Artigo Estadão - Fernando Reinach

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Querido, a outra pista esta andando mais rápido
Entre os aborrecimentos de um congestionamentos está a certeza que escolhemos a faixa mais lenta. Mas
basta mudar de pista para descobrir que a lentidão nos acompanha. Foi o que ocorreu sexta feira. Com
mulher, filho e cachorro dormindo no banco traseiro fiquei a imaginar o porque desta ilusão. Descobri uma
explicação, mas a felicidade durou pouco. Meia hora foi suficiente para descobrir que em 1999 dois
cientistas haviam proposto uma teoria semelhante.
Nossos olhos apontam na direção em que caminhamos. Objetos à nossa frente surgem pequenos e a medida
que nos aproximamos ocupam uma área maior no campo visual. Finalmente passam à nossa direita ou à
esquerda e somem. Durante milhões de anos nosso sistema visual foi selecionado para acompanhar este
fluxo contínuo de objetos que surgem, se aproximam e desaparecem. É o que observamos quando dirigimos
solitários em uma estrada. É a rotina de nosso sistema visual. Mas algumas vezes, mesmo quando nossos
ancestrais caminhavam na savana, um objeto se aproximava por trás e surgia repentinamente, já enorme, na
lateral de nosso campo visual. Estes objetos relativamente raros, geralmente representavam ameaças (um
leão?), exigiam atenção, e induziam um estado de alerta. Não é a toa que achamos desagradável viajar nas
cadeiras viradas para o final do trem. Todos os objetos que passam pela janela parecem vir de trás.
Em uma estrada congestionada, os carros que ultrapassamos se comportam de maneira normal, surgem
pequenos, aumentam e desaparecem na nossa lateral. Já os carros que nos ultrapassam surgem
repentinamente, grandes, na lateral de nosso campo visual e diminuem à medida que se distanciam.
Imagine uma estrada com diversas pistas. Por vezes observamos os carros que ultrapassamos, em outros
momentos somos ultrapassados. Se na média todas as pistas progridem na mesma velocidade, o número de
carros que ultrapassamos é igual ao número de carros que nos ultrapassam. A ilusão surge porque nosso
cérebro animal presta mais atenção nos carros que se aproximam por trás, animais ameaçadores, e estes,
apesar de serem tão freqüentes quanto os que ultrapassamos, acabam induzindo um estado de alerta
inconsciente e provocando a sensação que estamos sendo ultrapassados mais freqüentemente do que
ultrapassamos. O resultado final é a ilusão que estamos na pista mais lenta.
A explicação alternativa, proposta em 1999, se baseia na distância entre carros e como ela varia em função
da velocidade da fila. Quando ultrapassamos outros carros, por estarem mais lentos, eles estão mais
próximos uns dos outros. Por outro lado quando somos ultrapassados a fila que nos ultrapassa esta mais
rápida e os carros mais separados entre si. Devido a este efeito sofremos a ilusão de que o tempo que
observamos 10 carros sendo ultrapassados é menor que o tempo que observamos 10 carros nos
ultrapassando. Esta diferença na duração aparente dos dois fenômenos seria a responsável pela impressão de
que estamos sendo ultrapassados mais freqüentemente. Isto levaria o cérebro a acreditar que estamos na
pista mais lenta.
As duas explicações são baseadas em “erros de processamento” da informação visual. Nos dois casos o
responsável pela ilusão é nosso cérebro animal, selecionado durante milhões de anos por melhorar nossas
chances de sobreviver nas savanas africanas, que repentinamente se vê forçado a compreender carros e
congestionamentos.
Mais informações em: Why cars in the next lane seem to go faster. Nature vol. 401 pag. 35 1999
Fernando Reinach ([email protected])
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