[OPINIÃO] Altamiro Borges*: A retomada das greves no Brasil

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Publicado em Quinta, 16 Outubro 2008 21:00
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O intenso noticiário sobre a crise mundial retirou das manchetes outro tema quente da atualidade: o da retomada das
greves no país. Nos últimos dias, várias categorias paralisaram suas atividades para exigir aumento salarial e outros
benefícios sociais. O Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese) ainda não
divulgou o seu balanço, mas tudo indica que é a maior onda grevista dos últimos anos. Acuados durante o triste
reinado de FHC e tímidos no primeiro mandato de Lula, os trabalhadores voltam à ofensiva para reivindicar os seus
direitos.
Somente neste início de outubro, categorias de peso aproveitaram suas datas-base para
cruzar os braços. Os bancários decretaram greve nacional exigindo reajuste de 13,23% 7,15% de inflação e 5% de aumento real – e Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de
três salários.
Piquetes e passeatas agitaram as principais cidades, inclusive enfrentando a repressão
policial. Os sindicatos da categoria calculam que 250 mil bancários aderiram à greve. Os
bancos, que batem recordes de lucratividade, estão intransigentes e há um visível clima de
radicalização do movimento.
Metalúrgicos, policiais e outros
Outro setor estratégico que paralisou suas atividades foi o dos metalúrgicos da capital
paulista. A entidade da categoria, bastião da Força Sindical, exige 20% de reajuste e o fim
da terceirização. Alega que o setor obteve elevados lucros com o crescimento da economia
e exige a “socialização das riquezas”. A greve se dá por empresas e setores do ramo
metalúrgico. Na semana passada, mais de 11 mil operários pararam.
Após um período de negociações positivas, o patronato agora retrocedeu sob a desculpa da
“crise mundial”. Os 55 sindicatos da categoria no estado, ligados à Força Sindical e que
representam 750 mil metalúrgicos, prometem engrossar a campanha.
Mais explosiva ainda é a greve da Polícia Civil de São Paulo. Na semana passada, cerca de
1.500 agentes ocuparam a Avenida Paulista, num dos maiores protestos de policiais da
história. “Você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”, cantaram os grevistas
atacando o governador José Serra.
Num cartaz se lia: “Sabe o que significa PSDB? Pior Salário Do Brasil”. Em várias delegacias
da capital e do interior, a ordem era atender apenas os casos graves, como homicídios e
roubos. A categoria reivindica 15% de reajuste, mas o governo tucano ofereceu apenas
6,2%.
Meses “vermelhos” de datas-base
Outras categorias em movimento também foram menosprezadas pela mídia. Os
funcionários dos Correios podem voltar a cruzar os braços nesta semana, na terceira greve
geral da categoria neste ano. A Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) regateou no plano
de cargos e salário e ofereceu reajuste de apenas 6,3%.
Já os ferroviários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos estão em estado de greve.
A CPTM se recusa a atender a reivindicação histórica da categoria do plano de cargos e
salários. E os marítimos discutem nesta semana a possibilidade da greve no setor. Há três
meses a categoria tenta, sem sucesso, fechar acordo com as empresas prestadoras de
serviço.
Os meses de setembro e outubro concentram importantes datas-base de categorias. No
período de retomada e ascenso do sindicalismo, nos anos 80, eles foram rotulados pela
mídia burguesa como meses “vermelhos”, devido à incidência das greves. Com a explosão
do desemprego, a regressão neoliberal e a reestruturação produtiva, nos anos 90, as
paralisações sumiram da mídia.
Agora, porém, ressurgem e confirmam a tendência recente de fortalecimento do movimento
sindical. Já nos meses de junho e julho ocorreram várias greves no setor público, como na
Agencia Nacional de Vigilância Sanitária e no Ministério da Fazenda. Os operários da
Petrobras também pararam.
As razões da onda grevista
Vários fatores explicam esta retomada das greves, mas dois se destacam. O primeiro é
político. Reflete a existência de um governo democrático, que não criminaliza os
movimentos sociais e até incentiva suas ações. Num discurso na Confederação Nacional dos
Metalúrgicos, o presidente Lula afirmou que não era justo somente as empresas lucrarem
com o crescimento da economia e o aumento da produtividade.
Ele lançou a bola para o sindicalismo chutar a gol. Bem diferente da postura ditatorial de
FHC, que inaugurou o seu triste reinado reprimindo a greve dos petroleiros, em maio de
1995, com o objetivo confesso de “quebrar a espinha dorsal do sindicalismo”.
O segundo fator, mais determinante, foi o crescimento da economia nos últimos dois anos.
Como ensinaram Marx e Engels, o sindicalismo ganha ímpeto nas fases de crescimento.
Com a redução do desemprego e o aumento da demanda por produtos, os trabalhadores
adquirem maior poder de barganha e maior confiança nas suas forças.
Já nos períodos de crise, o sindicato se mostra mais impotente, revelando a sua natureza de
instrumento defensivo. “A dinâmica histórica entre os ciclos da economia capitalista e os
movimentos operários comprova a total submissão da prática sindicalista à lógica do
movimento do capital, a sua vinculação estrutural às flutuações cíclicas da economia
capitalista”, explica Giovanni Alves no livro “Limites do sindicalismo”.
A crise e a chantagem do capital
No ano passado, muitas empresas preferiram evitar o confronto e cederam reajustes
superiores à inflação já na mesa de negociação. Segundo pesquisa do Dieese, ocorreram
316 greves no país, totalizando 29 mil horas paradas, sendo que 51% das paralisações
aconteceram no setor público.
Num cenário econômico mais favorável, 87% das categorias arrancaram aumento real de
salário, fato inédito nos últimos anos. Vários sindicatos também rejeitaram acordos que
impunham banco de horas e outras formas de precarizaçao, revelando maior poder de
pressão. Fruto deste ascenso houve reversão no processo de queda da taxa de
sindicalização – ela subiu de 16% para 18%.
Com a grave crise da economia capitalista, os “bons ventos” podem sumir. Várias
empresas, que lucraram como nunca no período recente, agora fazem chantagem com a
recessão deflagrada nos EUA. As negociações já tomaram outro rumo, com o patronato
endurecendo a sua postura. Isto explica a eclosão de tantas greves nas últimas semanas.
Não dá mesmo para cair no jogo sujo do capital. Na fase de crescimento, eles privatizam os
lucros; na crise, socializam os prejuízos. Até como forma de enfrentar a crise é preciso
aquecer o mercado interno, o que exige a valorização dos salários, a redução de jornada de
trabalho e a superação da precarizaçao do trabalho.
(*) Jornalista, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo"
(Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)
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