MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Município de Santarém/PA EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTARÉM - ESTADO DO PARÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, oficiando no feito o Procurador da República abaixo subscrito, com fulcro nos artigos 127 e 129, II e III, c/c. art.196, todos da Lei Maior e artigo 5º, V, “a”, da Lei Complementar n.º75/93, tudo em harmonia com as disposições da Lei nº7.347/85, com redação dada pela Lei n.º 8.078/90, vem promover AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face de: UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada por seu Procurador – Seccional da União, Dr. José Mauro Lima Ó de Almeida, Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93)523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL com endereço profissional na Travessa Dom Amando, nº722, bairro Santa Clara, nesta cidade; ESTADO DO PARÁ, pessoa jurídica de direito público interno, representada por seu Procurador-Geral, Dr.José Aloysio Cavalcante Campos, com endereço profissional na Rua dos Tamoios, nº1671, cidade de Belém, CEP – 66025-540, tel (91)225-0777/0788; MUNICÍPIO DE SANTARÉM, pessoa jurídica de direito público interno, representada por seu Procurador-Chefe, Dr.Dilton Tapajós, com endereço profissional na Av. Anysio Chaves, nº853, Aeroporto Velho, fone (93) 523-2788/522-4974, nesta cidade. I – DO OBJETO DA PRESENTE DEMANDA Pretende-se com a presente Ação Civil Pública a prestação da tutela jurisdicional para garantir aos cidadãos residentes na circunscrição da Subseção Judiciária da Justiça Federal de Santarém, bem como a todos os brasileiros, em especial aos pacientes portadores de epilepsia, o amplo e irrestrito acesso aos serviços médicos necessários, com seu integral e efetivo tratamento, inclusive o fornecimento de medicamentos, em regime de gratuidade, tudo em consonância com a Constituição Federal, a Lei nº8.080/90 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS/SUS nº01/2002. II – DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A Constituição Federal de 1988, ao definir o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127). Nesse escopo, foram estabelecidas suas funções institucionais no artigo 129, destacando-se: Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “(...) II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;” Pari passu, a legislação infraconstitucional, por meio da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº7.347/85), ampliada pela Lei nº8.078/90 e roborada pela Lei Complementar nº75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), comete ao Parquet a proteção, prevenção e reparação de danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e outros interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos. Delimitando o tema, o mestre HUGO NIGRO MAZZILLI define: “O Ministério Público está legitimado à defesa de qualquer interesse difuso, pelo seu grau de dispersão e abrangência”, em “A DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO”, 9ª ed., Saraiva, 1997, pg.32. E logo adiante, arremata: “O interesse de agir do Ministério Público é presumido. Quando a lei lhe confere legitimidade para acionar ou intervir, é porque lhe presume Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interesse. Como disse Salvatore Satta, o interesse do Ministério Público é expresso pela própria norma que lhe consentiu ou impôs a ação. (...) Quando a lei confere legitimidade de agir ao Ministério Público, presume-lhe o interesse de agir, pois está identificado por princípio como defensor dos interesses indisponíveis da sociedade como um todo”- grifo próprio. Na percuciente lição de NELSON NERY JÚNIOR, “sempre que se estiver diante de uma ação coletiva, estará presente aí o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público” – grifo próprio - (em “AÇÃO CIVIL PÚBLICA”, coordenação de Édis Milaré, RT, 1995, pg.366). Prossegue o renomado autor: “De conseqüência, toda e qualquer norma legal conferindo legitimidade ao Ministério Público (CF 129 IX) para ajuizar ação coletiva, será constitucional porque é função institucional do Parquet a defesa do interesse social (CF 127 caput). (...) Como o art. 82, inc.I, do CDC confere legitimidade ao MP para ajuizar ação coletiva, SEJA QUAL FOR O DIREITO A SER DEFENDIDO NESSA AÇÃO, haverá legitimação da instituição para agir em juízo. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL O art. 81, parágrafo único, do CDC diz que, a ação coletiva poderá ser proposta para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (incs. I e III). (...) O argumento de que ao MP não é dada a defesa de direitos individuais disponíveis não pode ser acolhido porque em desacordo com o sistema constitucional e do CDC, que dá tratamento de interesse social à defesa coletiva em juízo.” (ob. cit., pg.366) A legitimidade do Ministério Público Federal vem ainda assegurada pela Lei de Ação Civil Pública (Lei nº7.347/85), que reza: “Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...) IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” “Art. 21 – Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei n.º8.078, de 11 de setembro de 1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor.” Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Salienta-se que o Título III do Código de Defesa do Consumidor – diploma em perfeita simbiose com a Lei de Ação Civil Pública – prevê em seus artigos 81 a 104 os interesses ou direitos coletivos como sendo transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, inciso II). Ademais, dispõe o artigo 82: “Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I – o Ministério Público;” Preconiza, ainda, o art. 129, I, da CF/88, ser função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos serviços de relevância pública. Não se pode negar que um dos cernes dos serviços de relevância pública constitui a proteção do direito à vida, com suporte básico e indissociável no direito à saúde, estabelecido no caput do art. 5º do atual Estatuto Supremo. Ainda, impõe-se gizar que o direito à saúde é indivisível (o direito é de todos), titularizado por um grupo de pessoas (portadores de epilepsia), ligado com o Estado por uma relação jurídica básica (soberania), ou seja, trata-se de indiscutível interesse transindividual (interesse coletivo). Diante do exposto, o Ministério Público Federal se encontra totalmente legitimado e, mais tecnicamente, vinculado a defender o direito dos portadores de fibrose pulmonar ao recebimento de toda e qualquer medicação indispensável ao seu tratamento, ainda que importada ou não constante da lista oficial do Ministério da Saúde, bem como de todo tratamento clínico e cirúrgico, a critério dos médicos do SUS, que se fizer necessário, visto positivar com a presente ação os comandos constitucionais e legais, bem como resguardar um pretendido e verdadeiro Estado Democrático e Social de Direito. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA A legitimidade passiva dos réus União Federal, Estado do Pará e Município de Santarém decorre, inicialmente, da Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” – grifo próprio. A Lei nº8.080/90, por sua vez, disciplina a organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, nos seguintes moldes: “Art. 9o - A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do artigo 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente” - grifo próprio. Depreende-se, destarte, que o Sistema Único de Saúde ramificase, sem, contudo, perder sua unicidade, de modo que de qualquer de seus gestores podem/devem ser exigidas as “ações e serviços” necessários à Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL promoção, proteção e recuperação da saúde pública. Por fim, destaca-se que embora a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS/SUS n°01/2002 - preceitue ser responsabilidade solidária do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde dos Estados a garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade, ela também determina, repise-se, que “a regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontrarse na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais situações” – grifo próprio. Assim, em razão de encontrar-se o Município de Santarém na situação de gestão plena do sistema municipal de saúde, a Secretaria Municipal de Saúde responde solidariamente pelo não fornecimento dos remédios imprescindíveis à saúde e à vida de quem deles necessite. Frise-se, ademais, que a União, em cumprimento de seu dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado do Pará e ao Município de Santarém recursos financeiros para a finalidade apontada. Aliás, o Ministério da Saúde informa, em sua página da internet www.saúde.gov.br as transferências efetuadas todos os anos ao Estado do Pará e ao Município de Santarém, conforme documentos acostados no Procedimento Administrativo em anexo. No sentido do expendido, ressalta da lavra do E.Supremo Tribunal Federal o dever constitucionalmente imposto a cada um dos entes federativos de garantir e promover a saúde: “O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação’. A referência, contida no preceito, a ‘Estado’ mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo n° 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se-me como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de se fornecer os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto visandoa não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam –se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínio de conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem.(...)” – grifo próprio (Voto do Min. Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS). Os requeridos, portanto, como integrantes e gestores do Sistema Único de Saúde, figuram como partes passivas legítimas, uma vez que a decisão postulada projetará efeitos diretos sobre suas respectivas esferas jurídicas. III - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL O inciso I do art.109 da Constituição Federal é inequívoco ao dispor: Art.109 Aos juízes federais compete processar e julgar: I – As causa que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés assistentes ou oponentes, exceto as de falências, as de acidente de trabalho, e Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...] §2°. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. Os recursos destinados à aquisição dos medicamentos a serem, posteriormente, fornecidos aos pacientes provêm do Sistema Único de Saúde, cujo financiamento participam, dentre outras fontes, a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, consoante a Lei Maior: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Por conseguinte, a União, em cumprimento ao seu dever de participar do financiamento do SUS, repassa ao Estado do Pará e ao Município de Santarém recursos para a finalidade apontada. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Em consonância com a preceituação constitucional contida no art. 109, I, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região não tem transigido com a fixação de competência na Justiça Federal quando a quaestio juris envolve desdobramentos concernentes ao Sistema Único de Saúde: “Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a União descentralizou seus serviços médicos, hospitalares, ambulatoriais e assistenciais - que continuam sendo seus - e transferiu recursos para os Estados para a cobertura das despesas, continuando, pois, a ter interesse direto no bom desempenho dos mesmos” – grifo próprio (HC 94.01.25699-3/PI, Rel. Juiz Tourinho Neto, 3ª T., dec.28.9.94, DJ 2 de 17.10.94, pg.58.782). No magistério do Juiz Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO, “ação civil pública deve ser proposta perante o juiz do local do dano. Presente o interesse da União e existindo Vara Federal no local, é desta última a competência para processar e julgar a causa” (Juiz Silveira Bueno, AI 6261-SP,Bol.n. 193, pg. 68, TRF 3ª Região - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, 2ª ed., Juruá, 1995, pg. 88). Nada despiciendo repisar que, em razão do comando insculpido no art.198 da Constituição da República, a União, por meio do SUS, descentralizou seus serviços médicos, hospitalares, ambulatoriais e assistenciais para os municípios, dentre eles o Município de Santarém, entretanto manteve sua titularidade. Com efeito, o Ministério da Saúde (União) repassa verbas federais para o Município de Santarém, via Secretaria de Saúde, para a manutenção do SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, motivo pelo qual o Município, como executor direto das políticas públicas relativas à saúde em Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Santarém (Gestão Plena), é arrolado no pólo passivo da presente Ação Civil Pública. Ante o exposto, figurando a União como parte ré, justificada está, nos termos do artigo 109, inciso I, da Magna Carta, a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da presente demanda. IV – DOS FATOS E DO DIREITO Em 28 de outubro de 2003, foi instaurado nesta Procuradoria da República procedimento administrativo a partir do Termo de Comparecimento e Declarações prestadas por JOÃO DE PAULA ALVES, em 13/10/2004, e demais documentos protocolizados sob o nº1.23.002.000424/2004-36, noticiando que é portador de EPILEPSIA, conforme atestado pela própria Secretaria Executiva de Saúde Pública, necessitando utilizar continuamente o medicamento FENOBARBITAL 100 mg. Informa, ademais, que está inscrito no programa do Sistema Único de Saúde para recebimento de remédio, razão pela qual procurou os postos de saúde de Santana e Livramento. A despeito de seu inequívoco direito, foi-lhe negado o medicamento sob a alegação de falta do mesmo por falha do Estado do Pará. Este, por sua vez, afirma haver entregado “kits” contendo o fármaco para a Secretaria Municipal de Saúde, imputando a responsabilidade para o Município de Santarém. A documentação que instruiu o Procedimento Administrativo anexo, que passa a integrar esta exordial, aponta a necessidade premente do paciente de dispor do medicamento FENOBARBITAL 100 mg. Nada despiciendo ressaltar que o Poder Público despende vultosa quantia de verba pública para custear propagandas institucionais, ao mesmo tempo em que Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 13 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL nega medicamento a quem dele necessita, criando aos cidadãos óbice ao sagrado direito à vida. Destarte, não se pode admitir que o “Estado” - União, Estado do Pará e Município de Santarém – furte-se ao seu dever constitucional de preservar a saúde da população. Frise-se que a responsabilidade pela saúde abarca todos os entes federados e não um ou alguns deles. Do “Estado” se exige respeito com seus cidadãos, afigurando-se ignóbil o leviano “joguinho de empurra-empurra” em que os portadores de epilepsia são enredados. Desse modo, outra alternativa não resta, senão o ajuizamento da presente demanda. Com efeito, a Suprema Corte, por intermédio da digníssima voz do Excelentíssimo Ministro Celso de Mello, apresenta inteligente orientação acerca das vãs, diuturnas e nem sempre reais alegações administrativas de ausência orçamentária: “Não deixo de conferir significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA que, 14 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se obrigações do cumprimento constitucionais, de suas notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação aniquilação de impregnados de ou, direitos um sentido até mesmo, constitucionais de essencial fundamentalidade” –grifo próprio (ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF nº 345). Em que pese aos portadores de epilepsia não estarem amparados por legislação específica, como é o caso daqueles que sofrem de enfermidades como a AIDS, que contam com o devido suporte legal (Lei nº9.313/96), estão irrefutavelmente protegidos pela Carta Magna. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL É sabido que a Lei nº9.313/96, tratando sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV, foi aprovada mediante grande lobby promovido perante o Congresso Nacional, uma vez que tal afecção saiu do anonimato ao deixar de atingir apenas as camadas populares mais baixas, alcançando também as castas mais altas da sociedade, inclusive o mundo artístico. Tais circunstâncias fizeram com que o tema engendrasse grande impacto social, culminando na adoção de rápidas medidas legais. Contudo, tal diploma legal não deve restar circunscrito à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, devendo ser aplicado analogicamente às demais patologias existentes, a fim de se preservar o sublime direito à vida. Salienta-se que não é este o único caso existente no Estado do Pará de omissão no tratamento de cidadãos portadores de epilepsia, lembrando-se, inclusive, que as demais patologias em conjunto, ao contrário da AIDS que está agasalhada pela Lei nº9.313/96, matam muito mais do que esta, justificando a aplicação analógica do referido texto legal: "Art. 1º - Os imunodeficiência (Síndrome da portadores humana) do e HIV doentes Imunodeficiência (vírus da de aids Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento. § 1º - O Poder Executivo, através do Ministério da Saúde, padronizará os medicamentos a serem utilizados em cada estágio evolutivo da infecção e da doença, com vistas a orientar a aquisição dos mesmos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. § 2º - A padronização de terapias deverá ser revista e republicada anualmente, ou sempre que se fizer necessário, para se adequar ao conhecimento científico atualizado e à disponibilidade de novos Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL medicamentos no mercado. Art. 2º - As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento"- grifo próprio. Assim, certo é que o artigo 1º da Lei nº9.313/96 assegura aos portadores do HIV o recebimento, pelo SUS, gratuitamente, da medicação necessária ao seu tratamento de acordo com a padronização de medicamentos feita pelo Ministério da Saúde (§§ 1º e 2º). Necessária é a extensão de tal benefício a todas as outras pessoas igualmente portadoras de alguma afecção, mesmo que não abrangidas pela lei, mas em homenagem ao Texto Maior. Sem embargo do exposto, o Sistema Único de Saúde, em suas diversas esferas de atuação - Federal, Estadual e Municipal - tem negado o fornecimento de determinados medicamentos imprescindíveis para o correto tratamento de enfermidades, violando o direito constitucional e legal à saúde. Em síntese, negar-se ao fornecimento gratuito de remédios imprescindíveis à saúde dos cidadãos redunda, em última análise, na própria recusa do Estado em adimplir seu débito social com a vida e a dignidade de seus filhos. Repise-se, ao cansaço, que o caso de JOÃO DE PAULA ALVES não se afigura isolado, pelo contrário abarca todas as pessoas acometidas pela mesma enfermidade, que necessitam ou que venham a necessitar de medicamentos para o tratamento de epilepsia. Portanto, o recebimento gratuito pelos portadores da enfermidade de “toda a medicação necessária a seu tratamento” se mostra, por conseqüência, direito coletivo, ou seja, transindividual, de natureza indivisível, titularizado por um grupo de pessoas indeterminadas, ligadas entre si por uma relação jurídica base (soberania estatal). Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 17 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Ora, nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para a qual está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a proteção do direito à vida de um grupo de pessoas formado por portadores de epilepsia sem condições financeiras para aquisição do adequado remédio. Nesse diapasão, outro não é o posicionamento dos tribunais pátrios: “CONSTITUCIONAL MANDADO DE E ADMINISTRATIVO. SEGURANÇA. OBJETIVO: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS TRATAMENTO INDISPENSÁVEIS DE RETARDO AO MENTAL, HEMIATROPIA, EPILEPSIA, TRICOTILOMANIA E TRANSTORNO ORGÂNICO DA PERSONALIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. RECURSO ORDINÁRIO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 6º E 196 DA CF). PROVIMENTO DO RECURSO E CONCESSÃO DA SEGURANÇA. I - É direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF). II - Em obediência a tais princípios constitucionais, cumpre ao Estado, através do seu órgão competente, fornecer medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL portadora de retardo mental, hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade. III - Recurso provido” – grifo próprio (Origem: STJ SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 13452. Processo: 200100890152. UF: MG. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 13/8/2002. Documento: STJ000453749. Fonte: DJ, DATA: 7/10/2002, PÁGINA: 172. Relator GARCIA VIEIRA). “PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO CONSEQÜÊNCIA À SAÚDE REPRESENTA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 20 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance,um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF” – grifo próprio (STF –votação unânime - AGRRE/RS271286. DJ, 24/11/00, pp 0101 – EMENT. VOL02013-07, pp 01409). Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados os artigos 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente, o artigo 196 dispõe que: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito fundamental de segunda geração, inserido nos direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, da prerrogativa da não intromissão do Estado em desfavor das liberdades individuais. Neste sentido, o preclaro Ministro Celso de Mello, com precisão, conclui: Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 21 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “(...) enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF – Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17-11-1995, p. 39.206). Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo a prerrogativa de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, dentre outros. Cumpre ressaltar, outrossim, que baliza o ordenamento jurídico pátrio o PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, insculpido no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal, fundamento da República Federativa do Brasil. O Procurador da República Daniel Sarmento, em sua festeja obra “A Ponderação de Interesses na Constituição” assevera com razão: “Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos jurídicos, a máxima Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 22 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito. Como afirma José Castan Tobena, ‘el postulado primário del Derecho es el valor próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo de respecto a la persona humana’. Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolve no seio da sociedade civil e do mercado. A despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional, que repousa na idéia de respeito irrestrito ao ser humano razão última do Direito e do Estado”. Visando a concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste sentido, a Lei nº8.212/91 estatui: “Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 23 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social. (...) Art. 2º A Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Parágrafo único. As atividades de saúde são de relevância pública e sua organização obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes: a) acesso universal e igualitário; b) provimento das ações e serviços através de rede regionalizada e hierarquizada, integrados em sistema único; c) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;”. Assim, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”. Não se pode cerrar os olhos ao fato de que um expressivo número de portadores de epilepsia sem tratamento estarão sendo, sumariamente, condenados a seqüelas irreversíveis, tornando-se incapacitados para as atividades da vida diária e para o trabalho, saindo precocemente do mercado de trabalho e ingressando prematuramente no rol de beneficiários da previdência pública. O descaso estatal será mais oneroso no cálculo final (aposentaria custeada pela Previdência Pública pelo resto dos dias) do que se o Estado assumisse sua responsabilidade de imediato (tratamento digno aos Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 24 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL portadores de epilepsia). A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, estabelece: “Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS”. O artigo 7° da citada lei estabelece que as ações e serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde serão desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da CF, obedecendo, ainda, aos seguintes princípios: “Art. 7° (...) I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - Integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo de serviços Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 25 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; (...) XI – conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população”. Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde arrola como princípio a integralidade de assistência, definindo-a como um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Portanto, é dever do Sistema Único de Saúde fornecer não apenas os remédios constantes da lista oficial do Ministério da Saúde, bem como, tendo em vista as particularidades do caso concreto e a comprovada necessidade de utilização de outros medicamentos, prestar serviços de assistência à saúde da população de modo a prover os doentes acometidos por epilepsia com os meios existentes para seu tratamento, com a forçosa conjugação de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Ao dispor sobre A POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS, a Norma Operacional de Assistência à Saúde - NOAS, no item 23, em norma dirigente (conceito de José Joaquim Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 26 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Gomes Canotilho), fixa o elenco de atribuições do Ministério da Saúde: “1.5 DA POLÍTICA DE ATENÇÃO DE ALTA COMPLEXIDADE/CUSTO NO SUS 23. A responsabilidade do Ministério da Saúde sobre a política de alta complexidade/custo se traduz nas seguintes atribuições: a – definição de normas nacionais; b – controle do cadastro nacional de prestadores de serviços; c – vistoria de serviços, quando lhe couber, de acordo com as normas de cadastramento estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde; d – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; e – definição de incorporação dos procedimentos a serem ofertados à população pelo SUS; f – estabelecimento de estratégias que possibilitem o acesso mais equânime diminuindo as diferenças regionais na alocação dos serviços; g – definição de mecanismos de garantia de acesso para as referências interestaduais, através da Central Nacional de Regulamentação para Procedimentos de Alta Complexidade; h – formulação de mecanismos voltados à melhoria da qualidade dos serviços prestados; i – financiamento das ações” No item 23.1, exsurge, de forma inequívoca, a responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente, do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos procedimentos de alta complexidade: Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 27 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “23.1. A garantia de acesso aos procedimentos de alta complexidade é de responsabilidade solidária entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal.” Ao Município incumbe, por sua vez, de acordo com o item 25.1, a regulação dos serviços de alta complexidade quando se encontrar na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal: “25.1. A regulação dos serviços de alta complexidade será de responsabilidade do gestor municipal, quando o município encontra-se na condição de gestão plena do sistema municipal, e de responsabilidade do gestor estadual, nas demais condições” – grifo próprio. Verifica-se, do teor desta novel Norma Operacional de Assistência à Saúde, que, no atendimento dos serviços de saúde, a União, por intermédio do Ministério da Saúde, abandonou a antiga posição de mero órgão de supervisão e distribuição de recursos, passando à condição de responsável solidária nos serviços de média e alta complexidade. Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de fornecer os medicamentos necessários para o tratamento da epilepsia e de toda e qualquer outra enfermidade, ainda que não constem da listagem oficial do Ministério da Saúde e/ou não sejam, atualmente, fornecidos pelo SUS, porque não há como, limitando-se o texto constitucional, estabelecer que a obrigação de fornecer medicamentos está adstrita a uma lista padronizada díspar da realidade local. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 28 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL V – DO DANO MORAL COLETIVO A mais moderna e avançada doutrina pátria, indubitavelmente, aceita a possibilidade de ocorrência de danos em interesses coletivos latu sensu, pois a violação de direito independe de sua titularidade, seja de um único indivíduo ou de muitos ou de todos. Nesse passo, inexorável outrossim o reconhecimento da indenização por tais danos, sendo falaciosa a alegação de que inexiste reparação para pessoas indeterminadas, pois nesse ponto a Lei n°7347/85 foi profícua ao engendrar um Fundo Fluído (“Fluid Recovery”, previsto no art.13), cujo conteúdo reverte em benefício de todos. Os fatos objetos desta ação abalam seriamente a confiança da população no sistema de saúde brasileiro e desprestigiam o ordenamento jurídico pátrio. As violações à Constituição e às leis, per si, configuram danos passíveis de reparação moral, pois o cidadão se queda nitidamente intranqüilo e receoso acerca da seriedade das instituições públicas nacionais. Em razão disso que, como é notório para quem viaja ao exterior, a nação brasileira é a única que não prestigia seus próprios valores e somente ressalta seus pontos negativos, em virtude desse descrédito ocasionado pelo descaso da Administração Pública, por vezes com o beneplácito dos demais Poderes 1. 1 No sentido do exposto, toma-se a liberdade de reproduzir a correspondência eletrônica veiculada, há pouco tempo, via rede mundial de computadores, demonstrando os efeitos do descrédito das instituições públicas (inequívoco dano coletivo) no sentimento popular brasileiro: COMENTÁRIOS DE UMA HOLANDESA SOBRE O BRASIL... "Os brasileiros acham que o mundo todo presta, menos o Brasil. E realmente parece que é um vício falar mal do Brasil. Todo lugar tem seus pontos positivos e negativos, mas no exterior eles maximizam os positivos, enquanto no Brasil se maximizam os negativos. Aqui na Holanda, os resultados das eleições demoram horrores porque não há nada automatizado. Só existe uma companhia telefônica e (pasmem!) se você ligar reclamando do serviço, corre o risco de ter seu telefone temporariamente desconectado. Nos Estados Unidos e na Europa, ninguém tem o hábito de enrolar o sanduíche em um guardanapo - ou de lavar as mãos - antes de comer. Nas padarias, feiras e açougues europeus, os atendentes recebem o dinheiro e com mesma mão suja entregam o pão ou a carne. Em Londres, existe um lugar famosíssimo que vende batatas fritas enroladas em folhas de jornal - e tem fila na porta. Na Europa, nãofumante é minoria. Se pedir mesa de não-fumante, o garçom ri na sua cara, porque não existe. Fumam até em elevador. Em Paris, os garçons são conhecidos por seu mau humor e grosseria e qualquer garçom de botequim no Brasil podia ir para lá dar aulas de como conquistar o cliente." Você sabe como as grandes potências fazem para destruir um povo? Impõem suas crenças e cultura. Se você parar para observar, em todo filme dos EUA a bandeira nacional aparece, e geralmente na hora em que estamos emotivos. O Brasil tem uma língua que, apesar de não se parecer quase nada com a língua portuguesa, é chamada de língua portuguesa, enquanto que as empresas de software a chamam de português brasileiro, porque não conseguem se comunicar com os seus usuários brasileiros através da língua Portuguesa. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 29 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Os brasileiros são vítimas de vários crimes contra sua pátria, crenças, cultura, língua, etc... Os brasileiros mais esclarecidos sabem que tem muitas razões para resgatar as raízes culturais. Os dados são da Antropos Consulting: 1. O Brasil é o país que tem tido maior sucesso no combate à AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis, e vem sendo exemplo mundial. 2. O Brasil é o único país do hemisfério sul que está participando do Projeto Genoma. 3. Numa pesquisa envolvendo 50 cidades de diversos países, a cidade do Rio de Janeiro foi considerada a mais solidária. 4. Nas eleições de 2000, o sistema do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) estava informatizado em todas as regiões do Brasil, com resultados em menos de 24 horas depois do início das apurações. O modelo chamou a atenção de uma das maiores potências mundiais: os Estados Unidos, onde a apuração dos votos teve que ser refeita várias vezes, atrasando o resultado e colocando em xeque a credibilidade do processo. 5. Mesmo sendo um país em desenvolvimento, os internautas brasileiros representam uma fatia de 40% do mercado na América Latina. 6. No Brasil, há 14 fábricas de veículos instaladas e outras 4 se instalando enquanto alguns países vizinhos não possuem nenhuma. 7. Das crianças e adolescentes entre 7 a 14 anos, 97,3% estão estudando. 8. O mercado de telefones celulares do Brasil é o segundo do mundo, com 650 mil novas habilitações a cada mês. 9. Na telefonia fixa, o país ocupa a quinta posição em número de linhas instaladas. 10. Das empresas brasileiras, 6.890 possuem certificado de qualidade ISO 9000, maior número entre os países em desenvolvimento. No México, são apenas 300 empresas e 265 na Argentina. 11. O Brasil é o segundo maior mercado de jatos e helicópteros executivos. Por que esse vício de só falar mal do Brasil? 1.Por que não se orgulhar em dizer que o mercado editorial de livros é maior do que o da Itália, com mais de 50 mil títulos novos a cada ano? 2. Que o Brasil tem o mais moderno sistema bancário do planeta? 3. Que as agências de publicidade ganham os melhores e maiores prêmios mundiais? 4. Por que não se fala que o Brasil é o país mais empreendedor do mundo e que mais de 70% dos brasileiros, pobres e ricos, dedicam considerável parte de seu tempo em trabalhos voluntários? 5. Por que não dizer que o Brasil é hoje a terceira maior democracia do mundo? 6. Que apesar de todas as mazelas, o Congresso está punindo seus próprios membros, o que raramente ocorre em outros países ditos civilizados? 7. Por que não lembrar que o povo brasileiro é um povo hospitaleiro, que se esforça para falar a língua dos turistas, gesticula e não mede esforços para atendê-los bem? 8. Por que não se orgulhar de ser um povo que faz piada da própria desgraça e que enfrenta os desgostos sambando? É! O Brasil é um país abençoado de fato. Bendito este povo, que possui a magia de unir todas as raças, de todos os credos. Bendito este povo, que sabe entender todos os sotaques. Bendito este povo, que oferece todos os tipos de climas para contentar toda gente. Bendita seja, querida pátria chamada Brasil! Divulgue esta mensagem para o máximo de pessoas que você puder. Com essa atitude, talvez não consigamos mudar o modo de pensar de cada brasileiro, mas ao ler estas palavras irá, pelo menos, por alguns momentos, refletir e se orgulhar de ser BRASILEIRO!!! Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 30 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Com o devido respeito, esse descrédito não pode ser a regra, tampouco entendido como razoável ou de somenos importância, devendo ser arduamente combatido por ações positivas dos demais Poderes e mesmo por meio de indenização pelo inconteste prejuízo coletivo. Esse prejuízo moral – que segue paralelo ao dano material – há de ser ressarcido, conforme previsto no inciso V do art.1º da Lei n.º 7.347/85: Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados. (grifo próprio) O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incisos VI e VII, do art. 6º, escudado pela previsão da Carta Política de 1988, na dicção do inciso V do art. 5º. Diz o citado artigo do Código de Defesa do Consumidor: “Art.6º - São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso administrativos, reparação de com aos órgãos vistas danos à judiciários prevenção patrimoniais, e ou morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.” (grifo próprio) Na preclara lembrança do estudioso Alberto Bittar Filho: Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 31 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “(...) chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial” – grifo próprio - (em “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” , Direito do Consumidor, vol. 12 – Ed. RT) Vale destacar, ainda, o escólio do douto Procurador Regional da República André de Carvalho Ramos, que, analisando o dano moral coletivo, ponderou: “Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera” – grifo próprio - ( “A ação civil pública e o dano moral coletivo” Direito do Consumidor, vol. 25 –Ed. RT, pg. 83) Continua o citado autor, dizendo: Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 32 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL “Tal intranqüilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido em seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo” – grifo próprio - ( “A ação civil pública e o dano moral coletivo” Direito do Consumidor, vol. 25 – Ed. RT, pg. 83)2 No suporte dessa responsabilidade comparece novamente a Constituição Federal, estabelecendo em seu art. 37, § 6º, a responsabilidade civil do Estado por ato de seus agentes. Nas palavras do douto José Afonso da Silva, na essência do preceito a: “Responsabilidade civil significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem.” (“Curso de Direito Constitucional Positivo”, RT, 6ª ed., pág. 567). Logo, a ilegalidade guerreada, por ferir os mandamentos do direito pátrio, ofendeu o patrimônio imaterial de toda a coletividade. A tolerância 2 Pertinente comentar que o descrédito do brasileiro com o país se revela tão nítido que a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) começou a veicular, nessa semana, um série de comerciais, objetivando resgatar o orgulho nacional, totalmente malferido pelo constante desrespeito à dignidade humana, perpetrado, sobretudo, pelo próprio Estado e pelas grandes sociedades empresariais. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 33 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL administrativa significou e continua significando o sofrimento de milhões de pessoas que poderiam e deveriam usufruir de um direito assegurado constitucionalmente. Por todo o exposto, não parece pairar dúvida acerca do cabimento da reparação por danos morais coletivos. Já, no tocante ao quantum apurável para o ressarcimento do dano coletivo, a ser revertido para o Fundo de Bens Lesados (“Fluid Recovery”) de que trata o art.13 da Lei da Ação Civil Pública, a melhor solução se mostra sua fixação de acordo com o costumeiro bom senso e eqüidade deste juízo. VI – DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA A Constituição Federal evidencia em seu art. 5°, inciso XXXIV: “Art. 5 [...] XXXIV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” Dispõe o artigo 273 do Código de Processo Civil que: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu” – grifo próprio. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 34 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Justifica-se, in casu, o pedido de antecipação da tutela em relação a JOÃO DE PAULA ALVES pelo fato de estarem caracterizados, a luz do artigo 273 do Código de Processo Civil, todos os pressupostos autorizadores de sua concessão: “Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Não basta, porém, este requisito. À probabilidade de existência do direito do autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do art. 273). Estes dois requisitos, porém, são alternativos, bastando a presença de um deles, ao lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional. Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação (art. 273, I, CPC). Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 35 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pressuposto de concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar)” – grifo próprio (CÂMARA, Alexandre, Lições de Direito Processual Civil. Lúmen Iuris: São Paulo, 2000. pp. 390-1). Ademais: “Qualificar um dado direito como fundamental não significa apenas meramente conseqüência atribuir-lhe retórica, uma destituída jurídica. Pelo de importância qualquer contrário, a constitucionalização do direito à saúde acarretou um aumento formal e material de sua força normativa, com inúmeras conseqüências práticas daí advindas, sobretudo no que se refere à sua efetividade, aqui considerada como a materialização da norma no mundo dos fatos, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” – grifo próprio (BARROSO, Luís Roberto. O direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 3 ed. São Paulo: Renovar, 1996, p. 83). O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, consubstancia-se no relatório da Secretaria Executiva de Saúde Pública e demais documentos apresentados e que atestam, de forma inequívoca, que JOÃO DE PAULA ALVES apresenta diagnóstico de Epilepsia, necessitando de Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 36 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL tratamento médico com FENOBARBITAL 100mg, que lhe é negado pelo SUS. Nessa condição, é direito garantido pelo ordenamento jurídico, o recebimento gratuito desse fármaco imprescindível ao seu tratamento, de acordo com a legislação constitucional e infraconstitucional aplicável à matéria. O periculum in mora, i.e., o fundado receio de dano de difícil reparação é notório e decorre do risco da ocorrência de agravamento do quadro clínico do paciente, em decorrência da falta de tratamento de saúde adequado. O receio de lesão se consubstancia na possibilidade do Sr.JOÃO experimentar prejuízo de difícil reparação, se tiver de aguardar o tempo necessário para decisão definitiva da lide, podendo vir a ser ineficiente a tutela caso concedida somente ao final do processo, momento em que já padecerá de inúmeras seqüelas. Nessa esteira, os tribunais por todo o país têm se manifestado com coragem acerca da antecipação de tutela, em especial nos casos de tratamento de saúde: “PROCESSUAL CIVIL. ATENDIMENTO À ADMINISTRATIVO. PESSOA DOENTE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. I - Fornecimento de remédios à pessoa doente, com insuficiência renal, inclusive procedimentos da hemodiálise, é obrigação da União, caso os órgãos locais do SUS recusem o serviço ao argumento de não haver medicamento disponível. II - Em se tratando de questão de saúde que envolve risco de conseqüências irreversíveis, plausível a concessão de tutela antecipada. III - A saúde e a vida ainda que de um só indivíduo integram o universo do interesse público, já que o alijamento da pessoa em virtude da doença desfalca a própria coletividade. IV - Agravo de Instrumento improvido” – grifo próprio (Origem: Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 37 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL TRF - PRIMEIRA REGIÃO. Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO – 01000913520. Processo: 199901000913520. UF: MG. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data da decisão: 20/3/2001. Documento: TRF100109150. Fonte DJ, Data: 9/4/2001, Página: 87. Relator JUIZ JIRAIR ARAM MEGUERIAN). “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL TRATAMENTO SAÚDE. PASSIVA. DE INEXISTÊNCIA DE CIVIL. LEGITIMIDADE ÓBICE À ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. A União tem legitimidade à ocupação do pólo passivo de ação visando a realização de exames médicos e o fornecimento de medicação. 2. O ente político em tela não se exime do cumprimento de ordem deferitória de antecipação de tutela ao argumento de ausência de previsão orçamentária, pois consabido possuir várias fontes de receita e meios orçamentários de relocação de verbas. Também não lhe socorre a alegada prejudicialidade que a medida acarreta aos usuários que porventura necessitem dos serviços públicos de saúde. 3. Afastada a alegada ingerência do Poder Judiciário na esfera administrativa, bem como o empeço ao concessório objurgado, não havendo a incidência da Lei nº 9.494/97. 4. Presente a conjugação dos pressupostos legais a tanto, defere-se pedido de antecipação de tutela para que a União custeie a realização de exame Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 38 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL médico e os medicamentos necessários a tratamento emergencial de saúde, notadamente ante à envergadura constitucional do direito correspondente. (Origem: TRF 4ª Região. Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 200304010505363. UF: RS. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data da decisão: 31/03/2004. Relator(a): JUIZ AMAURY CHAVES DE ATHAYDE). Impõe-se, na espécie, a dispensa de intimação para os fins do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, no tocante ao fornecimento do medicamento ao paciente JOÃO DE PAULA ALVES, em face da gravidade da enfermidade e da urgência que o caso requer, sob pena de se tornar inócua decisão posterior. Ademais, sempre bom repisar que o processo constitui instrumento para efetivação de direitos e não óbice a sua implementação. Destarte, afirmase, com convicção, que a garantia constitucional do direito à vida deve prevalecer quando em confronto com eventuais barreiras processuais. Deferir a tutela antecipada, no presente caso, significa preservar a vida do paciente e respeitar a sua condição de ser humano e cidadão, titular do direito de cobrar do Estado o atendimento integral à sua saúde. Não obstante o pedido de antecipação de tutela se refira especificamente à entrega de determinado remédio, o que levaria, em uma análise perfunctória, à conclusão de uma obrigação de dar, faz-se necessária uma leitura mais acurada. Em verdade, inegável uma obrigação de fazer do Estado, consubstanciada na prestação de tratamento necessário, suficiente e adequado à manutenção da saúde e preservação da vida de JOÃO DE PAULA ALVES. Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 39 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Em razão do exposto, estando presentes todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento antecipado do provimento jurisdicional, o Ministério Público Federal pugna pela: a) a concessão da antecipação da tutela, inaudita altera parte, a fim de que seja determinado à UNIÃO, ao ESTADO DO PARÁ e ao MUNÍCIPIO DE SANTARÉM, de forma solidária, o fornecimento gratuito e ininterrupto, em local disponível e de forma imediata, para JOÃO DE PAULA ALVES, e a todos os pacientes que, no curso da ação, comprovarem a necessidade do uso do medicamento FENOBARBITAL 100mg, por intermédio de receituário expedido por médico vinculado ao SUS, para o tratamento de Epilepsia, ainda que necessite ser importado e/ou não conste da lista oficial do Ministério da Saúde, em prazo exíguo a ser estipulado pelo prudente arbítrio de Vossa Excelência. Ademais, seja assegurado o fornecimento mensal da quantidade de remédio necessário à continuidade do tratamento. Impende salientar que a relação obrigacional é solidária, devendo a União, se for o caso, repassar ao Estado e ao Município os recursos necessários para o custeio do dever constitucional; e b) a cominação de multa diária para cada um dos réus em caso de descumprimento da decisão liminar, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). VII – DO PEDIDO PRINCIPAL Diante de todo o expendido, o Ministério Público Federal pugna Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 40 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pela: 1) a citação de todos os réus para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia; 2) a confirmação, por sentença de mérito, de todos os efeitos da antecipação de tutela; 3) a condenação definitiva da UNIÃO, do ESTADO DO PARÁ e do MUNICÍPIO DE SANTARÉM, de forma solidária, à concessão do medicamento FENOBARBITAL 100mg e de todo e qualquer fármaco prescrito por médico do SUS, bem como à prestação do adequado atendimento médico, às suas expensas, necessários ao atendimento/tratamento de JOÃO DE PAULA ALVES e de todos os demais pacientes portadores de epilepsia, inclusive cirúrgico, internação, acompanhamento pós-operatório e medicamentos para a total recuperação dos pacientes que deles necessitarem, ainda que os respectivos materiais e medicamentos tenham de ser importados e ainda que as cirurgias tenham que ser contratadas da rede privada de saúde, neste ou em outros Estados da Federação; 4) a condenação dos réus ao pagamento de danos morais coletivos, a serem revertidos ao fundo previsto no art. 13 da Lei nº7.347/85, pelos fatos narrados, em montante a ser fixado pelo juízo de acordo com a gravidade da lesão; 5) a condenação da UNIÃO, do ESTADO DO PARÁ e do MUNICÍPIO DE SANTARÉM, de forma solidária, a publicar a sentença definitiva a ser proferida nos presentes autos nos jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados, sendo um deles domingo; 6) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 41 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL encargos, em vista do disposto no artigo 18 da Lei n°7.347/85; 7) embora já tenha apresentado o Ministério Público Federal prova pré-constituída do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestação. Por oportuno, esclarece-se que eventual produto da aplicação das multas diárias por descumprimento de liminar seja revertido ao fundo fluído a que se refere o art. 13 da Lei nº7.347/85. Dá-se à causa, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Santarém/PA, 09 de março de 2005. GUSTAVO NOGAMI PROCURADOR DA REPÚBLICA Av. Barão do Rio Branco, 252 - Centro - CEP. 68.005-310 -Fone/Fax (93) 523-2651- e-mail: [email protected] - Santarém/PA 42