As obrigações dos distribuidores e comercializadores no abastecimento energético aos seus clientes Doutor Humberto Jorge Professor do Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores da FCTUC Investigador do INESC COIMBRA Resumo: Nesta comunicação apresentam-se os fundamentos da qualidade do serviço no abastecimento eléctrico nos três aspectos fundamentais que são: a continuidade de serviço (abastecimento), qualidade da onda de tensão (produto) e qualidade comercial (atenção e relação com o cliente). São também identificadas as responsabilidades no cumprimento da qualidade de serviço de energia, por parte dos distribuidores, pelas perturbações produzidas pelas instalações dos utilizadores, sendo apresentadas as situações em que se pode suspender o abastecimento de electricidade. Em caso de incumprimento da qualidade de abastecimento individual são indicadas as repercussões sobre as entidades responsáveis pelo abastecimento de energia eléctrica, nomeadamente no pagamento de compensações. Por últimos são identificados alguns dos novos serviços de valor acrescentado que as empresas distribuidoras e/ou comercializadores poderão utilizar para fidelizar os seus clientes. 1. Introdução A promoção de níveis de qualidade de serviço ao nível do sector eléctrico, é uma condição essencial não apenas para o bem estar e satisfação das necessidades das populações, mas também ao desenvolvimento da actividade económica, em condições de operação próximas das existentes em outros países. Só assim, é possível garantir um ambiente mais favorável ao funcionamento das empresas, de modo a que a sua produtividade e competitividade não sejam negativamente afectadas por uma qualidade do serviço eléctrico inferior. O Dec-Lei nº 182/95, de 27 de Julho, que estabelece as bases de organização do Sistema Eléctrico Nacional, determina, no seu artigo 63º, a publicação do Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS) relativo às actividades vinculadas de transporte e distribuição de energia eléctrica. O RQS visa estabelecer um quadro de relacionamento entre os operadores de redes e o consumidor, promovendo a melhoria dos serviços prestados pelos operadores de redes do sector, mediante a fixação de padrões mínimos de qualidade e de sanções para o seu incumprimento, estabelecendo os adequados mecanismos de actuação e de monitorização. A especificidade do abastecimento de energia eléctrica em redes que constituem monopólios naturais impõe a necessidade de regulação para estabelecer um adequado regime operacional e sancionatório. O RQS engloba disposições de natureza técnica e de natureza comercial, considerando-se nas primeiras os aspectos de continuidade de serviço e de qualidade da onda de tensão. Estas disposições podem variar com as circunstâncias locais de acordo com a classificação de zonas. Na avaliação da continuidade de serviço considera-se o número e a duração das interrupções, distinguido-se as interrupções previstas (programadas) e as imprevistas (acidentais). Na avaliação da qualidade da onda de tensão consideram-se as características de amplitude, de frequência, de forma da onda de tensão e de simetria do sistema trifásico. As disposições de natureza comercial regulam o relacionamento da entidade concessionária da RNT e dos distribuidores vinculados com os seus clientes, nomeadamente, nos aspectos de atendimento, informação, assistência técnica e avaliação da satisfação dos clientes. As vertentes de qualidade de serviço abrangidas pelo RQS podem, resumidamente, definir-se da seguinte forma: a continuidade de serviço é a dimensão da qualidade de serviço associada ao número e duração das interrupções de fornecimento de energia eléctrica; a qualidade da onda de tensão encontra-se relacionada, designadamente, com as características de amplitude, de frequência, de forma da onda de tensão e de simetria do sistema trifásico; a qualidade comercial está associada com a atenção que é prestada pelas empresas de distribuição de energia eléctrica ao relacionamento comercial com os seus clientes. A observância dos padrões de qualidade de serviço não isenta os clientes, para os quais a continuidade de serviço ou a qualidade da onda de tensão assumam particular importância, de instalar por sua conta, dentro de parâmetros de racionalidade económica, meios que possam minimizar as falhas, a fim de evitar prejuízos desproporcionados aos meios que os teriam evitado. O cliente poderá contratualmente optar por uma alimentação com um padrão de qualidade superior à estabelecida no RQS, mediante o pagamento dos respectivos encargos. De qualquer modo, o distribuidor vinculado deverá aconselhar o cliente, em termos gerais e na medida do possível, sobre o local, o tipo de alimentação e os equipamentos para a obtenção da qualidade de alimentação pretendida. As empresas distribuidoras e/ou comercializadoras poderão como meio de fidelizar os seus clientes oferecer diversos serviços de valor acrescentado. As áreas principais serão certamente três: manutenção das instalações eléctricas, utilização racional de energia e qualidade de energia. Esta última com especial ênfase na oferta de soluções reparadoras da qualidade de energia ou mesmo de oferta de um padrão de qualidade superior ao imposto pelo RQS. 2. Aspectos gerais do Regulamento da Qualidade de Serviço O actual RQS introduziu um conjunto de melhorias, em relação ao primeiro regulamento publicado em 23 de Junho de 2000, a diversos níveis: Alargamento das zonas onde os padrões de qualidade de serviço são mais exigentes; Aumento da exigência dos padrões de Qualidade de Serviço técnico e comercial; Adopção da filosofia de pagamento automático de compensações incumprimento; Compensações a pagar aos clientes são em média mais elevadas: Constituição de fundo para investimento na melhoria da qualidade de serviço. devidas por Tendo presente a liberalização do mercado, foi introduzido o princípio da equidade para os clientes do SEP e do SENV, assegurando-lhes igual tratamento, designadamente no respeitante à informação e ao pagamento de compensações por incumprimento dos padrões de natureza técnica. Além de outros melhoramentos diversos igualmente introduzidos, ao nível do relacionamento com os clientes, fixou-se a obrigação da revisão bienal do Regulamento, abrindo caminho para a sua adaptação a um mercado completamente liberalizado e futuramente alargado à dimensão ibérica introduzindo-lhe maior dinamismo e flexibilidade e possibilitando a sua maior adequação à realidade. Excluem-se do presente Regulamento as situações de incumprimento dos padrões de qualidade originadas por casos fortuitos ou de força maior, como sejam, nomeadamente, os que resultem da ocorrência de greve geral, alteração de ordem pública, incêndio, terramoto, inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa, sabotagem, malfeitoria e intervenção de terceiros devidamente comprovada. O regulamento para a qualidade de serviço estabelece os padrões mínimos de qualidade de natureza técnica e comercial, a que o serviço prestado pelas entidades do sistema eléctrico de serviço público (SEP) deve obedecer. Os padrões de qualidade de serviço podem ser de natureza geral, quando se referem à rede explorada pela concessionária da RNT, à rede ou zona de rede explorada por um distribuidor vinculado ou à totalidade dos clientes. São de natureza individual, quando se referem a um ponto de entrega a um cliente ou a um ponto de ligação de um produtor. A fiscalização integral do cumprimento do Regulamento da Qualidade de Serviço é responsabilidade da ERSE. O Regulamento da Qualidade de Serviço prevê a obrigatoriedade da entidade concessionária da RNT e dos distribuidores vinculados procederem à recolha e registo da informação necessária à verificação do cumprimento do regulamento. A verificação do cumprimento dos padrões de natureza técnica será feita com base num plano de monitorização, que permite identificar eventuais áreas de melhoria. Sempre que haja reclamações dos clientes, a entidade concessionária da rede ou os distribuidores, efectuarão as medidas complementares às previstas no plano de monitorização que se venha a revelar necessárias. Os clientes podem instalar, por sua conta, sistemas de registo de medida da qualidade de serviço devidamente selados e calibrados, constituindo meio de prova nas reclamações. A concessionária da RNT e os distribuidores vinculados devem publicar anualmente, até ao final do mês de Maio, relatórios de qualidade de serviço respeitantes ao ano anterior que incluam, nomeadamente, informação sobre as seguintes matérias: Indicadores de qualidade de serviço. Número e caracterização das reclamações apresentadas. Número e montante das compensações pagas. Número de clientes registados com necessidades especiais. Descrição das acções desenvolvidas para melhoria da qualidade de serviço. Relato do progresso de eventuais planos de melhoria. Os relatórios deverão ser enviados à DGE – Direcção Geral de Energia, à ERSE e ao Instituto do Consumidor. Com uma periodicidade anual, a ERSE publicará um relatório de qualidade de serviço relativo ao transporte e distribuição de energia eléctrica, tornando acessível ao público em geral. 3. Fundamentos da qualidade de serviço A qualidade da energia eléctrica fornecida aos utilizadores finais (consumidores) resulta de um conjunto características da mesma. A qualidade de serviço no fornecimento de energia eléctrica inclui três aspectos fundamentais: qualidade técnica ao nível da continuidade de serviço e qualidade técnica ao nível das características da onda de tensão; qualidade comercial. Qualidade técnica ao nível da continuidade de serviço - é caracterizada pelo número e duração das interrupções. Estes valores podem ser aferidos individualmente (por cliente) ou inseridos em padrões gerais perfeitamente definidos. O incumprimento dos valores padrão de qualidade definidos, pode levar a penalizações. Estas funcionam como um incentivo à procura de melhoria da qualidade. Qualidade técnica ao nível das características da onda de tensão - está a tornar-se um aspecto muito importante para distribuidores e clientes finais, principalmente os que possuem equipamentos sensíveis. O número de equipamentos vulneráveis às distorções da tensão está a aumentar, ao mesmo tempo que aumenta também o número de utilizadores finais com equipamentos sensíveis. Os parâmetros usados para definir a qualidade da forma de onda estão caracterizados na norma portuguesa NP EN 50160, para a média e baixa tensão. Qualidade comercial – prende-se com a qualidade do relacionamento entre um fornecedor e os seus clientes. Trata-se de um factor importante antes do cliente optar por um fornecedor (nos casos em que existe opção de escolha do mesmo), e começa no dia em que solicita informações ou um pedido de ligação. A qualidade comercial engloba um vasto conjunto de aspectos do relacionamento, mas apenas alguns são mensuráveis e reguláveis, como por exemplo o tempo decorrido para efectuar uma ligação, para responder a reclamações, o número de leituras executadas, o fornecimento de informação sobre os mais diversos aspectos eléctricos/comerciais, tempo de resposta do atendimento telefónico, etc. O não cumprimento dos factores de qualidade pode levar a penalizações do distribuidor e/ou comercializador ao cliente. A qualidade de serviço avalia-se através de indicadores e padrões de qualidade de serviço. Os indicadores permitem caracterizar e aferir o nível de desempenho técnico e comercial das empresas de transporte e distribuição de energia eléctrica num determinado período de tempo, normalmente um ano. Os padrões de qualidade de serviço estabelecem o nível mínimo de qualidade de serviço, associado a uma determinada vertente técnica ou do relacionamento comercial, que deverá ser assegurado pelas empresas de transporte e distribuição de energia. Os indicadores e padrões de qualidade de serviço podem ser de natureza Geral ou Individual. Geral, quando se referem ao nível de desempenho calculado para a totalidade dos clientes abrangidos, quer nos aspectos de carácter técnico, quer na vertente de relacionamento comercial. Individual, quando se referem ao nível de desempenho calculado para o ponto de entrega de energia eléctrica a cada cliente, quer nos aspectos de carácter técnico, quer na vertente de relacionamento comercial. Os indicadores de qualidade de serviço variam de acordo com o nível de tensão da rede à qual está ligado o cliente e os padrões de qualidade de serviço variam não só com o nível de tensão, mas também com a zona geográfica em que a instalação consumidora se situa. Em Portugal estão definidos 4 níveis de tensão: Baixa tensão, BT – Valores de tensão inferiores ou iguais a 1 kV. Média tensão, MT – Valores de tensão superiores a 1 kV e inferiores ou iguais a 45 kV. Alta tensão, AT – Valores de tensão superiores a 45 kV e inferiores ou iguais a 110 kV. Muito alta tensão, MAT – Valores de tensão superiores a 110 kV. No Regulamento da Qualidade de Serviço estão estabelecidas 3 zonas geográficas: Zona A: capitais de distrito e localidades com mais de 25 mil clientes, correspondendo a 25,3% dos clientes. Zona B: localidades com um número de clientes compreendido entre 2500 e 25 mil, correspondendo a 38,2% dos clientes Zona C: os restantes locais, correspondendo a 36,5%. Continuidade de Serviço As características de maior importância na continuidade de serviço são: Tipo de interrupção - planeada ou não. De salientar que as interrupções planeadas não contribuem para os valores mínimos da cumprir na continuidade de serviço. Apenas salientar que as interrupções planeadas e não correctamente anunciadas e avisadas devem ser consideradas como não planeadas. Duração das interrupções - longas ou curtas. O regulamento nacional considera as durações longas as superiores a 1 minuto. De salientar que para a EN 50160 apenas as interrupções superiores a 3 minutos se incluem nas interrupções longas. Nível de tensão - baixa, média, alta e muito alta tensão. Estes níveis de tensão são distintos no RQS português, existindo padrões diferentes para cada nível de tensão. Existem países nomeadamente na EU, onde apenas a baixa tensão (inferior a 1kV) é regulada. Indicadores de continuidade de serviço - número e duração das interrupções. No caso nacional os indicadores gerais a apresentar (anualmente) pela concessionária da RNT são: - Energia não fornecida (ENF), em MWh; - Tempo de interrupção equivalente (TIE), em minutos; - Frequência média de interrupções do sistema (SAIFI); - Duração média das interrupções do sistema (SAIDI), em minutos; - Tempo médio de reposição de serviço do sistema (SAIRI), em minutos. Cada entidade distribuidora deverá apresentar anualmente a caracterização da continuidade de serviço através dos indicadores gerais para as redes de média tensão e para as redes de baixa tensão. Para as redes de média tensão agrupadas de acordo com a classificação das zonas atrás descritas, com discriminação dos indicadores por interrupções previstas e acidentais, temos: - Tempo de interrupção equivalente da potência instalada (TIEPI), em horas por ano; - Frequência média de interrupções do sistema (SAIFI); - Duração média das interrupções do sistema (SAIDI), em minutos; - Energia não distribuída (END), em MWh. Em baixa tensão, para redes agrupadas com a mesma classificação das zonas, com discriminação dos índices por interrupções previstas e acidentais: - Frequência média de interrupções do sistema (SAIFI); Duração média das interrupções do sistema (SAIDI), em minutos. - Existem ainda os indicadores individuais que a concessionária da RNT deverá determinar, anualmente, para todos os pontos de entrega: - Frequência das interrupções; - Duração total das interrupções, em minutos. Estes índices agora apresentados não poderão exceder os valores indicados no regulamento, variando os mesmos com o nível de tensão e a zona onde estão inseridos. Deste modo os valores apresentados pelo regulamento tentam promover dois tipos diferentes de qualidade, a continuidade de serviço ao nível dos consumidores, apresentando valores individuais e a qualidade do sistema global, dependendo das performances do sistema em determinadas zonas. Os indicadores para rede de média tensão e baixa tensão, com excepção do indicador END, referentes a interrupções longas, não deverão exceder os seguintes valores anuais: Indicadores TIEPI (horas) Tensão MT MT SAIFI (Número) BT MT SAIDI (Horas) BT Zonas Geográficas Valores Máximos A B C A B C A B C A B C A B C 2 4 12 3 6 9 3 6 9 3 5 12 4 8 14 Na determinação dos indicadores anteriores só são consideradas as interrupções de fornecimento com duração superior a 3 minutos e cuja interrupção não seja devida a: Casos fortuitos ou de força maior. Razões de interesse público. Razões de serviço. Razões de segurança. Acordo com o cliente. Facto imputável ao cliente No Regulamento da Qualidade de Serviço estão definidos 2 padrões individuais de continuidade de serviço: Número de interrupções por ano. Duração total das interrupções. O padrão “número de interrupções por ano” estabelece o número máximo de interrupções que durante um ano se podem verificar em cada ponto de entrega. O padrão “duração total das interrupções” estabelece o valor máximo do tempo total das interrupções que se podem verificar durante um ano em cada ponto de entrega. Como apresentado nos quadros seguintes, os valores estabelecidos para os padrões variam de acordo com o nível de tensão (muito alta tensão - MAT, alta tensão – AT, média tensão – MT e baixa tensão - BT) e zona geográfica (Zona A, Zona B, e Zona C). Zona A Zona B Zona C BT 12 23 36 Nível de tensão MT AT 8 18 8 30 Duração total das interrupções (horas por ano) Zona A Zonas geográficas Zona B Zona C BT 6 10 20 Nível de tensão MT AT 4 8 4 16 Número de interrupções por ano Zonas geográficas MAT 3 MAT 0,75 Na determinação do valor do “número de interrupções por ano” e “duração total das interrupções” só são consideradas as interrupções de fornecimento com duração superior a 3 minutos e cuja interrupção não seja devida a: Casos fortuitos ou de força maior. Razões de interesse público. Razões de serviço. Razões de segurança. Acordo com o cliente. Facto imputável ao cliente. Qualidade da Onda de Tensão O termo Qualidade da Onda de Tensão depende de uma variedade de perturbações que podem ocorrer na onda de tensão. A qualidade da energia entregue ao consumidor é muito difícil de definir e de quantificar. É definida pela forma de onda da tensão sendo, no entanto, impossível controlar as correntes existentes nas cargas do consumidor. Esta qualidade não é apenas responsabilidade da rede de distribuição e transporte, dependendo também dos produtores e dos consumidores finais. Existe uma série de índices para qualificar a onda de tensão, mas em última instância serão sempre os equipamentos do consumidor a determinar a qualidade da mesma. A qualidade dum produto será a adequação ao uso. Assim, como individualmente os consumidores terão necessidades diferentes, a qualidade da forma de onda será avaliada por eles de maneira diferente. No RQS a entidade concessionária da RNT e cada um dos distribuidores deverão medir e monitorizar anualmente as tensões das redes que exploram de modo a determinar valores indicativos, das seguintes características da tensão: Frequência; Valor eficaz da tensão; Cavas de tensão; Tremulação (flicker); Desequilíbrio do sistema trifásico de tensões; Distorção harmónica. A importância da regulação da qualidade da forma de onda deve-se aos custos que a falta da mesma começa a ter em certos consumidores, principalmente os industriais. No RQS as características da tensão em BT e MT, são as indicadas na NP EN 50160. Em AT e MAT as características serão apresentadas numa Norma Complementar a aprovar nos termos do artigo 59º. Existem características da onda de tensão cuja qualidade poderá ser melhorada (ou mantida), com a colaboração dos próprios consumidores, dado que algumas das principais perturbações são causadas pelas instalações dos consumidores. Dado que o potencial impacto da fraca qualidade da onda de tensão está a crescer e que os equipamentos actuais tendem a diminuir ainda mais este tipo de qualidade, com consequências financeiras elevadas, o regulador terá de usar incentivos económicos para garantir níveis mínimos de qualidade. No RQS não existem sanções para incumprimentos dos níveis indicados nas normas, nem para os consumidores que provoquem perturbações na onda. O controlo e a verificação dos limites estabelecidos são realizados com base em planos de monitorização. Qualidade Comercial A qualidade comercial está directamente ligada ao relacionamento entre as entidades comercializadoras e/ou distribuidoras e os seus clientes. As relações não incluem só a venda de energia eléctrica, mas também indicadores como: Atendimento Informação aos clientes Clientes com necessidades especiais Indicadores gerais e avaliação da satisfação dos clientes Qualidade individual Todos estes indicadores dependem directamente ou indirectamente dos clientes e da sua participação. Assim é importante que as empresas coloquem à disposição dos clientes meios suficientes e diversificados para estes poderem fazer as suas solicitações, sugestões, opiniões e reclamações. Alguns destes indicadores são perfeitamente mensuráveis, e estão estabelecidos valores mínimos de qualidade comercial. Os padrões estabelecidos em alguns destes indicadores integram, de forma expressa o clausulado dos contratos de energia eléctrica, obrigando assim as empresas ao cumprimento dos mesmos. O incumprimento desses valores levará a penalizações das empresas em falta. Os distribuidores vinculados devem assegurar aos clientes informação rigorosa e actualizada, designadamente, sobre as seguintes matérias: Contratos de fornecimento; Opções tarifárias à disposição dos clientes: Serviços disponíveis; Apresentação e tratamento de reclamações; Padrões de qualidade de serviço e eventuais compensações devidas ao cliente pelo seu incumprimento; Modalidades de facturação e pagamento; Factos imputáveis aos clientes que podem justificar a suspensão do fornecimento de energia eléctrica e encargos associados à reposição do serviço. Os indicadores gerais de qualidade do relacionamento comercial e os respectivos padrões a observar são os que constam na seguinte tabela: Indicador Geral Padrão (%) Percentagem de orçamentos de ramais e chegadas em BT deverão ser elaborados até 20 dias úteis. 95% Percentagem dos ramais e chegadas em BT deverão ser executados até 30 dias úteis. 95% Percentagem de ligações à rede de instalações de BT deverão ser executadas até 2 dias úteis, após celebração do contrato de fornecimento de energia eléctrica. 90% Percentagem de atendimentos, nos centros de atendimento presencial, com tempos de espera até 20 minutos. 90% Percentagem de atendimentos, no atendimento telefónico centralizado, com tempos de espera até 60 segundos. 80% Percentagem de clientes com tempo de reposição de serviço até 4 horas, na sequência de interrupções de fornecimento acidentais. 80% Percentagem de reclamações apreciadas e respondidas até 15 dias úteis. 95% Percentagem de pedidos de informação, apresentados por escrito, respondidos até 15 dias úteis. 90% Percentagem de clientes de BT cujo contador tenha sido objecto de pelo menos uma leitura durante o último ano civil. 98% Os indicadores individuais de qualidade no relacionamento comercial, que têm subjacente o pagamento de compensações pelo não cumprimento dos respectivos padrões, são os indicados na tabela seguinte: Indicadores individuais Visitas às instalações dos clientes Padrões Cumprimento do intervalo de 3 horas combinado para a realização da visita Assistência técnica após Início da intervenção nos seguintes prazos máximos: comunicação, pelo cliente, de Clientes de baixa tensão (BT) - Zonas A e B - quatro avaria na sua alimentação horas; Zonas C - cinco horas individual de energia eléctrica. Restantes clientes - quatro horas Retoma do fornecimento de energia eléctrica após suspensão do serviço por facto imputável ao cliente Retoma do fornecimento nos seguintes prazos máximos: Tratamento de reclamações Até às 17 horas do dia seguinte àquele em que se verificou a regularização da situação, no caso dos clientes de BT No período de 8 horas, a contar do momento de regularização da situação, para os restantes clientes No prazo máximo de 15 dias úteis: relativas a facturação ou cobrança Tratamento de reclamações relativas às características técnicas da tensão Comunicação da apreciação da reclamação ou da decisão de suspender o prazo de pagamento da factura Proposta de realização de uma reunião destinada a promover o esclarecimento do assunto Resposta ou visita às instalações do cliente, no prazo máximo de 15 dias úteis Tratamento de reclamações Visita às instalações do cliente no prazo máximo de 15 relativas ao funcionamento do dias úteis equipamento de contagem 4. Compensações definidas pelo Regulamento de Qualidade de Serviço Sempre que se verifique o incumprimento dos valores indicados para os padrões individuais de qualidade relativos à continuidade de serviço ou para os padrões individuais de qualidade de natureza comercial, os clientes dos distribuidores vinculados têm direito a compensações. Quando há lugar ao pagamento de compensações, o distribuidor vinculado deve comunicar essa informação ao cliente e proceder ao crédito de modo automático do valor da compensação. Se for por incumprimento do padrão individual de qualidade relativo à continuidade de serviço o pagamento deve ser efectuado na facturação do primeiro semestre seguinte ao do ano civil a que a compensação se reporta. No caso de incumprimento dos padrões de individuais da qualidade de relacionamento comercial, a informação e o pagamento deverá ser processado na primeira factura após terem decorridos 45 dias úteis contados a partir da data em que ocorreu o facto que fundamento o direito à compensação. Para valores de compensações individuais inferiores a 2,5 euros para os consumidores alimentados em Baixa Tensão e 5 euros para os restantes consumidores, não são feitos os pagamentos aos consumidores, revertendo as quantias devidas para um fundo de reforço dos investimentos para melhoria da qualidade de serviço das zonas afectadas criado pelo RQS. Este fundo deverá ser utilizado para a melhoria das condições da qualidade de serviço em zonas específicas, onde esta apresente valores abaixo dos mínimos regulamentados. No RQS os padrões de qualidade de serviço a observar e as respectivas compensações a pagar pelos distribuidores vinculados variam de acordo com zonas geográficas. Na factura de energia eléctrica, é indicada a classificação da zona geográfica (correspondente à localidade onde se encontra a instalação consumidora) por baixo do espaço "comunicação de leituras". Os distribuidores vinculados não estão obrigados a compensar os seus clientes nas seguintes situações: Casos fortuitos ou de força maior. Impossibilidade de aceder às instalações do cliente, caso o acesso se revele indispensável ao cumprimento dos padrões individuais de qualidade. Não disponibilização pelo cliente da informação mínima indispensável ao tratamento das reclamações. Inobservância, pelo cliente, dos procedimentos definidos regulamentarmente para solicitação de serviços ou apresentação de reclamações. No caso de instalações de utilização classificadas como eventuais, ou seja, instalações estabelecidas com o fim de realizar, com carácter temporário, um evento de natureza social, cultural ou desportiva. O valor das compensações quando se ultrapassa o número de interrupções é dado pela expressão: CN = (NI - NIP) x FC em que: CN - Valor da compensação em Euros; NI - Número de interrupções longas no ponto de entrega a clientes, reportado ao último ano civil; NIP - Valor padrão do número de interrupções longas; FC - factor de compensação como os seguintes valores: € 1,00 no caso de clientes de baixa tensão, com potência contratada inferior ou igual a 20,7 kVA; € 5,00 para os restantes clientes de baixa tensão; € 20,00 para os clientes de média tensão; € 100,00 para os clientes de alta e muito alta tensão. O valor das compensações quando se ultrapassa a duração total das interrupções é dado pela expressão: CD = (DI - DIP) x PC x KC em que: CD - Valor da compensação em Euros; DI - Duração total, em horas, das interrupções longas no ponto de entrega a clientes, reportado ao último ano civil; DIP - Valor padrão, em horas, da duração das interrupções longas; PC - Valor médio da potência contratada durante o último ano civil em kW; KC - factor de compensação como os seguintes valores: 35 cêntimos de euro para clientes BTN; 30 cêntimos de euro para clientes BTE; 28 cêntimos de euro para clientes MT; 16 cêntimos de euro para clientes AT e MAT; Quando não é verificado um dos padrões individuais de qualidade no relacionamento comercial, o cliente pode reclamar o pagamento da seguinte compensação: € 15,00 para os clientes em BT com potência contratada até 20,7 kVA. € 25,00 para os restantes clientes de BT. € 75,00 para os restantes clientes. 5. Responsabilidades no cumprimento da Qualidade de Serviço As disposições do Regulamento da Qualidade de Serviço aplicam-se às seguintes actividades: Fornecimento de energia eléctrica aos clientes do SEP; Fornecimento de energia eléctrica a entidades titulares de licença vinculada de distribuição (distribuidores vinculados); Prestação de serviços de transporte e distribuição de energia eléctrica pelas entidades do SEP; Produção e utilização de energia por entidades com instalações fisicamente ligadas ao SEP. As entidades abrangidas pelo RQS são: a REN (entidade concessionária da rede nacional de transporte); os distribuidores vinculados; os clientes do SEP; os produtores do sistema eléctrico independente (SEI) e os clientes não vinculados, com instalações fisicamente ligadas às redes do SEP. As entidades com instalações fisicamente ligadas ao SEP são responsáveis pelas perturbações por si causadas no funcionamento das redes SEP ou nos equipamentos de outros clientes, cabendo-lhes o pagamento dos prejuízos. A entidade concessionária da RNT e os distribuidores vinculados devem manter vigilância sobre a evolução das perturbações nas respectivas redes, podendo aconselhar os produtores e os clientes sobre a melhor forma de limitar, ao nível permitido, as perturbações emitidas. As instalações de produção, não sujeitas a despacho e ligadas fisicamente ao SEP, devem obedecer às condições técnicas de ligação à rede constantes do Regulamento da Rede de transporte ou do Regulamento da Rede de Distribuição e do respectivo contracto de compra e venda de energia eléctrica. Quando as condições do produtor causarem perturbações na rede a que está ligado, a entidade exploradora dessa rede fixará um prazo para a correcção da anomalia, podendo, no entanto, desligar aquelas instalações da rede quando a gravidade da situação o justifique dando conhecimento do facto à DGE e à ERSE. As instalações dos clientes não devem produzir perturbações na rede do SEP que excedam os padrões estabelecidos para os indicadores de qualidade de serviço definidos no RQS ou que excedam o estabelecido nos contratos de fornecimento de energia eléctrica. A entidade do SEP responsável pelo fornecimento ou entrega de energia eléctrica a um cliente pode interromper o serviço prestado quando a gravidade da situação o justifique ou quando o cliente não elimine, nos prazos acordados entre a entidade do SEP e o cliente, as causas das perturbações emitidas. Embora não assuma o carácter de compensação, os clientes podem ser chamados ao pagamento de algumas quantias à entidade com que se relacionam comercialmente nas seguintes situações: Quando o cliente não se encontra na sua instalação consumidora durante o período acordado para a realização de uma visita. Quando se verifica que a avaria comunicada pelo cliente se encontra na sua instalação e é de sua própria responsabilidade. Quando o cliente solicita a reposição de serviço com carácter de urgência após a regularização da situação que motivou a interrupção. Os valores para cada uma das três situações anteriormente referidas são fixados pela ERSE, mediante proposta do distribuidor vinculado. 6. Oferta de Serviços de Valor Acrescentado As empresas distribuidoras e/ou comercializadoras poderão como meio de fidelizar os seus clientes oferecer diversos serviços de valor acrescentado. As áreas principais serão certamente três: manutenção das instalações eléctricas, utilização racional de energia e qualidade de energia. Esta última com especial ênfase na oferta de soluções reparadoras da qualidade de energia ou mesmo de oferta de um padrão de qualidade superior ao imposto pelo RQS. 7. Conclusão A necessidade de melhoria dos padrões de qualidade de energia implica que todos os envolvidos no sistema eléctrico, desde os produtores até aos consumidores, procurem soluções e novos processos de modo a evoluir-se no sentido da optimização do produto final. A abertura dos mercados, a liberalização, a concorrência, obriga que as várias entidades reguladoras tendam a uniformizar os padrões de qualidade existentes nos diversos países. A criação, a curto prazo, no caso nacional, do mercado ibérico da energia (MIBEL) implica que a tentativa de aproximar os valores padrão e os índices da qualidade da energia (aos existentes em Espanha) se faça ainda com maior rapidez, para haver uma clareza de processos, valores de equidade e semelhança de métodos quando entrar em funcionamento o MIBEL. Assim, e com o novo RQS deu-se um passo importante, abrindo-se a porta para o futuro próximo. A questão da monitorização, das medições, das auditorias, da fiscalização e das sanções a impor é uma questão importante que tem implicações na definição rigorosa das a reais causas das falhas de qualidade na energia. O regulamento dá ao regulador e aos elementos constituintes do sistema eléctrico uma ferramenta para se melhorar os padrões de qualidade de serviço. Cabe agora a todos, efectivamente, tentar cumprir os valores impostos e mesmo melhora-los, sabendo que a melhoria da qualidade de serviço é um factor positivo para todos os intervenientes, sem exclusão. A oferta de serviços de valor acrescentado na vertente das soluções reparadoras da qualidade de energia, a usar em instalações onde os níveis de exigência de qualidade são mais elevados, vem ao encontro da melhoria da qualidade apenas para quem mais precisa evitando soluções ao nível das redes bem mais dispendiosas. 8. Fontes Bibliográficas Regulamento da Qualidade de Serviço - Despacho da DGE - Fevereiro 2003. NP EN 50 160, "Características da tensão fornecida pelas redes de distribuição pública de energia eléctrica", 1995. R.C. Dugan, M.F. McGranaghan, S. Santoso, H.W. Beaty, "Electrical Power System Quality", Second edition, McGraw-Hill, 2002 EDP, www.edp.pt ERSE, www.erse.pt.