133 Carmona, A. M. Uma abordagem psicopolítica sobre o preconceito contra homossexuais Uma Abordagem Psicopolítica sobre o Preconceito contra Homossexuais A Psychopolitical Approach of Prejudice against Homossexuals Andréa Moreira Carmona1 RESENHA DO LIVRO: PRADO, M. A. M.; MACHADO, F. V. Preconceito contra homossexualidades: a hierarquia da invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008. O livro Preconceito contra homossexualidades: a hierarquia da invisibilidade compõe a Coleção Preconceitos que trata da luta pelos direitos humanos de minorias frente aos antagonismos sociais e a negação da equivalência dos direitos. Essa obra é mais um instrumento para os avanços no conhecimento e na politização sobre o tema do preconceito. Nessa edição, o foco do debate se concentra no preconceito contra homossexuais, que compõe um dos grupos sociais mais violados em seus direitos pela cultura heteronormativa e sexista. A iniciativa dos autores, ambos psicólogos sociais e pesquisadores, de ir além dos aspectos psicológicos envolvidos no fenômeno trabalhado, representam um convite à reflexão sobre o papel da sociedade na manutenção ou rompimento com a construção social da subalternidade nas relações de poder. A partir das referências de pesquisas já realizadas, Prado e Machado nos interpelam a um debate político que torna essa produção ainda mais valorosa por certo caráter de pioneirismo na discussão sobre a homofobia no entrelaçamento do âmbito individual/privado e social/ público. Os autores esclarecem que, do ponto de vista psicológico, romper com a homofobia assimilada requer ultrapassar os valores hegemônicos introjetados, o que impede que a experiência homossexual seja vivenciada com legitimidade. Para isso é necessário uma mudança de posição frente à história subjetiva e social, pois tais valores morais constituem as identidades individuais e coletivas. Do ponto de vista social, a homofobia impossibilita o processo dos indivíduos se assumirem ou mesmo deslegitima a consolidação de uma identidade emancipada, conduzindo às formas violentas de manifestação do preconceito. Por um lado, o preconceito, e sua consolidação na homofobia, poderá conduzir a opressão e ao sofrimento físico e psíquico do sujeito frente à lógica das inferiorizações sociais. Por outro lado, tal fenômeno também poderá conduzir à subordinação de determinados grupos sociais frente à hierarquização das sexualidades e orientações sexuais. Não é um fenômeno de exclusão social simples, mas “(...) um processo perverso de subalternidade que inclui restritivamente e de forma estigmatizada os grupos inferiorizados nos processos sociais” (p. 71). Daí a importância das ações políticas para o enfrentamento das desigualdades sociais que mantêm legitimidade ao preconceito. O livro se apresenta em seis capítulos didaticamente divididos entre a exposição teórica, conceitual e histórica do tema, a problematização, exemplificação e um fechamento que instiga o leitor a novas possibilidades de pesquisas e informações. Essas argumentações são balizadas pelo recurso de um estudo crítico confrontado com o cotidiano das práticas militantes compartilhadas e/ou estudadas pelos autores ao longo de suas trajetórias na área. Conforme é trabalhado pelos pesquisadores, a lógica de inferiorização e opressão do grupo LGBT está calcada na lógica de hierarquização 1 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social pela UFMG, Professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Minas e Coordenadora de Direitos Humanos da PBH. Contato: [email protected] Pesquisas e Práticas Psicossociais 3(1), São João del-Rei, Ag. 2008 134 Carmona, A. M. Uma abordagem psicopolítica sobre o preconceito contra homossexuais desencadeada por discursos e “valores hegemônicos que contribuirá para o posicionamento dos sujeitos homossexuais em lugares de subalternidades, ainda que estes lugares estejam disfarçados muitas vezes pela lógica da excentricidade e pelo preconceito” (p.11). Reconhecer os limites tênues e as tensões entre o espaço público e privado, bem como a regulação e redução das orientações sexuais e das pluralidades identitárias sexuais frente à diversidade humana, é um processo político importante na ampliação do campo democrático. Ao resgatar os equívocos do discurso hegemônico – religioso, científico (médico, jurídico, universitário, etc) e moral – os autores discutem a naturalização do preconceito e a hierarquia da invisibilidade. É elucidado o preconceito como um mecanismo psicossocial de simplificação da complexidade que se apresenta na relação do sujeito com o outro, já que a emergência das diferenças ameaça a soberania identitária hegemônica. Dessa forma, o preconceito se apresenta como uma estratégia de invisibilidade das identidades subalternas para a manutenção de posições hierarquicamente superiores. Por esse motivo, a luta dos movimentos sociais LGBT pela visibilidade política é uma forma de denúncia e rompimento com as desigualdades sociais que estão silenciadas na sociedade. Na sua problematização, o estudo aponta dois mecanismos psicopolíticos para o enfrentamento do preconceito contra homossexuais: a desconstrução/ressignificação, que sugere, principalmente, uma estratégia individual e a construção do discurso e da ação pública, que incide, prioritariamente, por uma estratégia coletiva. Os autores ressaltam que “ambos os mecanismos envolvem as formas de organização de grupos de homossexuais e sua coletivização, hierarquização e formas de pertença, mas também uma dinâmica da participação social” (p.80). Com esse indicativo, o estudo caminha para a conclusão trazendo a experiência pública dos movimentos sociais, principalmente por meio das Paradas LGBT – como maior manifestação política de visibilidade. Nessa parte, é catalogada uma lista de publicações e organizações do movimento homófilo. E com um insight criativo “Para continuidades...” do estudo, o leitor é instigado a aceitar o convite “Para continuar lendo...”, “Para continuar assistindo...”, Para continuar interagindo...”, “Para continuar militando” e “Para continuar escrevendo e pesquisando...”. É necessário que haja a disponibilidade para a interpelação aos/pelos outros, reconhecendo a co-responsabilidade de todos na sociedade. “Essa discussão sobre a politização em torno das sexualidades interpela um projeto coletivo de sociedade” (p. 16), a alteridade das relações e a intersetorialidade das ações. Acreditamos que as possibilidades para uma sociedade emancipatória, com reconhecimento da livre orientação sexual como direito humano, está na promoção de mecanismos de prevenção das violações de direitos e exercício de cidadania, acompanhados de uma reconstrução efetiva das capacidades sociais do Estado e da participação da sociedade civil organizada na gestão pública. Enfim, a qualidade técnica, política e criativa que Prado e Machado tiveram na construção desse livro, demonstra rigor científico e leitura agradável, ampliando as possibilidades de maior politização e aplicabilidade do estudo. Com certeza, é um instrumento útil e necessário para aqueles que queiram aprofundar num estudo crítico ou mesmo fortalecer argumentos para a luta contra-hegemônica da “hierarquia da invisibilidade”. Que possamos colher ótimos frutos dessa pesquisa! Categoria de Contribuição: Resenha Recebido: 11/08/2008 Aceito: 30/08/2008 Pesquisas e Práticas Psicossociais 3(1), São João del-Rei, Ag. 2008