Ciência e saber popular de mãos dadas Trabalhar com plantas medicinais envolve todas as disciplinas, enriquece a temática ambiental e aproxima a comunidade da escola Tatiana Achcar Sexta-feira, 29 de outubro Campo ou cidade, não importa, sempre tem alguém com uma receita de chá para combater dor de barriga, resfriado, má digestão ou com a dica de um macerado de ervas para aplacar a dor de uma contusão. O conhecimento tradicional é bastante difundido na sociedade brasileira e, para a surpresa de muitos, mais coerente com a ciência do que se imagina. De olho nesse potencial, as biólogas Priscila Correia Fernandes e Patrícia de Sousa Oliveira, do Laboratório de Produtos Naturais do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em São Paulo, implantaram o projeto Viveiro Medicinal em escolas municipais rurais e urbanas de Sumaré e Atibaia, cidades do interior paulista, envolvendo a comunidade na criação e na manutenção de jardins de ervas medicinais. As pesquisadoras acreditam que é fundamental a escola valorizar o saber que as A aluna Liliane, da 2ª famílias cultivam em casa como forma de série, no canteiro da popular e incentivar e de abrigar a participação da escola: comunidade e principalmente dos alunos. Mais científico, juntos seguros com assuntos que fazem parte de seu cotidiano, eles reconhecem sua cultura, fortalecem sua identidade, envolvem-se e manifestam-se muito mais. "Trabalhamos com as duas visões – popular e científica - da mesma maneira, sem confrontar nem menosprezar o conhecimento tradicional", conta Priscila. "Assim, pudemos ter uma visão da comunidade a partir da escola". As pesquisadoras partiram de um questionário etnofarmacológico, com o qual os alunos entrevistaram os pais sobre as espécies de ervas mais usadas, sua finalidade, onde consegui-las etc. "Além de fornecer dados para dar início ao plantio, o questionário é uma maneira de valorizar o uso do conhecimento tradicional e o contato entre as gerações", explica Patrícia. Plantas na sala de aula O projeto mostrou que o trabalho com plantas medicinais oferece muitas possibilidades de estudar na prática não só Ciências Naturais, mas Matemática, Língua Portuguesa, Geografia, História e Educação Artística, o que dá ao aprendizado um sentido mais abrangente e útil. Em Ciências, os alunos aprenderam a identificar as espécies, observando (e desenhando, com ajuda do professor de Artes) a forma de todas as partes das plantas. Os estudantes descobriram também a importância do nome científico, diante de tantas denominações que a população dá para a mesma planta (sem desprezá-las, é claro). Aprenderam ainda sobre toxicidade, dosagem, efeitos colaterais, modo de preparo e indicação. É notável como o assunto rende. Se iniciar um projeto semelhante, você pode trabalhar também a importância de nutrir a terra – adubo, húmus, decomposição de plantas, presença de insetos – e a turma vai curtir bastante criar a própria composteira para adubar o jardim. A pesquisadora Patrícia de Sousa Oliveira, da Unicamp: respeito ao conhecimento da comunidade Nas aulas práticas, acontece a extração do princípio ativo da planta por meio de uma solução hidro-alcoólica. Dependendo da planta, os alunos poderão ver a cor esverdeada na solução, sentir mais intensamente seu aroma e perceber a presença de óleo essencial. Em Matemática, os professores de Sumaré e Atibaia trabalharam porcentagem, proporção e gráficos. Baseados no resultado dos questionários, os alunos criaram gráficos para indicar as plantas mais usadas. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Rural Maria Aparecida de Jesus Seguro, no assentamento 2 do MST, em Sumaré, a professora Érica Fernanda da Graça relacionou o estudo da poesia ao cultivo das ervas medicinais nas aulas da turma da 2ª série. Divididas em pequenos grupos, as crianças trabalharam verso, estrofe e rima com a temática das plantas. A leitura ganhou A professora Érica e fluência. "Quem não lia, passou a ler e a turma parte de sua turma, ficou cooperativa, aprendeu a lidar com o em Sumaré: coletivo", conta Érica. Agora, eles estão vendo abordagem produtos industrializados, matérias primas e os interdisciplinar preços de remédios e comparando com os chás feitos com as ervas cultivadas na própria terra. Com os maiores, é possível pedir que escrevam relatórios sobre o dia-a-dia do viveiro. Com os dados socioeconômicos obtidos no questionário, é possível inserir no projeto conteúdos de História e de Geografia, como migração, miscigenação, formação do povo brasileiro, história da família, do bairro e da cidade. Resultados O que antes era terra, cimento, grama ou nada, hoje tem função pedagógica. Alunos e professores que participam e dão continuidade ao projeto já estão transmitindo o que aprenderam aos colegas de outras turmas e escolas. O envolvimento dos professores fez a temática ambiental ficar mais próxima e facilitou a compreensão de questões ambientais aparentemente mais distantes, como aquecimento global e descongelamento das geleiras. Deu para perceber que a educação ambiental começa bem ali, no jardim da escola. Parceria É a palavra de ordem. Em Atibaia, o Projeto Viveiro Medicinal é uma parceria do laboratório de Produtos Naturais da Unicamp com o Fruto da Terra, programa da Secretaria de Educação. A união de esforços facilitou o envolvimento dos professores, que utilizaram as horas de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) para participar de oficinas oferecidas por Priscila, trocar idéias entre si e elaborar planos de aula. Se você gostou da iniciativa e não sabe muito bem por onde começar, comece procurando o apoio das Universidades. As biólogas Patrícia e Priscila afirmam que existe muito interesse de laboratórios de farmacologia natural e que o apoio é certo. FONTE: http://novaescola.abril.com.br/noticias/out_04_29/ Em: 09/5/2005