UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NÍVEL MESTRADO ARNALDO RIZZARDO FILHO O NOVO COMÉRCIO E A NOVA LEX MERCATÓRIA A PARTIR DAS REDES COMERCIAIS SÃO LEOPOLDO 2015 Arnaldo Rizzardo Filho O NOVO COMÉRCIO E A NOVA LEX MERCATÓRIA A PARTIR DAS REDES COMERCIAIS Artigo apresentado para a Disciplina Tópicos Especiais 2 - O Direito no Pensamento Crítico e Social Contemporâneo, pelo Programa de PósGraduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, sob orientação da Prof.(a) José Rodrigo Rodriguez São Leopoldo 2015 O NOVO COMÉRCIO E A NOVA LEX MERCATÓRIA A PARTIR DAS REDES COMERCIAIS Arnaldo Rizzardo Filho Orientador José Rodrigo Rodriguez Resumo O objetivo principal do presente artigo é demonstrar como a teoria brasileira sobre o direito comercial não acompanha os movimentos comerciais contemporâneos. Para tanto, faz-se uma análise do fenômeno comercial e do direito comercial. Na introdução será debatida a importância econômica do comércio e a necessidade de se traçar políticas públicas ao seu fomento. No capítulo seguinte será realizado um esboço histórico entre o desenvolvimento da economia e do comércio na época moderna e sua influência nas teorias jurídicas de direito comercial. O item seguinte tratará da unificação do direito privado no Brasil e denunciará como a teoria da empresa mostra-se defasada em face nas novas formas comerciais. Essas novas formas comerciais formam uma nova lex mercatoria que reclama novas perspectivas sobre institutos jurídicos clássicos, como obrigações, contratos e responsabilidade. No quinto capítulo será proposta uma teoria contemporânea sobre o direito comercial a partir da sociologia (teoria sistêmica, de Luhmann), da ciência econômica (Castells) e da ciência administrativa (Verschoore e Balestrin). Finalmente, na conclusão se apontará a necessidade jurídica de uma racionalidade adequada ao fenômeno comercial contemporâneo (Rodriguez), única maneira de se dar vigência a um direito coerente com a sociedade. 1. INTRODUÇÃO Em termos econômicos, o comércio representa setenta por cento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, fato que destaca a necessidade de se pensar políticas que facilitem o seu desenvolvimento. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 1 (MDIC) , o comércio influencia de forma direta a geração de renda e de empregos. Governos estruturam agendas voltadas para inovação e ampliação do mercado. Exemplo daqui é o Plano 2 Brasil Maior , que envolve política industrial, tecnológica e comercial, cujo objetivo é sustentar o crescimento econômico inclusivo num contexto econômico adverso. Pretende-se sair da crise internacional dos últimos oito anos em melhor posição do que se entrou, o que resultaria numa destacada ação do país na economia mundial. Por esses e outros motivos que a Confederação Nacional do Comércio (CNC) considera fundamental para economia de uma nação a elaboração de políticas que venham a desenvolver o comércio de bens e serviços. 1 2 http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/ http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/conteudo/128 1 Os reflexos sociais são inevitáveis, e a literatura jurídica às vezes reflete sobre a importância do comércio e sua influência na construção de uma ordem social. Conforme Coelho (2007, pp. 5 e 6), [...] os bens e serviços que homens e mulheres necessitam ou desejam para viver (isto é, vestir, alimentar-se, dormir, divertir-se etc.) são produzidos em organizações econômicas especializadas [...] Alguns povos da Antiguidade, como os fenícios, destacaram-se intensificando as trocas e, com isso, estimularam a produção de bens destinados especificamente à venda. Esta atividade de fins econômicos, o comércio, expandiu-se com extraordinário vigor. Graças a ela, estabeleceram-se intercâmbio entre culturas distintas, desenvolveram-se tecnologias e meios de transporte, fortaleceram-se os estados, povoou-se o planeta de homens e mulheres; mas, também, em função do comércio, foram travadas guerras, escravizaram-se povos, recursos naturais se esgotaram. Com o processo econômico de globalização desencadeado após o fim da Segunda Guerra Mundial (na verdade, o último conflito bélico por mercados coloniais), o comércio procura derrubar as fronteiras nacionais que atrapalham sua expansão. Haverá dia em que o planeta será um único mercado. O comércio gerou e continua gerando novas atividades econômicas. Foi a intensificação das trocas pelos comerciantes que despertou em algumas pessoas o interesse de produzirem bens de que não necessitavam diretamente; bens feitos para serem vendidos e não para serem usados por quem os fazia. É o início da atividade que, muito tempo depois, será chamada de fabril ou industrial. Os bancos e os seguros, em sua origem, destinavam-se a atender necessidades dos comerciantes. Deve-se ao comércio eletrônico a popularização da rede mundial de computadores (internet), que estimula diversas novas atividades. Na sua primeira fase de desenvolvimento, quando ainda era pensado em termos de “direito mercantil”, o comércio era juridicamente embasado nos interesses subjetivistas dos participantes das corporações de ofício. Seus interesses eram o paradigma das premissas normativas que então vigiam. Conforme Ramos (2009), A expressão ius mercatorum pertence à linguagem jurídica culta; usavam-na, prevalecentemente, os glosadores como Bártolo e Baldo. A expressão possui um significado especial: mais do que referir-se a um ramo do direito, significa um modo particular de criar o direito. Chama-se de mercatorum porque foi criado pela classe mercantil, e não porque regula a atividade dos comerciantes. Expressão do caráter privado do direito comercial estava no fato de que até aquele momento não havia nenhum texto legal considerado como código propriamente dito, sendo que os códigos foram importantes símbolos daqueles novos estados constitucionais que estavam surgindo em grande parte da Europa ocidental. As organizações de classe (corporações de mercadores) providas de poder político e econômico, diante da precariedade do direito comum, criavam regras corporativas, que eram utilizadas na solução das disputas entre comerciantes. Nessa fase a legislação comercial era construída em face de uma determinada categoria profissional. O fim dessa fase corresponde ao fim da Idade Média, justamente quando floresce o comércio burguês. É justamente quando se faz a normatização estatal. 2 Na segunda fase abandonou-se o sistema subjetivista e adotou-se o sistema objetivista, que tem como núcleo norteador os “atos de comércio”. A nomenclatura muda, e o termo usado passa a ser Direito Comercial. A era das codificações napoleônicas chegara. A primeira grande obra legislativa foi o Código Civil de 1804; depois o Código Comercial de 1807. Sabe-se que, diferentemente do cuidado que houve quando da elaboração do Código Civil, os trabalhos do Código Comercial foram apressados, havendo consenso geral em desqualificá-lo em face do coirmão. Inobstante, o Code de Commerce é a primeira condensação de leis comerciais de que se tem notícia, e sua importância é extrema para o que se desenvolveu logo em seguida em termos jurídico-comerciais. Materialmente, o Código seguiu as duas grandes ordenações de Luís XIV, que tratavam do comércio terrestre e marítimo. O fato é que o Código de 1807 representou uma mudança de paradigma em relação ao objeto do Direito Mercantil que então vigorava. O ato comercial substituiu a corporações de ofício como objeto do novo direito. Pouco mais de um século depois, reagindo ao sistema objetivista, surgiram novas ideias, principalmente a partir da Itália, e o Direito Comercial passou a ser o Direito de Empresas. Sob esses novos parâmetros há o abandono do elemento isoladamente considerado que é o ato de comércio em razão da adoção da nova teoria da empresa. Eis uma nova realidade, na qual os agentes econômicos são grandes organizações capitalistas de comércio constituídas para a criação ou oferta de bens ou de serviços em massa. Portanto, o Direito Comercial que regulava o comerciante e os atos de comércio passa a regular a empresa, passando a ser identificado como Direito Empresarial. De forma breve, esse é o desenvolvimento histórico do Direito Comercial, que passa por três períodos evolutivos, o subjetivo das corporações de ofício, o objetivo dos atos de comércio, e a atual teoria da empresa, considerada subjetivista, mas não em face de uma classe, e sim em face da organização jurídico-econômica. A questão que vem à tona diz respeito à identificação de formas atuais do fenômeno comercial, especificamente dentro do comércio varejista, e à análise de como o direito se porta perante elas. O próximo título visa analisar o movimento econômico a partir das revoluções industriais, seguindo os demais com considerações jurídicas sobre esse movimento. 2. DAS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS À REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA. O DIREITO COMERCIAL SEGUINDO A TENDÊNCIA ECONÔMICA 2.1. A primeira revolução industrial O desenvolvimento do fenômeno econômico no decorrer dos tempos tem fomentado as mais diversas teorias sobre o direito comercial. A primeira revolução industrial, ocorrida na segunda metade do século XVIII, decorreu da invenção da máquina a vapor, e resultou no nascimento das empresas industriais, que impuseram um novo padrão de competitividade no mercado. A partir daí ocorreu o desenvolvimento ferroviário nos Estados Unidos, que representou, no ramo empresarial, a necessidade de novas técnicas administrativas que fossem capazes de dar 3 conta das complexidades e contingências econômicas geradas pelos aumentos do fluxo, 3 velocidade e distância (BALESTRIN E VERSCHOORE, 2008, pág. 29) . Essas mudanças ocasionaram o rompimento do modelo de administração tradicional, dando azo ao chamado “capitalismo gerencial”, caracterizado principalmente pela ampliação de escala, coordenação administrativa, redução de custos, rotinização das tarefas e acréscimo de produtividade. A ideia de internalização de todas as atividades produtivas em uma única estrutura empresarial era o paradigma econômico daquele momento (BALESTRIN E VERSCHOORE, 2008, págs. 30 e 31). É apenas a partir dessa época que se começa a pensar no conceito jurídico de empresa. Predominava o pequeno comércio e as indústrias de manufaturados, permanecendo a agricultura como principal fonte de riqueza das nações. Lobo (2002) dá o panorama daquele momento: A par disso, (a) o conflito entre produtores e industriais, (b) os monopólios estatais e (c) o controle estatal das indústrias prejudicaram sobremodo o comércio e as indústrias nascentes, e, em consequência, que se desse a devida atenção à empresa, de que são exemplos marcantes: a) do conflito entre produtores e industriais: o pedido dos produtores de lã da Prússia ao Rei Frederico Guilherme I para que fosse abolida a lei de 1700 que proibia a exportação de seu produto e a resposta vazada nestes termos: “Sua Majestade o Rei da Prússia... considera necessário manter a proibição de exportação de lã... pois a experiência mostra que outras potências, particularmente a Inglaterra, que também não permitem a exportação de lã, com isso estão agindo bem, e o país enriquece”; b) dos monopólios estatais, na crítica de JOSEPH TUCKER, em 1749: “nossos monopólios, companhias públicas e companhias por ações são um prejuízo e destruição para o comércio livre... Toda a nação sofre em seu comércio, e fica privada do comércio com mais de três quartos do globo, para enriquecer alguns diretores ambiciosos. Eles se enriquecem dessa forma, ao passo que o público se torna mais pobre”; c) do controle estatal da indústria, tão bem retratados nesta página de LEO HUBERMAN: “Era de esperar que a oposição à restrição e regulamentação mercantilista surgisse mais acentuadamente na França, pois foi nesse país que o controle estatal da indústria atingiu o máximo. A indústria estava ali cerceada por uma tal rede de “pode” e “não pode” e por um exército de inspetores abelhudos que impunham os regulamentos prejudiciais, que é difícil compreender como se conseguia fazer qualquer coisa. As regras e regulamentos das corporações já eram bastante prejudiciais. Continuaram em vigor, ou foram substituídos por outros regulamentos governamentais, ainda mais minuciosos, e que se destinavam a proteger e ajudar a indústria da França. De certa forma, ajudaram. Mas, ainda quando tinham utilidade, aborreciam aos industriais. Podia o fabricante de tecidos, por exemplo, fabricar o tipo de fazenda que lhe agradasse? Não. Os tecidos tinham de ser de uma qualidade determinada, e nada mais. Podia o fabricante de chapéus atrair a procura do consumidor, produzindo chapéus feitos de uma mistura de castor, pele e lã? Não. Só podia fazer chapéus todos de castor ou todos de lã, e nada mais. Podia o fabricante usar uma ferramenta nova e talvez melhor na produção de suas mercadorias? Não. As 3 Os professores Jorge Verschoore e Alsones Balestrin, oriundos da ciência da administração, são vanguardistas no estudo das redes no brasil, a partir da Universidade Do Vale Dos Sinos/UNISINOS. 4 ferramentas tinham que ser de determinado tamanho e forma, e os inspetores apareciam sempre para verificar isso”. Esses freios à atividade produtiva livre levaram à luta pela abolição completa e definitiva da tutela do Estado e ao extremo oposto - nenhum controle - que culminou no lema, cunha por GOURNAY, laissez-faire. O fato é que a primeira revolução industrial foi responsável pela perspectiva moderna de comércio, trazendo à tona a insuficiência normativa da regulação das atividades comerciais naquele momento. Até então, o direito comercial “tratava-se de um direito criado pelos mercadores para regular as suas atividades profissionais e por eles aplicado” (TOMAZETTE, 2007, p. 7). Essa realmente era a principal característica da lex mercatória daquele momento: regras criadas pelos próprios mercadores para serem aplicadas a eles próprios. Tomazette (2007, p. 7) expõe que nessa fase vigorava o “[...] sistema subjetivo, porquanto havia a aplicação do chamado critério corporativo, pelo qual o sujeito fosse membro de determinada corporação de ofício, o direito a ser aplicado seria o da corporação, vale dizer, era a matrícula na corporação que atraía o direito costumeiro e a jurisdição consular. Entretanto, não era suficiente o critério corporativo, era necessário que a questão também fosse ligada ao exercício do comércio. Tratava-se de um direito eminentemente profissional”. Segundo Tomazette (2007, p. 6), “A disciplina estatal era baseada na prevalência da propriedade imobiliária, estática e cheia de obstáculo para sua circulação”. Em função disso, entendeu-se pela necessidade de uma disciplina que tratasse especificamente sobre o tema, fato que culminou com o código comercial de Napoleão, do início do século XIX, momento em que se o direito comercial entrou em sua segunda fase montado na teoria do ato comercial. 2.2. A segunda revolução industrial Tempos depois, na segunda revolução industrial, na metade do século XIX, houve a superação da energia a vapor pela energia elétrica, o que significou um aumento ainda maior do transporte e da velocidade. No início do século XX, novas técnicas gerenciais apareceram para suprir as insuficiências do modelo gestional até então desenvolvido, altamente hierarquizado verticalmente. Esse movimento decorreu da necessidade de maior agilidade em termos estruturais, pois o mercado cresce na conformidade em que a sociedade interage e, aliado à crise financeira do período pós-primeira guerra mundial, cada vez mais era preciso dividir os custos da operação empresarial, mesmo que isso significasse dividir os ganhos. O ambiente estava se tornando propício para que uma teoria centrada empresa passasse a ser o paradigma do Direito Comercial até então dominado pela teoria do ato de comércio, e os italianos foram vanguardistas nesse movimento. Cada vez mais operações comerciais surgiam, e uma teoria calcada apenas no ato comercial não era capaz de abranger todos os eventos que brotavam. De Oliveira explica que Devido sua objetividade o sistema francês não trouxe elementos subjetivos para alcançar todos os comportamentos que caracterizariam os atos de comércio, indispensáveis para a aplicação 5 do direito, como se tem na modernidade. Ademais, é notório que esse sistema se apresenta incapaz de abranger todas as relações sociais que devam ser vislumbradas pelo direito empresarial, haja vista a dinamicidade por elas apresentadas. Por superar o entendimento do sistema francês, o direito italiano codificou, em 1942, a conceituação de empresário, estabelecendo que é empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada tendo por fim a produção ou a troca de bens ou serviços. A partir dessa ideia codificada, para se entender empresa é preciso considerar a premissa da atividade por ele exercida. Com isso, o foco do estudo do direito deixa de ser os atos do comércio que deu lugar ao direito empresarial, relativo à empresa, ficando nítido que o sistema italiano retornou à definição de empresa calcada no fenômeno econômico 2.3. A terceira revolução industrial, a revolução tecnológica Anos mais tarde, principalmente desde a década de setenta do século passado até o presente, alguns acontecimentos sugerem que se repense a teoria da empresa calcada apenas nas premissas de um empresário que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, conforme artigo 966 do Código Civil brasileiro. A revolução da tecnologia da comunicação determinou o nascimento de uma nova sociedade, de uma nova economia, e até mesmo de uma nova cultura. O principal cenário onde essa revolução ocorreu foi os Estados Unidos, mais precisamente na Califórnia, no Vale do Silício. Castells (2011, p. 44) observa que Não tanto em torno de sua política, visto que o Vale do Silício sempre foi um firme baluarte do voto conservador, e a maior parte dos inovadores era metapolítica, exceto no que dizia respeito a afastar-se dos valores sociais representados por padrões convencionais de comportamento na sociedade em geral e no mundo dos negócios. A ênfase nos dispositivos personalizados, na interatividade, na formação de redes e na busca incansável de novas descobertas tecnológicas, mesmo quando não faziam muito sentido comercial, não combinava com a tradição, de certa forma cautelosa, do mundo corporativo. Meio inconscientemente, a revolução da tecnologia da informação difundiu pela cultura mais significativa de nossas sociedades o espírito libertário dos movimentos dos anos 60. No entanto, logo se propagaram e foram apropriadas por diferentes países, várias culturas, organizações diversas e diferentes objetivos, as novas tecnologias da informação explodiram em todos os tipos de aplicações e usos que, por sua vez, produziram inovação tecnológica, acelerando a velocidade e ampliando o escopo das transformações tecnológicas, bem como diversificando suas fontes. Essa revolução tecnológica foi de suma importância para a reestruturação do capitalismo na década de oitenta, inaugurando a chamada era pós-industrial. A burocracia interna seguia sendo combatida, pois significava assunção de custos e riscos demasiados, principalmente em face dos novos padrões de mercado, que passaram a ser globais, justamente em decorrência da revolução tecnológica. Uma série de reformas institucionais em torno do gerenciamento empresarial buscava aprofundar a lógica capitalista em busca do lucro, do aumento de produtividade, e da globalização da economia, que naquele momento tornava-se possível em face do fenômeno digital, que abriu as portas ao pós-industrialismo. A nova tecnologia 6 transformou as estratégias organizacionais; flexibilidade e adaptabilidade são essenciais para gerir a velocidade e a eficiência do novo ambiente digital. Conforme Castells (2011, pág. 119): Uma nova economia surgiu em escala global no último quartel do século XX. Chamo-a de informacional, global e em rede, para identificar suas características fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação. É informacional, porque a produtividade e a competitividade de unidades ou agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria prima, administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É rede porque, nas novas condições históricas, a produtividade é gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes empresariais. Essa nova economia surgiu no último cartel do século XX porque a revolução da tecnologia da informação forneceu a base material indispensável para sua criação. Esse período também é chamado por alguns de pós fordismo, e põe em cheque os fundamentos do capitalismo gerencial e suas estruturas hierárquico-burocráticas. Trata-se do novo capitalismo de aliança, calcado na cooperação em busca de lucro a partir da comunicação. Conforme observam Balestrin e Verschoore (2008, p. 34), Esse conjunto de modificações abalou os fundamentos do capitalismo gerencial e das estruturas hierárquicas e burocráticas. Um novo padrão competitivo despontou no final do século XX, marcado, entre outros aspectos, pela flexibilidade produtiva, pela adaptabilidade das fronteiras organizacionais e pela busca constante de inovações, culminando no paradigma denominado nova competição (Best 1990). A nova competição baseia-se em empreendimentos que buscam estratégias de aprimoramento contínuo de produtos e processos. Para tanto, a exigência de parcerias com fornecedores, clientes e concorrentes (Doz e Hamel, 1998) tornou os limites organizacionais maleáveis e imprecisos. Evidenciou-se a incapacidade das grandes estruturas em agregar internamente as competências necessárias para atender ao consumidor mais exigente. As relações com outras empresas passaram a ser vistas não apenas como transações de mercado, mas também como forma de aprendizado, oportunidades tecnológicas e possibilidade de obter ativos complementares (Dosi et al., 1992). Consequentemente, a administração das relações entre organizações transformou-se no fator chave da nova economia. [...] É por tais motivos que as empresas ainda hoje seguem promovendo constantes adaptações internas a fim de possibilitar, no longo prazo, a manutenção das mais diversas formas de parcerias. As organizações passaram a enfrentar o que alguns autores denominaram desafio da co-opetição (Nalebuff e Branden Burger, 1989). A cooperação se desenvolve quando fornecedores, companhias e compradores unem-se para elevar o valor gerado na cadeia produtiva. A competição, por sua vez, ocorre no memento de dividir o bolo. Isto é, as empresas definem estratégias competitivas e colaborativa simultaneamente, visto que o locus das competências distintivas não está mais na empresa de forma isolada, mas em toda sua rede de relacionamentos (Prahalad e Ramaswamy, 2004). Essa 7 dicotomia competição-cooperação marca a configuração das relações econômicas capitalistas contemporâneas, sendo, por isso, denominada por alguns autores capitalismo de alianças (Gerlach, 1992a). A cooperação passa a ser considerada um dos paradigmas do sistema econômico. No campo empresarial, a cooperação obviamente não é altruísta; visa um ganho que só pode ser alcançado, ou pode ser alcançado de forma muito mais efetiva, quando se atua em conjunto. Balestrin e Verschoore (2008, p. 40) entendem que “[...] a cooperação interorganizacional decorre do desenvolvimento deliberado de relações entre organizações autônomas para a consecução de objetivos individuais e coletivos [...]”. A cooperação entre empresas torna-as mais forte e mais competitivas em relação àquelas que não fazem parte do grupo. A Teoria dos Jogos, decorrente de estudos sobre estratégia, segundo Von Neumann e Morgeintern, é citada por Balestrin e Verschoore (2008, p. 41) como explicação do paradigma cooperativo entre empresas. Estratégias baseadas na cooperação tornam-se constante na virada para o século XXI, ocupando lugar de peso no mesmo ambiente comercial antes dominado pela competição. Segundo Balestrin e Verschoore (2008, p. 51), Os inúmeros casos de empresas que têm aumentado sua competitividade com a formação de redes, alianças e parcerias sugerem a necessidade de reavaliar as teorias clássicas sobre estratégia. À diferença do paradigma da competição (jogo de soma nula), o paradigma da cooperação (jogo de soma positiva) visa à adoção de estratégias coletivas por um conjunto de atores (fornecedores, concorrentes, clientes, etc.) tendo em vista atingir objetivos comuns, habilitando as empresas a competir em estâncias mais elevadas. A partir da estratégia da cooperação surge forte no cenário econômico as redes, chamada por Balestrin e Verschoore (2008) de “redes de cooperação”, das quais fazem partes as redes de franquias, as redes de representantes comerciais, as redes de distribuição, dentre outras. As redes de cooperação surgem da necessidade de se criar novas estratégias competitivas. A partir das redes há articulação de várias empresas com forte relação de reciprocidade, formando um verdadeiro grupo que passa a agir de forma coordenada. Castells (2011, págs. 211 – 221) identifica alguns vestígios desse contexto: transição da produção em massa para a produção flexível, importância das pequenas e médias empresas, surgimento de novos métodos de gerenciamento, e a formação de alianças entre empresas para formação de redes. O modelo econômico vai ficando propício à formação de redes de empresas. As pequenas e médias empresas passaram a ser largamente subcontratadas ou licenciadas, fazendo parte do ciclo produtivo. O exemplo que Castells (1999, pág. 219) invoca é o da malharia italiana Benetton: A malharia italiana, multinacional oriunda de uma pequena empresa familiar na região de Vêneto, opera com franquias comerciais e conta com certa de cinco mil lojas em todo o mundo para a distribuição exclusiva de seus produtos, sob o mais rígido controle da empresa principal. Uma central recebe o feedback on line de todos os pontos 8 de distribuição e mantém o suprimento de estoque, bem como define as tendências de mercado em relação às formas e cores. O modelo de redes também é eficaz no nível de produção, fornecendo trabalho a pequenas empresas e domicílios na Itália e em outros países do Mediterrâneo, como a Turquia. Esse tipo de organização em redes é uma forma intermediária de arranjo entre a desintegração vertical por meio dos sistemas de subcontratação de uma grande empresa e as redes horizontais das pequenas empresas. É uma rede horizontal, mas baseada em um conjunto de relações periféricas/centrais, tanto no lado da oferta como no lado da demanda do processo. Fica evidente que o modelo vertical de organização produtiva cedeu espaço para o crescimento e afirmação de um modelo mais horizontal, flexível, onde inúmeras empresas se organizam para ação econômica. A concepção de rede na organização empresarial surge como a nova forma de gerenciamento da economia. O crescimento em compasso com a globalização requer justamente esse modelo, pela impossibilidade do controle administrativo racional em escala mundial, sem uma burocracia interna que importe em um elevado custo operacional e em uma total assunção de riscos mercadológicos. A questão agora é identificar se essa tendência está sendo captada pelo direito brasileiro. Antes, porém, um breve panorama sobre o direito comercial ou empresarial e da lex mercatória no Brasil. 3. A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO BRASILEIRO Até pouco tempo, o Brasil possuía um código especialmente destinado ao comércio, o Código Comercial, instituído pela Lei nº 556, de 1850. Mais de cento e cinquenta anos depois de estabelecido, o atual Código Civil unificou o direito obrigacional privado (direito comercial e direito civil), derrogando quase que totalmente o Código Comercial. Basicamente, apenas as disposições sobre o comércio marítimo seguiram vigendo. Segundo Miguel Reale (1986, p.6), autor do anteprojeto do Código, essa proposta nada mais significou que “ir ao encontro de uma realidade já existente, cujo marco inicial remonta a 1850, com a edição do Código Comercial Brasileiro. Por força do art. 121, que preceitua que as regras e disposições do Direito Civil para os contratos em geral são aplicáveis aos contratos mercantis”. Reale ainda expõe em 4 sua visão geral sobre o anteprojeto que É preciso, porém, corrigir, desde logo, um equívoco que consiste em dizer que tentamos estabelecer a unidade do Direito Privado. Esse não foi o objetivo visado. O que na realidade se fez foi consolidar e aperfeiçoar o que já estava sendo seguido no País, que era a unidade do direito das obrigações. Como o Código Comercial de 1850 se tornara completamente superado, não havia mais questões comerciais resolvidas à luz do Código de Comércio, mas sim em função do Código Civil. Na prática jurisprudencial, essa unidade das obrigações já era um fato consagrado, o que se refletiu na ideia rejeitada de um código só para reger as obrigações, consoante projeto elaborado por jurisconsultos da estatura de Orozimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e Philadelpho de Azevedo. Não vingou também a tentativa de, a um só tempo, elaborar um Código das Obrigações, de que foi relator Caio Mário da Silva Pereira, ao lado de um Código Civil, com a matéria restante, conforme projeto de Orlando 4 http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm 9 Gomes. Depois dessas duas malogradas experiências, só restava manter a unidade da codificação, enriquecendo-a de novos elementos, levando em conta também as contribuições desses dois ilustres jurisconsultos. 5 Segundo o autor do anteprojeto , os direitos e deveres da pessoa humana são pressupostos gerais da vida civil, projetam-se nas obrigações e nos contratos vivenciados em sociedade. Reale adota o termo “direito empresarial” em face do termo “direito comercial” pelo fato de a atividade econômica não se caracterizar mais por atos de comércio, tendo uma projeção muito mais ampla, sendo igualmente relevantes os atos de natureza industrial ou financeira. Assim, o Código Civil atual adota o Direito de Empresa como teoria que abarca situações em 6 que as pessoas se associam e se organizam para empreender. Conforme Reale , “O Direito de Empresa não figura, como tal, em nenhuma codificação contemporânea, constituindo, pois, uma inovação original”. Conforme já referido. O antigo Código Comercial brasileiro, que regia de modo geral a atividade comercial, foi parcialmente revogado, restando vigente apenas aspectos do comércio marítimo. Toda uma série de disposições normativas sobre qualidades necessárias para ser comerciante, obrigações comuns e prerrogativas dos comerciantes e dos agentes auxiliares do comércio, dentre outras, deixou de estar prevista na legislação pátria. Na doutrina há o entendimento de que o Direito Comercial não deixou de existir com a unificação, mas apenas mudou seu objeto. Ulhoa (2007, p. 4) afirma que o direito comercial cuida da atividade econômica organizada de fornecimento de bens e serviços, que se denomina empresa: Estruturar a produção ou circulação de bens ou serviços significa reunir os recursos financeiros (capital), humanos (mão de obra), materiais (insumo) e tecnológicos que viabilizem oferece-lo ao mercado consumidor com preços e qualidade competitivos. Não é tarefa simples. Pelo contrário, a pessoa que se propõe a realiza-lo deve ter competência para isso, adquirida mais por experiência de vida que propriamente por estudos. Além disso, trata-se sempre de empreitada sujeita a risco. Por mais cautelas que adote o empresário, por mais seguro que esteja do potencial do negócio, os consumidores podem simplesmente não se interessar pelo bem ou serviço oferecido. Diversos outros fatores inteiramente alheios à sua vontade – crises políticas ou econômicas no Brasil ou no exterior, acidentes ou deslealdade dos concorrentes, por exemplo – podem também obstar o desenvolvimento da atividade. Nesses casos, todas as expectativas de ganho se frustram e os recursos investidos se perdem. Não há como evitar o risco do insucesso inerente a qualquer atividade econômica. Por isso, boa parte da competência característica dos empresários vocacionados diz respeito à capacidade de mensurar e atenuar riscos. 5 http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm 6 http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm 10 Fran Martins (2013, p.13) vai no sentido de que o direito de empresa é mais abrangente do que o direito comercial, abarcando temas relacionados a fatos econômicos comerciais e não comerciais: O chamado Direito das Empresas, quando se refere às empresas comerciais, é o mesmo Direito Comercial; se, entretanto, uma regra jurídica se referir a uma empresa não comercial, teremos uma regra a regular fatos simplesmente econômicos, mas não comerciais – daí o Direito agrário, o Direito industrial, o Direito imobiliário etc. A partir da teoria da empresa, o ramo do direito que trata da atividade econômica não mais está centrado unicamente no comerciante estrito senso e no ato de comércio, passando a abranger os negócios de modo geral, as atividades econômicas como um todo, a partir da centralização na conceituação de empresário. O primeiro artigo do Livro destinado ao Direito de Empresa, no Código Civil atual, estabelece que o exercício profissional de atividade econômica é o parâmetro essencial à matéria em estudo. O ato de comércio, portanto, cede seu lugar para a atividade econômica profissional, ou seja, para o empresário, que pode ser comerciante, industriário, prestador de serviço, agricultor, pecuarista, etc. Rubens Requião (2003, p. 07), explicando o entendimento do professor belga Jan van Ryn, aponta que [...] se se reconhecer que o direito comercial é, na realidade, o direito das atividades econômicas, põe-se em evidência o exclusivo princípio de unidade que permite justificar o agrupamento em uma única disciplina destas diversas regras. Acolhe a expressão direito econômico em substituição à ‘histórica e tradicional denominação que tantas ambiguidades, confusões e dificuldades têm regado para a disciplina nos dias atuais’. Formula um conceito amplo: ‘Nós podemos dizer, de logo, que o domínio próprio do direito comercial é o conjunto de regras jurídicas relativas à atividade do homem aplicado à produção, à apropriação, à circulação e ao consumo das riquezas. O comércio não é senão um dos elos da cadeia que constitui a atividade econômica global’. Ocorreu, nas palavras de Waldírio Bugarelli (2000, p. 19), uma transmutação do Direito Comercial, que passou de mero regulador dos comerciantes e dos atos de comércio, passando a atender à atividade, sob a forma de empresa, que o é o seu atual fulcro. Tal transmutação acarretou, inclusive, a modificação de sua própria denominação, que passou a ser Direito de Empresa. Assim, na presente fase evolutiva do Direito Comercial, a teoria da empresa é o “carro chefe”. O foco deixa de repousar em determinadas atividades (as de mercancia) e passa a disciplinar uma forma específica de produzir e colocar em circulação bens e serviços, que é a empresa. A influência é italiana é muito bem explicada por Jorge Lobo (2002): Evaristo de Moraes ensina que ‘coube a Lorenzo Mossa, verdadeiro romântico do conceito de empresa, campeão do seu conceito institucional na Itália, defender a tese de que o direito comercial é direito das empresas, esgotando-se sua tratação no regulá-las, atingindo por aí os atos de comércio. O direito comercial, para ele, é o direito da economia organizada, encontrando seu apogeu na expansão da grande empresa capitalista. A existência da empresa, como seu objeto, constitui o principal argumento a favor da sua 11 própria autonomia, em confronto com o direito comum: ‘A empresa, no momento capitalista mais agudo, e agora na passagem para um sistema mais justo, assumiu o motivo próprio da atividade econômica. As pessoas perdem importância, diante das organizações de bens e de forças vivas por ela criadas. Duram no tempo, aperfeiçoam a iniciativa humana, a perpetuam e renovam no mudar contínuo das pessoas... A empresa, como organização e como unidade, é o núcleo não só da forma social mas também da atividade pessoal... A empresa é a pessoa econômica que o direito comercial regula na sua vida, as uniões de empresas assumem caracteres próprios, e não se assimilam às simples associações de pessoas’. Além de MOSSA, defendem a ideia de que o Direito Comercial é o Direito das Empresas, dentre outros, Ascarelli, Joaquim Oarriouez, J. Escarra, J. Hamel e O. Laoarde, D. Bessone e Evaristo De Moraes. O direito comercial passa a ser o direito da economia organizada, encontrando seu apogeu na expansão da grande empresa capitalista, que passa a ser objeto de uma nova teoria. A teoria da empresa mostra-se mais abrangente que a teoria dos atos de comércio por não estar limitada às previsões legislativas tipificadoras de atos comerciais. Concentrando-se o direito comercial na regulamentação das empresas, os atos comerciais ficam ilimitados enquanto fenômenos empíricos, o que é, por óbvio, vantajoso em termos de sincronização entre direito e experiência. Inobstante, a terceira revolução industrial aportou inúmeros atos comerciais novos no contexto econômico global, e o direito privado unificado no Brasil não era capaz de reconhecê-los. 4. A (NOVA) LEX MERCATÓRIA A PARTIR DAS REDES COMERCIAIS Muitas são os nuances conceituais sobre a lex mercatoria. No presente capítulo, analisa-se três definições a partir de Goldman, Teubner e Rava e Da Ros, que mostram as variáveis conceituais do instituto. Goldman (1964, p. 177 – 192) entende a lex mercatória como um conjunto de “princípios gerais” e de “regras costumeiras” aplicadas espontaneamente ou elaboradas para o “comércio internacional”. Goldman demonstra que as relações comerciais internacionais “parecem escapar ao império de um direito estatal, em direção a um direito uniforme integrado na legislação dos Estados que a ele tenham aderido”. Como se pode notar, trata-se de um conceito fortemente ligado ao direito internacional. Em verdade, Goldman sempre traz uma explícita relação entre direito comercial e comércio internacional. Em relação à autoridade impositora da lex mercatória, Goldman coloca a autoridade profissional no local da tradicional autoridade estatal. Nos termos de Huck (1992), [...] Goldman argumentava que o sistema de direito do comércio internacional contaria inclusive com a coação, elemento essencial para a configuração plena de um sistema de direito. Essa coação seria exercida, num primeiro momento, através da pressão moral da classe dos comerciantes, por penalidades comerciais, pela publicidade, ou finalmente pelo próprio Estado. Outro autor que trata da a lex mercatoria é Teubner (2003, p. 21), que a identifica na práxis contratual que 12 [...] ultrapassa as fronteiras nacionais e transforma a produção jurídica puramente nacional em produção jurídica global: inúmeras transações internacionais individuais, contratos padronizados de associações profissionais internacionais, contratos pré-formulados de organizações internacionais e projetos de investimento em países em desenvolvimento. Assim que tais contratos reivindicam vigência transnacional, eles não só estão separados das suas raízes no direito nacional, como também perdem toda sustentação em qualquer ordenamento jurídico. Para Teubner (2003, p. 21), o aspecto distintivo da lex mercatoria é tratar-se “de uma área do direito que cresce e se transforma em correspondência com as transações econômicas globais”. Teubner prefere o termo “transnacional” ao termo “internacional”. A lex mercatoria, assim, sustentar-se-ia a partir da autoconstituição, ou seja, da desnecessidade da constituição através de uma ordem política externa e hierarquicamente superior. Os sistemas parciais formam seus próprios núcleos de sentido, e o direito passa a ser produzido na periferia, descentralizados dos burocráticos órgãos estatais que identificam países. Assim, o contrato privado é fonte do direito do mesmo grau que a legislação e as decisões judiciais. E mais, a legitimidade do direito está na sua autorreferencialidade, nascendo do próprio sistema parcial, independente de um sistema mais geral e de caráter centralizador. Rava e Da Ros (2007), por sua vez, evidenciam alguns tipos contratuais muito específicos que apenas recentemente foram introduzidos nas práticas econômicas, e que estão identificados com o fenômeno da “globalização” da economia, permitindo uma nova forma de compreensão do fenômeno jurídico. São analisados pelos autores contratos veiculados mundialmente, próprios da nova lex mercatória, como os contratos de leasing, factoring, franchising e performance bond. Rava e Da Ros afastam-se do conceito de lex mercatória baseada na “uniformidade jurídica internacional” e “enxergam uma uniformidade econômica” que [...] toma corpo a partir de um determinado modelo econômico que busca sua expansão (e que gerou sua hegemonia), e que se coloca diante de cada economia nacional como uma “alternativa” – por vezes irrecusável e irresistível – aos modelos preconizados por cada sociedade política nacional. Entretanto, essa universalidade de um mesmo sistema jurídico e econômico não é obtida somente através da celebração, por parte do Poder Executivo, de tratados internacionais. Lembra-nos mais uma vez Francesco Galgano: “O que domina a cena jurídica do nosso tempo não são as convenções internacionais de direito uniforme, nem são, no âmbito europeu, as diretivas comunitárias de harmonização do direito dentro da União. O elemento dominante é, muito antes, a circulação internacional de modelos contratuais uniformes. São, no mais das vezes, contratos atípicos: quem os cria não são os legisladores nacionais, mas são os departamentos jurídicos das grandes multinacionais, são os consultores das associações internacionais de diversas categorias empresariais. O seu nome, que é quase sempre um nome em inglês, testemunha a origem americana desses modelos; mas do país de origem leasing, franchising, performance bond etc. são propagados para todo o planisfério. Eles não têm nacionalidade: a sua função é a de realizar a unidade do direito dentro da unidade dos mercados”. Ralf Dahrendorf salienta que “a nação-estado era também um veículo 13 necessário para o estabelecimento do contrato moderno no lugar da servidão feudal”. Nada mais correto. O estado nacional e a sua continuidade jurídica interna – substituindo a descontinuidade formada pela fragmentação feudal de outrora – é um instrumento necessário à concretização da ideia de contrato, o instrumento burguês por excelência das trocas econômicas. Assim, tem-se o estado-nação como sendo nada muito diferente de uma função da ideia de contrato, tendo ele próprio, na visa moderna, se originado em um grande contrato social, como descreveram Hobbes, Rousseau e Kant, entre outros. Observa-se que essa continuidade jurídica interna – que encontra seu apogeu com o período das codificações – somente pode ser entendida desejável enquanto as vias comerciais não ultrapassarem o âmbito destes estados nacionais. Uma vez superada pela via econômica essa barreira outrora intransponível, grande parte da função legislativa para a qual nasceu o estado nacional, também se torna dispensável. Dito de outro modo: tendo nascido o estado nacional em grande medida para monopolizar a produção legislativa num dado contexto territorial para dar-lhe uniformidade às práticas econômicas e jurídicas, e uma vez sendo ampliada a abrangência dessas relações econômicas, que se buscam uniformes, para além dos limites dos estados nacionais, por óbvio a produção legislativa escapará ao domínio do estado, sendo muitas vezes imposta a ele de fora, visando inserir-lhe num dado novo modelo econômico uniforme, do qual ele não seja mais o protagonista, mas sim apenas mais um participante. Dos autores acima citados, vê-se que nos contratos internacionais, ou nos contratos que correm o globo sob o mesmo molde caracterizador, seja através de um direito “internacional”, “transnacional” ou “global”, está radicada a lex mercatória. No que interessa ao presente artigo, temos as redes comerciais como gênero contratual que engloba espécies de contratos previstos nos mais diversos sistemas jurídicos nacionais e que acabam por “globalizar” e “internacionalizar” a economia, como o contrato de franquia, o contrato de representação comercial, o contrato de agência, o contrato de distribuição, dentre outros que mesmo não sendo tipificados por leis, são utilizados de forma idêntica através do mundo, como os contratos de cessão de marca. A questão que resta é entender qual o sentido dessa lex mercatória hoje representada por redes comerciais. 5. OS SISTEMAS QUE FORMAM REDES COMERCIAIS E O PARADIGMA DA COOPERAÇÃO. A TEORIA SISTÊMICA E O DIREITO DO NOVO COMÉRCIO 5.1. Breve introdução sobre a teoria sistêmica A teoria sistêmica em sua linhagem jurídica se mostra epistemologicamente adequada para explicar as redes comerciais. Não é à toa que a Lei de Franquia, legislação brasileira mais avançada em termos de contratos que formam redes, conceitua o contrato de franquia empresarial como sendo um sistema. Em termos sistêmico-sociais, Parsons afirmava que os indivíduos dão sentido próprio às próprias ações e a partir daí atuam entre si, integrando expectativas recíprocas de 14 comportamento, e essa integração ocorre com o recurso à estabilidade de normas duráveis, compreensíveis e assimiláveis, que estruturam verdadeiros sistemas de ação (Luhmann, 1983, pp. 30 e 31). Luhmann, que foi aluno de Parsons, inverteu a lógica de seu professor, passando do paradigma “estrutural-funcionalista” para o paradigma “funcional-estruturalista”. Conforme Schwartz (2013, p. 51), “O ponto de partida do estrutural funcionalismo é dado pela existência das estruturas em um sistema”. Luhmann dá outra visão à teoria sistêmica, aplicando-a ao direito, e afirmando que não é a predeterminação estrutural que comanda o sistema, mas sim suas funções. Teubner (Mello, 2004, p. 352), também jurista, “procura incorporar à teoria dos sistemas de Luhmann o conceito de reflexividade, com o qual explica o processo de interação entre fatores externos (pressões sociais) e internos (formalismo jurídico) nas configurações dos sistemas contemporâneos”. 5.2. Os sistemas que formas redes comerciais. O paradigmático contrato de franquia empresarial. Lei, doutrina e jurisprudência As redes comerciais são sistemas de ações coletivas, estruturadas a partir de determinada funções e objetivos, e que por isso necessitam ser entendidas em termos cooperativos. Tal percepção é diferente do enfoque individualista do Código Civil. Tanto é assim que nenhum caso de responsabilidade civil coletiva é previsto no Codex. Com isso não se quer aplicar às redes comerciais o instituto da responsabilidade civil coletiva. Pelo contrário, enquanto na responsabilidade civil coletiva todos os membros de um grupo causador do dano respondem solidariamente em face de uma fictícia presunção, na responsabilidade civil das redes comerciais o movimento é inverso, no sentido de haver uma obrigação do empresário que forma a rede para com os outros empresários que foram atraídos a aderir à rede. Por aí é possível notar que há uma responsabilidade especial aplicada às redes comerciais, que por enquanto será apenas denominada de responsabilidade comercial das redes, da qual não há rastro algum na legislação brasileira. De modo que é preciso entender quais obrigações estão envolvidas nos contratos que formam redes comerciais, para a partir daí ser possível abrir o debate acerca das questões contratuais e de responsabilidade civil (ou comercial) que afluem desses novos instrumentos negociais. Para entender como esses institutos jurídicos básicos de direito privado (obrigações, contratos e responsabilidades) mudam a sua lógica quando aplicados às redes comerciais, usar-se-á como paradigma as redes de franquia empresarial, pois é o negócio em rede comercial mais complexamente experimentado e normatizado dentre aqueles negócios que formam redes comerciais. Realmente, a lei de franquia é a que mais complexamente prevê o fenômeno econômico em rede. A Lei 8.955/94, que dispõe sobre o contrato de franquia empresarial, em seu artigo segundo, conceitua a franquia como um “sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, 15 eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo 7 empregatício” . Esse conceito deve ser dividido em dois. Na primeira parte, o importante é que a franquia empresarial forma um sistema. Na segunda parte, destacam-se as operações envolvidas no negócio: uso de marca ou patente, direito de distribuição, direito de uso de tecnologia, direito de uso de sistema operacional. Fixados esses dois pontos do conceito legal de franquia, parte-se agora à análise da doutrina pátria sobre o conceito de franquia. 5.3. O conceito doutrinário do negócio de franquia Waldirio Bugarelli (2000, p. 529), conceitua o instituto a partir da instituto da cessão de marca. Nesse sentido, franquia é [...] a operação pela qual um comerciante, titular de uma marca comum, cede seu uso, num setor geográfico definido, a outro comerciante. O beneficiário da obrigação assume integralmente o financiamento da sua atividade e remunera o seu co-contratante com uma porcentagem calculada sobre o volume dos negócios. Repousa sobre cláusula de exclusividade, garantindo ao beneficiário, em relação aos concorrentes, o monopólio da atividade. Orlando Gomes (Bugarelli, 2000, pp. 530) define-o como “a operação pela qual um empresário concede a outro o direito de usar a marca de produto seu com assistência técnica para sua comercialização, recebendo, em troca, determinada remuneração”. Antônio Chaves (Bugarelli, 2000, p. 531), por sua vez, apresenta esse negócio jurídico como [...] o contrato pelo qual uma pessoa assume o compromisso de efetuar distribuição seletiva de bens de sua fabricação ou de terceiro, ou a proporcionar método ou serviços caracterizados por marca registrada a outras que a ela se vinculam, em dependência, por compromisso de licença, ligação contínua, e eventual assistência técnica, para a venda limitada à determinada área geográfica. Fran Martins (Bugarelli, 2000, p. 530) entende o contrato em comento como sendo [...] o contrato que liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda para a primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade, sem que, contudo, a essas estejam ligadas por vínculo de subordinação. O franqueado, além dos produtos que vai comercializar, receberá do 7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8955.htm 16 franqueador permanente assistência técnica e empresarial, inclusive no que se refere à publicidade dos produtos. Adalberto Simão Filho (1997, p. 35) elabora o seu conceito nos seguintes termos: Portanto, entendemos que o franchising é um sistema que visa à distribuição de produtos, mercadorias ou serviços em zona previamente delimitada, por meio de cláusula de exclusividade, materializado por contrato(s) mercantil(is) celebrado(s) por comerciantes autônomos e independentes, imbuídos do espírito de colaboração estrita e recíproca, por qual, mediante recebimento de preço inicial apenas e/ou prestações mensais pagas pelo franqueado, o franqueador lhe cederá, autorizará ou licenciará para o uso comercial propriedade incorpórea constituída de marcas, insígnias, título de estabelecimento, know how, métodos de trabalho, patentes, fórmulas, prestando-lhe assistência técnica permanente no comércio específico. Adalberto Simão Filho (1997, p. 33) aponta os seguintes caracteres que predominam no contrato de franquia: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão e autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnicas permanentes, exclusividade e contrato mercantil. Conforme expõe Bugarelli (200, p. 531), os pontos fulcrais que caracterizam o contrato de franquia empresarial são, basicamente, 1. contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso, de duração; 2. entre empresas (dado o caráter de autonomia das partes, uma em relação à outra); 3. tendo como objeto a cessão do uso de marca (conjuntamente ou não com o produto, podendo este ser fabricado pelo franqueador) ou o título de estabelecimento ou nome comercial, co assistência técnica, mediante o pagamento de um preço que se pode designar pelo termo royalty); 4. com exclusividade ou delimitação territorial. Denota-se claramente que a doutrina brasileira desenvolve apenas o segundo elemento do conceito de franquia dado pelo artigo segundo Lei 8.955/94, aquele que descreve as operações envolvidas no negócio, como o uso de marca ou patente, o direito de distribuição, o direito de uso de tecnologia, e o direito de uso de sistema operacional. A primeira parte do conceito legal, que trata do contrato como sendo um sistema, é ignorado. De modo geral, parece haver um descompromisso no que diz respeito à cooperação entre os empresários. O novo capitalismo de aliança passa longe de qualquer consideração jurídica, o que causa prejuízo em qualquer raciocínio que se faça em termos obrigacionais. 5.3. A jurisprudência envolvendo o negócio de franquia (análise de um caso) Nos Tribunais de Justiça brasileiros o problema verificado na doutrina se repete. Não entra nas razões de decidir questões pertinentes à cooperação e à aliança que dá razão à existência das 17 redes comerciais. Exemplos transbordam na jurisprudência. Um caso emblemático foi julgado pelo Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, no qual um contrato de franquia de concessionária de automóveis da marca Fiat, sem prazo fixo estipulado, foi resolvido com base em uma cláusula contratual que previa uma mera notificação com antecedência de 30 (trinta) dias para tanto. A franqueada, devido à prejudicialidade extrema da cláusula, intentou ação visando a declaração da nulidade da mesma (processo nº 001/1.10.0254118-3. No CNJ o processo recebeu o nº 2541181-76.2010.8.21.0001). Na sentença de mérito, o Juiz argumentou que Os contratos impugnados trazidos aos autos contêm, de forma clara e expressa, todos os elementos contratuais essenciais à modalidade da franquia empresarial. Da mesma forma, não há qualquer vício na alteração sobre a vigência do contrato, de determinado para indeterminado. Assim, tenho não ser possível falar-se em nulidade, seja por simulação ou outro fundamento, vez que a autora não logrou êxito na demonstração de seu alegado direito. Interposto recurso pela franqueada (apelação cível nº 70049318918, CNJ nº 023848209.2012.8.21.7000), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que o contrato de franquia fora firmado por tempo indeterminado, autorizando a rescisão por interesse de qualquer das partes, bastando que a franqueadora notificasse devidamente a franqueada manifestando desinteresse na continuidade da relação contratual. E mais, referiu a Desembargadora Relatora do recurso que “O contrato de franquia é negócio de risco, mediante o qual há um investimento pelo franqueado visando à expectativa de lucro”. Nesse exemplo fica claro que o Poder Judiciário não capta os princípios basilares que norteiam a relação empresarial contida nas redes comerciais. Um contrato de rede comercial envolvendo concessionárias de automóveis possui altos valores de investimento, manutenção e fluxo de caixa, devido ao porte do estabelecimento comercial necessário, ao preço dos produtos vendidos e ao número de empregados necessários. Ademais, existem invariavelmente outros serviços agregados que devem ser obrigatoriamente absorvidos pelas concessionárias, como o serviço de oficina. De forma que o investimento em um negócio altamente custoso como uma concessionária de automóveis deve ser entendido pelos Tribunais em face de sua continuidade, preservado de cláusulas abusivas, como as que não fixam prazo mínimo de validade do contrato, não dando chance ao aderente da rede fazer uma mínima projeção de lucro. Ora, no negócio independente, fora das redes comerciais, tal insegurança não ocorre. Como aceitar que seja mais inseguro ao franqueado estar em rede ao invés de estar sozinho no mercado? Ademais, falar em risco em um contrato de rede comercial parece um tanto ilógico, pois quem adere a uma rede comercial quer justamente fugir dos inúmeros riscos que o negócio independente oferece, que são maiores que os riscos existentes dentro de uma rede. A lógica da rede impõe que não haja concorrência interna. Ao se aderir a uma rede, o comerciante adere a um grupo onde obviamente não pode haver a concorrência que há fora desse grupo. Esse é o objetivo básico da rede: identificação em grupo e crescimento coletivo para vencer a concorrência. Como se pode pensar em risco do negócio entre franqueador e franqueado, como afirmou o Tribunal gaúcho? O risco diz respeito à relação entre “franqueados de uma rede” e face de “franqueados de outra rede” ou em face dos “comerciantes que atuam de forma autônoma” no mercado. O paradigma contratual individualista, fruto do iluminismo e 18 dos seus Códigos de direito privados, não é adequado para as relações obrigacionais em rede, e é nesse ponto que deve ocorrer a virada para um novo direito comercial. A ação econômica em rede é uma realidade cada vez maior, e enquanto não for entendido do que se tratam as redes comerciais, o direito não será capaz de alcançar seu objetivo maior, de virtualizar a melhor sociedade possível. Pelo contrário, acabará desvirtualizando, como vem ocorrendo 8 sistematicamente com os negócios em redes comerciais . 6. CONCLUSÃO Mais uma vez é possível dar um passo adiante no desenvolvimento do direito comercial. A evolução que o atual Código Civil representou no Brasil unificando as obrigações privadas, pondo de lado a teoria do ato de comércio em face da teoria de empresa, é apenas o primeiro passo para atualizar o direito comercial aos eventos econômicos contemporâneos. Mas é uma tendência que já vem desde a década de quarenta do século passado, e muito aconteceu desde então com a economia capitalista. O paradoxo da unificação do direito obrigacional privado está na evidência de que as regras e disposições do direito civil para os contratos em geral não são totalmente aplicáveis aos contratos mercantis, ao contrário do que defendeu Reale. Nos atos comerciais em rede, as obrigações e responsabilidades são diferentes da usuais. Há um motivo especial para se investir na aderência a uma rede. O aderente (no exemplo utilizado, o franqueado) escolhe investir determinado valor para entrar em uma rede comercial e receber inúmeras experiências, ao contrário de se jogar livremente no mercado. O aderente também paga royaties ao formatador da rede e espera que o mesmo faça a gerência ou controle da mesma. A questão é que a ação em rede é coletiva e que a estratégia não está na concorrência interna, mas exatamente no contrário, na comunhão de esforços para concorrer com o ambiente externo à rede. O ambiente interno de uma rede comercial compõe-se de ações em que todos os indivíduos agem juntos para o bem grupo. O direito comercial realmente mudou desde a terceira revolução industrial, e a ação coletiva é uma realidade. É necessário agora dar início a uma leitura adequada das relações existente no interior das redes, de modo a se construir um direito coerente com as expectativas de quem atua de forma coletiva. Somente a partir da leitura adequada das expectativas em torno das redes é possível começar um debate jurídico em que realmente haja uma coerência entre economia e direito. A crítica que aqui se faz, calcada no contexto de um capitalismo de alianças, e posicionada a partir das fases de desenvolvimento do direito comercial e da lex mercatoria, visa a determinação de uma racionalidade jurídica adequada à forma que se desenvolve comércio contemporâneo a partir de redes. Segundo Rodriguez (2013, p. 160), Os modelos de racionalidade jurídica consistem em conjuntos de regras, cânones, conceitos ou padrões interpretativos, cujo objetivo é formar padrões para a justificação das sentenças por meio da imposição de determinados ônus argumentativos aos órgãos competentes para decidir casos judiciais. Os modelos de 8 Utiliza-se nessa perspectiva “virtual” as teorias desenvolvidas por Pierre Lévy. 19 racionalidade jurídica não dizem respeito à maneira pela qual o juiz chega à sua decisão (Dewey, 1924), mas sim à maneira pela qual ele apresenta publicamente, afinal, a justificação da decisão pode vir a vincular os julgamentos futuros que tratam de temas semelhantes. Rodriguez (2013) refere-se às regras que irão presidir a construção do texto justificador da decisão judicial, sem definir tais regras como as únicas possíveis, uma vez que diferentes decisões racionais podem resolver congruentemente o mesmo problema jurídico. A adoção de um padrão argumentativo que busca o “convencimento das partes na ação jurisdicional e dos cidadãos em geral” (Rodriguez, 2013, p. 162) pede, obviamente, que se entenda qual o tipo de ação se está tratando. No caso das redes comerciais, são ações coletivas, com expectativas, regras e estratégias próprias às ações coletivas. E o papel da teoria, ainda nas bases de Rodriguez (2013, p. 162), é “dizer se ocorreu uma boa ou má escolha decisória”. Como se pode ver, é preciso, em última análise, perceber a capacidade da própria teoria em entender um fenômeno, e a teoria da empresa certamente não está dando conta das redes comerciais. A pergunta de Rodriguez (2013, p. 163) sobre qual o critério adequado para discernir bons e maus modelos teóricos é um questionamento difícil de responder. Inobstante, arrisca-se afirmar que para definir o adequado direito das redes comerciais é preciso dar um mergulho em outras ciências diversas da jurídica, como a econômica e a administrativa, o que acaba conferindo uma grande dose de pragmaticidade para construção de uma teoria adequada ao direito comercial contemporâneo. REFERÊNCIAS Bugarelli, Waldirio. Direito Comercial. Atlas, São Paulo, 15. ed., 2000. Bugarelli, Waldirio. Contratos Mercantis. Atlas, São Paulo, 12. ed., 2000. Goldman, Berthold. Les frontieres du droit et lex mercatoria. Archives de Philosofie du Droit, n. 9, 1964. Castells, Manuel. A sociedade em rede. Paz e Terra, São Paulo, 2011. Coelho, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial : direito de empresa. Saraiva, São Paulo, 2007. Huck, Hermes Marcelo. Lex mercatoria-horizonte e fronteira do comércio internacional. 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