. Logo, tal resultado não poderia
ser exigido de nenhum ser humano, nem mesmo do
médico (Cirurgia plástica estética: obrigação de
resultado ou obrigação de meios? Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 736, p. 83, fev./97).
Mas nossa concordância com o autor citado não
vai além disso.
Em se tratando de cirurgia meramente estética
não há como deixar de afirmar a obrigação de
resultado do médico. Não se pode deslembrar que a
responsabilidade de que cogitamos é contratual.
Enquanto na atividade tradicional o médico
oferece serviços de atendimento através de meios
corretos
e eficazes,
comprometendo-se
a
proporcionar a seu paciente todo o esforço,
dedicação e técnicas, sem, contudo, comprometer-se
com a cura efetiva, na atividade de cirurgião estético
o médico contrata um resultado, previsto, antecipado
e anunciado. Não ocorrendo este, salvo nas
intercorrências e episódios que atuem como
elidentes de sua responsabilidade, cabe exigir-lhe o
adimplemento da obrigação de resultado assumida.
"Entende-se que a obrigação contratual assumida
pelo médico não é de resultado mas de meios ou de
prudência e diligência, como correntemente é
referido. Não constitui objeto do contrato a cura do
doente mas a prestação de cuidados conscienciosos e
atentos. Caracterizada assim a natureza da obrigação
resultante desse contrato, que obviamente não tem
necessidade de ser firmado, mas cujo vínculo se
forma quando, chamado, o médico aceita a
incumbência de tratar o doente, assume em
conseqüência, a obrigação de dar a este o tratamento
adequado, isto é, conforme os dados atuais da
ciência. A atenção ao chamado, seguida da visita e
do tratamento iniciado, estabelecem o contrato entre
o médico e o cliente" (TJRS – 1ª C.-Ap. -j.
21.l0.1976-AJURIS 17/76).
V. tb. RJTJRS 61/194.
7
''A responsabilidade dos médicos é contratual,
mas baseada fundamentalmente, na culpa. A
obrigação assumida não é de resultado, mas de
meios, ou de prudência e diligência" (TJRJ -4ª C.Ap. 10.898-j. 11.03.1980 - Diário da Justiça do Rio
de Janeiro, 07.05.1981, p. 64, Responsabilidade
civil, 2. ed., coordenador Yussef Said Cahali, São
Paulo, Saraiva, 1988, p. 348).
"Não há obrigação por risco profissional, pois os
serviços médicos são de meios e não de resultado"
(TJSP – 2ª C. - EInfrs. - j. 30.12.1980 - RJTJSP
68/227).
"A responsabilidade civil do médico não é
idêntica à dos outros profissionais, já que sua
obrigação é de meio e não de resultado, exceção
feita à cirurgia plástica. A vida e saúde humanas são
ditadas por conceitos não exatos" (TJSP – 7ª C. Ap. - Rel. Sousa Lima - j. 11.11.1992-JTJ-LEX
142/117).
"A obrigação médica não é de resultado; não
assume o médico o dever de curar o paciente. de
aplacar todos os seus males e de transformar-se em
guardião absoluto da sua vida. É intuitivo que a
obrigação é de meio, mas nem por isso está o
médico desobrigado de esgotar os cuidados
terapêuticos disponíveis ao seu alcance" (TJRJ – 1ª
C. - Ap. - Rel. Pedro Américo Rios Gonçalves-j.
27.09.1994-RT 723/435).
"Embora haja um contrato entre médico e
paciente, não basta a alegação de eventual
descumprimento desse contrato para que o
profissional da área da saúde seja responsabilizado,
eis que sua atividade assume uma obrigação de meio
e não de resultado; assim. o médico somente será
obrigado a satisfazer o dano se este resultar de
imprudência. negligência ou imperícia, conforme
disposto no art. 1.545 do CC [atual art. 951]" (TJSP
– 1ª C. de Dir. Privado - Ap. 21.815-4/8 - Rel.
Guimarães e Souza-j.27.01.1998-RT 752/177).
“Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia
plástica. "Onus probandi". Obrigação de resultado.
Tabagismo no pós-operatório. - "A cirurgia plástica,
com fins exclusiva ou preponderantemente estéticos,
é cirurgia embelezadora e, por isso, a obrigação não
é de meio e sim de resultado. Na hipótese de o
resultado ser negativo e oposto ao que foi
convencionado, presume-se a culpa profissional do
cirurgião, até que ele prove sua não culpa ou
qualquer outra causa exonerativa. Inobstante o fumar
no período pós-operatório possa provocar os danos
ocorridos, há necessidade de o réu provar que a
cliente fumou, embora contra-indicação médica.
Prova
suficiente.
Responsabilidade
civil
reconhecida" (TJRS - 1.a C. - Ap. - Rel. Tupinambá
M. C. do Nascimento - j. 05.05.1992 - Bol. AASP
2.065/56).
. "A responsabilidade contratual não pode ser
presumida e no caso do médico não o é, porque, via
de regra a obrigação deste é de meio e não de
resultado, incumbindo, dessarte, ao autor provar se
houve com culpa o médico ou o hospital, para fazer
jus ao recebimento da indenização pleiteada" (TAPR
- Ap. 128982700 - Rel. Mario Rau - j. 22.12.1998 Informativo Incijur, Joinville-SC, 13 ago. 2000, p.
11).
· "No procedimento cirúrgico estético, em que o
médico lida com paciente saudável que apenas
deseja melhorar sua aparência física e.
conseqüentemente, sentir-se psiquicamente melhor,
estabelece-se uma obrigação de resultado que impõe
ao profissional da medicina, em casos de insucesso a
cirurgia plástica, presunção de culpa, competindolhe ilidi-la com a inversão do ônus da prova. de
molde a livrá-lo da responsabilidade contratual pelos
danos causados ao paciente em razão do ato
cirúrgico" (STJ – 3ª T. - REsp 81.101 -Rel.
Waldemar Zveiter - j.13.04.1999-RT 767/111 e
RSTJ 119/290).
Voto vencido do Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito: "Pela própria natureza do ato
cirúrgico, pouco importando sua subespecialidade, a
relação entre o cirurgião e o paciente está
subordinada a uma expectativa do melhor resultado
possível, eis que toda a intervenção cirúrgica pode
apresentar resultados não esperados, mesmo na
ausência de culpa ou erro médico. Assim, a
satisfação do contrato firmado entre médico e
paciente para realização de cirurgia plástica; de
cunho especificadamente estético, não depende,
exclusivamente, da perícia ou diligência do
cirurgião, mas de fatores idênticos aos de qualquer
outra cirurgia, razão pela qual impossível autorizarse a inversão do ônus da prova, em casos de
insucesso do procedimento cirúrgico, pois a
responsabilidade do profissional, em tais hipóteses,
deve ser apurada mediante a verificação da sua culpa
no evento, nos termos do art. 14, § 4°, do CDC".
''A responsabilidade do cirurgião plástico é
subjetiva, mas, em se tratando de obrigação de
resultado e não de meio em que fica invertido o ônus
da prova, prevalece a presunção da culpa pelos
médicos pelo insucesso ou pela imperícia na cirurgia
de melhoramento executada na autora, sem que
houvesse prova idônea que ilidisse tal culpa.
Resultado nefasto da cirurgia plástica e prova
pericial não favorável aos réus. Reparação de danos
material e moral. Aplicação, quanto aos ônus da
sucumbência, do disposto no parágrafo único do art.
21 do CPC. Redução do valor do dano moral.
8
Recursos parcialmente providos" (TJRJ – 7ª C.
Cível- Ap. 03.886/2001- Rel. Paulo Gustavo Horta j. 05.06.2001 - Bol. AASP 2.260/540).
18.02 - Anestesia: danos dela decorrentes
(responsabilidade do anestesista)
V. tb. a Nota de Doutrina do Item 18.13 abaixo.
NOTA DE DOUTRINA:
I - Um dos ramos da medicina e especialidade
que mais tem progredido é aquele relativo ao campo
da anestesiologia.
Atualmente esse ramo é reconhecido como
especialidade médica e não mais se admite que uma
cirurgia extensa seja realizada sem a presença do
médico anestesista.
Aliás, sua atuação tem início antes do ato
cirúrgico, pois impõe-se-lhe fazer. a anamnese, ou
seja, uma pesquisa prévia sobre as condições do
paciente; existência de problemas ou doenças
preexistentes; alergia a algum produto ou
medicamento; e, enfim, uma investigação completa
da sua higidez, à luz dos exames prévios solicitados
pelo médico cirurgião e pelo próprio anestesista,
quando necessário, inclusive exame ou teste de
sensibilidade e dos questionamentos e exames in
loco daquele que será submetido à cirurgia.
Somente diante desses dados e informações é
que poderá planejar a técnica adequada e o tipo de
anestésico a ser ministrado.
Bem se verifica que a responsabilidade do
anestesista não se resume apenas à sua atuação
durante o ato cirúrgico. Tem início muito antes.
Essa a razão pela qual a avaliação pré-anestésica
assume fundamental importância e, se comprometer
o ato anestésico em si ou, ainda, o pós-operatório,
empenha responsabilidade de tantos quanto atuaram
nessas fases, se qualquer das falhas verificadas
estiver na linha causal que conduziu ao resultado
lesivo. Constitui procedimento comum e usual a
consulta antes da cirurgia (avaliação pré-anestésica)
ser feita por um profissional e a anestesia ser
ministrada por outro. Nesse caso, haverá
responsabilidade solidária se o erro de avaliação
(antecedente) influir no ato principal (conseqüente).
É que se o insucesso teve como causa eficiente a
negligência, imprudência ou imperícia na avaliação
prévia, o médico anestesista, que a aceitou sem
verificar a sua adequação; assume o risco das
conseqüências que possam advir, embora não queira
o resultado lesivo.
Constituem erro médico a deficiência técnica, o
descuido do profissional, que não atenta para os
primeiros indícios de provável ou possível acidente.
O monitoramento deve ser constante. O
profissional deve permanecer junto do paciente
durante todo o tempo de duração do procedimento.
A sua ausência do local induz negligência e faz
presumir culpa pelo acidente, ainda que a dinâmica
dos grandes hospitais modernos ou dos hospitais
públicos, com horários fixos de plantão imponha
partilhamento na atenção aos pacientes.
Compete a este profissional manter o paciente
equilibrado no que pertine à pressão sangüínea,
batimentos cardíacos, oxigenação adequada e outros
parâmetros. Será sua a decisão de remoção do
paciente para um hospital melhor aparelhado no caso
de alguma intercorrência nociva.
Sua omissão poderá implicar em negligência.
. O choque anafilático, ou seja, a reação
exagerada do organismo ou o aumento da
sensibilidade a determinado produto ou substância
poderá levar o paciente à morte ou causar-lhe lesões
irreversíveis.
Geralmente essa reação pode ser evitada se
tomadas as precauções e realizados os
procedimentos que o atual estado da ciência
preconiza, de modo que a ocorrência desse
fenômeno será sempre um indício em desfavor do
anestesista. merecendo investigação pormenorizada.
Apenas para exemplificar, exsurge evidente e
sem disceptação que a utilização de anestésico de
alto risco ou de diluente inadequado induz culpa,
pois a atuação do médico terá sido de extrema
imprudência, ou mesmo de imperícia, por
desconhecimento do produto e forma de sua atuação
no organismo humano.
Até mesmo a forma de aplicar o anestésico ou
qualquer outro medicamento com opção pela via
endovenosa, como a má escolha desta ou daquela
artéria; a inabilidade que conduza a qualquer lesão
ou necrose e que evolua para a gangrena ou, mesmo,
outra complicação, ainda que o ato em si tenha sido
praticado por enfermeiro, empenha a obrigação de
reparar do médico anestesista, desde que o auxiliar
esteja sob as suas ordens. Este também responderá,
ou solidariamente, através de ação judicial dirigida a
ambos, ou através de ação regressiva daquele que for
condenado.
II - Mas a grande discussão surge quando o
procedimento é realizado por equipe médica da qual
faça parte o anestesista ou com a qual tenha atuado.
Nota-se na doutrina e na jurisprudência francesa
uma certa tendência em considerar autônoma a
responsabilidade do anestesista. até mesmo em
relação ao cirurgião (cf. Philippe Le Tourneau. La
responsabilité civile. Dalloz, 1976, p.1.172 e 1.173).
Contudo, caso fique caracterizado o trabalho de
equipe, sem possibilidade de identificar a atuação de
cada qual, impõe-se responsabilizar todos, e não só o
anestesista ou o chefe da equipe.
Obtempera Sérgio Cavalieri Filho: "Essa
concepção unitária da operação cirúrgica, entretanto,
não é mais absoluta em face da moderna ciência
médica. As múltiplas especialidades da medicina e o
9
aprimoramento das técnicas cirúrgicas permitem
fazer nítida divisão de tarefas entre os vários
médicos que atuam em uma mesma cirurgia. Em
outras palavras: embora a equipe médica atue em
conjunto, não há, só por isso, solidariedade entre
todos os que a integram. Será preciso apurar que tipo
de relação jurídica há entre eles. Se atuam como
profissionais autônomos, cada qual em sua
especialidade, a responsabilidade será daquele que
deu causa ao erro" (Programa de responsabilidade
civil. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 255).
Entretanto, impõe-se esclarecer que ainda
persiste divergência quanto à responsabilidade
exclusiva do anestesista quando o acidente ocorre no
interior do centro cirúrgico e esteja ele sob o
comando ou sob as ordens do cirurgião ou do chefe
da equipe. Nesse caso a responsabilidade será
solidária, tanto do cirurgião quanto do anestesista.
Correta,-pois, a: afirmação no sentido de que se o
erro foi exclusivo do anestesista e que se a cirurgia,
em si, foi adequada, executada com sucesso e sem
intercorrências, não :se poderá responsabilizar
também o cirurgião ou o chefe da equipe médica. A
recíproca também é verdadeira.
Mostra-se enfático Carlos Roberto Gonçalves
quando afirma ser "fora de dúvida a' existência de
responsabilidade autônoma do anestesista no pré e
pós operatório" (Responsabilidade civil. 8. ed. São
Paulo: Saraiva. 2003, p. 364).
III - O médico anestesista responde civilmente tal
como qualquer outro profissional liberal, ou seja,
mediante verificação de culpa em sentido lato (dolo
ou culpa stricto sensu), nos termos do que dispõe o
art. 14, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor e
o art. 951 do Código Civil, dispondo
especificamente sobre os profissionais da área
médica, ao utilizar-se da expressão "paciente".'
Evidentemente que, em algumas hipóteses, a
intercorrência nociva que às vezes surge poderá não
decorrer de culpa do profissional.
Nem sempre a complicação causada pela
anestesia pode ser debitada à sua imperícia,
imprudência ou negligência.
Tal como em qualquer outra área da
responsabilidade civil, as causas de exclusão da
responsabilidade, de que são exemplos o caso
fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima,
podem manifestar-se na atividade médica.
Significa, ainda no campo dos exemplos, que se
o paciente era portador de qualquer doença como
diabetes, insuficiência renal, cardiopatia grave,
propenso a vômitos constantes, alérgico ou sensível
a: algum medicamento e esconde do médico essa
circunstância preexistente, evidentemente que se
ocorrer algum problema durante o ato cirúrgico em
decorrência dessa insuficiência, ou mal de que
padecia o paciente então não se pode afirmar a
responsabilidade do profissional.
Impõe-se, para que a causa de exclusão da
responsabilidade atue, a existência de nexo entre a
doença omitida pelo paciente e o insucesso do
procedimento anestésico aplicado, ou seja, a
interferência da condição física daquele no
procedimento médico, pois, nesse caso, rompe-se o
nexo de causalidade que poderia existir entre a
conduta do anestesista e o resultado lesivo
verificado.
Indenização. Responsabilidade civil. Falecimento
em razão de choque anafilático decorrente do
medicamento alfatesin. Alegação de fenômeno
imprevisível na anestesia geral. Inadmissibilidade.
Choque resultante do uso de anestésico de alto risco,
com diluente impróprio no paciente que se mostrou
intolerante ao mesmo, culpa demonstrada. Ação
procedente (TJSP -1ª C. - Ap. 137.706-1-Rel. Renan
Lotufo- j. 25.02.1992).
Ação de indenização. Responsabilidade civil do
médico. Atos profissionais de que resulte dano ao
cliente em conseqüência de imperícia, negligência
ou imprudência. Anestesia geral em operação de
menor importância. Acidente relacionado com a
anestesia. Injeção paravenosa de medicamento
destinado a impedir o vômito transanestésico.
Subseqüente isquemia e gangrena da mão direita.
Amputação de todos os dedos. Atrofia muscular.
Perda funcional do membro superior direito:
Aplicação do disposto no art. 1.545 do CC [atual art.
951]. Demanda julgada procedente em relação ao
médico anestesista. Embargos providos por maioria
de votos (TJRS 1º Gr. Cs.- j. 22.12.1967 - RJTJRS
11/219 e AJURIS 17/76).
"Com a evolução e o aprimoramento das técnicas
cirúrgicas operou-se a divisão do trabalho, por
equipes especializadas. A concepção unitária da
operação cirúrgica é conceito ultrapassado. A noção
de ato destacável, própria do direito administrativo,
encontram plena receptividade em tema de
responsabilidade dos médicos. Todo o que for
destacável
do
ato
operatório
engaja
a
responsabilidade de quem o praticou e não
necessariamente a do cirurgião. Impende, pois, isolar
a atuação do anestesista frente ao caso concreto.
Embora a escolha do médico ou tipo de anestesia
tenha sido feita de comum acordo, o ato cirúrgico
propriamente dito transcorreu normalmente. o que
afasta a responsabilidade do cirurgião pela lesão e
dano que veio a sofrer o paciente. Essa lesão
resultou da injeção de um medicamento antiemético
na preparação do paciente para a anestesia. O
antiemético era vasoconstritor e, por acidente, foi
injetado na artéria umeral do paciente, eis que havia
implantação anômala dessa artéria em local - a dobra
10
do cotovelo - onde geralmente há uma veia. Essa
aberração, constatada pela perícia, insuspeitada e
inverificável sem exame com destinação específica.
Observadas que foram todas as regras da ciência
médica e atendidos os cuidados habituais, não há
como responsabilizar o anestesista, nem por
imprudência, nem por imperícia. nem por
negligência; nenhuma falta grave lhe pode ser
imputada" (TJRS – 2ª C. Ap. -j. 29.07.1965-RJTJRS
75/237 e AJURIS 17/75).
"Se a morte da vítima durante a cirurgia a que se
submeteu escapava à previsibilidade, não se
podendo
exigir
do
médico
anestesista
comportamento diverso nas circunstâncias em que
atuou. Sem a mínima notícia de que o paciente era
predisposto a hipertermia maligna, causa do evento
letal, inexiste justa causa para o seu processamento
por homicídio culposo" (TACRIM-SP – 4ª C. – HC Rel. Godofredo Mauro - j. 28.05.1981-RT 557/350).
· "A responsabilidade civil é a obrigação que
pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo
causado a outra (Savatier). Apesar de se inserir no
capítulo dos atos ilícitos, a responsabilidade médica
é contratual, conforme predomínio da doutrina e
jurisprudência. Há obrigação de meios e de
resultado. Anestesia é obrigação do resultado,
concernente a antes, durante e após o ato anestésico,
daí a profunda responsabilidade técnica do médico
anestesista, que estatui até uma condição arbitrária
para seu desempenho dentro da equipe médica. A
determinação de sua responsabilidade dependerá do
exame do caso concreto, onde se aplicou anestesia
peridural-raquiana, e após algum tempo, sem dor,
mas consciente, o paciente veio a ter concussão
cerebral, com traumatismo crânio-encefálico,
ficando com lesão cerebral, com dano permanente,
em razão da P.C.R. (parada cardiorrespiratória).
Ocorre que não foi feito o exame de sensibilidade do
paciente e, não sendo intervenção "cirúrgica
urgente", tanto assim que a anestesia fora setorial,
houve falta de cuidado objetivo e técnico do médico
anestesista, que, por negligência e também
imperícia, tanto pelo aspecto omissivo e comissivo,
não teve atitude correta, pronta, técnica e
profissional condizente ao momento e ao paciente,
havendo agido com culpa e respondendo pelo dano
causado (artigos 159 [atual art. 186] e 1.145 [atual
art. 511] c/c o artigo 1.056 [atual art. 389] do CC).
Ainda mais, o acréscimo angustioso, visto não tirar a
conscientização ao paciente, o temor de seu estado
psicológico, ocasionando a ele, paciente, e
conseqüentemente a terceiros, inequívoco dano
moral permanente, além do dano material físico"
(TJGO- 1ª C. - Ap.- Rel. José Soares de Castro - j.
18.05.1993 - Bol. AASP 2.065/55).
"Para atribuição de responsabilidade civil,
considera-se erro médico a simples falha de previsão
de conseqüências danosas que, ainda que
remotamente, possam advir do método anestésico
utilizado" (TAMG-EInfrs. 0214048-3/01- Rel.
Ernane Fidélis- j. 05.03.1998 - DJ 04.02.1998 Informativo Incijur, Joinville-SC, 13, ago/2000, p.
10).
"O erro inescusável na falha de entubação e
monitoramento, a ponto de não observar a tempo a
mudança de estado da paciente, representam
condutas culposas dos médicos, que provocaram dor
moral à família" (TAPR: Ap. 117324800 - Rel.
Lidio J. R de Macedo j. 06.10.1998 - DJ 16.10.1998
- Informativo Incijur, Joinville-SC 13, ago./2000, p.
10).
· "Age com culpa o médico anestesiologista que,
após misturar droga, afasta-se, mesmo que
momentaneamente, da sala cirúrgica, quando, então,
a vítima vai a óbito por parada cardiorrespiratória"
(TJRS – 3ª C. - Ap. 70.000317.016-Rel. Saulo Brum
Leal - j. 16.03.2000 - RT 779/656).
18.03 - Choque alérgico causado por medicamento
Responsabilidade civil. Morte resultante de
choque alérgico provocado pela aplicação de injeção
de analgésico. Inexistência de responsabilidade do
médico que prescreveu o medicamento. Carência de
ação contra ele e o hospital onde ocorreu o fato.
Decisão confirmada. Voto vencido (TJSP - 3ªC - Ap.
Rel. Evaristo dos Santos - j. 20.08.1964 - RT
357/199).
18.04 - Cirurgia: danos dela decorrentes
"Observadas que foram todas as regras da ciência
médica e atendidos os cuidados habituais, não há
como responsabilizar o anestesista, nem por
imprudência, nem por imperícia, nem por
negligência; nenhuma falta grave lhe pode ser
imputada" (TJRS – 2ª C. - Ap. j. 29.07.1965 AJURIS 17/75).
Responsabilidade civil. Dano resultante de
operação cirúrgica. Vinculação de causa e efeito
entre a lesão e a operação. Inocorrência, contudo, de
qualquer ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência do facultativo. - "Não há obrigação por
risco profissional, pois os serviços médicos são de
meios e não de resultado. Essa teoria, bem exposta
por Demogue (Ensaios e pareceres de direito
empresarial, de Fábio Konder Comparato, Forense,
1978, p. 524), alude ao exemplo dos serviços
profissionais do médico que se obriga a usar todos
os 'meios indispensáveis para alcançar a cura do
doente, porém sem jamais assegurar o resultado, isto
é, a própria cura. Como não há risco profissional
independente de culpa, deixa de haver base para
11
fixação de responsabilidade civil" (TJSP – 2ª C. EInfrs. - j. 30.12.1980-RJTJSP 68/227).
Responsabilidade civil. Ato ilícito. Intervenção
cirúrgica realizada por profissional sem orientação
comprovada de especialista em Ortodontia. Defeito
da oclusão ou articulação e diastemas dela
decorrentes. Imprudência caracterizada. Obrigação
de pagar as despesas do novo tratamento a que se
submeteu a vítima. Ação procedente. - "Não sendo o
profissional especialista em Ortodontia, defeso lhe
era levar a efeito um diagnóstico e sem diagnóstico
comprovado, impedido estava de realizar
intervenção típica dessa especialidade sem, ao
menos, encaminhar posteriormente o paciente a uma
especialista,
assumindo,
assim,
inteira
responsabilidade pela operação praticada" (TJSP –
1ª C. - Ap. Rel. Gomes Corrêa - j. 06.09.1983 - RT
585/93).
"Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Gaze deixada no organismo do autor,
obrigando-o a submeter-se, com urgência, a nova
intervenção cirúrgica por outros profissionais.
Existência do corpo estranho não demonstrada.
Insuficiência, como prova, do resultado de ultrasonografia, por não envolver juízo de certeza. Verba
não devida. Recurso provido. - "Afirmada a
presença de corpo estranho deixado no organismo de
paciente, durante cirurgia, não vale como prova
apenas a conclusão de resultado de exame na ultrasonografia, onde, ainda que com alta possibilidade,
se sugeriu ou admitiu tal presença" (TJSP - 4ª C. Ap. - Rel. Olavo Silveira - j. 11.02.1993 -JTJ-LEX
144/74).
Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Inocorrência. Patologia degenerativosistêmica, sem relação alguma com intervenção
cirúrgica. Verba indevida. Ação indenizatória
julgada improcedente. Improvimento ao recurso. "Se
não há relação causal entre a patologia incapacitante
e a intervenção cirúrgica a que é atribuída, não
procede a ação indenizatória por erro médico" (TJSP
– 2ª C. Dir. Privado - Ap. 33.843-4 - Rel. Cezar
Peluso - j. 18.08.1998-JTJ-LEX 217/154).
Responsabilidade civil. Indenização por dano
médico. Agulha de sutura deixada no corpo do
paciente. Instrumento de espessura e tamanho
reduzidos. Irrelevância. Nexo causal comprovado.
Danos morais evidenciados pela apreensão da
autora, ciente da existência de corpo estranho em seu
abdômen. Indenização majorada. Recurso provido
para esse fim (TJSP - 6ª C. Dir. Privado - Ap.
98.039-4 - Rel. Munhoz Soares - j. 29.06.2000 - JTJLEX 234/126).
18.05 - Dolo ou culpa como pressupostos da
responsabilidade
NOTA DE DOUTRINA:
Em seu excepcional trabalho sobre o tema,
Teresa Ancona expõe a questão com invulgar
maestria, sendo de prudência reproduzir parte de sua
explanação de inexcedível clareza e pertinência,
quando assevera:
"O Código Civil brasileiro coloca essa
responsabilidade entre os atos ilícitos, o que não lhe
tira o caráter de contratual.
"...De outro lado, é claro que pode existir
responsabilidade médica que não tenha origem no
contrato, como por exemplo, a responsabilidade
daquele médico que atende alguém que está
desmaiado na rua, daquele que dá socorro ao
suicida, que por sinal o recebe contra a vontade,
daqueles que fornecem atestados falsos ou mesmo o
caso do médico que, por sua culpa, deixa o seu
cliente contagiar outra pessoa.
"Com efeito, a obrigação de reparar o dano
sempre existe, seja ele produzido dentro do contrato
ou fora dele. O modo de atuação dessa
responsabilidade é que pode ser diferente na prática.
Apesar de nosso Código Civil ter separado os dois
tipos de responsabilidade, a moderna doutrina segue
a tendência de considerar o conceito de culpa uno,
não vendo senão diferenças secundárias entre a
responsabilidade contratual e a extracontratual. Na
verdade, nos países como o nosso, onde a
responsabilidade é fundada na culpa, para que haja
indenização é preciso que haja dano, mas que esse
dano tenha vindo de uma ação ou omissão voluntária
(dolo) ou de negligência, imprudência ou imperícia
(culpa em sentido estrito) e que seja também
provado o nexo de causalidade entre a culpa e o
dano. Ora, esses requisitos se aplicam tanto à
responsabilidade contratual como à aquiliana. A
principal diferença técnica entre esses dois tipos
baseia-se na questão da presunção de culpa que
haveria na responsabilidade contratual, acarretando a
reversão do ônus da prova e, portanto, deixando a
vítima em uma posição mais cômoda para conseguir
sua indenização. Em matéria delitual, ao contrário, a
culpa do autor do dano deveria ser provada pela
vítima.
"No Direito brasileiro a responsabilidade civil do
médico está expressamente consagrada no art. 1.545
do Código Civil [atual art. 951].
"Vemos, portanto, que o Direito Civil pátrio
abraçou totalmente a teoria da culpa no que diz
respeito à responsabilidade médica. Sendo assim,
terá a vítima do dano de provar a imprudência, a
negligência e a imperícia do profissional para ser
plenamente ressarcida" (op. cit., p. 319-321).
Cabe acrescentar que o Código de Defesa do
Consumidor
reafirmou
o
princípio
da
12
responsabilidade aquiliana dos médicos (art. 14, §
4°) o que nos levou a afirmar na Nota Introdutória
que a distinção entre responsabilidade contratual e
extracontratual, para esse efeito, perde o significado
e a razão de ser, posto que ampliou-se, para os
profissionais da área médica, o espectro probatório,
cabendo ao reclamante provar-lhe a culpa, ainda que
o serviço prestado tenha supedâneo em contrato
entre eles firmado. Isto, porque a responsabilidade
médica, derivada de contrato, já não pode mais
conduzir a uma presunção de culpa e inversão do
ônus probatório, salvo em casos excepcionais,
plenamente justificados.
A culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar
(in lege Aquilia et levissima culpa venit), pois em se
tratando da vida humana, não há lugar para culpas
"pequenas".
Como afirma Miguel Kfouri Neto "não é preciso
que a culpa do médico seja grave: basta que seja
certa" (A responsabilidade civil do médico. RT
654/57).
Esse também o entendimento de Carlos Roberto
Gonçalves (Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 363).
Outro aspecto que se mostra, no tema em estudo,
é o relativo ao chamado erro profissional, isto é, o
que resulte da incerteza ou da perfeição da arte e não
da negligência ou incapacidade de quem a exercita,
salvo se se tratar de um erro grosseiro.
Comentando a disposição do art. 1.545 do
Código Civil (atual art. 951), Carvalho Santos
expressou-se no sentido de que "a imperícia no
exercício de uma arte, ofício ou profissão constitui
uma espécie particular de culpa, assim sendo
considerar deste o Direito Romano: imperitia culpae
adnumeratur (Gaio, in L. 132, D, de r. i., L. 17)"
(Código Civil brasileiro interpretado, v. 21, p. 247).
Todavia, segundo a melhor doutrina, não se deve
considerar como culpa o erro profissional.
É que a imperfeição da ciência é uma realidade.
Daí a escusa que tolera a falibilidade do profissional.
Como pondera Sourdat, hoje em dia ninguém
contesta, em tese, a responsabilidade do médico
pelos danos que, por ato culposo seu, resultam para
o cliente. Assim, se age com culpa, se por uma
imprudência ou negligência manifestas resulta em
prejuízo para o seu cliente, tem este contra ele a ação
para exigir perdas e danos (Traité de la
responsabilité, v. 2, p. 276).
Não é possível traçar regras fixas como limite
dessa responsabilidade, embora existam princípios
gerais a regê-la.
O primeiro deles é o de que "não se considera
erro profissional o que resulta da imprecisão,
incerteza ou imperfeição da arte, sendo objeto de
controvérsias e dúvidas".
Segundo observação do autor francês por último
citado, "é princípio assente que os Tribunais não têm
o direito de examinar se o médico afastou-se das
regras de sua profissão, abordando a questão de
ordem científica, de apreciação e de prática médica,
não lhes sendo lícito, tampouco, decidir coisa
alguma sobre a oportunidade de uma intervenção
cirúrgica, sobre o método preferível a empregar, ou
sobre o melhor tratamento a seguir. As questões
puramente técnicas escapam à sua competência" (op.
cit., p. 259).
O erro de técnica, acentua Aguiar Dias, "é
apreciado com prudente reserva pelos Tribunais.
Com efeito, o julgador não deve nem pode entrar em
apreciações de ordem técnica quanto aos métodos
científicos que, por sua natureza, sejam passíveis de
dúvidas e discussões" (Responsabilidade dos
médicos. Coad, p. 10).
Convenha-se, porém, que se o profissional se
mostrar imperito, por inadmissível desconhecimento
da arte médica e do próprio mister a que se dedica,
raiando esse procedimento ao erro grosseiro - aquele
que se diz perfeitamente inescusável- tal
procedimento traduz e se transfunde em proceder
culposo e que obriga a que se indenize a vítima.
"A culpa é um dos pressupostos da
responsabilidade civil e, no caso de médicos deve
ser provada, ficando afastada a responsabilidade não
resultando comprovada a imprudência, imperícia ou
negligência, nem o erro grosseiro, em virtude,
mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo
diploma obtido após as provas regulamentares.
Logo, se foi o autor aconselhado pelo réu a adquirir
o referido medicamento não se pode afirmar que
houve engano ou precipitação do facultativo na
prescrição de uso de remédio inútil. Ademais, o
autor deixou de se internar em hospital para receber
adequadamente o remédio indicado, permitindo que
se esvaísse seu prazo de validade, devendo, pois,
arcar com a própria incúria. Outrossim, se o médico
sugere que o remédio seja vendido a outrem, já que
não seria mesmo utilizado, nem por isso se
vislumbra imprudência na sua recomendação.
Havendo, então, aceitação dos riscos por parte da
vítima, pode não apenas valer como uma cláusula de
não responsabilidade, como produzir uma outra
conseqüência: caracterizar ou manifestar a culpa da
vítima, traduzida na aceitação de uma situação de
perigo, por ser dever de todos preservar não apenas a
integridade dos outros como a sua própria
integridade" (TJSP – 6ª C. -Ap. 147.056-1-Rel.
Ernani de Paiva - j. 17.10.1991).
Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Obrigação de meio e não de resultado.
Dever de indenizar, no entanto, quando
comprovadas negligência ou imperícia do
profissional. Ação procedente. Recurso não provido
(TJSP – 7ª C. - Ap. - Rel. Campos Mello - j.
13
05.06.1991-RJTJSP 134/153).
Responsabilidade civil. Operação cirúrgica.
Paciente portador de hérnia recidiva. Culpa ou
imperícia dos médicos. Falta de prova. Ação de
indenização improcedente. - "Julga-se improcedente
ação de indenização se não provada a culpa ou
imperícia dos médicos operadores" (TJSP – 5ª C. Ap. - Rel. Sylvio Barbosa j. 20.03.1969 - RT
407/174).
· Responsabilidade civil. Internamento em
hospital. Amputação de perna. Indenização
pleiteada. Inexistência de prova de culpa ou
imperícia do profissional. Ação improcedente. Voto
vencido. - "Ainda que se admita a natureza
contratual do serviço médico, não se pode presumir
a culpa do profissional, por envolver obrigação de
meio e não de resultado. Sem prova dessa culpa
improcede ação de indenização" (TJSP – 6ª C. - Ap.
- Rel. José Cardinale - j. 26.10.1978 - RT 523/68).
"Improcede ação de indenização contra médico,
com fundamento em defeito físico decorrente de
operação, se não ficar demonstrada culpa do
cirurgião" (TJSP – 2ª C. - Ap. -Rel. Aniceto
Aliende- j. 12.08.1980 –RT 545/73).
Médico. Responsabilidade civil. Quando ocorre.
Ação improcedente - "A responsabilidade civil dos
médicos somente decorre de culpa provada,
constituindo espécie particular de culpa. Não
resultando provadas a imprudência, imperícia ou
negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a
responsabilidade dos doutrinadores em Medicina em
virtude, mesmo, da presunção de capacidade
constituída pelo diploma obtido após as provas
regulamentares" (TJRJ – 2ª C. - Ap. - Rel. Felisberto
Ribeiro - j. 20.08.1981 - RT 558/178).
"O médico só
pode ser civilmente
responsabilizado se demonstrada conduta culposa.
Inexistindo qualquer prova de erro de diagnóstico,
não há como se comprovar o nexo causal existente
entre a morte do paciente e a alta médica dada pelo
preposto do Estado" (TJSP – 8ª C. - Ap. -Rel.
Fonseca Tavares - j. 08.10.1986 - RT 618/59).
Dano moral. Indenização. Erro médico. Fato não
comprovado. Verba, ademais, que se justifica
quando o ilícito resulte de ato doloso e não culposo.
Improcedência da ação decretada. Declaração de
voto. - "É imperioso lembrar que o dano moral só se
justifica quando o ilícito resulte de ato doloso, em
que a carga de repercussão ou perturbação nas
relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentidos e
nos afetos de uma pessoa, se reflita como
decorrência da repulsa ao ato intencional do autor do
crime. Tal carga, à evidência, não pode ser
encontrada num delito culposo, especialmente como
no caso, sem demonstração de culpa, em qualquer de
suas modalidades e ressalte-se, duvidosa até a prova
da ocorrência do apontado erro médico" (TJSP-4ª C.
- Ap. - Rel. Olavo Silveira - j. 11.02.1993 – RT
704/98).
"O problema do erro médico se reveste de
dificuldades sérias, como refere Aldo Carta
(Responsabilità civile del medico, Roma, 1976),
sobretudo na hora de tomá-lo em consideração para
a determinação de responsabilidade, pois se o bom
pai de família comete erros, o melhor dos médicos
também. Por isso, acrescenta, a solução destes
problemas deve estar na análise dos elementos da
responsabilidade civil, ação ou omissão, dano, culpa,
relação de causalidade, como usual na doutrina"
(TJSP – 4ª C. - Ap. - Rel. Olavo Silveira _ j.
11.02.1993 - RT704/98).
"Não se há de imputar responsabilidade
indenizatória ao médico, face ao insucesso de
intervenção cirúrgica, se não restar evidenciada sua
conduta culposa, uma vez que o compromisso
assumido constitui obrigação de meio e não de
resultado" (TAPR – 6ª C. - Ap. _ Rel. Salatiel
Resende - j. 28.04. 1994-RT711/182).
"Profissional que diagnosticou corretamente a
existência de corpo estranho no olho do cliente e que
também providenciou sua retirada e aplicou o
tratamento adequado a uma ceratite ulcerosa, que, a
despeito disso, evoluiu e deu causa à perda parcial
da visão, tratando-se de atividade-meio, na qual o
médico não se compromete a curar, mas a aplicar
toda a diligência na cura, não se pode falar de culpa
quando não chega o profissional ao resultado
desejado. Desde que o diagnóstico foi correto e a
terapêutica adequada, não há que cogitar de relação
de causa e efeito entre a atividade do médico e o
dano. Descaracterização da culpa em qualquer das
modalidades.
Improcedência
do
pedido
condenatório" (TJPR – 2ª C. - Ap. - Rel. Sydney
Zappa - j. 30.03.1994 - RT714/207).
"A seqüela de intervenção cirúrgica, por si só,
não comprova a culpa do médico, devendo antes
ficar demonstrada sua imperícia ou negligência para
que respondam o nosocômio e o profissional pelos
danos físicos, estéticos e psicológicos causados na
menor. Recurso provido" (TJSP-8ª C. Dir. PrivadoAp. 7.174-4- Rel. Egas Galbiatti - j. 04.08.1999 JTJ-LEX222/75).
18.06 - Erro de diagnóstico
NOTA DE DOUTRINA:
O diagnóstico consiste na determinação da
14
doença do paciente, seus caracteres e suas causas.
O erro no diagnóstico, como regra, não gera
responsabilidade, salvo se tomado sem atenção e
precauções, conforme o estado da ciência,
apresentando-se como erro manifesto e grosseiro.
Comete-o o médico que deixa de recorrer a outro
meio de investigação ao seu alcance ou profere um
juízo contra princípios elementares de patologia (cf.
Georges Boyer Chamard e Paul Monzein. La
responsabilité médicale. Presses Universitaires,
1974, p. 119-120).
A doutrina mais antiga entendia que o "erro de
diagnóstico" não é culposo, mas, ainda assim, atrai a
responsabilidade do médico (Malaurie e Aynés).
Contudo, Antônio Jeová Santos entende que "o
erro de diagnóstico responsabiliza o médico pelos
danos que causar ao paciente", mas que esse erro
"deve ser grave e inescusável e verifica-se na
prescrição de um tratamento inadequado ou a
intervenção cirúrgica desnecessária" (Dano moral
indenizável. 1ª ed. São Paulo: Lejus, 1997, p. 100).
Preleciona Aguiar Dias que se o erro do
diagnóstico, desde que escusável em face do estado
atual da ciência médica, não induz à
responsabilidade do médico, o engano grosseiro ou
manifesto não permite isentá-la. Assim: a) o
tratamento, como fratura, de ferida causada pela
introdução de um estilhaço de madeira na perna do
paciente; b) tomar uma mulher grávida como
portadora de fibroma e operá-la, causando-lhe a
morte; c) aplicar ao doente o tratamento de uma
doença que não tinha, sem se esforçar por descobrir
de que moléstia realmente se tratava; d) o contrasenso cometido pelo médico em face de radiografia
terminantemente clara; e) ou o diagnóstico leviano
ou inexato, em presença de sintomas positivamente
contrários aos apresentados pela moléstia, e
malgrado o protesto enérgico do doente (op. cit., p.
296-297, n. 116).
Nenhuma responsabilidade se poderá imputar ao
médico se em razão de diagnóstico errôneo e
equivocado dano algum provir. Não há reparação
sem dano. Se da ação ou omissão nenhum resultado
lesivo advém, o fato é irrelevante no mundo jurídico.
Se, porém, em razão desse equívoco o paciente
sofrer dano, ou porque não fazendo o correto
tratamento e deixando de atacar o verdadeiro mal
teve sua situação agravada, ou se, em razão do
diagnóstico, submeteu-se a tratamento inócuo ou
maléfico, haverá, então, de se perquirir se nas
circunstâncias poder-se-ia dele exigir opinião correta
e precisa.
Para tanto caberá indagar se à luz da ciência e do
avanço médico-tecnológico poderia o profissional
obter essa certeza, tendo em vista apoio em exames
de laboratório, ultra-sonografia, ressonância
magnética, tomografia computadorizada e tantos
outros exames postos à disposição.
Se a resposta for afirmativa, estará caracterizada
a sua culpa, sob a modalidade de negligência,
considerando que deveria ter submetido o seu cliente
a esses exames e não fez, concluindo por um
diagnóstico sem que tivesse base científica para isso.
Se a resposta for negativa, não se poderá falar
em culpa, pois o equívoco, transmudado em mero
erro profissional, não foi querido, desejado, nem nas
circunstâncias se poderia exigir maior atenção,
cuidado ou precisão do médico. É o erro justificável
ou escusável.
"Repele-se, pois, a teoria de que o erro de
diagnóstico não é culposo, mas, ainda assim.
empenha obrigação. Cabe fazer" aquela distinção
entre erro injustificável e, portanto, culposo, e o erro
profissional justificável, por não se poder, nas
circunstâncias, exigir outro comportamento médico
à luz do estado da ciência.
Indenização, Responsabilidade civil. Erro
médico. Realização de dois exames endoscópicos
com
diagnósticos
totalmente
diferentes.
Desnecessidade de prova pericial a constatar o erro
do médico. Equívoco evidente. Alegação de
cerceamento de defesa afastada. Recurso não
provido (TJSP-13ª C. -Ap. - Rel. Minhoto Júnior-j.
16.05.1989-RJTJSP 120/178).
Indenização. Responsabilidade civil. Dano
moral. Moléstia grave diagnosticada erroneamente,
com recomendação de imediata cirurgia, trazendo à
autora angústia intensa. Negligência e imprudência
inocorrentes e ausência de prova quanto à imperícia.
Ação improcedente. Embargos rejeitados. Voto
vencido. - "A ação de indenização por dano moral
sofrido pela paciente em razão de errôneo
diagnóstico de moléstia grave, causando-lhe
angústia não se funda na responsabilidade objetiva
ou em presunção absoluta de culpa; no caso,
reclama-se a demonstração de imprudência,
negligência ou imperícia do médico" (TJSP – 8ª C. EInfrs. - Rel. José Osório- j. 12.08.1992-JTJ-LEX
l40/182).
Responsabilidade civil. Menor internada em
hospital. Apendicite. Morte de paciente. Negligência
e imperícia atribuídas aos facultativos. Assistente
Técnico dos autores roborando, ademais, a
culpabilidade dos réus. Afastamento, entretanto, da
hipótese, por erro escusável do diagnóstico inicial.
Sintomatologia vaga e imprecisa. Escusabilidade
que não induz culpabilidade. Indenização, assim,
indevida. Embargos infringentes para esse fim
recebidos. Votos vencedor e vencido declarados. "Quando escusável, o erro do diagnóstico não induz
a responsabilidade do médico. Assim sempre se
entendeu, não só porque a medicina está longe de ser
infalível como também, porque o médico, ao prestar
seus serviços, apenas se obriga a tratar do doente
15
com zelo e diligência, utilizando os recursos da
ciência e da arte médicas" (TJSP – 5ª C. - EInfrs. Rel. Nogueira Garcez j.06.08.1981 - RT569/93).
Observação: Acórdão embargado na RT 540/82.
"O diagnóstico de grave doença e a
recomendação de imediata cirurgia trazem angústia
intensa e o dano, em regra é indenizável, mas o fato
de o exame de laboratório ter-se revelado errôneo
não leva necessariamente à conclusão de que houve
culpa, e para saber se houve aí erro imputável aos
réus nada foi demonstrado a propósito de qual
devesse ter sido o adequado comportamento dos
mesmos.
Trata-se
de
questão
altamente
especializada
exigindo-se
perícia
para
pronunciamento seguro da Justiça. Dessa forma,
inexistindo tal providência técnica, tem-se que
admitir como razoável, e portanto não culposo, o
comportamento dos profissionais que recomendaram
a cirurgia, a qual, aliás não era radical e irreversível.
De um lado estava, dependendo do comportamento
dos profissionais, o risco de vida do autor, de outro,
o risco de amedrontá-lo ou angustiá-lo. A opção que
se fez foi normal e adequada, preponderando o valor
maior" (TJSP – 8ª C. - EInfrs. Rel. José Osório- j.
12.08.1992-RT695/84).
· Dano moral. Responsabilidade civil.
Diagnóstico equivocado que apurou a presença do
vírus da Aids. Incontroverso nos autos que a autora
sofreu angústia, desconforto emocional e pânico por
aquilo que se pode chamar de "morte anunciada".
Indenização devida, mas que não pode ser excessiva
- Recursos parcialmente providos. Responsabilidade
civil. Dano material. Diagnóstico equivocado
fornecido por órgão da Fazenda Pública que apurou
a presença do vírus da Aids. Autora que não
demonstrou os prejuízos sofridos. Indenização
indevida. Recursos parcialmente providos (TJSP – 8ª
C. Dir. Público Ap. 49.742-5 - Rel. Paulo Travain j. 09.12.1999-JTJLEX 226/72 e Bol. AASP 2.248,
28.01 a 03.02.2002).
18.07 - Exames em geral: danos daí decorrentes
"O médico executor de aortografia não responde
por culpa moral se deixa de avisar ao paciente dos
riscos do exame - Obrigação que incumbe ao médico
clínico, solicitante do exame. O executor, no caso,
só responderia pela culpa marcada pela negligência,
imperícia ou imprudência, que não se vislumbrou na
espécie" (TJRS – 4ª C. - Ap. - j. 24.08.1977 RJTJRS 68/340 e AJURlS 7/77).
18.08 - Lesões causadas ao nascituro
Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Lesões provocadas em nascituro,
ocasionando-lhe danos físicos irreversíveis, durante
o trabalho de parto. Ocorrência de inadimplemento
na prestação de serviço. Omissão culposa
caracterizada. Indenização devida (TJSP _1ª C. - Ap.
129.718-1- Rel. Roque Komatsu j.01.11.199O).
· "Feto em posição invertida e distorcida de
rotação são fatos naturais que escapam ao controle
do profissional médico, não se podendo
responsabilizá-lo por lesões que estes venham a
causar na criança se não restar comprovado ter ele
agido com negligência, imprudência ou imperícia"
(TJSP - 7 .ac. -Ap. - Rel. Sousa Lima -j.11.11.1992RT 694/84).
Indenização. Dano moral. Negligência e omissão
médica, resultando na morte do filho. Indenização
devida. Possibilidade da ocorrência de crime. Cópias
das peças dos autos a serem remetidas ao Ministério
Público para os fins de direito. – “É devida
indenização por danos morais à mãe parturiente,
cujo filho nasce morto por respirar mecônio no útero
em razão do retardamento do parto, por negligência
e omissão médica" (TJRO -C. Civil-Ap. 95.0050385 - Rel. Eliseu Fernandes de Souza - j. 27.06.1995 Bol. AASP 2.065/56).
Vide RT729/290.
18.09 - Omissão de socorro
NOTA DE DOUTRINA:
A omissão de socorro caracteriza ilícito civil e
ilícito penal.
Dispõe o art. 135 do Código Penal: "Deixar de
prestar assistência, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada,
ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em
grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos,
o socorro da autoridade pública. - Pena: detenção de
1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa".
Portanto, a omissão pura, configuradora do
ilícito, consiste em deixar, intencionalmente, de
prestar assistência médica, quando possível fazê-lo,
sem risco pessoal, ou em não pedir socorro à
autoridade pública.
Constitui infração penal a conduta do médico,
dos dirigentes de hospital, pronto-socorro, ou casa
de saúde, bem como de seus prepostos, em deixar de
dar socorro a pessoa ferida ou doente, em grave e
iminente perigo.
Para a caracterização da omissão de socorro não há
necessidade de a vítima estar correndo risco de vida.
Basta que haja perigo à incolumidade física ou
psíquica da pessoa.
Se para o homem comum a obrigação de prestar
socorro traduz-se em preceito do direito natural e
manifestação de solidariedade humana, para o
médico essa obrigação, como imposição legal,
decorre da natureza da profissão que escolheu e,
como dever moral, decorre dos preceitos de ética
médica.
16
Aliás, a omissão de socorro está expressamente
prevista no art. 58 do Código de Ética Médica,
quando estabelece a relação do médico com
pacientes e familiares (Resolução do Conselho
Federal de Medicina 1.248, de 08.01.1988, Cap. V).
Se houver ação penal e o médico for condenado
como incurso na disposição legal acima, essa
decisão faz coisa julgada no âmbito civil, de modo
que à vítima ou às pessoas legitimadas a agir,
bastará executar o título executivo formado com a
sentença penal transitada em julgado.
A ação no âmbito civil terá o objetivo de apurar o
valor da indenização e de executá-lo.
Contudo, se absolvido no juízo criminal por
insuficiência de provas, ou não tendo sido instaurada
a ação penal, a vítima, na ação civil que intentar, terá
de fazer prova da culpa do médico, reabrindo-se a
discussão no que pertine ao meritum causae.
Apenas na hipótese de absolvição penal por
inexistência do crime ou prova de que o. acusado
não é o seu autor é que essa decisão interferirá na
esfera civil, impedindo que a ação prossiga, pois,
transitada em julgado, põe fim a qualquer discussão.
· Omissão de socorro. Estudante de medicina
escalado para plantão noturno. - "O delito de
omissão de socorro só é punível a título de dolo e
não o comete quem, por insuficiente formação
científica, ou inexperiência, não avalia corretamente
a gravidade do perigo e não determina providência
que profissional mais capaz e atento eventualmente
adotaria" (TACRIM-SP – 3ª C. - Ap. Crim.-Rel.
Dante Busana - j. 11.10.1983 -RT580/357).
18.10 - Omissão do profissional como causa dos
danos
Indenização. Responsabilidade civil. Negligência
médico-hospitalar.
Paciente
atendida
em
ambulatório, com fortes dores abdominais, e
submetida a medicação. Retorno por quatro vezes
até ser internada. Exames que constataram
apendicite aguda. Cirurgia realizada só no dia
seguinte, apesar da gravidade do estado da paciente.
Falecimento treze dias após. Negligência
caracterizada porque os sintomas indicavam
necessidade de internação imediata, com exames
aptos ao diagnóstico. Recurso provido para decretar
a procedência do pedido de indenização. Voto
vencido (TJSP-5ª C. - Ap. - Rel. Afonso André - j.
25.10.1979 - RJTJSP 64/100).
Ação de reparação de danos. Responsabilidade
civil de médico. Profissional que desconsidera
quadro clínico anormal de paciente. Necessidade de
intervenção cirúrgica no dia seguinte, por outro
esculápio. Culpa manifesta. Indenização devida. - "É
induvidosamente negligente o médico que, após
realizar uma episiotomia em parturiente, não dá
maior atenção às suas queixas posteriores, deixando
de proceder a um exame mais detalhado muito
embora o quadro anormal, permitindo a formação de
um abscesso de graves proporções, com perfuração
do reto, que exigiu cirurgia de emergência no dia
imediatamente após a última consulta com o
profissional, sem que qualquer providência mais
atuante fosse tomada. Em casos tais, a
responsabilidade médica reside em sua omissão,
resultando conseqüências perfeitamente previsíveis,
acarretando a obrigação do esculápio em reparar os
prejuízos" (TJPR 3ª C. - Ap. - Rel. Renato Pedroso j. 22.04.1986 - RT 608/160).
18.11 - Responsabilidade contratual e o Código de
Defesa do Consumidor
NOTA DE DOUTRINA:
Muito se tem debatido e escrito sobre a questão
relativa à responsabilidade dos médicos, sendo rica a
literatura sobre a questão, a mostrar e confirmar sua
importância e o relevo que essa atividade vem
ganhando,
notadamente
na
teoria
da
responsabilidade, exacerbando o interesse das
vítimas de erros médicos e suas conseqüências,
como, aliás, já vem ocorrendo de há muito na
América do Norte, a partir de uma noção mais clara
das pessoas sobre o que seja cidadania e seus
direitos como cidadãos, frente à atitude culposa
causadora de danos.
Tal ali ocorre em razão do grau de cultura das
pessoas e o apoio da mídia, que tendo consciência de
seus direitos, reclama-os na Justiça, obtendo
vultosas indenizações por procedimentos culposos
de médicos desidiosos, como observou Reynaldo
Andrade da Silveira. (Responsabilidade civil do
médico. RT 674/57). Essa noção da responsabilidade
dos médicos já existia no Direito Romano, em texto
de Ulpiano (D., 1, 18,6,7), onde se lê: sicut medico
imputari eventus mortalitatis non debet, ita quod per
imperitiam commisit imputari ei debet ("assim como
não se deve imputar ao médico o evento da morte,
deve-se imputar a ele o que cometeu por imperícia'').
Segundo Josserand, um dos processos de que se
tem valido a jurisprudência para ir em socorro da
vítima consiste na substituição da responsabilidade
delitual pela responsabilidade contratual. Esta,
"espalha-se como a mancha de óleo e não se sabe
onde se deterá, na sua marcha progressiva",
indagando o mestre "se um dia os tribunais não
declararão o médico ou o cirurgião responsável
contratualmente pelos danos resultantes de um
tratamento contra-indicado ou de uma intervenção
infeliz" (Evolução da responsabilidade civil. RF
86/548).
A responsabilidade médica foi regulada em
dispositivo incluído entre os que disciplinam a
responsabilidade aquiliana (CC, art. 951).
Toda a doutrina mais abalizada reconhece que a
classificação se orientou para a culpa contratual.
17
Esta encontra fundamento no art. 389 do Código
Civil e a responsabilidade extracontratual funda-se
no art. 186 do mesmo Código.
Aguiar Dias pondera que a responsabilidade do
médico é contratual, não obstante sua colocação no
capítulo dos atos ilícitos (op. cit., p. 282, n. 114).
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, "não
se pode negar a formação de um autêntico contrato
entre o cliente e o médico, quando este o atende"
(op. cit. 8. 00., 2003, p. 359, n. 54).
Nesse sentido também o entendimento de.
Teresa Ancona Lopez ao afirmar que a discussão a
respeito do enquadramento da responsabilidade
médica dentro da culpa contratual ou extracontratual
está hoje superada, posto que tanto a doutrina quanto
a
jurisprudência
são
francamente
pela
responsabilidade ex contractu do médico, citando,
ainda entendimento convergente de Henri Mazeaud
e León Mazeaud, Aguiar Dias, Henri Lalou e Sílvio
Rodrigues (Responsabilidade civil dos médicos.
(Responsabilidade
civil
dos
médicos.
Responsabilidade civil. Coord. Yussef Cahali. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1988, p. 319).
E, realmente, apesar da legislação anterior lhes
atribuir diferentes conseqüências, essa distinção já
vinha sendo abandonada pela moderna doutrina, que
nela não, via utilidade, fazendo residir o fundamento
único da responsabilidade civil no contrato social
(cf. Clóvis do Couto e Silva. Principes
fundamentaux de la responsabilité civile en droit
brésilien comparé, p: 9).
Aliás, os tribunais franceses têm declarado que a
responsabilidade do médico é contratual, não só
quando presta serviço remunerado, mas ainda
quando sua assistência é ato de pura cortesia (cf.
Savatier, op. cit., t. 2, p. 390, n. 775).
Entretanto, obtempera Aguiar Dias que a
responsabilidade do médico é contratual apenas em
casos em que há convenção, o que não importa
exigir estipulação escrita: o chamado, seguido da
visita, já estabelece o contrato, seja diretamente com
o enfermo, seja com pessoa de sua família ou
qualquer outra, estipulando por terceiro, no caso, o
doente (op. cit., p. 284).
Perfeita, aliás, a colocação de Ruy Rosado de
Aguiar Jr. sobre esse aspecto:
("Devemos admitir que a responsabilidade médica
não obedece a um sistema unitário. Ela pode ser
contratual, derivada de um contrato estabelecido
livremente entre paciente e profissional, a maioria
das vezes de forma tácita, e compreende as relações
restritas ao âmbito da medicina privada, isto é, do
profissional que é livremente escolhido, contratado e
pago pelo cliente. Será extracontratual quando, não
existindo o contrato, as circunstâncias da vida
colocam frente a frente médico e doente,
incumbindo àquele o dever de prestar assistência,
como acontece no encontro de um ferido em plena
via pública, ou na emergência de intervenção em
favor de incapaz por idade ou doença mental. Será
igualmente extracontratual a relação da qual
participa o médico servidor público, que atende em
instituição obrigada a receber os segurados dos
institutos da saúde pública, e também o médico
contratado pela empresa para prestar assistência a
seus empregados. Nestes últimos casos; o
atendimento é obrigatório, pressupondo uma relação
primária de Direito Administrativo ou de Direito
Civil entre o médico e a empresa ou o hospital
público, e uma outra entre o empregado com.a
empresa, ou entre o segurado com a instituição de
seguridade, mas não há contrato entre o médico e o
paciente (Jean Penneau. La réforme..., p. 528;
Markesinis, Basil. Problemes de responsabilité
médicale en Droit Anglais. Revue Internationale de
Droit Comparé,1988, n. 2, § 351-367)"(In:
Responsabilidade civil do médico: RT 718/33).
Embora a responsabilidade do médico, como
profissional liberal e, portanto, prestador de serviços,
seja contratual, como regra, agora, contudo, essa
distinção mostra-se despicienda, pois a legislação
hoje em vigor rompeu com a anterior.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078,
de 11.09.1990) em vigor desde 11.03.1991, posto a
lume por força do mandamento contido no art. 5°,
XXXII, da CF/88, atribuiu ao consumidor farta
gama de direitos que até então se via privado o
cidadão comum, posto que desamparado de um
instrumento eficaz e específico.
A nova lei impôs ao fornecedor de bens e
serviços, inclusive o Poder Público, uma série de
obrigações, visando o respeito ao consumidor.
Em sua Seção II, do Capítulo IV da
"responsabilidade pelo fato do produto e do
serviço", o CDC consagrou a responsabilidade
objetiva (arts. 12 e 14), ou seja, responsabilizando o
fabricante, o produtor, o construtor e o importador
pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmu1as,
manipu1ação, apresentação ou acondicionamento de
seus produtos, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e
riscos, independentemente da existência de culpa.
E mais, fixou a responsabilidade subsidiária do
próprio comerciante, quando o fabricante,
construtor, produtor ou importador não puderem ser
identificados
ou
quando
não
conservar
adequadamente os produtos perecíveis, também
objetiva.
Ressalvou, contudo, a responsabilidade pessoal
dos profissionais liberais, que só poderá ser
declarada mediante a verificação de culpa (art. 14, §
4°).
Discorrendo sobre esse aspecto, Francisco
Chagas de Moraes abordou a questão esclarecendo
18
que a responsabilidade civil do médico na qualidade
de profissional liberal, em face do disposto no art.
14, § 4°, do CDC, será apurada mediante verificação
da culpa, regra, aliás, aplicável a todos os demais
profissionais liberais, cujo elenco está relacionado
no anexo do art. 577 da CLT.
E acrescentou: "Quando se tratar de serviços
médicos prestados por hospital, como fornecedor de
serviços (art. 14, caput), a apuração da
responsabilidade independe da existência de culpa,
conforme
esclarece
Antônio
Herman
de
Vasconcellos e Benjamin: "O Código é claro ao
asseverar que só para a 'responsabilidade pessoal'
dos profissionais liberais, é que se utiliza o sistema
alicerçado em culpa. Logo se o médico trabalhar em
hospital responderá apenas por culpa, enquanto a
responsabilidade do hospital será apreciada
objetivamente" (Comentários ao Código de Proteção
do Consumidor. Obra coletiva. São Paulo: Saraiva,
1991, p. 80, apud Francisco Chagas de Moraes,
Responsabilidade civil do médico, RT 672/275).
E, realmente, apesar de nossa discordância com
relação a algumas posições pontuais dos autores
citados, nesse aspecto o Código de Defesa do
Consumidor inovou com profundidade.
Segundo lição de Ruy Rosado de Aguiar Jr., "a
diferença fundamental entre essas duas modalidades
de responsabilidade está na carga da prova atribuída
as partes: na responsabilidade contratual, ao autor da
ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a
existência do contrato, o fato do inadimplemento e o
dano, com o nexo de causalidade, incumbindo ao réu
demonstrar que o dano decorreu de uma causa
estranha a ele; na responsabilidade extracontratual
ou delitual, o autor da ação deve provar, ainda, a
imprudência, negligência ou imperícia do causador
do dano (culpa), isentando-se o réu de responder
pela indenização se o autor não se desincumbir desse
ônus" (artigo citado, p. 35).
Como a responsabilidade pessoal do médico pela
prestação de serviços deve ser apurada mediante
culpa, por força da regra de exceção do art. 14, § 4º,
do CDC, a distinção entre responsabilidade
contratual e extracontratual, para esse efeito, como
antes enfatizado, perde o significado e a razão de
ser, posto que ampliou-se, para o médico, o espectro
probatório, cabendo ao reclamante provar-lhe a
culpa, ainda que o serviço prestado tenha supedâneo
em contrato entre eles firmado.
18.12 - Responsabilidade do cirurgião plástico na
cirurgia estética ou reparadora
V. tb. o Item 18.01, acima, e Dano Estético no
Capítulo XVII.
NOTA DE DOUTRINA:
Segundo Wanderby Lacerda Panasco (A
responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 1.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 242), a cirurgia
plástica, como ramo da cirurgia geral, surgiu como
especialidade, a partir de 1914, tendo em vista a
readaptação funcional dos traumatizados de guerra.
Contudo, já no final do século XIX, com as
primeiras próteses nasais, seus conhecimentos
adquirem dimensões incipientes, dando surgimento
ao que atualmente se denomina rinoplastia.
Somente em 1930 é criada a Sociedade
Científica Francesa de Cirurgia Reparadora, Plástica
e Estética. A expressão cosmetologia surgiu no
Congresso Internacional de Dermatologia, em
Bucareste, em 1935, quando o Dr. Auriel Voina a
apresentou en hommage à la beauté conservée,
renovée ou suplée de la femme eternelle. E em 1950
apareceu a Sociedade Francesa de Cosmetologia,
constituindo-se os seus objetivos na terapeutique de
la laiderus.
Nas observações de Aguiar Dias, "aspecto
eminentemente moderno da medicina é a cirurgia
estética. Esta aplicação da ciência não tem sido
encarada com muita benevolência pelos tribunais,
naturalmente impressionados pela feição menos
nobre da cirurgia estética posta a serviço da vaidade
fútil ou dos até hoje inexeqüíveis processos de
rejuvenescimento, mas esquecidos das assombrosas
possibilidades que ela pode abrir à humanidade,
dentro das altas finalidades da arte médica" (op. cit.,
p. 303, n. 117).
Como enfatiza Teresa Ancona Lopez, "ramo da
medicina hoje em dia em franco desenvolvimento é
o que diz respeito às operações que visam melhorar
a aparência externa de alguém, isto é, tem por
objetivo o embelezamento da pessoa humana. São as
operações plásticas estéticas ou cosmetológicas. Tais
intervenções foram muito combatidas no passado e,
hoje, apesar de aceitas, a responsabilidade pelos
danos produzidos por elas é vista com muito maior
rigor que nas operações necessárias à saúde ou à
vida do doente" (O dano estético. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1980, p. 61-62).
Em verdade esse maior rigor vem sendo
enfatizado apenas com relação à cirurgia meramente
estética, pois a chamada plástica reparadora é
considerada tão necessária e imprescindível quanto
qualquer outra intervenção cirúrgica, pois tem a
mesma finalidade terapêutica que as demais.
Bastante polêmica é a definição da natureza
jurídica da cirurgia estética, quando o paciente busca
apenas melhorar sua aparência, ao contrário da
cirurgia dita reparadora, onde se pretende a correção
de lesões deformantes ou defeitos congênitos ou
adquiridos (cf. Antônio Chaves. Responsabilidade
civil das clínicas, hospitais e médicos. Revista
Jurídica, 159/118).
Anota Ruy Rosado de Aguiar Jr. que a
orientação hoje vigente na França, na doutrina e na
jurisprudência, se inclina para admitir que a
19
obrigação a que está submetido o cirurgião plástico
não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois
corre os mesmos riscos e depende da mesma álea.
Seria, portanto, como a dos médicos em geral, uma
obrigação de meios (Responsabilidade civil dos
médicos. RT 718/39).
A particularidade residiria no recrudescimento
dos deveres de informação, que deve ser exaustiva, e
de
consentimento,
claramente
manifestado,
esclarecido, determinado (Jean Penneau. La réforme
de la responsabilité médicale. Revue Internationale
de Droit Comparé, 1990, p. 35)
Duas decisões da Corte de Lyon e da Corte de
Cassação, de 1981, comentadas por Georges Durry
(Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1982, p. 153),
reafirmam que se trata de uma obrigação de meios,
porque em toda operação existe uma álea ligada à
reação do organismo, e acentuam a existência de um
dever particular de informação.
Mais recentemente, em 21.02.1991, a Corte de
Versailles, reconhecendo a existência de uma
obrigação de meios, condenou o cirurgião plástico
que não comparou convenientemente os riscos e os
benefícios de uma cirurgia considerada prematura,
deixando de fornecer a correta informação sobre os
riscos possíveis (Recueil Dalloz-Sirey, 1993, p. 29).
O professor Luís Andorno, citado por Ruy
Rosado, após ter sido defensor da idéia oposta, no
último curso ministrado em Porto Alegre, assim se
expressou: "Se bem tenhamos participado durante
algum tempo deste critério de situar a cirurgia
plástica no campo das obrigações de resultado, um
exame meditado e profundo da questão nos levou à
conclusão de que resulta mais adequado não fazer
distinções a respeito, colocando também o campo da
cirurgia estética no âmbito das obrigações de meios,
isto é, no campo das obrigações gerais de prudência
e diligência. É assim, porquanto, como bem assinala
o brilhante jurista e catedrático francês e estimado
amigo, Prof. François Chabas, de acordo com as
conclusões da ciência médica dos últimos tempos, o
comportamento da pele humana, de fundamental
importância na cirurgia plástica, é imprevisível em
numerosos casos. Ademais, agrega dito jurista, toda
a intervenção sobre o corpo humano é sempre
aleatória (La responsabilidad civil médica. AJURIS
59/224).
Ao mesmo tempo em que adere a esse
posicionamento (obrigação apenas de meios),
obtemperando que embora algum cirurgião plástico
ou muitos deles, "assegurem a obtenção de um certo
resultado, isso não define a natureza da obrigação,
nem altera a sua categoria jurídica, que continua
sendo a obrigação de prestar um serviço que traz
consigo o risco", Ruy Rosado de Aguiar Jr. anota
que, no Brasil, a maioria da doutrina e da
jurisprudência defende a tese de que se trata de uma
obrigação de resultado.
Comungamos de opinião diversa, pois para nós a
obrigação, em hipóteses que tais, é de resultado.
Aliás, como o admirado autor aqui sempre citado
evidenciou, "forte corrente de doutrinadores de escol
entende que a obrigação assumida pelos cirurgiões
plásticos nas intervenções meramente estéticas é
uma obrigação de resultado e não apenas de meios
podendo-se invocar, nesse sentido, Sílvio Rodrigues
(Responsabilidade Civil, p. 258; Aguiar Dias, op.
cit, p. 283; Caio Mário, CoadI/15; Savatier, op. cit.,
vol. 2, p. 391, n. 775).
E, realmente, assim devem ser entendidas as
intervenções dessa natureza.
Diz Miguel Kfouri Neto que "no caso de cirurgia
plástica estética ou cosmetológica, que constitui,
como
visto,
obrigação
de
resultado,
a
responsabilidade por dano deverá ser apreciada com
muito maior rigor" (A responsabilidade civil do
médico. RT 654/57).
Em sua obra O dano estético, Teresa Ancona
obtempera que "na verdade, quando alguém, que
está muito bem de saúde, procura um médico
somente para melhorar algum aspecto seu, que
considera desagradável, quer exatamente esse
resultado, não apenas que aquele profissional
desempenhe seu trabalho com diligência e
conhecimento científico, caso contrário, não
adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por nada. Em
outras palavras, ninguém se submete a uma operação
plástica se não for para obter um determinado
resultado, isto é, a melhoria de uma situação que
pode ser, até aquele momento, motivo de tristezas"
(op. cit. 62).
Essa, aliás, a ratio essendi, o sentido teleológico
buscado pela ética médica.
São, portanto, lícitas as intervenções cirúrgicas
com finalidade meramente estética ou embelezadora,
se assim desejar o paciente e expressamente
manifestar sua vontade; quando necessárias ou
quando o eventual defeito a ser removido ou
atenuado seja fator de desajustamento psíquico ou
social.
O atual Código de Ética Médica, posto em vigor
pela Resolução 1.246, de 08.01.88, do Conselho
Federal de Medicina (DOU de 26.01.1988, p. 1.574),
dispõe no art. 6° que: "O médico deve guardar
absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre
em benefício do paciente", não impedindo, pois, as
intervenções cirúrgicas em pessoas sadias e hígidas
sob o aspecto físico e mental, com o objetivo único
de embelezamento ou de rejuvenescimento, desde
que aplicadas técnicas aceitas e consagradas.
Em sua obra específica sobre a responsabilidade
dos médicos a autora citada, buscando esclarecer o
sentido da chamada "obrigação de resultado",
professorou que "na obrigação de resultado o
devedor, ao contrário, obriga-se a chegar a
determinado fim sem o qual não terá cumprido sua
20
obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou
deverá arcar com as conseqüências. É o que se dá,
por exemplo, no contrato de empreitada, transporte e
no de cirurgia estritamente estética ou
cosmetológica. Em outras palavras, na obrigação de
meios a finalidade é a própria atividade do devedor e
na obrigação de resultado, o resultado dessa
atividade" (Responsabilidade civil dos médicos, cit.,
p. 320).
Como assinalou Aguiar Dias, a cirurgia estética
deve ser apreciada do ponto de vista subjetivo,
esclarecendo: "'É, decerto impossível compreender a
irresponsabilidade do médico que pratica operação
dessa natureza sem a existência de um como que
estado de necessidade, apreciável segundo as
circunstâncias e na proporção dos riscos que
imponha ao paciente, isto é, embora reconhecida a
necessidade da operação, deve o médico recusar-se a
ela, se o perigo da intervenção é maior que a
vantagem que poderia trazer ao paciente. Sempre e
em todos os casos, compete ao médico a prova de
que existia esse estado de necessidade e de que a
operação, normalmente encarada, não oferecia riscos
desproporcionados ao fim colimado. Não vale, para
nenhum efeito, neste particular, a prova do
consentimento do cliente. Na matéria, em que
predomina o princípio da integridade do corpo
humano, norma de ordem pública, não vale a
máxima volenti non fit injuria. Mas, ainda que não
corresponda ao sucesso esperado, a operação estética
pode bem deixar de acarretar a responsabilidade do
profissional, desde que: a) seja razoavelmente
necessária; b) o risco a correr seja menor que a
vantagem procurada; c) seja praticada de acordo
com as normas da profissão" (op. cit., p. 309-310, n.
118).
Para sustentar o entendimento de que a obrigação
do médico na cirurgia meramente estética é apenas
de meios Nestor José Forster assim se expressa: "É
certo que o médico não pode controlar todos os
fatores a influírem na cirurgia estética. Basta dar o
exemplo do 'quelóide', aquela calosidade cicatricial
que pode ocorrer no local da cirurgia. A ciência
médica simplesmente desconhece, hoje, porque o
quelóide ocorre em algumas pessoas, ao passo que
não se apresenta em outras. Portanto, ao realizar
cirurgia estética, o cirurgião não tem condições de
assegurar ao paciente que não resultará a
cicatrização sob forma de quelóide. Se a realidade é
esta, e aqui cita-se apenas um exemplo, não há como
exigir do médico o resultado. Ainda aqui, pois, seria
de meios e não de resultados o contrato com o
cirurgião plástico" (Cirurgia plástica estética:
obrigação de resultado ou obrigação de meios. RT
738/85).
Nada mais inexato. A premissa se nos afigura
falsa. A eventual intercorrência de fatores e reações
estranhas à cirurgia não infirma a tese da obrigação
de resultado do médico, eis que se postam como
causas eficientes autônomas e se configuram como
excludentes por romperem o nexo etiológico.
O surgimento de quelóides em pessoas propensas
a essa reação, como o aparecimento de complicações
outras não atribuíveis à atuação do médico tanto
ocorrem nas cirurgias tradicionais como nas
cirurgias meramente estéticas, razão pela qual essa
circunstância não pode servir de fundamento para a
exclusão
incondicional
da
responsabilidade
assumida pelo médico em contrato firmado com o
paciente, no qual esteja embutida uma promessa de
resultado.
Como não se desconhece, o caso fortuito, a força
maior e a culpa exclusiva da vítima constituem
causas excludentes tanto da responsabilidade
aquiliana como objetiva, pois rompem o nexo
causal.
Mas, só por si, a causa excludente da
responsabilidade não pode servir de fundamento
para estabelecer a natureza e o alcance da
responsabilidade do cirurgião plástico.
O que importa considerar é que o profissional na
área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete um
determinado resultado (aliás, essa é a sua atividade
fim), prevendo, inclusive, com detalhes, esse novo
resultado estético procurado. Alguns utilizam-se
mesmo de programas de computador que projetam a
nova imagem (nariz, boca, olhos, seios, nádegas
etc.), através de montagem, escolhida na tela do
computador ou na impressora, para que o cliente
decida.
Estabelece-se, sem dúvida, entre médico e
paciente relação contratual de resultado que deve ser
honrada.
Portanto, pacta sunt servanda.
Segundo nos parece, com relação às cirurgias
plásticas com objetivo meramente estético, cabe
fazer distinção, de fundamental importância, entre a
cirurgia que apenas não logrou obter o resultado
pretendido e contratado entre o médico e seu cliente,
daquela na qual a intervenção cirúrgica, além de não
atingir esse desiderato, causou um agravamento, ou
uma lesão estética na vítima.
No primeiro caso, se o resultado não foi obtido,
sem, contudo, agravar a situação do paciente, isto é,
mantido o statu quo ante, caberá ao médico apenas
restituir-lhe aquilo que pagou pelo serviço.
Se, contudo, a cirurgia, além de não alcançar o
resultado querido, agravou a situação do paciente,
criou defeito estético ou agravou aquele existente,
além de restituir o que recebeu ou deixar de receber
o valor contratado, deverá submeter o paciente a
nova cirurgia, visando corrigir o defeito que causou.
Evidentemente, se o cliente não quiser, por falta de
confiança, que o mesmo profissional proceda à
correção, deve-se-lhe facultar o direito de escolher
médico de sua confiança para realizar a intervenção
21
reparadora, custeada pelo cirurgião causador dessa
anomalia.
Mas se esse defeito não for passível de correção
e tomar-se definitivo e irreparável, o médico
causador desse mal, além de devolver o que recebeu,
deverá indenizar a vítima pelo dano estético e moral
que causou, na proporção do dano e levando em
consideração os efeitos que esse defeito possa causar
no seu portador, sob o aspecto psicológico, moral,
social e profissional.
48
Há, porém, casos em que o cirurgião; embora
aplicando corretamente as técnicas que sempre
utilizou em outros pacientes com absoluto sucesso,
não obtém o resultado esperado.
Se o insucesso parcial ou total da intervenção
ocorrer em razão de peculiar característica inerente
ao próprio paciente e se essa circunstância não for
possível de ser detectada antes da operação, estar-seá diante de verdadeira escusa absolutória ou causa
excludente da responsabilidade.
O renomado cirurgião plástico Paulo Jatene,
radicado na capital do Estado de São Paulo,
esclarece que a cirurgia plástica divide-se em dois
ramos distintos, mas que estão interligados entre si:
a) a cirurgia plástica reparadora, que visa a
reconstrução dos tecidos danificados em razão de
acidente ou doença adquirida ou congênita; e b) a
cirurgia plástica estética. Esta última. conforme
esclarece o cirurgião citado, "rotulada como
meramente cosmética e desnecessária, quando, em
verdade, um indivíduo convive melhor com uma
doença do que com um problema estético em seu
corpo". E acrescenta: "Deve-se convir que, quando o
médico aplica um tratamento cosmético está
cuidando de uma doença da alma, pois os pacientes
da cirurgia plástica estética são, em sua maioria,
mulheres na faixa de 30 a 50 anos de idade, carentes
de afetividade, geralmente, superando ou
recuperando perdas (final de um casamento,
traumas, vida atribulada, crise existencial),
acreditando que a cirurgia e a modificação de sua
aparência física irá resolver seus problemas. Um
outro tipo de paciente é aquele que tem um problema
e busca resolvê-lo, como, por exemplo, a mulher que
engordou mais de quinze quilos na gravidez e após o
parto ficou com o abdome flácido ou com os seios
caídos.
Observou, ainda, o cirurgião Paulo Jatene que o
princípio básico de uma cirurgia plástico-estética é o
respeito às dobras e linhas naturais do corpo
humano, cuja preservação se impõe. E mais, não
existe cirurgia sem cicatriz, de modo que o paciente
deve sempre saber que está trocando o resultado que
buscou com uma cicatriz, embora esta esteja
"escondida" (nas axilas, na parte posterior da orelha,
na região do "trágus" etc.) ou imperceptível.
Casos há, porém. enfatiza, que apesar da
aplicação de técnicas consagradas e todos os
cuidados preconizados, o resultado não é obtido em
sua inteireza.
É o que ocorre, ad exemplum, com certa
freqüência, com pessoas "que - por possuir tipo de
pele extremamente sensível ou em razão de infecção
posterior apresentam, após o ato cirúrgico, cicatriz
hipertrófica, ou cicatriz queloidiana, formando-se
quelóides na extensão do corte e tornando-o mais
evidente, com comprometimento do resultado
esperado ou prometido.
Caracterizam-se pela formação excessiva de
tecido colágeno. Enquanto na cicatriz normal há um
equilíbrio entre a síntese do colágeno e sua
degradação, nas cicatrizes hipertróficas, em razão de
causas desconhecidas, ocorre um aumento dessa
síntese do colágeno.
Como fatores conhecidos e já identificados, que
podem influir no aparecimento dos "quelóides",
mencionam-se:
a) Raça de origem: O tipo de pele dos indivíduos
de raça negra e amarela é mais susceptível de
manifestar cicatrizes hipertróficas do que os
caucasianos;
b) Hereditariedade: Embora os estudos sejam
ainda inconclusivos, existem alguns grupos de
indivíduos com acometimento severo e história
familiar positiva;
c) Idade: Em um mesmo indivíduo a tendência
ao quelóide pode estar presente em uma certa idade
e, posteriormente, ficar atenuada ou desaparecer;
d) Fatores locais: As regiões mais propensas à
hipertrofia cicatricial são as peitorais, deltóides e
face (rosto), sendo comum o surgimento de
quelóides nas perfurações das orelhas. Mostra-se
também comum a coexistência, numa mesma região,
de quelóides e cicatrizes finas. Aliás, a mesma
cicatriz pode apresentar segmentos normais e
hipertróficos intercalados;
e) Tensão entre os bordos da ferida;
f) Ocorrência de infecção local;
g) Suturas muito apertadas: hipótese em que
surgirão áreas de necrose;
h) Descumprimento aos cuidados exigidos no
pós-operatório.
Em algumas dessas hipóteses, em que a
manifestação adversa é absolutamente imprevisível,
não obstante o procedimento cirúrgico mostre-se
escorreito e sem jaça e, portanto, exsurge como
verdadeiro fortuito, não se poderá imputar
responsabilidade ao profissional pelo insucesso,
desde que tenha alertado previamente o paciente da
possibilidade dessas intercorrências.
Fora dessas hipóteses, a não obtenção do
resultado prometido empenha responsabilidade.
22
a) Obrigação de resultado na cirurgia estética
embelezadora (cosmetológica)
· "Contratada a realização de cirurgia estética
embelezadora, o cirurgião assume obrigação de
resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não
cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano
material quanto pelo moral, decorrente de
deformidade estética, salvo prova de força maior ou
caso fortuito" (STJ – 3ª T. – Resp - Rel. Dias
Trindade- j. 21.06.1991-RSTJ33/555);
"Se o cliente fica com aspecto pior, após a
cirurgia, não se alcançando o resultado que
constituía a própria razão de ser do contrato, cabelhe o direito à pretensão indenizatória pelo resultado
não alcançado" (TJSP - lª C.-Ap.227.747-1 Rel.Guimarães e Souza - j. 15.07.1995)..
Cirurgia plástica embelezadora. Obrigação de
resultado, respondendo o cirurgião pelos danos
patrimoniais e morais resultantes do insucesso da
intervenção cirúrgica. Provimento parcial do recurso
para julgar procedente a ação (TJSP – 8ª C. Dir.
Privado - Ap. 32.132-4 - Rel. Aldo Magalhães – j.
24.06.1998 - RJTJSP 208/100).
"No procedimento cirúrgico estético, em que o
médico lida com paciente saudável que apenas
deseja melhorar sua aparência física e,
conseqüentemente, sentir-se psiquicamente melhor,
estabelece-se uma obrigação de resultado que impõe
ao profissional da medicina, em casos de insucesso
da cirurgia plástica, presunção de culpa,
competindo-lhe ilidi-la com a inversão do ônus da
prova, de molde a livrá-lo da responsabilidade
contratual pelos danos causados ao paciente em
razão do ato cirúrgico" (STJ – 3ª T - REsp 81.101 Rel. Waldemar Zveiter - j. 13.04.1999 - RT767/111
e RSTJ 119/290).
Voto vencido do Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito: "Pela própria natureza do ato
cirúrgico, pouco importando sua subespecialidade, a
relação entre o cirurgião e o paciente está
subordinada a uma expectativa do melhor resultado
possível, eis que toda a intervenção cirúrgica pode
apresentar resultados não esperados, mesmo na
ausência de culpa ou erro médico. Assim, a
satisfação do contrato firmado entre médico e
paciente para realização de cirurgia plástica, de
cunho especificadamente estético, não depende,
exclusivamente, da perícia ou diligência do
cirurgião, mas de fatores idênticos aos de qualquer
outra cirurgia, razão pela qual impossível autorizarse a inversão do ônus da prova, em casos de
insucesso do procedimento cirúrgico, pois a
responsabilidade do profissional, em tais hipóteses,
deve ser apurada mediante a verificação da sua culpa
no evento, nos termos do art. 14, § 4°, do CDC".
b) Caso fortuito. Admissibilidade na cirurgia
estética
Responsabilidade civil. Cirurgia estética.
Ocorrência de infecção que obstou ao
prosseguimento
do
tratamento
avençado.
Caracterização de caso fortuito. Restituição das
partes ao status quo ante, com a devolução dos
honorários. Recurso extraordinário não conhecido
(STF - lª T. - RE- Rel. Thompson Flores- j.
08.05.1979 -RT529/254).
c) Culpa exclusiva da vítima. Alegação de
inobservância das prescrições médicas
Responsabilidade civil. Médico. Cirurgia
plástica. "Onus probandi". Obrigação de resultado.
Tabagismo no pós-operatório. - "A cirurgia plástica,
com fins exclusiva ou preponderantemente estéticos,
é cirurgia embelezadora e, por isso, a obrigação não
é de meio e sim de resultado. Na hipótese de o
resultado ser negativo e oposto ao que foi
convencionado, presume-se a culpa profissional do
cirurgião, até que ele prove sua não culpa ou
qualquer outra causa exonerativa. Inobstante o fumar
no período pós-operatório possa provocar os danos
ocorridos, há necessidade de o réu provar que a
cliente fumou, embora contra-indicação médica.
Prova
insuficiente.
Responsabilidade
civil
reconhecida" (TJRS – 1ª C. - Ap. - Rel. Tupinambá
M. C. do Nascimento - j. 05.05.1992 - Bol. AASP
2.065/56).
"Inexistindo prova de que a paciente, submetida
a cirurgia plástica de reparação estética, não tenha
observado prescrições médicas ou tenha manipulado
os curativos, lhe é devida indenização por dano
estético e moral se o resultado da intervenção
cirúrgica piorou seu aspecto físico" (TJSP -1ª C. Ap. - Rel. Alexandre Germano j. 26.05.1998RT757/156).
d) Cicatrizes hipertróficas causadas por cirurgia
embelezadora
Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Cirurgia plástica. Danos estéticos. Hipótese
de cicatrizes hipertróficas localizadas nas mamas.
Considerações sobre a cirurgia reparadora e estética.
Configuração da obrigação de resultado. Verba
devida para a realização de nova cirurgia para
reparação do dano. Recurso provido. - "Quanto aos
cirurgiões plásticos, a obrigação que assumem é de
resultado. Os pacientes, na maioria dos casos de
cirurgia plástica, não se encontram doentes, mas
pretendem corrigir um problema estético. Interessalhes, precipuamente, o resultado. Se o cliente fica
com aspecto pior, após a cirurgia, não se alcançando
o resultado que constituía a própria razão de ser do
contrato, cabe-lhe o direito à pretensão indenizatória
pelo resultado não alcançado" (TJSP _1ª C. -Ap.
23
227.747
L - Rel. Guimarães e Souza - j. 15.07.1995).
e) Cicatrizes suprapúbicas com prolongamentos
laterais excessivos
Paciente que, após o ato cirúrgico, apresenta
deformidades estéticas. Cicatrizes suprapúbicas com
prolongamentos laterais excessivos. Depressão na
parte mediana da cicatriz, em relação à distancia
umbigo/púbis. Gorduras remanescentes. Resultado
não satisfatório. "Embora não evidenciada culpa
extracontratual do cirurgião, é cabível o
ressarcimento. A obrigação, no caso, é de resultado,
e não de meio. Conseqüentemente, àquele se vincula
o cirurgião plástico. Procedência parcial do pedido,
para condenar o réu ao pagamento das despesas
necessárias aos procedimentos médicos reparatórios.
Dano estético reduzido. Ressarcimento proporcional.
Custas e honorários de 20% (vinte por cento) sobre o
valor da condenação" (TJRJ 5ª C. Ap. - Rel. Marcus
Faver - DJU 04.06.1993 - Bol. AASP 2.065/55).
f) Complicação surgida no pós-operatório.
Inexistência de nexo causal
Cirurgias plásticas realizadas. Paralisia do nervo
ciático poplíteo surgida no período pós-operatório.
Nexo causal inexistente. Ação improcedente. "A
queixa do autor não se refere ao resultado das
cirurgias, mas de um mal surgido no período pósoperatório, consistente em paralisia do nervo ciático
poplíteo externo esquerdo. Reconhece que a lesão do
nervo ciático não teve vinculação com as cirurgias.
Não houve relação de causalidade imediata entre as
cirurgias, com o tratamento respectivo e o mal"
(TJSP 6ª C. - Ap. - Rel. Francisco Negrisollo - j.
07.08.1980 - RJTJSP 68/148).
g) Critérios para a fixação dos danos
Indenização. Responsabilidade civil. Operação
plástica. Dano estético. Verba devida relativamente
aos danos morais e aos apurados quando da
realização de nova cirurgia para reparação.
Acréscimo de correção monetária. Decisão
confirmada. Voto vencido (RJTJSP 65/174).
Indenização. Erro médico. Culpa grave.
Honorários profissionais. Dano estético e moral. "Em se tratando de pedido de indenização por
cirurgia plástica malsucedida, provada a culpa, fica o
profissional obrigado a restituir ao paciente os
honorários, bem como a reparar os danos
decorrentes do erro médico" (TAMG 4ª C. - Ap.
110.111-3 - Rel. Mercêdo Moreira - j. 21.08.1991RT 692/149).
"Se em ação de indenização houve pedido de
reparação pecuniária por danos morais e estéticos
decorrentes de defeitos da cirurgia e outro para
pagamento de despesas com futura cirurgia
corretiva, atendido este, inadmissível será o
deferimento do primeiro" (TAMG - 4ª C. -Ap.-Rel.
Mercêdo Moreira - j. 21.08.1991 – RT 692/149).
h) Culpa presumida na cirurgia estética
Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Deformação de seios, decorrente de
mamoplastia. Culpa presumida do cirurgião.
Cabimento. Hipótese de cirurgia plástica estética e
não
reparadora.
Obrigação
de
resultado.
Negligência, imprudência e imperícia, ademais
caracterizadas. Recurso não provido (TJSP – 9ª C. Ap. - Rel. Accioli Freire - j. 09.06.1994 - RJTJSP
157/105).
i) Dano estético causado pela plástica
"O que se busca com a cirurgia plástica é a
correção de defeitos físicos, que comprometem a
beleza do ser humano. Ora, se, em conseqüência de
uma cirurgia mal-executada, sobrevém a uma
mulher, um dano estético, é evidente que ele deve
ser reparado, não se podendo negar o direito ao
ressarcimento pelos lucros cessantes pelo dano
estético. A aparência física da pessoa, tanto para as
que executam determinadas profissões, como para
aquelas que possam aspirar a uma colocação
compatível com seu grau de instrução ou com a sua
capacidade de trabalho, é fundamental como fator de
emprego. O certo é que, em conseqüência de uma
cirurgia plástica malconduzida e pior executada, a
autora sofreu deformação física, que lhe causa
depressão psíquica, que é fator imprescindível para o
êxito social ou econômico de qualquer ser humano”
(TJSP – 4ª C. - EInfrs. - j. 18.12.1980 - RJTJSP
70/217).
Vide RJTJSP 65/174.
Indenização. Responsabilidade civil. Ato ilícito.
Dano estético. Deformidade causada por erro
médico em cirurgia plástica. Condenação do réu no
custeio de outra cirurgia reparadora. Escolha do
médico e do hospital a critério da autora. Verba
fixada na fase de liquidação, que será por artigos.
Sentença confirmada (TJSP 6ª C. - Ap. - Rel. Melo
Júnior - j. 19.12.1991-RJTJSP 137/182).
"Cirurgia plástica destinada a melhorar a
aparência de paciente. Lesões resultantes de ato
operatório, de que decorreu dano estético à paciente.
Responsabilidade civil do médico operador.
Sentença confirmada" (TJRJ -8ª C. -Ap.- Rel. Lopes
de Sousa - j. 16.12.1980 –RT 554/234).
"O dano estético resultante de cirurgia plástica
deve ser indenizado pelo médico em razão de
24
inadimplemento contratual, já que assume ele
obrigação de resultado" (TJSP – 1ª C. - Ap. - Rel.
Roque Komatsu - j. 25.10.1988 -RT638/89).
"O profissional que se propõe a realizar cirurgia,
visando a melhorar a aparência física do paciente,
assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe
resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a
avaliação dos riscos. Responderá por tais danos,
salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator
imprevisível, o que lhe cabe provar" (STJ -3ª T. AgReg. 37.060 - Rel. Eduardo Ribeiro - j.
28.11.1994-RT 718/270 e RSTJ 119/293).
j) Deformação dos seios em razão de flacidez
preexistente da pele
Médico. Responsabilidade civil. Indenização.
Mamoplastia da qual resultou deformidade estética.
Se a deformação dos seios deve ser atribuída à
flacidez da pele da autora, resta incólume a culpa
do cirurgião. Assim, duas hipóteses merecem
destaque. Primeira, o réu, que, evidentemente,
examinou os seios da autora, percebeu a alegada
flacidez da pele, ocultando esse fato da paciente,
agindo com imprudência, pois como conceituado
cirurgião que alega ser, devia prever o resultado
indesejável da deformação apontada. Segunda, se
não percebeu a flacidez, agiu com negligência,
outra modalidade da culpa" (TJSP – 9ª C. - Ap. Rel. Accioli Freire-j. 09.06.1994-RT713/125).
I) Dever do médico de alertar o paciente da
possibilidade de resultado negativo
Danos materiais e morais decorrentes de
cirurgia estética malsucedida. Fundada suposição
de imperícia. Obrigação de resultado, de acordo
com o estágio de desenvolvimento das técnicas
cirúrgicas, ou dever do médico de alertar o paciente
da
probabilidade
de
resultado
negativo.
Improvimento da apelação dos réus. Provimento do
recurso adesivo da autora (TJSP – 2ª C. Dir.
Privado -Ap. - Rel. Lino Machado - j. 07.04.1998 JTJ-LEX207/116).
m) Impossibilidade de o juiz pronunciar-se
acerca do método operatório utilizado
Responsabilidade civil do médico. Cirurgia
estética malsucedida. Culpa não provada. - "A
responsabilidade dos médicos é contratual, mas
baseada, fundamentalmente, na culpa. A obrigação
assumida não é de resultado, mas de meios, ou de
prudência e diligência. Ao juiz é defeso, por não ser
de sua competência, pronunciar-se por essa ou
aquela escolha, optar por esse ou aquele método
operatório. Exame da prova, onde não há
comprovação de culpado réu. Ninguém pode ser
condenado por meras conjecturas" (TJRS – 4ª C. Ap. 10.898 - j. 11.03.1980-DJRJ07.05.1981, p. 64.
Responsabilidade civil. Coord. Yussef Said Cahali.
São Paulo: Saraiva, 2. ed., 1988, p. 348).
n) Resultado diverso do pretendido
"Na cirurgia estética existe responsabilidade do
médico quando há resultado diverso do pretendido
pelo paciente" (TJRJ – 6ª C. - Ap. - Rel. Dourado
de Gusmão - j.02.09.1982-RT556/191).
o) Resultado pretendido não
Inexistência de responsabilidade
alcançado.
'Cirurgia
plástica.
Erro
profissional.
Deformação. - "Em se tratando de tratamento
médico-estético com emprego de peeling químico e
ação mecânica "dermo-abrasão" a que foi
submetida a paciente, o resultado é levado em
conta. Nessa hipótese, o médico pode não garantir
o resultado, ou seja, embelezar o paciente,
respondendo, entretanto, se for alcançado resultado
negativo, ou melhor, diverso, ou seja, se agravar os
defeitos ou se deformar a paciente. Se a paciente
submetida a cirurgia estética ou a tratamento
médico-estético, como é o caso dos autos, não
alcançar o resultado visado pelo tratamento ou pela
cirurgia, não há culpa do médico. Mas, se o
tratamento estético agravar os defeitos, deformar,
enfear, em vez de embelezar, nesse caso o
resultado é levado em consideração, havendo culpa
do médico, porque as contra-indicações do
tratamento ou da cirurgia devem ser, em cada caso,
pesquisadas com muita cautela antes de se
submeter o paciente a tratamento médico ou
médico-cirúrgico. Assim, se a finalidade embelezar - não é atingida, não responde o médico,
mas, se alcançado resultado oposto com o
tratamento estético, ou seja, a imagem da pessoa,
do ponto de vista estético, piora com o tratamento,
o resultado é considerado, havendo, nesse caso,
também culpa profissional" (TJRJ – 8ª C. - Ap.
Rel. Dourado de Gusmão - j. 21.09.1982 - RT
566/192).
p) Resultado pretendido não alcançado, com
deformação e afeamento da vítima
V. tb. o acórdão acima.
. "Em se tratando de cirurgia plástica, se o
cliente fica com o aspecto pior, não se alcançando
o resultado que constituía a própria razão do
contrato, cabe-lhe direito à indenização" (TJSP –
1ª C. D. Privado - Ap. 18.982-4 - Rel. Alexandre
Germano - j. 26.05.1998).
18.13 - Responsabilidade pessoal do chefe da
25
equipe médica e do anestesista
Vide tb. o Item 18.02, acima.
NOTA DE DOUTRINA:
O médico, conforme lição de Teresa Ancona
Lopez, responde não só por fato' próprio como
pode vir a responder por fato danoso praticado
por terceiros, esclarecendo que "em princípio,
responde esse profissional por fato de terceiros
que estejam diretamente sob suas ordens" (op.
cit., p. 322).
Sustenta Miguel Kfouri Neto que "se houver
dano, em princípio presume-se culpado o
cirurgião-chefe. Se se puder entretanto,
individualizar a responsabilidade - como no caso
do anestesista - responderá o próprio profissional
ou o hospital (e aí a responsabilidade estará
consubstanciada na Súmula 341 do STF: 'É
presumida a culpado patrão ou comitente pelo ato
culposo do empregado ou preposto'" (A
responsabilidade civil do médico. RT 654/57).
Ocorre que questão complexa surge quando
se trata de uma equipe médica.
É que o notável progresso da medicina
conduziu, inexoravelmente, à especialização, de
modo que a equipe médica, embora comandada
por
um
médico-chefe,
écomposta
por
profissionais altamente especializados em áreas
diversas e heterogêneas. .
Para Teresa Ancona Lopez é o médico-chefe
quem se presume, em princípio, culpado pelos
danos que acontecem, "pois é ele que está no
comando dos trabalhos e sósob suas ordens é que
são executados os atos necessários ao bom
desempenho da intervenção" (op. cit, p. 323).
Essa é a opinião de René Savatier, para quem
a responsabilidade é totalmente do cirurgião
durante a operação, pois é ele o chefe, os outros
são auxiliares sob suas ordens (Comment
repenser, p. 35 e 37).
Nos tempos atuais, contudo, a afirmação
comporta temperamentos.
É certo que em determinadas circunstâncias a
responsabilidade recairá sobre o chefe da equipe,
não tanto por ~sa razão (ser "chefe"), mas nos
casos em que. os demais médicos sejam, ad
exemplum, contratados dele. Mas aí responde por
presunção que se faz da responsabilidade do
"patrão" por ato de seu preposto, que independe
da apuração de culpa, posto que objetiva nos
termos do art. 932, m, c.c. o art. 933 do Código
Civil.
A nós parece que se o dano verificado não
está na linha causal do procedimento, ação ou
omissão do chefe da equipe, mas decorre de ato
independente de qualquer dos membros da
equipe, só se poderá imputar culpa a quem lhe
deu causa.
A questão se resolve tão-só através do nexo de
causalidade.
Exemplo disso é o do anestesista, cujo atuar é
independente e sua função nada tem a ver com a
cirurgia posteriormente executada por outrem.
Se o paciente vier a sofrer danos em razão da
anestesia, responderá o anestesista. Contudo, se a
cirurgia foi mal-executada ou o cirurgião utilizouse de técnica experimental. temerária ou não
aprovada pela comunidade científica, não há como
responsabilizar o anestesista ou o chefe da equipe
que poderia até estar momentaneamente ausente da
sala, ou sequer participando do ato cirúrgico.
A responsabilidade do anestesista há de resultar
de sua própria atuação ou omissão, como os erros:
a) de diagnóstico (avaliar o risco anestésico, a
resistência do
. paciente); b) de procedimento terapêutico
(medicação pré-anestésica ineficaz, omissões
durante a aplicação); c) de técnica (uso de
substância inadequada, oxigenação insuficiente
etc.); ausência de anamnese preliminar.
Discordamos, aliás, de Guilherme Chaves
Sant'ana quando afirma que o anestesista assume
uma obrigação de resultado, desde que tenha tido
oportunidade de avaliar o paciente antes da
intervenção, e concluir pela existência de
condições para a anestesia, assumindo a obrigação
de anestesiá-lo e de recuperá-lo (Responsabilidade
civil dos médicos anestesistas, p. 133 et seq). A
obrigação é apenas de meios, considerando a
possibilidade de intercorrências independentes da
vontade do médico ou acima de suas possibilidades
e ligadas exclusivamente às condições físicas ou
pessoais do paciente e, portanto, fora da linha
causal.
Como observou Ruy Rosado de Aguiar Jr.,
citando acórdão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (Revista Jurídica
75/237), "o anestesista ocupa hoje uma posição
especial, em razão da autonomia que alcançou a
especialidade: em relação a estes, tem sido
aplicada a noção de ato destacável, próprio do
direito administrativo, a fim de determinar a sua
responsabilidade, e não necessariamente a do
'cirurgião'" (Responsabilidade civil do médico. RT
718/42).
Suponha-se um trabalho de parto em que o
cirurgião dá nascimento a uma criança através da
chamada cirurgia "cesariana", com absoluto
sucesso, entregando-a em seguida ao pediatra,
pertencente à equipe médica, e este, por atitude
negligente e autônoma, coloca a criança de bruços,
de modo a asfixiá-la, causando-lhe a morte.
Não se consegue atinar como seria possível
responsabilizar o chefe da equipe, considerando
que seu atuar estaria fora da linha causal.
Por fim, Teresa Ancona resume a questão
26
afirmando que "com o desenvolvimento das
especialidades médicas a tendência hodierna é de
se considerar separadamente a responsabilidade do
anestesista e do operador. Há uma redistribuição
de competências em razão das funções próprias e
específicas de cada médico (a respeito do assunto,
cf. Charles Vdar. L' évolution, cit., Revue, t. 72).
· Ação ordinária de indenização. Dano estético.
Intervenção cirúrgica. Responsabilidade do chefe
de equipe médica. - "A permanência do cabo do
aparelho de Diatermia, após a realização da
operação, de forma a causar queimaduras no
paciente é de responsabilidade do médico chefe de
equipe. Essa responsabilidade, pelo dano estético
causado ao paciente, inclui a obrigação de
assegurar a necessária cirurgia reparadora. Ação
procedente" (TJPR _4.. C. - Ap. - Rel. Jorge
Andriguetto - j. 21.03.1984 - RT5881161).
· "O médico chefe é quem se presume
responsável, em princípio, pelos danos ocorridos
em cirurgia, pois, no comando dos trabalhos, sob
suas ordens é que executam-se os atos necessários
ao bom desempenho da intervenção" (STJ - 3.. T. REsp - Rel. Waldemar Zveiter - j. 04.03.1997 RSTJ97/179).
· Civil- Ação de indenização. Erro médico.
Responsabilidade solidária do cirurgião (culpa "in
eligendo") e do anestesista reconhecida pelo
acórdão recorrido. Matéria de prova. Súmula 7/STJ
-..A apuração da responsabilidade por erro médico
depende do exame do caso concreto.
Induvidosamente há responsabilidade autônoma do
anestesista quando se cuida de atos praticados no
pré ou pós-operatório. Porém, dentro da sala de
cirurgia, como sucede no caso versante, aquela se
apura consoante a prova realizada nos autos para
verificação a culpa do gmu em que concorreu o
agente e se atribuível exclusivamente ao anestesista
ou não" (STJ 3.. T. - REsp - Rel. Waldemar Zveiter
- j. 04.03.1997 RSTJ 97/179 e RT7481182).
· Responsabilidade civil. Médico anestesista.
''Anestesia é obrigação de resultado, concernente a
antes, durante e após o ato anestésico, daí a
profunda responsabilidade técnica do médico
anestesista, que estatui até uma condição arbitrária
para seu desempenho dentro da equipe médica.
Paciente que veio a ter concussão cerebral, ficando
com lesão permanente em razão de parada
cardiorrespiratória. Ocorre que não foi feito o
exame de sensibilidade do paciente e, não sendo
intervenção cirúrgica urgente, houve falta de
cuidado objetivo e técnico do médico anestesista
que, por negligência e também imperícia, tanto pelo
ato omissivo e comissivo, não teve atitude correta,
pronta, técnica e profissional condizente ao
momento e ao paciente, havendo agido com culpa e
respondendo pelo dano causado (artigos
159 [atual art186]e 1.145 [atual art5U], c.c.o art.
1.056 [atual art. 389] do Código Civil). Danos
morais permanentes a terceiro, além do dano
material físico" (TJGO1.8 C. -Ap; 29.966 - Rel.
José Soares de Castro - j. 18.05.1993 - RI 231/149 Bol. AASP 2.065/55).
· "Dependendo das circunstâncias de cada caso
concreto, o médico-chefe pode vir a responder por
fato danoso causado ao paciente pelo terceiro que
esteja diretamente sob suas ordens. Hipótese em
que o cirurgião-chefe não somente escolheu o
auxiliar, a quem se imputa o ato de acionar o pedal
do bisturi, como ainda deixou de vigiar o
procedimento cabível em relação àquele
equipamento. Para o reconhecimento do vínculo de
preposição, não é preciso que exista um contrato
típico de trabalho; é suficiente a relação de
dependência ou que alguém preste serviços sob o
comando de outrem" (STJ – 4ª T. - REsp 200.831 Rel. Barros Monteiro-j. 08.05.2001 - RSTJI54/381
e RT796/214).
18.14 - Solidariedade passiva entre médico, hospital
e plano de saúde
Vide estudo doutrinário sobre o tema no Cap.
VII, Item 17.10, "b".
"Evidenciada a culpa autônoma do médico pelos
danos causados em decorrência de erro profissional,
não há como invocar a responsabilidade solidária
do hospital do qual nem é empregado, serviçal ou
preposto, mas sócio-cotista" (TJSP – 1ª C. - Ap. Rel. Roque Komatsu - j.02.12.1988-RT639/52).
Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Ajuizamento contra hospital, cirurgião e
anestesista.
Solidariedade
reconhecida.
Questionamento de pormenores técnico-científicos
complexos. Desnecessidade. Suficiência, para o
reconhecimento da culpa, do enfoque do
comportamento dos réus, sob a ótica jurídica. Ação
procedente. Recursos não providos (TJSP – 4ª C.Ap.-Rel. Ney Almada -j. 24.06.1993-JTJLEX
148/90).
"A seqüela de intervenção cirúrgica, por si só
não comprova a culpa do médico, devendo antes
ficar demonstrada sua imperícia ou negligência para
que respondam o nosocômio e o profissional pelo
danos físicos, estéticos e psicológicos causados na
menor. Recurso provido" (TJSP – 8ª C. Dir. Privado
- Ap. 7.174-4 - Rel. Egas Galbiatti - j. 04.08.1999 –
JTJ LEX 222/75).
Indenização.
Responsabilidade
civil.
Erro
27
médico. Solidariedade de operadora de plano de
saúde reconhecida. Inteligência da Lei 8.078, de
1990. Responsabilidade de natureza objetiva do
fornecedor de serviços. Apelação do autor provida
para afastar a extinção do processo em relação à coré e agravo retido não conhecido. - "A empresa
locadora direta de serviços médico-hospitalares,
credenciando médicos e nosocômios para suprir as
deficiências de seus próprios serviços, compartilha
da responsabilidade civil dos profissionais e
hospitais que seleciona" (TJSP – 2ª C. Dir. Privado
AC67.929-4-Rel.
Vasconcellos
Pereira
j.16.03.1999 -JTJ-LEX218/156).
. Denunciação da lide. Plano de saúde. Erro
médico. Ação de reembolso de despesas médicas e
hospitalares, cumulada com pedido de reparação de
dano moral. Denunciação da lide aos hospitais
conveniados, acusados de imperícia no diagnóstico.
Indeferimento.
Existência,
porém,
de
responsabilidade
solidária,
em
tese.
Admissibilidade da ação de regresso contra estes.
Provimento do recurso, para deferir seu
processamento (TJSP – 3ª C. Dir. Privado - AI
190.159-4 Rel. Carlos Roberto Gonça1ves - j.
13.03.2001-JTJLEX2431232).
18.15- Veterinário
NOTA DE DOUTRINA:
Exigindo a legislação que o médico veterinário
tenha formação específica para exercício desse
mister, inclusive credenciamento junto Conselho
respectivo, a ele se aplicam as considerações feitas
nesse Capítulo acerca dos médicos em geral, no
que se refere aos fundamentos nucleares da
responsabilidade civil.
Indenização. Responsabilidade civil. Morte de
eqüino estabulado na Sociedade Hípica. Erro
médico veterinário inocorrente. Fato de a ré não
haver comunicado a enfermidade do animal ao seu
dono, bem como não haver realizado a necrópsia
que não autoriza o ressarcimento pela morte. Ação
improcedente.
Embargos
recebidos.
Votos
vencedor e vencido (TJSP - 3." C. EInfrs. - Rel.
Alfredo Migliore- j. 16.02.1993 -JTJLEX
145/228).
Indenização. Responsabilidade civil. Hospital
veterinário. Danos patrimoniais e morais. Morte de
animal de estimação nele internado. Culpa do réu
não demonstrada. Procedência da reconvenção para
que respondam os autores pelo pagamento das
despesas. Recurso não provido (TJSP – 4ª C. - Ap.
- Rel. Cunha Cintra - j. 09.08.1995 -JTJ-LEX
175/45).
Indenização.
Veterinário.
Erro
médico.
Cegueira do animal. Culpa de meio e não de fim.
Impossibilidade de indenizar a dona do cachorro
porque o médico não foi negligente. Conseqüências
pós-cirúrgicas. Ausência de culpa médica (TJSP- 3ª
C. Férias B de Dir. Privado Ap. 265.282-1/3 - Rel.
Toledo Cesar - j. 30.07.1996 Rep. IOB de Jurisp.
23/96, 1ª quinzena de dez./96, caderno 3, p. 397).
18.16 - Entidades privadas de seguro e de
assistência médica (convênios médicos,
"planos de saúde" ou "seguro-saúde")
V. tb. o Item 7.00 (Empresas de Assistência
Médica - Convênios Médicos), no Capítulo VII,
onde outros aspectos da questão foram abordados.
NOTA DE DOUTRINA:
Observou com pertinência Ruy Rosado de
Aguiar Jr. que "a previdência privada assume a
cada dia maior importância no país. As dificuldades
encontradas pela Previdência Social para atuação
eficaz no âmbito da saúde têm levado grande
número de pessoas à proteção complementar na
área da previdência privada, que hoje já atinge a 35
milhões de pessoas, das quais 28 milhões são
ligadas a empresas" (Responsabilidade civil dos
médicos. RT 718/47).
Entende esse ilustre autor, com supedâneo na
jurisprudência, que a entidade privada de
assistência à saúde, que associa interessados através
de planos de saúde, e mantém hospitais ou
credencia outros para a prestação de serviços que
está obrigada, tem responsabilidade solidária pela
reparação dos danos decorrentes de serviços
médicos ou hospitalares credenciados.
E mais, excetua dessa responsabilidade as
entidades que, em seus contratos de planos de
saúde, dão liberdade para a escolha de médicos e
hospitais, assim como os seguros-saúde, que apenas
reembolsam as despesas efetuadas pelo paciente, e
por isso não respondem pelos erros dos
profissionais livremente selecionados e contratados
pelo seu segurado (artigo citado, p. 47).
Não obstante o abalizado entendimento do ilustre
Ministro e a autoridade que se lhe reconhece,
discordamos, em minúscula parte.
Não nos parece que em qualquer das hipóteses
enumeradas se possa afirmar, de pronto, a
responsabilidade da entidade de assistência médica,
seja quando impõe ao contratante e beneficiário do
plano de saúde a utilização de hospitais e médicos
por ela mantidos, seja quando o credencia, ou
quando lhe dá opção de escolha.
Nos comentários por nós expendidos acerca da
responsabilidade dos hospitais (Capítulo VII,
Item 17.00), deixamos assentado na edição
anterior desta obra o entendimento de que estes
28
só respondem objetivamente, nos termos do art.
14 do Código de Defesa do Consumidor,
quando atuam como meros hospedeiros.
Quando atuam no exercício de sua atividade
específica e típica da área médica há que se
perquirir a culpa de seus prepostos para que se
possa responsabilizá-los. Agora, contudo,
evoluímos e reformulamos, em parte, nosso
entendimento, no sentido de que em qualquer
hipótese - seja no fornecimento de serviços
médicos típicos, seja na atuação como mero
hospedeiro - o hospital só poderá responder por
culpa e não objetivamente, sendo, nessa quadra,
inaplicável o Código de Defesa do Consumidor.
Considerações mais aprofundadas encontram-se
no referido Capítulo VII, Item 17.00, letra" e"
(Atuação do Hospital como Mero Hospedeiro).
Ora, embora, em tese, seja possível e nada
impeça que se faça o desencadeamento do nexo
causal - por força do princípio da equivalência das
condições -, há de se perquirir se a empresa agiu
com culpa em qualquer das modalidades que a
compõe, o que não será nada fácil, nem parece
possível prima facie.
Suponhamos que o paciente, cujo plano de saúde
assegure apenas a utilização de hospital e médico,
mantidos pela entidade de assistência médica, sofra
lesão decorrente de uma injeção mal aplicada pela
enfermeira ou de uma cirurgia malsucedida, em
razão de imperícia do médico.
A empresa de assistência médica será
responsabilizada não em razão de ter firmado
contrato de plano de saúde com a vítima, mas
porque o patrão responde, objetivamente, pelos atos
culposos de seus prepostos, nos termos do art. 932,
III, c.c. o art. 933 do Código Civil, no suposto de
que o hospital ou médicos por ele mantidos são
autênticos prepostos do mantenedor.
Colha-se o derradeiro exemplo dentre os
possíveis: a empresa de assistência médica assegura
aos seus associados a escolha de alguns hospitais
(ou médicos) por ela credenciados, em razão de
convênio previamente firmado. Desse modo, o
beneficiário ou paciente escolhe, dentre os hospitais
credenciados, aquele que melhor atende aos seus
interesses.
Nessa hipótese, não há como inferir
responsabilidade senão e apenas do hospital (ou
médico), caso o paciente sofra danos por ato
culposo de seus prepostos (médicos e funcionários),
com direito de regresso contra estes.
Não há como estabelecer liame de causalidade
entre a empresa que contratou o plano de saúde e o
dano sofrido pelo associado.
Aliás, credenciar mais de um hospital ou médico
é o mesmo que dar direito de escolha ou liberdade
de opção, hipótese em que o autor citado entendeu
não ser possível a responsabilização.
E, efetivamente, responsável não será.
Quanto ao mais, tenha-se que os seguros-saúde
apenas reembolsam as despesas efetuadas pelo
paciente, sem interferir na escolha do segurado, de
modo que eventual dano sofrido por atendimento de
outros não lhe diz respeito e, portanto, refoge do
nexo de causalidade entre este dano e sua atuação.
A responsabilidade da empresa de plano de
saúde somente nascerá quando ela tenha os seus
próprios hospitais, clínicas e atendimentos de
urgência, os quais dirige, mantém e por eles
responde diretamente.
· "Se a empresa de assistência médica é a
locadora direta de serviços médico-hospitalares à
paciente, na medida em que credencia médicos e
nosocômios, a suprir as deficiências de seus
próprios serviços (que oferece como assistência
médica global), já está a compartilhar, como reus
eligens, da responsabilidade dos profissionais e
entidades que selecionou" (TJSP – 2ªC. - EInfrs.
106:119-1- Rel. Walter Moraes - j. 06.03.1990).
· "A empresa de assistência médica também é
responsável solidariamente em decorrência do
contrato de assistência médica havido com a autora.
Tendo aquela credenciado o réu para a prestação de
serviços médicos, assumiu a responsabilidade pela
sua perfeita execução, respondendo, então, pelos
prejuízos causados pela mesma ao contratante e
seus dependentes. Sua escolhida não se
desincumbiu a contento dos serviços contratados"
(TJSP - 6.' C. - Ap. 140.190-1- Rel. Reis Kuntz - j.
06.12.1990).
· "Não há que se indagar se a atividade da "Blue
Life" (sociedade privada de assistência médica,
através de planos de saúde) se limita ou não, e
apenasmente, com
o credenciamento
de
profissionais. Mas, se o faz, resulta óbvia a relação
de causa e efeito em termos de responsabilidade.
Pergunta-se: não será por confiar nas indicações
médico-hospitalares que os pais da vitima se
vincularam contratualmente à "Blue Life"? E, fosse
qual fosse a amplitude que se queira atribuir à
embargada na espécie: Não há como se possa
atribuir maior elastério do que aquele estabelecido
em contrato. Tanto que a própria lei adjetiva
vincula ao mesmo pólo da demanda aqueles que
devem responder por atos danosos de seus
prepostos. Na hipótese, a enfermeira é preposta da
"Imong" (entidade hospitalar), mas esta foi indicada
pela embargada, já que ela figura em seus quadros
como sociedade vinculada à prestação de serviços
profissionais
médico-hospitalares
a
seus
conveniados. É o disposto no art. 70, m, do CPC o
que revela e alcança a responsabilidade ;11 casu "
(TJSP - 6.' C. - EInfrs. 140.190 1- Rel. Munhoz
29
Soares - j. 06.08.1992).
. "Pelo contrato firmado, obrigou-se a "Golde1l
C1VSS" a prestar serviços a seus associados, por
óbvio, adequados e seguros. Infere-se desse
instrumento que a responsabilidade solidária com o
médico por ela contratado resulta das obrigações
nele estabeleci das. O associado, ao recorrer aos
serviços médicos prestados pela "Golden Cross",
terá de valer-se de médicos por ela credenciados.
Portanto, o médico credenciado age como preposto
seu" (TAMG-lª C. -Ap. 165.656-2- Rel. Paris Pena
- j.14.12.1993).
. "A empresa locadora direta de serviços médico
hospitalares, credenciando médicos e nosocômios
para suprir as deficiências de seus pr6prios
serviços, compartilha da responsabilidade civil dos
profissionais e hospitais que seleciona. A medida
de sua culpa deve ser avaliada no processo e pode
responder sozinha pela ação, pois, em matéria de
ato ilícito, a responsabilidade dos co-autores do
delito é solidária e o credor pode escolher, entre os
co-responsáveis, aquele que mais lhe convier.
Muitas entidades de prestação de serviços médicos
após conquistarem o público com a oferta de
atendimento completo e de uma decantada
perspectiva de vida despreocupada quanto a essa
parte, tudo fazem para se esquivar do compromisso
assumido. Assim sendo, aos Juízes cumpre não se
deixarem seduzir pelos manejos da retórica
insinuante que esses esquemas já têm preparados"
(TJSP – 2ª C. - EInfrs. -Rel. Walter Moraes - j.
06.03.1990-RT653/93).
. "Se há solidariedade da empresa de assistência
médica, do médico por ela credenciado e do
hospital, na reparação dos danos, contra qualquer
deles pode dirigir-se o pedido" (TJRJ - 2." C. - AI
1.475/92 - "Responsabilidade civil dos médicos",
RT118/47).
· Indenização. Responsabilidade civil. Plano de
,saúde. Indenização por danos materiais e morais,
decorrentes de adimplemento imperfeito do
contrato de prestação de serviços médicohospitalares. Erro e indefinição no diagnóstico da
real patologia, que obrigaram a associada a buscar
profissional particular. Procedência mantida.
Recurso da autora provido, para a" elevação do
valor da indenização pelos danos morais, de 30
para 200 salários mínimos pleiteados. - "É
indiscutível a responsabilidade das entidades de
convênio pelos danos causados através de atos de
seus prepostos, médico, hospitais e clínicas, e
presumida é a sua obrigação" (TJSP - 2." C. Dir.
Privado - Ap. 259.592 - Rel. J. Roberto Bedran-j.
24.09.1996-JTJ-LEX 192/123).
· "A empresa locadora direta de serviços
médico hospitalares, credenciando médicos e
nosocômios para suprir as deficiências de seus
pr6prios serviços, compartilha da responsabilidade
civil dos profissionais e hospitais que seleciona"
(TJSP - 2." C. Dir. Privado...:. AC 67.929-4 - Rel.
Vasconcellos Pereira - j. 16.03.1999).
18.17 - Esquecimento de objeto cirúrgico no corpo
do paciente
"A presença de petrecho cirúrgico no corpo de
paciente configura grave violação dos deveres
impostos ao cirurgião e equipe, assim como ao
hospital conveniado, incidindo a reparação civil e
reconhecendo-se a negligência médica. A agulha de
sutura está onde não devia estar e a sua retirada
demanda criteriosa avaliação pelos riscos que
encerra. O dano deve ser indenizado também por
razões ético-jurídicas, no intuito de alertar para a
formação de uma consciência profissional" (TJRJ L' C. - Ap. - Rel. Pedro Américo Rios Gonçalves j. 15.03.1994 - RT7191229).
· Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Compressa cirúrgica deixada no corpo do
paciente, após cirurgia. Objeto não apresentado.
Irrelevância.
Verossimilhança
da
prova
testemunhal. Ação procedente. Recurso não
provido (TJSP -9ª C. Dir. Privado-Ap. - ReI.
Franklin Neiva - j. 07.05.1996-JTJ-LEX 184/114).
18.18 - Nexo de causalidade
· "Se a paciente após ter a alta do hospital não
procurou mais o médico que a atendeu para
comunicar-lhe o agravamento do seu estado de
saúde, não pode ela imputar ao profissional
comportamento irresponsável. Em síntese, se a
vítima sofre dano, mas não evidencia o liame de
causalidade com o comportamento do médico,
improcede o pleito indenizatório" (TJSP -1.. C. Ap. Rel. Andrade Marques - j. 24.05.1994 RT7121136).
18.19 -Infecção hospitalar
NOTA DE DOUTRINA:
Fenômeno que vem se acentuando e que assume
enorme importância pela sua freqüência e alto
poder de nocividade é a chamada "infecção
hospitalar".
Por razões várias, até mesmo por falta de
cuidados com a assepsia e desinfecção em ambiente
propício à proliferação de hospedeiros, pode
ocorrer a infecção hospitalar. .
É a presença, desenvolvimento e multiplicação
30
oportunista de seres inferiores no organismo
debilitado do paciente, por decorrência de
intervenção cirúrgica ou da ação de medicamentos,
que podem resultar em conseqüências nocivas ao
paciente, em grau maior ou menor, até mesmo com
possibilidade de conduzir ao óbito ou a lesões
graves e, ainda, interferir na cirurgia realizada ou
no tratamento desenvolvido, visando a cura.
O mestre Caio Mário da Silva Pereira escreveu
que se a infecção "se deveu a condições de assepsia
deficiente ou à ausência de cautelas idôneas a
evitar a 'doença nosocômica' , o hospital pode ser
responsabilizado. Ocorre a responsabilidade se, em
cirurgia estética, a infecção hospitalar obstrui a
continuação do tratamento" (Responsabilidade
civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Fo~' rense,1992, p.
154).
Para nós, a infecção hospitalar é um indício de
culpa. A presença de germes (micróbios,
protozoários, cogumelos, bactérias, rickéttsias, vírus
e microorganismos) no ambiente hospitalar conduz
à presunção de culpa por falta de cuidados. Traduz
conduta omissiva, desidiosa ou negligente,-que não
pode ser suportada ou relevada.
Assim, o hospital responde pelos danos
causados ao paciente em razão de infecção
hospitalar, se não provar a existência de uma das
causas de exculpação.
Dois os fundamentos que impõem essa
responsabilização. Primeiro, porque a presença de
bactérias ensejadoras de infecção, em quantidade
superior àquela permitida ou razoável (controlada),
faz presumir a culpa por desídia.
Segundo, porque a presença da infecção no
paciente em razão desse desequilíbrio na quantidade
de bactérias também induz culpa, pois o hospital ao
receber o paciente passa a ter a sua guarda e assume
uma obrigação de incolumidade..
Não se afasta a possibilidade de o próprio
médico responder solidariamente com o hospital
quando dele for preposto ou mesmo - ainda que
independente ou autônomo - se. possa demonstrar
que sabia das condições impróprias do local e da
freqüente ocorrência de infecções em outras
pessoas.
Nessa hipótese à desídia do hospital soma-se a
negligência do médico que, mesmo sabendo que o
local não oferecia condições ideais, assumiu o risco
de ali internar ou manter o paciente.
. Responsabilidade civil. Infecção hospitalar.
Condutas culPosas do médico e do hospital.
Concausas sucessivas. Indenização devida. - "A
fasciíte necrosante é uma grave infecção bacteriana,
previsível, entre outros casos, na cesariana. Pode
não ser tipicamente uma infecção hospitalar, mas,
em a adquirindo a parturiente, em seguida ao parto
cirúrgico, no ambiente do nosocômio que aceitou a
sua internação, passa a comportar aquela
qualificação,
servindo
para
positivar
o
descumprimento do dever, inerente à prestação do
serviço hospitalar, de propiciar à paciente ambiente
saudável e promover permanentemente o controle
da infecção. E o ginecologista-obstetra,. que assistia
a paciente desde o pré-natal e assim permaneceu
após realizar o parto cesário, ao descurar-se de
investigar, adotando as providências cabíveis, a
anormalidade apresentada por ela dois dias após a
cirurgia, vindo a lhe dar alta, apesar das queixas e
do aparecimento dos primeiros vestígios da
enfermidade, ensejando o seu agravamento, com o
retardo do diagnóstico, descumpriu igualmente o
dever jurídico de cuidado pronto e eficiente.
Concausas adequadas e aptas, com igual
intensidade, para gerar a obrigação de reparar, com
ponderação, os danos sofridos pela paciente, que
submetida à laqueadura, cirurgia de emergência,
perdeu o ovário e parte do tecido intestinal,
necrosados, conseqüência de condutas negligentes
do médico e do hospital, solidariamente vinculados
à reparação" (TJRJ - 8. a C. Ap. 595/96 - Rel.
Laerson Mauro - j. 04.06.1996).
. "Não respondem por indenização decorrente
de ato ilícito pela morte de paciente por infecção
hospitalar os médicos que cuidaram da vítima, e
sim o hospital onde permaneceu internada, ainda
que os profissionais não sejam subordinados à
entidade hospitalar, pois, de acordo com o art. 14, §
4.°, do CDC, o contratante somente se exculpará do
evento danoso quando o profissional liberal
contratado desempenhar, autonomamente, seu
ofício no mercado de trabalho, o que não se aplica
aos serviços profissionais prestados pelas pessoas
jurídicas, seja sociedade civil, seja associação
profissional" (1° TACSP- l1.aC.-Ap. -Rel. Antônio
Marson- j. 16.02.1998 -RT755/269).
''A paciente que, após parto cesariano, é
acometida por infecção hospitalar, culminando em
cirurgia de retirada de útero em função do
agravamento do estado infeccioso, tem o direito de
ser indenizada pelos danos morais decorrentes de
tal conduta, independentemente da prova de
concorrência de culpa do corpo hospitalar, pois, nos
termos do art. 14 da Lei 8.078/90, a
responsabilidade do hospital para com seus
pacientes é de cunho objetivo" (TJRJ - 12.a C. Ap. 505/98 - Rela. Leila Mariano - j. 05.05.1998 RT7611367).
· "O hospital responde pelos danos materiais e
morais decorrentes de infecção hospitalar, se não
prova, de maneira clara e conveniente, a ocorrência
de caso fortuito" (TJSP - r c. Dir. Privado - Ap.
65.635-4 - Rel. CezarPeluso-j.23.02.1999).
31
· Apelação cível. Responsabilidade civil do
Estado. Fazenda do Estado. Paciente submetido a
cirurgia em hospital da rede pública. Alegação de
ter sido colocada em seu ombro direito prótese de
platina infectada, estando o estabelecimento
hospitalar em péssimas condições de higiene,
causando-lhe grave infecção. Ação julgada
improcedente. Manutenção. Reconhecimento da
ocorrência de causa excludente. Culpa exclusiva da
vítima. Recurso não provido. - "Comprovado que o
resultado insatisfatório observado em paciente
submetido a cirurgia em hospital da rede pública,
não decorreu de ação iatrogênica culposa dos
médicos durante o ato cirúrgico, nem da omissão do
hospital na mantença das condições de higiene e
esterilização do campo de atuação médica, não há
falar em responsabilidade objetiva do Estado,
máxime quando demonstrado o rompimento do
nexo causal por culpa
558
exclusiva da vítima. ou seja. sua condição física
anterior e sua predisposição a fatores nocivos no pré
e pós-operatório, como a sua condição de
cardiopata, com doença pulmonar obstrutiva
crônica. tabagismo e hábito etílico acentuado"
(TJSP--3."C. Dir. Público-Ap. 100.854-5/4 -ReI.
Rui Stoco - j. 27.03.2001- Voto: 2.419/01).
Vide os comentários de doutrina na Nota
Introdutória de Doutrina do Item 7.00, "b" e a
jurisprudência a respeito do tema no Item 7.03,
todos do Capítulo IX.
· "O uso de bisturi elétrico antes da completa
volatização do álcool iodado aplicado na assepsia
pré-cirúrgica. produzindo combustão e queimaduras
em paciente, configura resultado previsível que
evidencia culpa do médico" (TAMG - 2." C. Crim. Ap. - Rel. Herculano Rodrigues - j. 12.03.1996 RT731/634).
Danos materiais e morais decorrentes de cirurgia
realizada com imprudência. Co-responsabilidade do
médico que figurou como primeiro assistente, mas
teve participação essencial no ato cirúrgico (TJSP 2. a C. Dir. Privado-Ap. - Rel. Uno Machado - j.
19.11.1996 -JTJ-LEX 196/132).
"A obrigação do médico não acaba com a
cirurgia mas ele continua juridicamente vinculado
ao devido acompanhamento pós-operatória pena de
incorrer em negligência" (TJRS - 5." C. - Ap.
595080011- Rel. Clarindo Favretto - j. 30.11.1995,
Revista de Direito do Consumidor, edição especial,
São Paulo, RT, abril-junho/98, p. 264).
NOTA DE DOUTRINA:
Outro aspecto que se mostra, no tema em
estudo, é o relativo ao chamado erro profissional,
isto é, o que resulte da incerteza ou da imperfeição
da arte e não da negligência ou incapacidade de
quem a exercita, salvo se se tratar de um erro
grosseiro.
Comentando a disposição do antigo art. 1.545
do Código Civil revogado [atual art. 951 do
CC/2002], Carvalho Santos expressou-se no sentido
de que "a imperícia no exercício de uma arte, oficio
ou profissão constitui uma espécie particular de
culpa, assim sendo considerado deste o Direito
Romano: imperitia culpae adnumeratur (Gaio, L.
132, D, de r. i., L. 17)" (Código Civil brasileiro
interpretado, v. 21, p. 247).
Todavia, segundo a melhor doutrina, não se deve
considerar como culpa o erro profissional.
É que a imperfeição da ciência é uma realidade.
Daí a escusa que tolera a falibilidade do profissional.
Como ponderava Sourdat, hoje em dia ninguém
contesta, em tese, a responsabilidade do médico
pelos danos que, por ato culposo seu, resultam para
o cliente. Assim, se age com culpa, se por uma
imprudência ou negligência manifestas resulta em
prejuízo para o seu cliente, tem este contra ele a
ação para exigir perdas e danos (Traité de la
responsabilité, v. 2, p. 276).
Não é possível traçar regras fixas como limite
dessa responsabilidade, embora existam princípios
gerais a regê-la.
O primeiro deles é o de que "não se considera
erro profissional o que resulta da imprecisão,
incerteza ou imperfeição da arte, sendo objeto de
controvérsias e dúvidas".
Segundo observação do autor francês por último
citado, "é princípio assente que os Tribunais não
têm o direito de examinar se o médico afastou-se
das regras de sua profissão, abordando a questão de
ordem científica, de apreciação e de prática médica,
não lhes sendo lícito, tampouco, decidir coisa
alguma sobre a oportunidade de uma intervenção
cirúrgica, sobre o método preferível a empregar, ou
sobre o melhor tratamento a seguir. As questões
puramente técnicas escapam à sua competência"
(ob. cit., p. 259).
O erro de técnica, acentuava Aguiar Dias, "é
apreciado com prudente reserva pelos Tribunais.
Com efeito, o julgador não deve nem pode entrar
em apreciações de ordem técnica quanto aos
métodos científicos que, por sua natureza, sejam
passíveis
de
dúvidas
e
discussões"
(Responsabilidade dos médicos. Coad, São Paulo,
p. 10).
Impõe-se observar que o "erro de técnica", que
não se confunde com o "erro médico", é visto com
prudência e especial cuidado pelo Poder Judiciário,
como já enfatizava Aguiar Dias e os demais juristas
de escol no mundo inteiro.
Não cabe ao juiz dizer se aquela técnica é boa ou
má; se adequada, ou que existe outra melhor.
Yussef Cahali enfatiza que "ao juiz é defeso, por
não ser de sua competência, pronunciar-se por essa
ou aquela escola, optar por esse ou aquele método
32
operatório" (Responsabilidade civil. Coord. Yussef
Said Cahali. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p.
348)
Todo aquele que exerce publicamente uma arte,
profissão ou ofício presume-se habilitado para o
exercício do seu munus. Aliás, algumas atividades
dependem de habilitação especial e, ainda, de
autorização especial, como ocorre, ad exemplum.
com os advogados (devem ter inscrição na OAB);
farmacêuticos (Conselho Regional de Farmácia) e
médicos, que só podem exercer a profissão após
obter registro no Conselho Regional de Medicina.
Além disso, nos casos controvertidos ou
duvidosos, o erro profissional não pode ser
considerado imperícia, imprudência ou negligência.
Mostra-se de vital importância anotar e
esclarecer que a doutrina faz distinção entre "eITO
profissional" e "imperícia", como sinalizado acima.
Ocorre o "erro profissional" quando a conduta
médica é correta, mas a técnica empregada é
incorreta. Significa que o médico aplica
corretamente uma técnica ruim ou de resultado
duvidoso, embora aceita e preconizada.
Há "imperícia" quando a técnica é correta, mas a
conduta médica é incorreta, ou seja, o médico
aplica mal uma técnica boa.
A primeira hipótese ("erro profissional") contém
o chamado erro escusável e, portanto, justificável,
quando se cuida de técnica conhecida, usual e
aceita.
A segunda hipótese ("imperícia") contém o erro
inescusável, que não se justifica, nem se admite e,
portanto, erro punível no plano civil, e que impõe o
dever de reparar.
Desse modo, se o profissional se mostrar
imperito, por inadmissível desconhecimento da arte
médica e do próprio mister a que se dedica, raiando
esse procedimento ao erro grosseiro - aquele que se
diz perfeitamente inescusável-, tal procedimento
traduz e se transfunde em proceder culposo e que
obriga a que se indenize a vítima.
18.25 - Erro médico e dano moral
NOTA DE DOUTRINA:
O profissional médico responde, como ficou
assentado nos itens precedentes, pelos atos
intencionais ou culposos que pratica quando no
exercício de sua atividade. Tanto o Código Civil
quanto o Código de Defesa do Consumidor
deixaram assentada a responsabilidade subjetiva do
médico.
Mas-dúvida não resta de que tanto esse
profissional como qualquer outro, em razão da
mesma ofensa ou gravame, podem causar danos a
outrem. Esse dano tanto poderá ter expressão
patrimonial como extrapatrimonial, ou seja, poderá
ser de ordem material como imaterial ou moral, na
consideração de que o dano é um só.
A Constituição Federal, ao consagrar a proteção
da personalidade e da imagem da pessoa, esta como
atributo daquela, assegurando o direito à reparação,
não fez qualquer distinção, de modo que nem a lei
inferior nem o intérprete poderá fazê-lo. .
Significa que o médico, quando atua com culpa
(em sentido estrito), ou seja, quando comete erro
médico inescusável, tanto poderá causar dano de
ordem material, lesionando a pessoa sob o aspecto
físico ou impondo-lhe perdas materiais (lucro
cessante e dano emergente), como poderá atingi-Ia
moralmente, seja causando, no próprio ofendido,
dor, sofrimento, ofensa à imagem (afeamento,
alteração na sua expressão ou aparência), angústia,
solidão, depressão, ansiedade e tantos outros sofri
mentos anímicos; seja atingindo, ainda, em caso de
falecimento da vítima, os sentimentos e outras
manifestações internas daqueles que lhe foram
próximos.
Impõe-se nesses casos o dever de compensara
ofensa moral com um valor mais ou menos
aleatório, pago de uma só vez, sem prejuízo da
reparação por dano material.
Por essa razão não se pode esquecer que o dano
estético subsume-se no dano moral, sem qualquer
ofensa ao art. 949 do Código Civil (STJ, 4ª T.,
REsp56.101-9, j. 25.04.1995), como deixamos
assentado no Item 3.04 do Capítulo XIII quando
abordamos, com maior profundidade, a questão
relativa à cumulação da indenização por dano moral
e por dano estético.
Aliás, no caso de lesão ou outra ofensa à saúde,
o ofensor indenizará o ofendido das despesas de
tratamento e lucros cessantes, sem prejuízo de
qualquer outro prejuízo que o ofendido possa
provar, ou seja, prejuízo de ordem material ou
moral. É a exegese mais razoável e consentânea
com os princípios constitucionais que se faz do art.
949 do Código Civil.
Pode-se afirmar, em reiteração ao que ficou
acima exposto, que a lesão.estética- porque se
subsume no conceito de dano moral, na medida em
que altera a imagem e o próprio vultus da pessoa;
causa-lhe sofrimento, angústia, temor, indecisão,
vergonha e outros sentimentos - sempre empenha
responsabilidade por dano moral, não obstante o art.
950 do atual Código Civil, na esteira do art. 1.539
do revogado Código Civil de 1916, tenha previsto
indenização sob a forma de pensão mensal (de
natureza material) apenas quando o defeito impeça
o exercício de ofício ou profissão ou diminua o
valor do trabalho, esquecendo-se da lesão estética
causadora de ofensa moral.
Como visto, poderá o dano estético, ainda,
sujeitar o responsável à reparação por dano
material, inclusive cumulada com aquela, quando
ficar provado algum prejuízo - seja por lucro
cessante, seja por dano emergente -quer dizer,
33
quando a própria lesão imponha despesas e gastos
para tratamento e cura ou mesmo para corrigir
esteticamente o defeito, além da pensão mensal
estabelecida para a hipótese de a vítima não mais
poder exercer plenamente sua profissão.
· "O erro inescusável na falha de entubação e
monitoramento, a ponto de não observar a tempo
a mudança de estado da paciente; representam
condutas culposas dos médicos, que provocaram
dor moral à família" (TAPR-Ap.1l7324800-Rel.
Lídio J. R. de Macedo j. 06.10.1998 - DJ
16.10.1998 - Informativo Incijur, Joinville-SC,
13, ago./2000, p. 10).
· "A ocorrência de erro médico, mesmo
quando comprovada, não gera reparação civil, a
título de dano moral (pretium doloris) por não se
tratar de ato relacionado com agravo que
assegure direito de resposta. nem violação a
intimidade à honra ou à imagem das pessoas. Se
tanto, em situações especiais, poderia haver
ressarcimento à guisa de danos estéticos, não
sendo essa a hipótese dos autos" (TAMG - Ap.
02592211-8/00 - Rel. Lauro Bracarense - j.
06.08.1998 - Informativo Incijur, Joinville-SC,
13, ago./2~0, p. 10).
. Indenização. Responsabilidade civil.
Médico. Dano moral. Negligência.. Paciente de
pós-operatório. Queixas mal investigadas. Crise
conseqüente que resultou em cirurgia de
urgência com outro profissional. Omissão quanto
às informações requisitadas ou atendimento
médico
alternativo,
em
sua
ausência.
Negligência caracterizada. Verba devida. Ação
procedente. Recurso provido (TJSP – 6ª C. Dir.
Privado - Ap. 78.097-4,.... Rel. Munhoz Soares j. 01.07.1999-JTJ-LEX 224/81).
· "Conforme dispõe o art. 37, § 6.°, da CF, a
responsabilidade civil do Estado é de natureza
objetiva. Assim, demonstrado o nexo causal
entre a lesão, erro médico ocorrido em uma
operação de apendicite em hospital público; que
deixou a vítima menor tetraplégica, surda e
muda, eo ato do agente público, a União Federal
responde pela pensão mensal à vitima e deve
reparar, ainda, o dano moral na forma prevista no
art. 1.538 do CC [atual art. 949]" (TRF – 2ª
Região- 2ªT. -Ap. 97.02.17297-7 - Rel. Paulo
Espírito Santo- j. 08.09.1999-RT 775/402).
18.26 - Insucesso em cirurgia de vasectomia
· Indenização. Responsabilidade civil. Erro
médico. Cirurgia de vasectomia. Insucesso
verificado, inclusive diante de gravidez
superveniente. Conhecimento do autor de tal
possibilidade. Conduta culposa dos réus não
demonstrada. Pedido improcedente. Recurso
improvido (TJSP _1.8 C. Dir. Privado - Ap.
94.019-4- Rel. Gildo dos Santos - j. 09.05.2000).
.
Indenização.
Fazenda
Pública.
Responsabilidade civil. Hospital do Estado. Erro
médico. Cirurgia de vasectomia. Insucesso
verificado inclusive diante de gravidez
superveniente. Conhecimento do autor de tal
possibilidade. Falha ou deficiência na prestação
do serviço médico-hospitalar não demonstrada.
Ação improcedente. Recurso não provido (TJSP
- 2.a C. Dir. Público-Ap. 86.966-5-Rel. Corrêa
Vianna-j. 24.10.2000).
18.27 -Iatrogenia e responsabilidade civil
I - A expressão "iatrogenía" e seu significado
Questão que ainda suscita controvérsias e impõe
dificuldade para o seu completo entendimento no
plano da responsabilidade civil do médico é a
ocorrência de um dano ao paciente, decorrente da
atividade médica, que se convencionou chamar de
"iatrogenia".
A expressão "iatrogenia" (iatro + geno + ia) é
definida como a alteração patológica provocada no
paciente por tratamento de qualquer tipo.
Qementino Fraga Filho lembrou que "um dos
capítulos mais importantes da ciência médica atual
é a iatrogenia, que cuida dos males provocados pela
ação do médico, ou pelo tratamento por este
prescrito" (apud Carlos Drummond de Andrade,
Jornal do Brasil, 02.08.1980).
Segundo Adolpho Hoirisch os vocábulos
"iatropatia",
"iatrogenose",
iatropatogenia",
"psiquiatrogenose" e "iatrogenia" caracterizam um
estado ou "prejuízo provocado por atomico em
pessoas sadias ou doentes" (Implicações
psiquiátricas das iatrogenias, Memória apresentada
à Academia Nacional de Medicina, 1988, p. 21).
Etimologicamente a expressão deriva de:
Iatro = médico, medicina, ou Iatron = local onde
os
médicos antigos guardavam seus instrumentos,
davam consultas, faziam curativos e operações;
significando, ainda, as manifestações decorrentes
do emprego de medicamentos em geral, atos
cirúrgicos ou quaisquer processos de tratamento
feitos pelo médico ou por seus auxiliares (cf. Carlos
Maldonado
de
Carvalho,
"Iatrogenia
e
responsabilidade civil médica", Infonnativo Incijur,
publicação do Instituto de Ciências Júridicas,
Jóinville, Santa Catarina, Ano 2, agoJ2000, n. 13, p.
3); e Genos, Gen ou Gênico: gerar, geração (dano
causado pelo médico).
34
No Congresso Brasileiro de Responsabilidade
Civil Médica, Hospitalar, Laboratorial, Planos e
Seguros de Saúde, realiZado pelo Instituto de
Ciências Jurídicas em Florianópolis, no Hotel
Cambirela, nos dias 4 e 5 de agosto de 2000, o
médico cirurgião plástico Paulo Jatene observou
tratar-se de "expressão usada para indicar que é
causado pelo médico"-e que "todos os médicos e
demais profissionais da área da saúde, em maior ou
menor grau, são 'iatrogênicos' ,pois vários dos
procedimentos realizados implicam em lesão
posterior..." (Iatrogenia em cirurgia plástica.
Informativo Incijur, publicação do Instituto de
Ciências Jurídicas, Joinville, Santa Catarina, Ano 2,
ago./2000, n. 13, p. 3).
Lembram os profissionais da área médica que a
expressão é considerada como "as manifestações
inerentes aos vários procedimentos diagn6sticoterapêuticos adotados na área médica e de
enfermagem, principalmente aqueles de caráter
invasivo, cujos efeitos danosos podem ser
presumíveis, inesperados, controláveis ou não"
(Kátia Conceição Guimarães Veiga. Iatrogeniade
enfermagem em unidade de emergência.
Dissertação de mestrado. Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 1993).
Mas Élida Sã entende que a iatrogenia "não se
confunde com o erro médico, com a simulação ou
com a má-fé, que geram inegavelmente,
responsabilidade civil, penal e administrativa"
(Élida Sã. Inter-relações do direito e das ciências
biomédicas. Rio de Janeiro: Dujur-DP, 1998, p. 3).
Esse entendimento foi endossado pelo ilustre e
culto professor e magistrado no Rio de Janeiro José
Carlos Maldonado de Carvalho em exposição feita
no Congresso de Responsabilidade Médica,
realizado em Florian6polis, em agosto/2000,
quando, não obstante, tenha esclarecido que o
vocábulo iatrogenia "caracteriza um estado ou
prejuízo provocado por ato médico em pessoas
sadias ou doentes, cujos transtornos são
imprevisíveis e inesperados", afirmou, in verbis,
quanto segue:
"Iatrogenia e responsabilidade civil, dentro de
um universo jurídico eminentemente conflitual, são
termos inconciliáveis e excludentes. Inconciliáveis
porque a iatrogenia, ou 'erro escusável' - faute du
service -, uma vez caracterizada, não gera a
responsabilidade em qualquer uma de suas
vertentes: civil, penal e administrativa. Aproximase de uma simples imperfeição de conhecimentos
científicos, escudada na chamada falibilidade
médica. Já a responsabilidade civil, decorrente da
violação consciente de um dever ou de uma falta
objetiva do dever de cuidado, impõe ao médico,
além das sanções penais e administrativas, a
obrigação de reparar o dano. A medicina moderna
ao conceituar a iatrogenia como todo dano causado
ao paciente pela ação médica ou os males
provocados pelo tratamento prescrito estanca de
forma direta o ingresso no campo da
responsabilidade civil, já que os profissionais
médicos, que cuidam da saúde alheia, assumem
uma obrigação de meio com a finalidade de aplicara
arte, perícia e zelo que detêm e que seus pacientes
presumem, cuja aferição de eventual desvio não vai
além da relação terapêutica" (José Carlos
Maldonado
de
Carvalho.
Iatrogenia
e
responsabilidade civil médica. Informativo Incijur,
publicação do Instituto de Ciências Jurídicas,
Joinville, Santa Catarina, Ano 2, agosto/2000, n.o
13, p. 3).
Com todo o respeito e não obstante a excelência
dos trabalhos e dos argumentos expostos, não há
como aderir e concordar com esse entendimento,
ao qual fazemos restrição, como se verá adiante.
11 - A "iatrogenia" como fato natural
A expressão "iatrogenia" busca expressar um
dano causado ao paciente pelo médico em razão de
ação ou omissão no exercício da sua atividade ou
especialização.
Tal denominação apenas indica um fato, mas
não contém, desde logo, qualquer qualificação nem
está afetado de qualquer contingente interno. Não
traduz um fazer não permitido, ou um não fazer
quando devia (quod debeatur), nem contém uma
referência de licitude, de ilicitude ou quinhão ou
cota interna de aprovação ou reprovação. Não está,
ainda, informado por um juízo de aprovação ou de
reprovabilidade.
Traduz apenas um acontecimento ou resultado
danoso decorrente da atuação médica.
Do que se conclui que iatrogenia é fato (lato
sensu),
enquanto acontecimento no mundo físico.
Ou, segundo Washington de Barros Monteiro,
"em sentido restrito fato jurídico é acontecimento
natural, independente da vontade interna" (Curso de
direito civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1.0 v., p.
173).
Como fato em sentido lato pode ser qualificado
e
classificado
juridicamente
como
fato
(acontecimento) e ato (manifestação de vontade),
pois aque1e"é gênero de que este é espécie.
Com a qualificação de ato jurídico, agora com
conteúdo de juízo de valor, será sempre lícito e
permitido, pois o ato jurídico em sentido estrito "é o
que gera conseqüências jurídicas previstas em lei e
não pelas partes interessadas" (Maria Helena Diniz.
Curso de direito civil brasileiro. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 1996, 1.0 v., p. 271).
Mas como ato não permitido, posto que ofenda
o ordenamento jurídico, será ilícito, seja na esfera
criminal, no âmbito civil ou administrativo (ético).
Com efeito, das ações que interessam ao direito,
35
umas são conformes, outras desconformes ao
respectivo ordenamento, surgindo, daí, os "atos
jurídicos", de um lado, e os "atos ilícitos", de outro,
estes produtores apenas de obrigações para os
agentes.
Portanto, em sendo ocorrência ou conseqüência
originada de um comportamento espontâneo e,
portanto, livre de ameaça ou coação, deve ser
analisado a parte subjectiva para verificar se houve,
ou não, conduta culposa do responsável pelo ato
iatrogênico (ação ou omissão), de modo a convertêlo de fato ou acontecimento em ato ilícito e não
permitido.
Os médicos, ao estudar as conseqüências de
determinados procedimentos aplicados aos
pacientes (cirurgias, tratamentos não invasivos,
ministração de medicamentos, procedimentos de
enfermagem em unidade de emergência,
permanência em UTI etc.), falam em "ocorrência
das
iatrogenias
decorrentes
desses
procedimentos",
querendo
mostrar
que
"iatrogenias" são conseqüências danosas
resultantes da atuação médica normal ou
anormal.
Portanto, impõe-se insistir: quando se fala em
"rotura iatrogênica da membrana", "secção
iatrogênica do nervo" significa apenas que tal
ocorrência foi causada pela atuação do médico.
11I- As várias espécies de "iatrogenia"
O cirurgião Paulo Jatene, acima citado,
lembrou existir três tipos de iatrogenia:
"I) lesões previsíveis, sabendo-se que o
procedimento implica em seqüela (Ex.: cirurgias
mutiladoras, como amputações de membros
(visíveis),
gastrectomias,
colecistectomias,
apendicectomias (não visíveis);
2) lesões previsíveis, porém inesperadas,
podendo o procedimento acarretar lesões
inerentes à técnica (Ex.: reação alérgica
decorrente do uso de contrastes radiológicos);
3) lesões decorrentes de falha do
comportamento humano no exercício da
profissão, caso em que as falhas são passíveis de
suscitar o problema da responsabilidade legal do
médico (Ex.: confusão da veia safena com a
artéria femural durante cirurgia de varizes,
levando à gangrena)" (Paulo Jatene, art. cit., p.
8).
IV - "Iatrogenias" legitimadas pelo exercício
regular de direito
Há, portanto, procedimentos em que a lesão,
além de ser prevista, sabida, esperada e até
mesmo planejada, constitui O único meio para
ministrar o tratamento e buscada cura, não sendo
possível a retirada de um tumor das amígdalas ou
apêndice inflamados sem um corte no tecido que
recobre os órgãos.
Embora o corte seja uma lesão, essa lesão é
permitida e lícita. Essa iatrogenia caracteriza ato
lícito e permitido, pois a lesão é o meio através
do qual se busca o tratamento ou a intervenção
que objetiva a cura ou o resultado favorável.
Sem ela o procedimento, ao menos no atual
estágio da medicina, mostra-se impossível.
A amputação de uma pema com gangrena
causa uma lesão corporal gravíssima, com perda
de membro, mas, permitida e necessária, de
modo que o objetivo da intervenção cirúrgica é
justamente a retirada do órgão ou membro,
causando lesão permanente. É como se fora uma
relação de "custo-benefício": ou perde o membro
e preserva a vida, ou mantém o membro e perde
a vida.
Também alguns sintomas que causam dor,
incômodo e sofrimento são previsíveis e aceitos,
como os resultantes das aplicações de
quimioterapia, radioterapia ou imunoterapia.
Segundo nos parece, é como exercício regular
de direito que deve ser encaminhada essa questão
da doutrina moderna, retratada nos exemplos acima,
ou seja, da intervenção médica ou cirúrgica como
ocorre, aliás, nas práticas esportivas violentas.
O exercício normal da atividade médica ou
cirúrgica justifica-se formalmente porque consiste
no exercício regular de uma faculdade legítima e
materialmente porque constitui meio justo para um
justo fim ou meio adequado para um fim
reconhecido pela ordem estatal.
O inesquecível mestre Aníbal Bruno ensinava
que: "O fundamento da discriminação não é o
consentimento do paciente. Mas a ausência de
consentimento toma a intervenção ilegítima,
porque, então, não haveria exercício regular de uma
faculdade, mas constrangimento ilícito, que tiraria
desse exercício a sua legitimidade, salvo quando a
vontade do paciente não se pode manifestar ou
quando ocorrem os extremos do estado de
necessidade". E concluiu: "O problema não é do
domínio da culpabilidade, mas da antijuridicidade.
O fato não é somente não punível, por não culpável;
não chega a ser ilícito" (Direito penal- Parte geral.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, t. 2, p. 13-15).
E José Frederico Marques advertia: "Quem está
autorizado a praticar um ato, porquanto a ordem
jurídica o considera o exercício de um direito, está
agindo licitamente: feci sed imo feci. É evidente,
por isso, que tal ato não pode ser considerado
antijurídico, nem tão pouco delituoso" (Tratado de
Direito Penal. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, v. 2, p. 134).
Há, também, algumas iatrogenias, ou lesões
sofridas previsíveis, decorrentes de fatores
individuais e próprios dos pacientes; da sua maior
36
sensibilidade
e
reação
a
determinados
procedimentos
ou
medicamentos,
das
idiossincrasias do seu organismo ou do seu
psiquismo e da maior demora na recuperação, que,
embora previsíveis, não têm qualquer relação de
causa e efeito com a atuação do médico, da técnica
empregada ou do atual estado da ciência.
Também nessas hipóteses não há ato ilícito e
punível, caso o paciente tenha sido prévia e
adequadamente alertado de possíveis conseqüências
ou iatrogenias, considerando que, in casu, o
profissional não contribuiu para o resultado danoso,
sendo certo que tais manifestações eram previstas e
foram devidamente esclareci das antes do
procedimento e aceitas pelo paciente.
Não é escusado advertir sobre alguns
comportamentos que contribuem decisivamente
para a eclosão iatrogênica, como quando o paciente,
portador de qualquer doença, como diabetes,
insuficiência renal, cardiopatia grave, propenso a
vômitos constantes, alérgico ou sensível a algum
medicamento, esconde ou omite do médico essas
informações e essas predisposições, em virtude das
quais exsurge então intercorrência ou incidente
durante a intervenção médica com resultado
danoso.
Ressuma evidente que em casos tais o fator de
agravamento ou de insucesso decorre tão-só da
omissão do paciente, não se podendo carrear ao
profissional a culpa pelo resultado.
Impõe-se, ainda, admitir a existência de
iatrogenias também previsíveis, mas nem sempre
esperadas, e que resultam da técnica empregada, ou
seja, do atual estado da ciência como o exemplo
dado por Paulo Jatene, de reação alérgica grave em
razão do anestésico empregado.
Nessa hipótese impõe-se relembrar alguns
conceitos e fundamentos, sendo pertinente
esclarecer, desde logo, que o "erro de técnica", que
não se confunde com o "erro médico", é visto com
prudência e especial cuidado pelo Poder Judiciário
e seus membros, no exercício da atividade de julgar.
É que não cabe ao Juiz dizer se aquela técnica é
boa ou má; se adequada, ou que existe outra melhor.
O notável Yussef Said Cahali, lembrado em
passagem deste Capítulo, já alertava que "ao Juiz é
defeso, por não ser de sua competência, pronunciarse por essa ou aquela escola, optar por esse ou
aquele método operatório" (Responsabilidade civil.
São Paulo: Saraiva, 1988, p. 348).
Isto porque todo aquele que exerce publicamente
uma arte, profissão ou ofício presume-se habilitado.
E não poderia ser diferente, pois o médico - tal
como outros profissionais liberais (advogado,
dentista, psicólogo, engenheiro, arquiteto) -,
ademais de ter de comprovar a conclusão de curso
superior específico, estágio de residência e
especialização para determinadas áreas, necessita
autorização expressa do Poder Público para atuar e,
ainda, de credenciamento especial por parte do
órgão de classe, no caso, o Conselho Regional de
Medicina.
Esse credenciamento, que às vezes é precedido
de exigência de prova de capacitação, significa
habilitação para o exercício da profissão.
Ademais disso, sob outro enfoque, nos casos
controvertidos ou duvidosos, o erro profissional
não pode ser considerado imperícia, imprudência
ou negligência.
Mostra-se imperativo fazer nítida distinção
entre. "erro profissional" e "imperícia".
Ocorre o "erro profissional" (erro de técnica)
quando a conduta médica é correta, mas a técnica
empregada é incorreta. Significa que o médico
aplica corretamente uma técnica ruim para aquele
caso.
Há "imperícia" (erro médico) quando a técnica
é correta e adequada, mas a conduta ou atuação do
médico é incorreta ou desastrosa. Quer dizer que o
médico aplica mal uma técnica boa.
A primeira hipótese ("erro profissional" ou erro
de técnica) contém o chamado "erro escusável", ou
seja, justificável, quando se cuida de técnica
conhecida, usual e aceita.
A segunda hipótese ("imperícia" ou erro
médico) contém o "erro inescusável", ou não
justificável e, portanto, erro punível no plano civil
e que impõe o dever de reparar.
Diante desse escorço podemos fixar e
estabelecer que o erro profissional não pode ser
objeto de valoração pelo Juiz, nem pode ser
considerado como hipótese de imperícia,
imprudência ou negligência.
E, como corolário desse escorço, pode-se
afirmar que o resultado iatrogênico, decorrente da
técnica empregada ou do estado da ciência, não
pode ser considerado ilícito.
V/II - "Iatrogenia" como resultado. de atuação
culposa do profissional da áreél médica Caracterização do ato ilícito e punível
Mas, como observado no início dessa análise
expositiva, o notável autor citado afirmou
peremptoriamente
que
"iatrogenia
e
responsabilidade civil, dentro de um universo
jurídico eminentemente conflitual, são termos
inconciliáveis e exc1udentes" e que a primeira
aproxima- . se de .uma simples imperfeição de
conhecimentos científicos, escudada- na chamada
falibilidade médica (José Carlos Maldonado de
Carvalho, art. cit, p. 4).
Impõe-se discordar. Restou assentado neste
estudo que a "iatrogenia" representa um dano
causado ao paciente pelo médico, em razão da
sua ação ou omissão no exercício da sua
atividade ou especialização, e que iatrogenia é
37
um fato natural que poderá qualificar-se como
ato jurídico; e, portanto, lícito, ou ato sem
respaldo na lei, e, portanto, ilícito, como, aliás
todos os demais atos, praticados no mundo
fenomênico.
Ora, se a iatrogenia, ou seja o dano
consubstanciado em alteração patológica provocada no paciente por tratamento de qualquer
tipo -, decorrer de vontade consciente e deliberada
de causar o mal, o médico terá agido com dolo, ou
seja, vontade dirigida a um fim, comportamento
esse reprovado pelo ordenamento jurídico.
Poderá ocorrer que a iatrogenia sejadecorrência de sua imprudência, por pressa, excesso
de trabalho ou excesso de confiança.
Não se descarta a existência de um resultado
danoso ou iatrogênico derivado de um agir
negligente, quando, por omissão, descaso,
indolência ou má vontade, o profissional
desempenha mal o seu mister e de forma
comprometedora.
Por fim, a imperícia, o erro inescusável
configurador do erro médico por falta de domínio
da técnica exigida, também poderá conduzir à
iatrogenia.
Em casos tais identifica-se a culpa stricto sensu
do profissional e o seu ato será considerado ilícito e,
portanto, punível. empenhando sua obrigação de
indenizar.
Do que se conclui que a iatrogenia como dano à
pessoa - quando decorra de uma conduta culposa do
agente,
e, assim. se possa identificar um nexo etiológico
entre essa conduta e o resultado iatrogênico transforma o fato danoso em ato ilícito, insere-se na
teoria da culpa e passa a: ser regido pelas regras da
responsabilidade civil.
18.28 - Implantação de prótese de silicone
possibilidade de rejeição. Inocorrência, destarte, de
cerceamento de defesa ou de nulidade pericial.
Recurso não provido (TJSP- 1ª C. Dir. Privado-Ap.
113.023-4- Rel. Alfredo Migliore-j.13.02.2001-JTJLEX240/98).
18.29 - Transfusão de sangue em paciente cuja
religião não a permite
Indenizatória. Reparação de danos. Testemunha
de Jeová. Recebimento de transfusão de sangue
quando de sua internação. - "Convicções religiosas
que não podem prevalecer perante o bem maior
tutelado pela Constituição Federal que é a vida.
Conduta dos médicos, por outro lado, que se pautou
dentro da lei e ética profissional, posto que somente
efetuaram as transfusões sangüíneas após esgotados
todos os tratamentos alternativos. Inexistência,
ademais, de recusa expressa a receber transfusão de
sangue quando da internação da autora.
Ressarcimento, por outro lado, de despesas
efetuadas com exames médicos, entre outras, que
não merece acolhida, posto não terem sido os
valores despendidos pela apelante. Recurso
improvido" (TJSP – 1ª C. Dir. Privado - Ap.
123.430-4/4-00 - Rel. Flávio Pinheiro - j.
07.05.2002 -JTJ-LEX256/125)
18.30 - Cicatriz hipertrófica equetoidiana resultante
de intervenção cirúrgica
''A extensa cicatriz cirúrgica no tórax e
abdome da vítima, com formação de quelóide,
caracteriza o dano estético, principalmente
levando-se em conta que a vítima é jovem e fica
constrangida em usar as roupas ditadas pela moda,
bem como trajes de banho" (TJMG 4ª C. - Ap.
326.867~1 - Rel. Jarbas Ladeira - j. 21.03..2001 RT795/369).
. "Em ação indenizatória por danos moral e
material em razão da utilização de pró teses de
silicone defeituosas, o fabricante é parte legítima
para integrar o pólo passivo da lide, ainda que se
trate de empresa estrangeira, em face do disposto
no art. 12 da Lei 8.078/90" (TJSP – 10ª C. - AI
221.548-4n-00 - Rel. Paulo Dimas Mascaretti - j.
05.02.2002 - RT799/232).
Erro médico. Implantação de prótese glútea.
Rejeição. Não sendo possível ao médico prevê-la,
até porque o erro material implantado e que causou
a rejeição no organismo foi adquirida de terceiro
pela autora. Inexistência, no caso, de obrigação de
indenizar. A rejeição constitui-se em motivo de
força maior, excludente de responsabilidade.
Inexistência, outrossim, de seqüelas relevantes.
Ciência da autora, antes do ato cirúrgico, da
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