1 Sabe-se que grande parcela dos alunos do ensino básico tem deficiências no que se refere à realização de operações básicas da Matemática: soma, subtração, multiplicação e divisão. É com freqüência que os docentes desta disciplina se deparam com alunos que apresentam este quadro de deficiência. Como essa questão assombra muitos professores, especialmente os de 5ª série/6º ano, que recebem os estudantes (quase sempre de outra escola), oriundos do ciclo I do Ensino Fundamental, acreditando que eles já se apropriaram desses conteúdos básicos em Matemática, em 2010, o Role Playing Game 1 (RPG) foi utilizado como ferramenta didático-pedagógica adicional, na tentativa de mudar esse quadro que incomoda a muitos. A decisão para usar tal ferramenta ocorreu porque jogo RPG há mais de 15 anos e li artigos sobre seu uso na escola, embora com outra disciplina, essencialmente História. Logo, resolvi tentar na área de exatas e observar os resultados. A dificuldade no aprendizado da Matemática é tácita, haja visto que a grande maioria dos alunos já tem um pré-conceito de que a disciplina é de difícil compreensão, entediante e, por vezes, pensam ser ela sem sentido e/ou significado. Na tentativa de mudar isso, iniciei a experiência explicando o que era o RPG e que eles interpretariam personagens em uma história narrada por mim com proposições a serem resolvidas. O trabalho em grupo seria essencial para obter sucesso dentro da história. Além disso, o envolvimento dos alunos seria fundamental para o bom andamento do projeto, embora a primeira ''partida'' fosse para ambientá-los e familiarizá-los com as regras do jogo. Com essa primeira partida, consegui atrair a atenção de praticamente todos os alunos, bem como a participação efetiva dos elementos dos grupos nas decisões a serem tomadas. Um aspecto que eu quero reforçar foi a troca de experiência e a diversidade de raciocínio na resolução de problemas entre os alunos do grupo. As coisas que ouvi de determinados alunos me surpreenderam, especialmente dos ''indisciplinados'' e dos tímidos declarados, com soluções e idéias bem boladas. 1 RPG: Role Playing Game, Jogo de Interpretação de Papéis, em português. é um tipo de jogo em que os jogadores assumem os papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente. O progresso de um jogo se dá de acordo com um sistema de regras predeterminado, dentro das quais os jogadores podem improvisar livremente. As escolhas dos jogadores determinam a direção que o jogo irá tomar. 2 Em uma segunda partida, apresentei uma introdução da história aos alunos, rica em detalhes principalmente sobre seus personagens (aventureiros), para que a imersão deles no jogo fosse a mais completa possível sem, no entanto, negligenciar o objetivo da atividade. Os alunos foram divididos em grupos livres de 6 integrantes. A história era baseada em investigação e mistério, instigando os alunos a perseverarem na busca pela solução dos problemas que eram apresentados na forma de enigmas e/ou charadas condicionadas com a continuidade da narrativa, ou seja, era preciso descobrir a resposta de um enigma para seguir adiante. Neste momento, os alunos tinham alguns minutos para debater sobre a interpretação do enigma, melhor forma de resolução e discussão naquele momento sobre a efetividade do resultado. A seguir, alguns exemplos das atividades: ''... para a porta abrir, me dividi em dois, mas não antes de aumentar meu número em 3 vezes...''. Os alunos encontraram esta escrita na entrada de uma cripta secreta após reunirem informações sobre um grupo de 74 pessoas e precisavam resolver o enigma para conseguir o código que abria a cripta. Para solucionar a questão, era preciso conectar a informação obtida antes (74 pessoas era o número de membros de uma guilda, descoberta em uma coluna “mágica” com o nome de todos esses membros entalhados nela, mas que só poderia ser visualizado através de um pergaminho específico) com o enigma; efetuar a divisão desse número por 2 e, em seguida, multiplicá-lo por 3, chegando ao resultado 111. - Na divisão da recompensa pelo sucesso da empreitada, os personagens receberam 350 moedas de ouro. Tal divisão deveria ser exata e igualitária entre os membros. Se houvesse “resto”, eles poderiam proceder da forma como julgassem pertinente, como, por exemplo, repor equipamento ao grupo, fazer uma refeição coletiva, etc. Mais um enigma proposto: - “....ao caminhar, só posso dividir o que tenho com meus primos, de forma que não sobre nada”. 3 Os personagens estavam em um túnel e precisavam atravessar um campo de placas de pedras marcadas com números, seguindo apenas por um caminho correto existente, sob pena das pedras “erradas” cederem e os personagens caírem em um fosso, para alcançar o outro lado. Todos os números marcados nas pedras eram primos (que os alunos deveriam reconhecer sozinhos, através do enigma) e eles haviam conseguido uma informação no vilarejo – um pedaço de papel encontrado na bolsa de um mago, que eles enfrentaram, com uma palavra semi-queimada “ponte dos pr...” escrita e uma seqüência de números aparentemente sem sentido, mas que, neste momento, seria preciso dividi-los pelos números primos impressos nas pedras (sem deixar resto) para “encontrar” a trilha segura para atravessar. Apesar das dificuldades na interpretação dos enigmas, todos os alunos compreenderam a necessidade de se trabalhar em grupo, respeitar e ouvir a opinião dos integrantes, organizar o raciocínio e expor aos demais de uma forma inteligível. No aprendizado de Matemática, o avanço foi perceptível e a troca de experiências entre eles na forma de montagem e resolução dos problemas apresentados foi de suma importância, pois não ficavam restritos apenas aos algoritmos tradicionais na operacionalização aritmética. As intervenções necessárias eram feitas nos grupos a cada vez que eles apresentavam o resultado das proposições para continuar. Trabalhei como mediador, dava pistas e esperava os alunos conectá-las para chegar ao resultado esperado, mas sempre socializando a forma do raciocínio utilizado com o grupo e fazer com que os demais integrantes acompanhassem a descoberta. Aprimorando técnicas próprias – cálculo mental, organização do raciocínio, modelagem do problema e “montagem” da resolução – e aprendendo resoluções diferenciadas para o mesmo problema, os alunos ficavam estimulados a continuar no jogo e a resolver as charadas matemáticas, buscando com os colegas e/ou com professor ajuda para solucionar as dúvidas que tinham. Depois dessa primeira fase do jogo, os alunos fizeram um relatório dizendo o que haviam pensado sobre o jogo e se o entendimento daquele conteúdo matemático ficou mais simples. As minhas observações após estas atividades foram: 4 - a oportunidade de trocar experiências com os colegas para aprender novas formas de se resolver operações, já que eles falam a “mesma língua” interagindo de forma direta entre si; - aprender brincando e de forma inusitada; - a curiosidade despertada pela história fez com que todos participassem, mesmo que em diferentes níveis, pois detalhes que escapavam a alguns membros do grupo eram resgatados por outros. Foi feita uma devolutiva aos alunos após os relatórios concluídos para que ficasse claro que, apesar do jogo, o objetivo era ajudá-los com a Matemática. A resposta foi que o RPG lhes foi bastante proveitoso e divertido, permitindo um gosto para que isto acontecesse mais freqüentemente, inclusive com as outras disciplinas. Ao realizar essas atividades, observei que o RPG pode ser uma ferramenta muito interessante no ensino da Matemática, haja visto a curiosidade que desperta nos alunos para tentar progredir nos meandros da aventura, a maleabilidade de raciocínio, modelagem em busca do mesmo objetivo e a atratividade lúdica em si mesmo já que os alunos consideram um jogo, uma diversão. O RPG disseminou-se (através dos próprios alunos) de tal forma no ambiente escolar que os demais professores acolheram a idéia e, visualizando a possibilidade de enriquecimento de suas práticas pedagógicas, solicitaram uma oficina preparatória sobre o jogo e sua utilização. Mesmo em componentes curriculares diferentes da Matemática, participei junto com os colegas professores na sala de aula, mediando as ocorrências e auxiliando na tomada de decisões e na avaliação da participação e aprendizagem dos alunos. Diversos professores prosseguiram na utilização dessa ferramenta, reconhecendo o valor e o retorno que a diversidade na prática em sala de aula proporciona dentro de uma visão de transdisciplinaridade.