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Sabe-se que grande parcela dos alunos do ensino básico tem deficiências no
que se refere à realização de operações básicas da Matemática: soma, subtração,
multiplicação e divisão. É com freqüência que os docentes desta disciplina se
deparam com alunos que apresentam este quadro de deficiência. Como essa
questão assombra muitos professores, especialmente os de 5ª série/6º ano, que
recebem os estudantes (quase sempre de outra escola), oriundos do ciclo I do
Ensino Fundamental, acreditando que eles já se apropriaram desses conteúdos
básicos em Matemática, em 2010, o Role Playing Game
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(RPG) foi utilizado como
ferramenta didático-pedagógica adicional, na tentativa de mudar esse quadro que
incomoda a muitos. A decisão para usar tal ferramenta ocorreu porque jogo RPG há
mais de 15 anos e li artigos sobre seu uso na escola, embora com outra disciplina,
essencialmente História. Logo, resolvi tentar na área de exatas e observar os
resultados.
A dificuldade no aprendizado da Matemática é tácita, haja visto que a grande
maioria dos alunos já tem um pré-conceito de que a disciplina é de difícil
compreensão, entediante e, por vezes, pensam ser ela sem sentido e/ou significado.
Na tentativa de mudar isso, iniciei a experiência explicando o que era o RPG e que
eles interpretariam personagens em uma história narrada por mim com proposições
a serem resolvidas. O trabalho em grupo seria essencial para obter sucesso dentro
da história. Além disso, o envolvimento dos alunos seria fundamental para o bom
andamento do projeto, embora a primeira ''partida'' fosse para ambientá-los e
familiarizá-los com as regras do jogo. Com essa primeira partida, consegui atrair a
atenção de praticamente todos os alunos, bem como a participação efetiva dos
elementos dos grupos nas decisões a serem tomadas. Um aspecto que eu quero
reforçar foi a troca de experiência e a diversidade de raciocínio na resolução de
problemas entre os alunos do grupo. As coisas que ouvi de determinados alunos me
surpreenderam, especialmente dos ''indisciplinados'' e dos tímidos declarados, com
soluções e idéias bem boladas.
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RPG: Role Playing Game, Jogo de Interpretação de Papéis, em português. é um tipo de jogo em
que os jogadores assumem os papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente. O
progresso de um jogo se dá de acordo com um sistema de regras predeterminado, dentro das quais
os jogadores podem improvisar livremente. As escolhas dos jogadores determinam a direção que o
jogo irá tomar.
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Em uma segunda partida, apresentei uma introdução da história aos
alunos, rica em detalhes principalmente sobre seus personagens (aventureiros),
para que a imersão deles no jogo fosse a mais completa possível sem, no entanto,
negligenciar o objetivo da atividade. Os alunos foram divididos em grupos livres de 6
integrantes. A história era baseada em investigação e mistério, instigando os alunos
a perseverarem na busca pela solução dos problemas que eram apresentados na
forma de enigmas e/ou charadas condicionadas com a continuidade da narrativa, ou
seja, era preciso descobrir a resposta de um enigma para seguir adiante. Neste
momento, os alunos tinham alguns minutos para debater sobre a interpretação do
enigma, melhor forma de resolução e discussão naquele momento sobre a
efetividade do resultado. A seguir, alguns exemplos das atividades:
''... para a porta abrir, me dividi em dois, mas não antes de aumentar meu número
em 3 vezes...''.
Os alunos encontraram esta escrita na entrada de uma cripta secreta
após reunirem informações sobre um grupo de 74 pessoas e precisavam resolver o
enigma para conseguir o código que abria a cripta. Para solucionar a questão, era
preciso conectar a informação obtida antes (74 pessoas era o número de membros
de uma guilda, descoberta em uma coluna “mágica” com o nome de todos esses
membros entalhados nela, mas que só poderia ser visualizado através de um
pergaminho específico) com o enigma; efetuar a divisão desse número por 2 e, em
seguida, multiplicá-lo por 3, chegando ao resultado 111.
- Na divisão da recompensa pelo sucesso da empreitada, os personagens
receberam 350 moedas de ouro. Tal divisão deveria ser exata e igualitária entre os
membros. Se houvesse “resto”, eles poderiam proceder da forma como julgassem
pertinente, como, por exemplo, repor equipamento ao grupo, fazer uma refeição
coletiva, etc.
Mais um enigma proposto:
- “....ao caminhar, só posso dividir o que tenho com meus primos, de
forma que não sobre nada”.
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Os personagens estavam em um túnel e precisavam atravessar um
campo de placas de pedras marcadas com números, seguindo apenas por um
caminho correto existente, sob pena das pedras “erradas” cederem e os
personagens caírem em um fosso, para alcançar o outro lado. Todos os números
marcados nas pedras eram primos (que os alunos deveriam reconhecer sozinhos,
através do enigma) e eles haviam conseguido uma informação no vilarejo – um
pedaço de papel encontrado na bolsa de um mago, que eles enfrentaram, com uma
palavra semi-queimada “ponte dos pr...” escrita e uma seqüência de números
aparentemente sem sentido, mas que, neste momento, seria preciso dividi-los pelos
números primos impressos nas pedras (sem deixar resto) para “encontrar” a trilha
segura para atravessar.
Apesar das dificuldades na interpretação dos enigmas, todos os alunos
compreenderam a necessidade de se trabalhar em grupo, respeitar e ouvir a opinião
dos integrantes, organizar o raciocínio e expor aos demais de uma forma inteligível.
No aprendizado de Matemática, o avanço foi perceptível e a troca de experiências
entre eles na forma de montagem e resolução dos problemas apresentados foi de
suma importância, pois não ficavam restritos apenas aos algoritmos tradicionais na
operacionalização aritmética.
As intervenções necessárias eram feitas nos grupos a cada vez que eles
apresentavam o resultado das proposições para continuar. Trabalhei como
mediador, dava pistas e esperava os alunos conectá-las para chegar ao resultado
esperado, mas sempre socializando a forma do raciocínio utilizado com o grupo e
fazer com que os demais integrantes acompanhassem a descoberta. Aprimorando
técnicas próprias – cálculo mental, organização do raciocínio, modelagem do
problema e “montagem” da resolução – e aprendendo resoluções diferenciadas para
o mesmo problema, os alunos ficavam estimulados a continuar no jogo e a resolver
as charadas matemáticas, buscando com os colegas e/ou com professor ajuda para
solucionar as dúvidas que tinham. Depois dessa primeira fase do jogo, os alunos
fizeram um relatório dizendo o que haviam pensado sobre o jogo e se o
entendimento daquele conteúdo matemático ficou mais simples. As minhas
observações após estas atividades foram:
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- a oportunidade de trocar experiências com os colegas para aprender
novas formas de se resolver operações, já que eles falam a “mesma língua”
interagindo de forma direta entre si;
- aprender brincando e de forma inusitada;
- a curiosidade despertada pela história fez com que todos participassem,
mesmo que em diferentes níveis, pois detalhes que escapavam a alguns membros
do grupo eram resgatados por outros.
Foi feita uma devolutiva aos alunos após os relatórios concluídos para
que ficasse claro que, apesar do jogo, o objetivo era ajudá-los com a Matemática. A
resposta foi que o RPG lhes foi bastante proveitoso e divertido, permitindo um gosto
para que isto acontecesse mais freqüentemente, inclusive com as outras disciplinas.
Ao realizar essas atividades, observei que o RPG pode ser uma
ferramenta muito interessante no ensino da Matemática, haja visto a curiosidade que
desperta nos alunos para tentar progredir nos meandros da aventura, a
maleabilidade de raciocínio, modelagem em busca do mesmo objetivo e a
atratividade lúdica em si mesmo já que os alunos consideram um jogo, uma
diversão. O RPG disseminou-se (através dos próprios alunos) de tal forma no
ambiente escolar que os demais professores acolheram a idéia e, visualizando a
possibilidade de enriquecimento de suas práticas pedagógicas, solicitaram uma
oficina preparatória sobre o jogo e sua utilização.
Mesmo em componentes curriculares diferentes da Matemática, participei
junto com os colegas professores na sala de aula, mediando as ocorrências e
auxiliando na tomada de decisões e na avaliação da participação e aprendizagem
dos alunos. Diversos professores prosseguiram na utilização dessa ferramenta,
reconhecendo o valor e o retorno que a diversidade na prática em sala de aula
proporciona dentro de uma visão de transdisciplinaridade.
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