A interface Sintaxe-Léxico e a Teoria dos Papéis Temáticos

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Resumo
Não obstante a grande quantidade de trabalhos produzidos com a Teoria Temática como
pauta central, esse é um trabalho que toma essa teoria como enfoque central. Tem como foco
investigar as formas de interação entre o núcleo de um predicado e os seus respectivos
argumentos. Alude-se à teoria temática dado que dentro do modelo de Government and
Binding, essa teoria postula sobre as interações e restrições do verbo para com seus argumentos.
Algumas análises alternativas serão trazidas à discussão pra explicar tanto a variação de
significação de um verbo quanto à possibilidade encontrada no português brasileiro para que
um termo como coisa figure numa sentença em substituição ao um outro termo. “eu quebrei o
coiso”, por exemplo. Se apontará que há indícios de que a significação de coisar esteja mais
restrita ao contexto que a especificações previamente definidas.
Palavras-chave: teoria temática, eventos, interface Sintaxe-Léxico.
Keywords: Theta Theory, events, Syntax-Lexicon interface.
Introdução
O presente trabalho visa a estudar as principais relações entre a configuração
temática de uma sentença e a estrutura argumental do verbo núcleo dessa
sentença. Esse assunto, já amplamente discutido em lingüística contemporânea e
no modelo de Government and Binding (GB), terá uma abordagem aqui que foca
duas questões centrais: onde se dão as relações temáticas e quais categorias
carregam informação da configuração temática.
Em primeiro lugar, a Teoria Temática tal como é entendida em GB será o norte
para esse estudo, ou seja, assume-se que a estrutura argumental e a configuração
temática estão fortemente ligadas. Além da visão de que o elemento que ocupa o
núcleo do predicado é inerentemente especificado para receber um determinado
número de argumentos de um determinado tipo e atribui essencialmente papéis
temáticos específicos aos seus argumentos, apresentaremos análises e dados que
trazem novas questões a esse ponto de vista. É o caso do trabalho feito por
Negrão & Viotti sobre a alternância de diátese em português brasileiro.
Também fará parte da discussão dados do português brasileiro que questionam a
atribuição prévia de especificações argumentais e temáticas para um verbo. Esse
dado é trazido de um item lexical, que tradicionalmente não é verbo, mas
substantivo e que em diversas sentenças assume posição e morfologia verbal:
coisa. A partir desse dado e os de Negrão & Viotti, se investigará a possibilidade
de
a
significação
de
verbos,
sentenças
e
argumentos
serem
dadas
configuracionalmente, hipótese que será já desde agora previamente assumida.
Os questionamentos sobre a posição que atribui papel temático e suas relações
com a estrutura argumental serão subsidiados pelos trabalhos de Maya Arad
(1996) e Sara Rogen (1999). A primeira atrela a atribuição de papel temático a
projeções aspectuais do evento denotado pela sentença. A segunda autora, por
seu turno, argumenta que a estrutura de evento é que está relacionada às
informações temáticas dos argumentos de uma dada projeção verbal. A
atribuição de papel temático, como defende a segunda autora, se dá em projeções
de AGRP.
No decurso deste trabalho, se mostrará como em escala gradual cada um dos
modelos apresentados traz contribuições de economia para o modelo da
gramática gerativa. Entretanto, todos os trabalhos citados são decisivos na
construção das considerações finais de acordo com as quais, a nossa primeira
hipótese é corroborada.
Teoria Tematica
De acordo Williams (1995), a proposta essencial da teoria temática é de que “há
um número de argumentos distinguíveis, A1,
....
An. para cada verbo” (p. 101).
Assim, a estrutura temática é correlata à estrutura argumental.
Quando se fala que um NP tem um papel temático (papel-θ), o que se deve
observar é que ele está numa relação de “argumento de” com um verbo, ou seja,
esse NP1 é um argumento, e está na estrutura em relação a algum verbo. Com
algumas exceções, como no caso dos vocativos, dos “sujeitos” de pseudo
clivadas, etc., por exemplo, todo NP, em uma sentença deve ser “argumento de”
algum verbo. Além disso, os argumentos externos (sujeitos) devem ser
1
Em não sendo prejudicial em nenhum ponto, para esse trabalho, se usou indistintamente as atribuições
NP ou DP para os sintagmas nominais (argumentos).
especificados. Williams (1989 apud WILLIAMS, 1995) apresenta as seguintes
generalizações:
(1) Todo NP tem de adquirir algum tipo de interpretação na sentença,
e ser argumento de algum verbo
(2) a posição de argumento interno (sujeito) deve ser atribuída a algum
NP.
Essa análise de Williams é refinada pelo Critério Temático (critério-θ) de Chomsky
(1989), originalmente, o critério-θ põe um argumento em relação com um papel-θ.
De acordo com esse critério, cada argumento está em uma, e apenas uma
posição-θ, e cada posição-θ contém um, e apenas um argumento.
Dentro desse paralelo que se traça para configuração temática e estrutura
argumental, pode-se afirmar com (FRANCHI & CANÇADO, 2003) que o papel-θ de
um determinado NP auxilia na identificação do tipo de argumento que tal NP
desempenha na estrutura. Grosso modo, fica sugerido em Franchi & Cançado
(op. cit.), portanto, que o papel-θ de um argumento é são indicadores para o
conjunto de interpretações semânticas cabíveis a tal argumento (cf. CANÇADO,
2005) Entretanto, o que licencia uma posição a ser preenchida por um ou outro
argumento é o papel temático atribuído a uma posição pelo verbo (Williams,
Franchi, Arad).
O Léxico e a configuração temática
As postulações apontadas acima consideram que cada entrada lexical traz do
Léxico para a Sintaxe a informação de sua estrutura temática. Dessa forma, as
restrições de preenchimento das posições argumentais de um dado item lexical se
dá graças à configuração temática prevista por esse item. Mioto et. al. (2003)
afirmam que “as palavras de uma língua tem propriedades tais que o
aparecimento de um certo item lexical já nos faz esperar por um outro item ou
grupo de itens” (p. 119).
O que licencia uma posição a ser preenchida por um ou outro argumento é o
papel temático atribuído a uma posição pelo verbo (WILLIAMS, 1995; FRANCHI &
CANÇADO, 2003; ARAD, 1996). Mostra-se a seguir um esquema das principais
especificações disponíveis no Léxico para as palavras informarem quais são os
seus requerimentos:
(3) Chutar
[NP, NP] – categorial (c-seleção)
[Agentej, Temai] – semântica (s-seleção)
Na representação em (3), temos a representação dos requerimentos dados como
obrigatórios para o verbo chutar, em um momento, representou-se a c-seleção, ou
os espaços que tal item requer que sejam preenchidos caso entre numa estrutura.
A c-seleção diz respeito aos argumentos requeridos por chutar. A s-seleção
apresenta algumas restrições semânticas que a categoria sofrerá para satisfazer as
exigências de chutar. Ao argumento que receberá o papel-θ de agente, por
exemplo, serão necessários traços de animacidade, volição, etc.
(4) O meninoj chutou a bola i (MIOTO et. all., 2003)
[DP]
[DP]
[AGENTE]
[TEMA]
(5) * A bola chutou o poste
[DP]
[DP]
[*AGENTE]
[TEMA]
(6) * O menino chutou forte2
[DP]
[AP]
[AGENTE]
[*TEMA]
Dentro dessa concepção de interação entre Léxico e Sintaxe, a grade temática e a
estrutura argumental que é requerida para um determinado item lexical estão
especificadas quando o verbo núcleo do predicado é inserido na estrutura. Essas
informações são de ordem tal que, uma vez violadas, a sentença se torna
agramatical. Em (5), a agramaticalidade, é causada pela impossibilidade de o
papel-θ de agente ser atribuído a um DP com traço [- animado]. Por outro lado,
agramaticalidade de (6) se dá devido ao fato de a categoria inserida violar o
requerimento de um argumento do tipo DP, que o núcleo lexical faz.
Agramaticalidade referente à interpretação de forte como estando em relação de “argumento de” com
chutar.
2
A questão da variação na estrutura temática
De acordo com Negrão e Viotti (a sair), diversos tipos de verbos permitem
mudança temática e a realização sintática de sua estrutura argumental. É o caso,
por exemplo, da configuração temática [AGENTE, TEMA, BENEFACTIVO ] e
argumental [DP3, DP, PP] para o verbo dar4, que sofre diversas possibilidades de
mudança de informações temáticas e argumentais. A ocorrência que se trará do
trabalho de Negrão & Viotti é o caso do verbo dar, em que o argumento externo
é θ-marcado como agente por esse verbo, e portanto, deve ter traços, por exemplo
de animacidade e volição5. Nas sentenças em (7) e (8), o sujeito perde esses
traços:
(7) [Este shopping] deu [bons prêmios] no ano passado.
(8) [Meu sítio] deu [aquelas bananas] enormes no ano passado.
Na análise das autoras, o verbo dar da sentença em (8) sofre alteração na sua
estrutura canônica de argumentos e nos papeis-θ que o verbo atribui a seus
argumentos, uma vez que o argumento meu sítio não tem as características de
agente ou de controle prototípicas do argumento externo do verbo dar. É
possível segundo as autoras apagar completamente o sujeito (causador), e o
movimento do objeto direto para a posição de sujeito, fato que não pode se dar
na sentença em (7), em que o sujeito traz consigo relação com a causa (CAUSE)
do evento:
(9) Aquelas bananas enormes deram no meu sítio.
A sentença acima tem real e verificada alternância na estrutura argumental e na
configuração temática (diátese), uma vez o número dos papeis-θ e dos
argumentos projetados pelo verbo se reduzem. As autoras apontam ainda que
esse comportamento é observado em outros verbos da Língua Portuguesa, tais
3
Devido às suas propriedades peculiares de relação com o núcleo, é comum que o argumento externo seja
marcado com subscrito na representação dos argumentos de um verbo
4
Verbo dar pleno, com significação de transferência de posse de um dado objeto (cf. Scher 2003)
5
para caracterização desses papeis-θ ver Cansado (anos), RardFord (ano) entre outros.
quais fazer, construir, destruir, copiar, escrever, escorregar, entre diversos outros. Sendo
portanto, algo mais significativo que uma exceção ou comportamento atípico de
um único verbo.
Interpretação presa ao contexto sintático
Em português falado em diversas regiões do Brasil, é comum que se use o termo
“coisa” para se referir a uma palavra de que o falante não se recorda no instante
da fala. Em geral, por não ter acesso imediato à palavra que quer dizer, e para
agilizar a comunicação 6 se insere a palavra “coisa” e seus derivados. O dado mais
intrigante, do conjunto apresentado abaixo, está em (11), em que o termo,
originalmente substantivo, coisa recebe marcação tipicamente verbal.
(10) Eu quebrei o vaso
(11) Eu coisei o vaso
(12) Eu quebrei o coiso
Além da “esdrúxula” marcação de tempo, número e pessoa em coisa, fenômenos
mais sérios decorrem dessa “troca” entre os verbos quebrar e “coisar”. Ao ser
usado na estrutura prevista para o verbo quebrar, o “verbo” coisar assume toda a
sua estrutura argumental e os seus argumentos apresentam a mesma configuração
de papeis-θ que o verbo do qual ele toma lugar.
Pode-se dizer, que as interpretações possíveis para as sentenças (11)e (12) são as
mesmas que aquela prevista para a sentença em (10). Esses dados podem sugerir
que coisar seja um verbo bi-argumental que se comporta como qualquer outro
verbo desse tipo. Inclusive entra em estruturas de alternâncias tais quais um
verbo do tipo quebrar pode entrar:
6
(13)
O chute do menino coisou o vaso
(14)
O vaso coisou.
Cf. GALEMBECK, P. T. (2001)
No entanto, essa premissa deve ser logo posta de lado ao se analisar outras
sentenças em que o “verbo” coisar aparece com estrutura temática e argumental
distintas da estrutura do verbo bi-argumental quebrar. É, por exemplo, o caso que
se apresenta abaixo:
(15)
João coisou ontem, na porta da escola.
(16)
João caiu ontem, na porta da escola.
Tomando como referência o trabalho7 de Franchi & Cançado (2003) de que um
verbo denota um evento, e seus argumentos são os componentes que tomam
parte nesse evento, o evento denotado por coisou em (15) é o mesmo que o
denotado por cair em (16). E portanto deve ter as mesmas projeções que tal
verbo.
De forma análoga, o evento denotado por quebrar em (10) , e os papeis-θ que esse
verbo atribui aos seus argumentos são correlatos àqueles evento e papeis-θ
relacionados com o “verbo” coisar nas sentenças em (11) e (12). Alguns outros
tipos de verbos, como os que projetam dois objetos, também entram nessa
relação de possível troca com o “verbo” coisar:
(17)
Ele coisou a verba para Pedro?
(ele deu/ arranjou/*saiu a verba para Pedro?)
(18)
O bebê coisou os braços para a mãe, assim.
(o bebê estendeu os braços para a mãe, assim)
Também é possível a presença indistinta de coisar com denotação de telicidade
ou atelicidade em sentenças sintaticamente gramaticais e aceitas pelos falantes.
Conforme se segue nas sentenças de (19) a (23).
7
(19)
O sambista coisava numa caixa de fósforo a música do Pixinguinha
(O sambista batucava numa caixa de fósforo a música do
Pixinguinha)
(20)
As flores do jardim coisavam com dificuldade, por causa da seca.
(As flores do jardim cresciam com dificuldade, por causa da seca)
e também Arad (1996) e Rosen (1999)
(21)
Ramiro coisou os braços.
(Ramiro cruzou os braços)
(22)
A empregada coisou as calças do varal.
(A empregada tirou as calças do varal)
(23)
Eu realmente não me lembro quando ele, ele (...) coisou 8.
(eu realemente não me lembro quando ele, ele (...) morreu)
Os dados e a discussão trazidos acima apontam para uma questão que
tentaremos esclarecer ou ao menos dissertar sobre, qual seja a importância da
estrutura sintática para a formação da significação de um verbo que pode ser
empiricamente classificado como muito pouco especificado. A existência de coisar
nas orações e nos contextos apresentados acima traz à luz o tópico sobre as
relações que se estabelecem entre Léxico e Sintaxe para a atribuição de papéis-θ a
NPs.
Estrutura temática e Projeção Aspectual
Ainda na literatura, uma outra autora faz uma interessante análise da atribuição
de papel-θ. Para Arad (1996), apenas o critério-θ tem que importância para a
Sintaxe. Além disso, a autora assume com Tenny (1992, apud ARAD 1996) que a
propriedade aspectual do verbo é aquela que mapeia a estrutura argumental. Isso
porque Aspecto é uma informação semântica com manifestações sintáticas. Arad
assume que os argumentos são projetados como especificadores de uma projeção
aspectual.
Um evento9 denotado por um verbo necessita de um medidor (measurer), e
projeta um nó marcado como [+ EM]. O argumento que for gerado no spec dessa
projeção será interpretado como o medidor do argumento (Arad cita ainda
relações de atribuição de caso acusativo a essa projeção. Caso e aspecto, para a
autora estão estreitamente ligados). “A existência de um medidor causa uma
interpretação télica ao verbo” porque um evento medido tem seu final marcado
8
a sentença em (23) reproduz aproximadamente o contexto em que o dado foi encontrado.
Franchi & Cansado (op. cit.) também assumem, com Dowty (1989) que relação entre argumentos e
predicados tem que ver com o papel que o argumento toma no predicado com o qual se relaciona: “um
papel como o de ‘agente’ é uma função que, dado um evento como argumento, seleciona exclusivamente
o elemento participante desse evento que é o agente” (p. 5).
9
(p. 6). O argumento presente em spec de ASPEM é classificado por Arad como
Tema.
Por outro lado, o argumento que é gerado no especificador de ASPOR (originador)
recebe interpretação de originador10do evento. A função de agente está para spec de
ASPOR assim como a de tema está para a de spec de ASPEM. As demais
interpretações presentes nas funções de tema e agente, de acordo com a autora
estão relacionadas à sua interação com a informação aspectual da sentença. Em
(24), tem-se a representação para um verbo transitivo simples, como kill/ matar.
(24)
[ASPOR NP [ASPEM+EM NP [
VP
V KILL]]]
(ARAD, 1996: 7)
A análise de Arad defende que apenas aspecto e categoria (o número de
argumentos que um verbo toma para sua estrutura) são informações relevantes
na interface Sintaxe – Léxico. Esse fato é decorrente de que, segundo aponta a
autora, apenas essas duas instâncias são independentes de contexto: é impossível
imaginar um mundo em que chegar é denote um evento atélico ou que morrer
tome dois argumentos:
(25)
* Maria chegou o João
(26)
* Maria morreu o peru.
A afirmação acima, e as evidências para que a denotação do evento chegar como
télico e para morrer como um verbo intransitivo, de que , demonstrada em (25) e
(26) são como que axiomáticas. Contudo, é fato também que o verbo coisar, que
aparece como substituto possível para chegar e morrer, pode também ser incluso
num estrutura como a de verbos tais quais dar, comer ou quebrar, conforme já foi
mostrado nos dados em (17) e (18). Esse é um ponto que deverá ser observado
mais atentamente.
10
A menção às funções de originador e delimitador aparece também em Van Voorst (1988), como aponta
Rosen, apesar de este autor ou seus trabalhos não serem mencionados por Arad.
Construções com dois objetos
Outro caso que merece uma análise mais atenta é o dos verbos de atividade ou
movimento. Um argumento interno (spec de ASPEM), pode ser o delimitador
(measurer) de um evento, como dito anteriormente. Entretanto há casos em que
nem sempre esse argumento interno é um medidor. Isso acontece em verbos de
movimento como dirigir, andar, correr que mesmo quando preenchida a posição de
argumento interno, como em “Carina dirigiu o carro”, não tem a interpretação
de telicidade, e depende de um delimitador externo, tal qual algo que indique
trajetória (até) “dirigiu o carro até São Paulo”, por exemplo. É esse também o
caso de construções com dois objetos:
(27)
Maria deu um livro a João (Mary gave John a book).
Essas construções, segundo Arad, têm como argumentos uma trajetória e um
delimitador. Não existem, na concepção da autora, verbos de dois argumentos
que tenham informação de telicidade. Veja, abaixo uma tabela que, como
considera Arad, contém todas as possibilidades de configuração argumental e as
entradas lexicais que as projetem. Considere-se que a autora assume que o
argumento que tem função de sujeito se move até spec, TP, mas as estruturas
representadas abaixo não figuram essa projeção, já que a presença de ASPOR já
indica que tal projeção será assumida:
(28)
Nessa proposta de Arad afirma-se que a estrutura sintática é dada previamente
pelo input lexical do verbo que nucleia o predicado. Em comparação com a
análise de Negrão & Viotti (op. cit.), a proposta de Arad não contempla a
possibilidade de mudança de estrutura temática apontadas para verbos como dar,
nos dados em (7) e (8). Segundo Arad, verbos de dos argumentos, tais quais em
(28) vi. e vii., não são gramaticais sem um delimitador
(29)
* Mary gave a book 11
entretanto, em (7) e (8), reproduzidas agora em (30)e em (31) respectivamente,
com uma leve modificação em
(31), onde não se representará o adjunto
adverbial e a sentença continuará gramatical:
(30)
Este shopping deu bons prêmios no ano passado
(31)
Meu sítio deu aquelas bananas enormes.
O agrupamento de verbos em classes pré-definidas pode ser questionado tanto
pelos dados de Negrão & Viotti, quanto pelas diversas ocorrências de coisar
apresentadas acima. Também Rosen (1996) critica o agrupamento de verbos em
classes. Segundo a autora, essa classificação não tem valor explicativo, dado que
não explica, por exemplo, a variação de comportamento de diversos verbos.
Aliás, essa postulação da autora está em conformidade os dados de alternância de
diátese em Negrão & Viotti.
Interação entre estrutura sintática e configuração temática
A partir dessa discussão é possível sugerir que a estrutura gramatical não está
plenamente relacionada ao input lexical, mas à configuração sintática da sentença,
isto é, pela relação entre o núcleo e as projeções do núcleo do predicado.
É possível inferir de Negrão &Viotti e dos dados em que há troca de uma
palavra por outra (quebrar/coisar) que a significação das palavras tem mais a ver
com a estrutura sintática e a interação das funções gramaticais que com a
postulação de que essa estrutura vem predeterminada a partir do Léxico. Como
apontam Negrão& Viotti, a alteração de diátese de um verbo se dá a partir da (ou
concomitante à) alteração da sua estrutura argumental. Ao mesmo tempo,
11
possível segundo a autora, em contextos muito específicos, mas que depende de antecedentes que
clarifiquem a medida do evento, tais quais, uma pergunta “o que alguém deu para a loja de caridade?”.
conforme argumenta Arad, “qualquer argumento pode ser gerado em qualquer
posição aspectual, onde é interpretado”.
A proposta de Arad é econômica, se considerados os termos apresentados acima,
segundo os quais é a posição sintática do argumento que determina qual a
interpretção semântica (seu papel-θ). Como algumas posições restringem algumas
classes gramaticais e semânticas de serem realizadas em determinadas posições,
entretanto, não fica claro. Mas a autora afirma que na sentença em (32), as
interpretações de originador e medidor estão respectivamente atribuídas para a
maçã e Maria. O fato de essa sentença ser inaceitável está relacionado a outras
razões que não são especificamente operações de licenciamento de projeção.
(32)
A maçã comeu Maria (the apple ate Mary).
Essa é uma sentença sintaticamente normal, com as projeções aspectuais
prototípicas. O fato de ela ser inaceitável está relacionado a outras razões que
não são especificamente operações de licenciamento de projeção. A interpretação
de a maçã como agente se dá pelo fato de ela estar numa posição que recebe tal
papel-θ.
Evento, uma informação sintaticamente relevante
Ainda em referência a sugestão encontrada no decorrer desta dissertação acerca
da possibilidade de as interpretações temáticas serem resultado da interação entre
estruturas sintáticas, cabe aqui fazer menção ao trabalho de Rosen (1999). De
acordo com a autora, a tendência de se classificar um evento a partir do verbo
figura desde Aristóteles. É coerente, nessa perspectiva assumir tal posição já que
o verbo determina a classe do predicado.
Apesar de essa concepção centrada no verbo para classificar o predicado, Rosen
rebate essa corrente precedida por Aristóteles de classificação de eventos. Em
seu trabalho, a autora afirma que a significação dos elementos que tomam parte
de um dado evento e do evento em si deve ser dada configuracionalmente. A
significação de um predicado não é dada, segundo Rosen, apenas com base no
verbo que nucleia o predicado.
A argumentação principal de Rosen está assinalada pela classificação de eventos.
Contudo, se fará uma abordagem de tal argumentação por se considerar que ela
seguramente trará contribuições significativas para este trabalho. Essa intuição
está mediada pelo fato de que, como trazidas por Franchi& Cançado e por Arad,
as relações temáticas dos argumentos de um verbo têm que ver com a
participação do argumento no evento denotado por esse verbo.
Entre algumas evidências apontadas pela autora para que o tipo de evento não
seja determinado com base em informações previamente definidas no Léxico,
mas construídas sintaticamente está no fato de as características do tipo de
evento serem variáveis (assim como é variável o comportamento dos verbos).
(33)
Bill ran for five minutes/ * in five minutes (atividade)
‘Bill correu por cinco minutos/ *em cinco minutos’
(34)
Bill ran the mile *for five minutes/ in five minutes
(accomplishment)
‘Bill correu a milha *por cinco minutos/ em cinco minutos’
(35)
Terry sang for an hour/ * in an hour (atividade)
‘Terry cantou por uma hora/ *em uma hora
(36)
Terry sang the ballad ?for an hour/ in an hour (accomplishment)
‘Terry cantou a balada ?por uma hora/ em uma hora’
As sentenças de (33) a (36) mostraram a alteração na significação do evento
denotado pelo verbo pela adição de um objeto na estrutura. Abaixo, são trazidas
outras sentenças de Rosen, mas que indicam a mudança no evento quando as
características internas do objeto direto são modificadas:
(37)
Bill wrote letters for an hour/ * in an hour (atividade)
‘Bill escreveu cartas por uma hora/ *em uma hora’
(38)
Bill wrote a letter *for an hour/ in an hour. (accomplishment)
‘Bill escreveu uma carta *por uma hora/ em uma hora’
Esses e outros dados são usados por Rosen para mostrar que a
composicionalidade do tipo de evento é dada apenas pelo verbo. A referida
composicionalidade, portanto, tem que ver com relações entre a estrutura e o
tipo de evento. A autora não define os caminhos que a Sintaxe toma para fazer
tal conexão, entretanto vincula o objeto direto à interpretação eventiva do
predicado.
Em outras palavras, de acordo com Rosen (ver também RITTER & ROSEN,1996),
o verbo significa aquilo que a Sintaxe permite que ele signifique. Ritter & Rosen
propõe uma estrutura12 em que as funções de originador e delimitador estão
respectivamente ligadas às posições de especificador de AGRP. “Para um evento
canônico, (um que contenha tanto iniciação quanto delimitação) o sujeito se
move para spec, AGR-S e identifica o originador do evento; o objeto se move para
spec, AGR-O
e identifica o delimitador do evento13”. Abaixo, em (39), se
reproduzirá a estrutura proposta pelas autoras.
(39)
Voltando à questão trazida pela ocorrência da palavra “curinga” coisa/coisar, é
sugestivo, nesse momento afirmar que a significação desse termo numa sentença
é dada configuracionalmente. O “verbo” coisar pode ser tido como a contraparte
dos casos de ocorrência de verbos de comportamento “irregular”.
12
Coerente com as propostas de Travis (2000 apud ROSEN 1999) e Benua & Borer (1996 apud ROSEN
1999).
13
Tradução minha
Para além de ser uma forma equivalente, à dos verbos do tipo dos apresentados
por Negrão & Viotti, o comportamento de coisar na denotação de eventos de
diversos tipos aponta para o fato de que esse “verbo” é a aplicação extrema das
possibilidades de variação de significado de uma única unidade lexical. Esse fato
dirige essa análise também a encontrar as afirmações já expostas, presentes em
Arad e Rosen.
As muitas significações adquiridas pelo “verbo” coisar apresentaram uma questão
para a proposta de que a configuração temática e argumental de uma sentença
são dadas a partir do input lexical do verbo que nucleia a predicação. Por outro
lado, esse é um dado que vai de encontro com a afirmação de Rosen de que "o
verbo significa aquilo que a Sintaxe permite que ele signifique".
Toda a composição da sentença, tem-se de admitir, no caso da variabilidade
quase que irrestrita de interpretações para coisar e seus argumentos, é responsável
pela atualização ou compreensão real de seu significado. Desta forma, pode-se
dizer que essa discussão, ainda que não possa ser dada por definitiva, apresenta
uma primeira consideração. A consideração que se aponta aqui é a de que a
determinação dos tipos de evento denotados pelos verbos das línguas (ou pelos
predicados como um todo), assim como aponta Rosen, e sugere Arad é dada
sintaticamente.
Uma assunção diferente desta levaria à indagação acerca dos mecanismos que
licenciam tantas representações argumentais para um único item lexical. Ficaria
carente de explicação também a forma como os papeis-θ são previstos para todos
os eventos distintos que aquele “verbo” pode denotar.
É portanto mais desejável assumir que a significação do “verbo” coisar é dada em
relação à sua interação com os demais argumentos da estrutura. Esse é o motivo
pelo qual coisar fica com a significação do verbo cuja posição que ele ocupa, nos
ambientes em que o falante não tem acesso imediato à realização fonológica
desse verbo. Esse termo deve interagir com as projeções que ficam disponíveis
sintaticamente pelo verbo cujo lugar coisar ocupa14.
Apesar de ter sido discutido com mais tenacidade o caso do “verbo” e suas
possíveis interpretações, outras classes gramaticais podem ser substituídas por
coisa, quais sejam substantivo e adjetivo 15. Depreende-se, então, ser importante
notar que não apenas o verbo significa o que a Sintaxe permitir, mas também
adjetivos e nomes significarão o que a Sintaxe determinar. Em “quebrei o coiso”
o coiso ocupa uma posição temática típica de argumentos com traço [– animado],
por outro lado em “a coisinha tomou todo o leite”, o termo coisinha recebe
denotação de [+ animado]. Além disso, no primeiro caso, recebe papel-θ de tema
e é um medidor de evento, enquanto na segunda é um originador, que recebe,
portanto o pape-θ de agente.
Dadas todas as considerações anteriores, pode-se afirmar que coisa /coisar é um
termo sub-especificado para tipos de eventos, configuração temática e estrutura
argumental. Por essa razão é um termo que pode funcionar como curinga em
muitas instâncias da língua portuguesa.
Últimas considerações
As idéias discutidas ao longo deste trabalho foram esclarecedoras das questões
centrais que se fizeram objeto de análise. Por sua vez, a discussão apontou
coerência, e graus de aproximação bem visíveis entre as propostas apresentadas.
A primeira idéia trazida à frente de nossa tarefa foi a de que as atribuições de
funções de argumento de um dado verbo estão correlacionadas à sua estrutura
temática. Informação que não é negada em nenhum dos casos apresentados e
analisados.
Discutiu-se em seguida, que a significação de um verbo e da sua constelação de
argumentos está ligada a uma denotação de evento característica desse verbo.
14
a forma como se dá essa apropriação de coisar e da significação do verbo que substitui é mais
propriamente discutida dentro de um outro quadro teórico (a Morfologia Distribuída). Essa será uma
discussão para um momento posterior a este trabalho.
15
em trabalho em preparação se mostrará que apenas núcleos “lexicais” é que podem ser preenchidos por
coisa/coisar.
Apesar de as formas que acontecem e os lugares em que se dão a atribuição de
interpretação semântica (das funções gramaticais: tema, agente, originador,
medidor, etc.) e a denotação do tipo de evento, essa também não é uma idéia
que encontra contradição nas abordagens trazidas à discussão.
Finaliza-se portanto esse trabalho, com o auxílio dos modelos diferentes e das
correntes abordadas, afirmando-se que seja mais plausível que a denotação de um
dado evento por um verbo seja dada a partir de toda a sua configuração sintática.
Da mesma forma, a atribuição de papel-θ é dada dentro de posições argumentais
específicas, e que o item que ocupa tal posição assume as especificações
temáticas atribuídas ao nó sintático e não como sendo propriedade inerente de
itens lexicais específicos.
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