Inquérito Policial No 121 / 97 - Centro de Apoio Operacional das

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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA
COMARCA DE UMUARAMA-PR
“É preferível antecipar a esperança da vida
do que abreviar o caminho da morte”
(Rel. Des. Gaspar Rubik
Agravo de Instrumento 9872/TJSC)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por
seu agente ao final subscrito, em exercício junto à 5a Promotoria de
Justiça de Umuarama, cujo endereço consta no rodapé desta peça, onde
pode ser pessoalmente intimado, agindo na tutela de interesse
indisponível de ROZILENI ALVES MORENO, brasileira, auxiliar
administrativo, casada, nascida em 27 de abril de 1974, natural de ToledoPR, filha de Luciano Onofre Peres Moreno e Marilene Alves Moreno,
residente em uma chácara ao lado do Parque Arco Íris, próximo ao final
da rua H, Umuarama, Paraná, telefone: (044) 626 7908 ou 622 1870
comercial, nesta Comarca, vem à presença de Vossa Excelência, com
fundamento nos artigos 1º, inciso III, 5°, caput e incisos XXXV, 6°, caput,
196, caput, 197, caput, da Constituição Federal; 120, inciso II, da
Constituição do Estado do Paraná; 1º, 27 e 32, inciso I, da Lei Federal nº
8.625/93; 1º e 67, § 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 85/99; 1º, 2º, 5º,
12, inciso XVIII, 38, inciso IV, da Lei Estadual nº 13.331/01; 2°, 4°, 5°, 6º,
inciso I, alínea ‘d’, 7°, 15, 43 da Lei Federal n° 8.080/90 e ainda 2º,
parágrafo único, alínea ‘d’, da Lei Federal nº 8.212/91, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
E MULTA COMINATÓRIA em face do
ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno ora
representado pelo senhor Procurador-Geral do Estado, doutor Sérgio
Botto de Lacerda, com endereço na Rua Conselheiro Laurindo, n.º 561,
CEP 80.060-100, Centro, Curitiba-PR, pelos motivos de fato e de direito
que, a seguir, deduz;
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
I - LEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
I.I Relevância pública dos serviços de saúde
A Constituição Federal ampliou o campo de atuação do
Ministério Público, atribuindo-lhe, no art. 127, a incumbência da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. Em seu art. 129, elencou as funções
institucionais do parquet, entre as quais:
“Art. 129 São funções institucionais do
Ministério Público:
I – (...)
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública
aos
direitos
assegurados
na
Constituição,
promovendo
as
medidas
necessárias
a
sua
garantia;
(...)
III – promover o inquérito civil público e a
ação
civil
pública,
para
a
proteção
do
patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
(...)”
O art. 120 da Constituição do Estado do Paraná, por sua
vez, reproduz o acima enunciado nos incisos II e III, acrescendo ao rol de
atividades do MP o contido no inciso XI:
“Art. 120 São funções institucionais do
Ministério Público:
(...)
XI
–
receber
petições,
reclamações,
representação ou queixas de qualquer pessoa por
desrespeito
aos
direitos
assegurados
na
Constituição Federal e nesta, promovendo as
medidas necessárias à sua garantia;
(...)
No mesmo sentido, tem-se a incumbência conferida ao Parquet
pelo art. 57, V, da Lei Complementar n.º 85/99 (Lei Orgânica do Ministério
Público do Paraná):
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
“Além das funções previstas na Constituição
Federal, na Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público, na Constituição Estadual e em outras
leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
(...)
V
–
promover
a
defesa
dos
direitos
constitucionais do cidadão para a garantia do
efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos
prestadores
de
serviços
de
relevância
pública...;”
É importantíssimo recordar que a Carta da República
faz apenas uma única alusão expressa a serviços de relevância
pública, e o faz no art. 197 que trata justamente das ações e serviços
públicos de saúde.
A Carta Federal não deixa qualquer dúvida, também, a
respeito da natureza jurídica da saúde, um direito social (art. 6°),
definindo-a expressamente, ainda, como um serviço de relevância pública
(art. 197), cujo traço distintivo em face de qualquer outro, sem tal
qualificação, repousa basicamente na essencialidade do seu objeto.
Em se tratando de saúde, tal objeto liga-se visceralmente à
existência e sobrevivência humanas e é daí, precisamente, que exsurge
para o Estado, o dever-poder de prestá-lo e garanti-lo, no interesse de
cada um e da sociedade como um todo, que lhe atribui importância
diferenciada.
A análise semântica das palavras que compõem a
expressão “relevância pública”, permite afirmar que relevância é a
qualidade do que releva, ou seja, indica tudo “aquilo que se destaca em
escala comparativa ou de valores; importância ou relevo”; e público, por
sua vez, diz-se, entre outras coisas, do que é “relativo ou pertencente a
um povo, a uma coletividade”. Logo, da simples combinação gramatical
dos termos sob análise, pode-se concluir que relevância pública refere-se,
grosso modo, a tudo o que uma determinada comunidade exalta como
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sendo algo de extremo significado, com elevado grau de importância e
estima para o conjunto de seus membros.
Albergando tal raciocínio no contexto constitucional,
percebe-se que a CF contém inúmeros princípios jurídicos (implícitos e
explícitos) que, sob a perspectiva que aqui interessa, nada mais
representam do que a juridicização dos valores considerados mais
meritórios pela síntese da vontade nacional, expressa na própria Carta
Federal, e que reclamam especial atenção e proteção do Estado, com o
intuito de possibilitar a conquista dos objetivos traçados para a República
Federativa do Brasil (art. 3°, CF). Muitos dos serviços que visam a dar
concretude aos valores destacados pela ordem constitucional não são,
entretanto, expressamente qualificados como de relevância pública, mas
nem por isso deixam de caracterizar-se como essenciais e determinantes
na formulação e execução das denominadas políticas públicas, além do
que implicam, por conseguinte, no respectivo dever de zelo que ao
Ministério Público foi atribuído pelo art. 129, II da CF.
Antonio Augusto Mello de CAMARGO FERRAZ e Antonio
Herman de Vasconcelos e BENJAMIN, no artigo intitulado “O conceito de
relevância pública na Constituição Federal” (In: Série Direito e
Saúde/OPAS/OMS. N. 1, Brasília: OPAS, 1992. P. 29-39) apresentam
uma síntese interessante acerca do significado da expressão “relevância
pública”, inserta na CF:
“... pensamos que seja possível desde logo
estabelecer que a expressão “relevância pública”
nos arts. 129, II e 197 da Constituição Federal
está a significar: a qualidade de “função
pública”, como verdadeiro dever-poder, que regra
a garantia da saúde pelo Estado; a natureza
jurídica de direito público subjetivo da saúde,
criando
uma
série
de
interesses
na
sua
realização – públicos, difusos, coletivos e
individuais
homogêneos;
o
limite
da
indisponibilidade, tanto pelo prisma do Estado
como do próprio indivíduo, do direito à saúde; a
idéia de que, em sede do art. 197, o interesse
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primário do Estado corresponde à garantia plena
do direito à saúde e as suas ações e serviços,
sempre secundários, só serão legítimas quando
imbuídas
de
tal
espírito;
o
traço
de
essencialidade que marca as ações e serviços de
saúde.”
Vê-se, então, que o fato das ações e serviços de saúde
terem sido explicitamente qualificados como de relevância pública na CF,
não deixa espaço para qualquer discussão acerca de sua essencialidade
e, da mesma forma, impõe aos agentes do Estado que atuem
diligentemente na prestação de tais atividades, a fim de que sejam aptas,
em quantidade e qualidade, a realizar o direito subjetivo que lhe
corresponde.
O contexto apresentado permite evidenciar, portanto, que o
Ministério Público é o responsável em promover as medidas necessárias
para a restauração do respeito dos poderes públicos aos direitos
constitucionalmente assegurados, de forma que clara é sua legitimidade
postulatória nos casos em que o próprio poder público figura como
patrocinador de lesão a interesse social e/ou individual indisponível, o que
faz por meio do instrumento processual que se apresente como mais
adequado para o caso, dada a redação aberta da norma inserta no art.
127 da Carta Federal.
I.II O direito à saúde como interesse indisponível
Além de configurar prestação de serviço de relevância
pública, o que por si só já justificaria a atuação do Ministério Público,
ainda é de se notar que a saúde é direito indisponível do cidadão. A saúde
é elemento essencial ao gozo da vida e seria difícil vivê-la na doença.
A Magna Carta em vigor, ampliando o campo de atuação
do Ministério Público, atribuiu-lhe a incumbência da defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
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indisponíveis (art. 127, caput), ao mesmo tempo em que, dentre outras
funções institucionais, confiou-lhe o zelo pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos nela
assegurados, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (art.
129, inciso II). No mesmo sentido é o art. 120, inciso II, da Constituição
Estadual.
Diante desse contexto constitucional, extrai-se que o
parquet, de modo genérico, pode e deve promover todas as medidas
necessárias – administrativas e/ou jurídicas - para a restauração do
respeito
dos
poderes
públicos
aos
direitos
constitucionalmente
assegurados aos cidadãos – mormente os direitos fundamentais – mesmo
que no plano individual, desde que se trate de direito indisponível.
A vida e a saúde são os direitos mais elementares do ser
humano, pressupostos de existência dos demais direitos, adequando-se
na categoria de direitos individuais indisponíveis, razão pela qual merece
especial cuidado, sobretudo no caso sub judice – quando se trata de
recusa de fornecimento de medicamento - que atinge diretamente a saúde
do favorecido, até a sua vida, comprometendo-a sobremaneira.
Com estas considerações, conclui-se que compete ao
Ministério Público a defesa dos interesses individuais indisponíveis. A
prestação de saúde ao cidadão é dever do Estado e constitui direito
indisponível, sendo pressuposto indissociável ao direito máximo de todo o
cidadão, a vida. Mesmo que se entender como interesse disponível, a
prestação de meios à manutenção da saúde, incluindo-se aí o
fornecimento de remédios, é um serviço público essencial (muito mais do
que relevante) assegurado constitucionalmente, e por isto, deve ser
tutelado pelo Ministério Público por imposição do artigo 129, inciso II, da
Constituição Federal.
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II - DA LEGITIMIDADE PASSIVA / DA RESPONSABILIDADE DO
GESTOR ESTADUAL NO ÂMBITO DO SUS
A Política Nacional de Medicamentos disciplina que a
competência para o fornecimento de medicamentos os divide em básicos,
excepcionais e especiais. Os primeiros cabem ao Município, que recebe
por cada habitante o repasse do Ministério da Saúde para aquisição de
uma lista mínima de 40 medicamentos básicos, afetos à atenção básica,
porém cabe ao Município, com seus próprios recursos, ampliar a referida
lista considerando sua habilitação no sistema e o perfil epidemiológico de
seus munícipes.
Os medicamentos excepcionais, da competência do
Estado, são tidos como medicamentos de uso contínuo e ininterrupto,
afetos às clínicas especializadas e evidentemente mais caros. Por fim, os
medicamentos especiais, da competência da União, cujo exemplo clássico
é a lista de medicamentos para imunodeficiência primária adquirida –
AIDS.
Os medicamentos excepcionais e especiais são adquiridos
pelas instâncias competentes e remetidas aos Municípios e às Delegacias
Regionais de Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde, após
solicitação planejada e formalizada.
Aqueles prescritos ao tratamento do diabetes são todos
excepcionais e, conseqüentemente, hão de ser fornecidos pela Secretaria
de Estado da Saúde. Especificamente, o fornecimento dos medicamentos
relacionados ao diabetes faz parte do programa HIPERDIA do Ministério
da Saúde, que se dirige à prevenção e tratamento da hipertensão arterial
e ao diabetes. A respeito deste programa juntamos em anexo o Plano de
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Reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus,
que constitui verdade protocolo de atuação na prevenção e tratamento
destas patologias.
É todo irrelevante o fato de os medicamentos reclamados
pelo doente não constarem do rol de programa instituído pelo Ministério
da Saúde, em especial a Portaria 1318/GM/2002. Se o Estado tem um
elenco de medicamentos a fornecer, é porque reconhece seu dever
assistencial, não lhe sendo lícito, como é curial, limitar a assistência
apenas aos casos antes programados. Surgindo nova necessidade
de salvar a espécie, claro está que o Estado tem o dever de atualizar
seus programas assistenciais, para inclusão do novo atendimento
que se mostre relevante e necessário.
Não obstante entender o Ministério Público que o Sistema
Único de Saúde é um sistema em construção, com pouco mais de 12
anos de vida, que ocupa posição de vanguarda na estrutura da
administração pública e muito aparece nos meios de comunicação pelo
que deixa de fazer e não pelo muito que faz e salva, é inexorável que há
medidas
que
não
podem
esperar:
há
doentes
que
esperam
medicamentos ainda não existentes (e lutam contra o tempo!) e há
aqueles que esperam medicamentos não contemplados em Protocolos.
Ademais, conforme disciplinado na Lei n.º 8.080/90, cabe à
direção estadual do SUS, em caráter suplementar, formular, executar,
acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde.
Nesse sentido, a Política Nacional de Medicamentos,
aprovada pela Portaria n.º 3.916, de 30 de outubro de 1998 (documento
n.º 07), estabelece como responsabilidades da esfera estadual, dentre
outras:
“assegurar
a
adequada
dispensação
dos
medicamentos
promovendo
o
treinamentos
dos
recursos humanos e a aplicação das normas
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pertinentes
definir
elenco
de
medicamentos
que
serão
adquiridos diretamente pelo estado, inclusive os
de dispensação em caráter excepcional, tendo por
base
critérios
técnicos
e
administrativos
referidos no capítulo 3, “ Diretrizes”, tópico
3.3, deste documento, e destinando orçamento
adequado a sua aquisição.”
Da mesma forma, a Portaria nº 1.318/GM, de 23 de julho
de 2.002 prevê em seu art. 7º:
“Art. 7º - Determinar que as Secretarias de
Saúde dos Estados e do Distrito Federal adotem
as providências necessárias ao cumprimento do
disposto
nesta
Portaria,
bem
como
para
viabilizar,
a
contar
da
competência
setembro/2002, o acesso aos pacientes, aos
medicamentos cujos procedimentos foram incluídos
no Grupo 36 – Medicamentos, da Tabela Descritiva
do Sistema de Informações Ambulatoriais do
Sistema Único de Saúde – SIA/SUS pela presente
Portaria.”
Portanto, cabe ao Estado do Paraná arcar com o ônus de
prestar o atendimento à população na assistência à saúde, fornecendo,
pois, todos os medicamentos para tratamento do diabetes, por serem
tidos
como
medicamentos
excepcionais.
Inegável
se
torna
sua
legitimidade passiva ad causam.
III – ADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Poder-se-ia cogitar que a Ação Civil Pública não seria
instrumento adequado à tutela de interesse individual indisponível, mas
tão somente às questões de cunho coletivo.
A ação civil pública não se destina exclusivamente à tutela
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de interesses coletivos.
A lei 8.625/93, Lei Orgânica do Ministério Público Nacional,
preceitua em seu artigo 25, inciso IV, letra “a”que:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil
pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos
danos causados ao meio ambiente, ao consumidor,
aos
bens
e
direitos
de
valor
artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, e
a
outros
interesses
difusos,
coletivos
e
individuais indisponíveis e homogêneos;
Em comento ao art. 25 da Lei n.º 8.625, de 12.02.1993, que
preconiza ser função do Ministério Público promover o inquérito civil e a
ação civil pública para proteção a interesses individuais indisponíveis,
preleciona o preclaro prof. PEDRO ROBERTO DECOMAIN, in verbis:
... a legitimação do Ministério Público para
defesa
judicial
de
interesses
individuais
indisponíveis,
isto
é,
interesse
de
cuja
satisfação
o
titular
respectivo
não
está
legalmente autorizado a abrir mão, assim como
não o está qualquer representante legal seu,
resulta até mesmo de dispositivo constitucional.
Realmente o artigo 127 da Constituição Federal,
ao tempo em que considera o Ministério Público
como instituição permanente e essencial à função
jurisdicional do Estado, lhe atribui também a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e
dos
interesses
sociais
e
individuais
indisponíveis.1
Afora a subsunção legal, a tese defendida neste capítulo
ainda é recepcionada pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão
constitucionalmente
incumbido
da
pacificação
da
interpretação
infraconstitucional do direito brasileiro, conforme o seguinte arresto, cujo
caso concreto tratava exatamente do fornecimento de medicamento a
hipossuficiente:
PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL.
AÇÃO CIVIL
1
DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à lei orgânica nacional do ministério público. Ed. Obra
Jurídica. 1996, p. 150.
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PÚBLICA. CASSAÇÃO DE LIMINAR. EXTINÇÃO DO
PROCESSO POR ILEGITIMIDADE ATIVA. FORNECIMENTO
DE
MEDICAMENTO,
PELO
ESTADO,
À
CRIANÇA
HIPOSSUFICIENTE, PORTADORA DE DOENÇA GRAVE.
OBRIGATORIEDADE. AFASTAMENTO DAS DELIMITAÇÕES.
PROTEÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA
E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. ART. 7º, C/C OS
ARTS. 98, I, E 101, V, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE. ARTS. 5º, CAPUT, 6º, 196 E 227,
DA CF/1988. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR E
DO COLENDO STF.
1. Recurso especial contra acórdão que extinguiu
o processo, sem julgamento do mérito, em face da
ilegitimidade ativa do Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul, o qual ajuizou ação
civil
pública
objetivando
a
proteção
de
interesses individuais indisponíveis (direito à
vida e à saúde de criança ou adolescente), com
pedido liminar para fornecimento de medicação
(hormônio do crescimento recombinante TTO) por
parte do Estado.
2. O art. 7º, c/c os arts. 98, I, e 101, IV, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, dão plena
eficácia ao direito consagrado na Carta Magna
(arts. 196 e 227), a inibir a omissão do ente
público (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) em garantir o efetivo tratamento
médico a menor necessitado, inclusive com o
fornecimento, se necessário, de medicamentos de
forma gratuita para o tratamento, cuja medida,
no caso dos autos, impõe-se de modo imediato, em
face da urgência e conseqüências que possam
acarretar a não-realização.
3. Pela peculiaridade do caso e, em face da sua
urgência, há que se afastarem delimitações na
efetivação da medida sócio-protetiva pleiteada,
não padecendo de qualquer ilegalidade a decisão
que ordena que a Administração Pública dê
continuidade a tratamento médico, psiquiátrico
e/ou psicológico de menor.
4. O poder geral de cautela há que ser entendido
com
uma
amplitude
compatível
com
a
sua
finalidade primeira, que é a de assegurar a
perfeita
eficácia
da
função
jurisdicional.
Insere-se, aí, sem dúvida, a garantia da
efetividade da decisão a ser proferida. A adoção
de medidas cautelares (inclusive as liminares
inaudita altera pars) é crucial para o próprio
exercício da função jurisdicional, não devendo
encontrar óbices, salvo no ordenamento jurídico.
5. O provimento cautelar tem pressupostos
específicos para sua concessão. São eles: o
risco de ineficácia do provimento principal e a
plausibilidade do direito alegado (periculum in
mora e fumus boni iuris), que, presentes,
determinam a necessidade da tutela cautelar e a
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
inexorabilidade de sua concessão, para que se
protejam aqueles bens ou direitos de modo a se
garantir a produção de efeitos concretos do
provimento jurisdicional principal.
6.
A
verossimilhança
faz-se
presente
(as
determinações
preconizadas
no
Estatuto
da
Criança com o do Adolescente – Lei nº 8.069/90,
em seus arts. 7º, 98, I, e 101, V, em combinação
com atestado médico indicando a necessidade do
tratamento postergado). Constatação, também, da
presença do periculum in mora (a manutenção do
decisum a quo, determinando-se a suspensão do
tratamento (fornecimento do medicamento), com
risco de dano irreparável à saúde do menor). Se
acaso a presente medida não for outorgada,
poderá não mais ter sentido a sua concessão,
haja vista a possibilidade de danos irreparáveis
e irreversíveis ao menor.
7. Prejuízos irá ter o menor beneficiário se não
lhe for concedida a liminar, visto que estará
sendo usurpado no direito constitucional à
saúde, com a cumplicidade do Poder Judiciário. A
busca pela entrega da prestação jurisdicional
deve ser prestigiada pelo juiz, de modo que o
cidadão tenha, cada vez mais facilitada, com a
contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação
em sociedade, quer nas relações jurídicas de
direito privado, quer nas de direito público.
8. Precedentes desta Corte Superior e do colendo
STF.
9. Recurso provido.(STJ, RESP 662033 / RS; 1a
Turma, rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 08.11.2004
p. 191)(grifo nosso)
Com estas considerações, denota-se a aptidão da Ação
Civil Pública como instrumento para tutelar interesses indisponíveis, ainda
que de natureza individual.
IV - A SAÚDE COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA
A Carta Federal proclama que a República Federativa do
Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como fundamento a
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
dignidade da pessoa humana.
A expressão “dignidade da pessoa humana” - princípio
jurídico essencial contido no art. 1º, III, da CF - já se encontrava inserta
na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, na qual se
assevera que o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os
membros da família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da
paz no mundo”.
O art. 1° desse diploma internacional ressalta:
“Todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade”.
Karl
LARENZ2,
instado
a
pronunciar-se
sobre
o
personalismo ético da pessoa no direito privado, reconhece na dignidade
pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como
pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a
saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio. Isso significa dizer,
então, que a pessoa humana é um bem, e a dignidade, o seu valor.
Mas o direito do século XXI não se contenta com conceitos
axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para qualquer
tese. Demanda, sim, o aprofundamento dos mesmos e especialmente,
neste caso, da idéia que o princípio jurídico da dignidade contempla.
Como o próprio nome revela, o princípio da dignidade da
pessoa fundamenta-se na essência da pessoa humana e esta, por sua
vez, pressupõe, antes de mais nada, na presença de uma condição
objetiva: a própria vida. Considerando-se cada indivíduo em si mesmo,
tem-se que a vida é condição necessária da própria existência. Logo, a
dignidade do ser humano impõe um primeiro dever básico, que é,
2
LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
justamente, o de reconhecer a intangibilidade da vida, e esse pressuposto
configura-se como um preceito jurídico absoluto - um imperativo jurídico
categórico - do qual decorre, logicamente e como conseqüência do
respeito à vida, o fato da dignidade dar embasamento jurídico para se
exigir o respeito à integridade física e psíquica (condições naturais) e aos
meios mínimos para o exercício da própria vida (condições materiais)3.
Como fundamento primeiro da República, o princípio
jurídico da dignidade tem, portanto, a proteção e a defesa da vida humana
como pressuposto, pois sem vida não há pessoa, e sem pessoa, não há
que se falar em dignidade. Trata-se de preceito absoluto, que não
comporta exceção e está, de resto, ratificado pelo caput do art. 5º da CF.
Essa tese é reconhecida, acima de todas as outras
(inclusive as de ordem econômico-financeiras), pelos nossos Tribunais,
como se lê no seguinte pronunciamento do STF:
“Entre proteger a inviolabilidade do direito à
vida, que se qualifica como direito subjetivo
inalienável assegurado pela própria Constituição
da
República
(art.
5º,
caput),
ou
fazer
prevalecer,
contra
essa
prerrogativa
fundamental,
um
interesse
financeiro
e
secundário do Estado, entendendo — uma vez
configurado esse dilema — que razões de ordem
ético-jurídica impõem ao julgador uma só e
possível opção: o respeito indeclinável à vida.”
(STF–
Petição n.º 1246-1-SC - MIN. CELSO DE
MELLO).
Ora, se o direito à vida está intrinsecamente ligado à idéia
de dignidade humana, como visto, tem-se que o seu corolário necessário o direito à saúde – também o está, uma vez que este (a saúde), na sua
essência, cuida da preservação daquela (a vida).
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. RT , v. 797, ano 91, p. 11-26,
mar. 2002.
3
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
A saúde, concebida como o “estado completo de bemestar físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de
doença ou enfermidade”4 é, pois, direito humano fundamental,
oponível ao Estado nos termos do art. 196 da CF, que viabiliza e
garante a própria vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana e,
como tal, deve ser incansavelmente protegido e respeitado, sendo
inadmissível qualquer conduta comissiva ou omissiva, especialmente da
Administração Pública, tendente a ameaçá-lo ou frustrá-lo.
4
Conceito da Organização Mundial da Saúde
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
V - A ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA
A Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n° 8.080, de 19 de
setembro de 1990) estabelece:
Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser
humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde
consiste na formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de
riscos de doença e de outros agravos e no
estabelecimento
de
condições
que
assegurem
acesso universal e igualitário às ações e aos
serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 6°. Estão incluídas ainda no campo
atuação do Sistema Único de Saúde - SUS:
de
I - a execução de ações:
... (omissis)
d)
de
assistência
inclusive farmacêutica.
terapêutica
integral,
Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde e
os serviços privados contratados ou conveniados
que integram o Sistema Único de Saúde - SUS são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no artigo 198 da Constituição Federal,
obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de
saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida
como um conjunto articulado e contínuo das ações
e serviços preventivos e curativos, individuais
e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema.
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços
saúde fica preservada nos serviços públicos
privados
contratados,
ressalvando-se
cláusulas ou convênios estabelecidos com
entidades privadas.
de
e
as
as
Logo, sendo a saúde um direito público subjetivo do
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
cidadão e dever do Estado, cuja efetivação constitui interesse primário, há
de ser ele satisfeito de modo integral, resolutivo e gratuito (artigos 198,
inciso II, da Constituição Federal, artigos 7º, inc. XII e 43, ambos da Lei
Orgânica da Saúde), inclusive com a adequada assistência farmacêutica artigo 6º, inciso I, alínea ‘d’, da LOS.
A ”integralidade da assistência terapêutica, inclusive
farmacêutica” abarca como se sabe, de forma harmônica e igualitária, as
ações e serviços de saúde preventivos e curativos (ou assistenciais),
implicando em atenção individualizada, para cada caso, segundo as suas
exigências, em todos os níveis de complexidade do sistema (federal,
estadual, e municipal). Diz-se assistência farmacêutica na lei, pois é
evidentemente impossível ao Estado dar saúde diretamente aos seus
cidadãos,
cabendo-lhe,
assim,
fornecer-lhes
todos
os
insumos
medicamentosos para que seja ela recuperada.
Desse princípio é possível confirmar-se, uma vez mais, o
direito dos usuários na obtenção de medicamentos das mãos do Estado,
medicamentos este adequados à preservação de sua saúde, direito este
que encontra guarida, inclusive, na Lei Orgânica da Seguridade Social
(Lei Federal nº 8.212/1991):
Art. 2º. A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
Parágrafo único. As atividades de saúde são de
relevância pública e sua organização obedecerá
aos seguintes princípios e diretrizes:
(...)
d) atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas;
O artigo 7º, inciso XII, da LOS, prevê
expressamente o princípio resolutivo, conforme
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
se vislumbra da transcrição abaixo:
Art. 7. As ações e serviços públicos de saúde e
os serviços privados contratados ou conveniados
que integram o Sistema Único de Saúde – SUS são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no artigo 198 da Constituição Federal,
obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(...)
XII – capacidade de resolução dos serviços em
todos os níveis de assistência.
Na lição de GUIDO IVAN DE CARVALHO e LENIR
SANTOS:
“(...) o ‘princípio resolutivo’ das ações e
serviços de saúde ‘é aquele que resolve o
problema trazido ou apresentado pelo paciente,
seja mediante a aplicação, no ato, de um
medicamento
resolutivo,
seja
mediante
a
prescrição
terapêutica
que
vai
resolver,
gradualmente, o problema, ou seja ainda mediante
a indicação de uma cirurgia, a recomendação de
uma órtese ou de mudança de estilo de vida’”.5
Vale repisar, portanto, que a saúde não é apenas uma
contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um
direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser
universal, igualitário e integral, não se podendo prestar soluções parciais,
como pretendem alguns, sem com isso negar o direito à saúde.
Frise-se, assim, que o direito de Rozileni aqui defendido
não se limita simplesmente à obtenção de qualquer remédio. É
necessário, portanto, que seja exatamente aquele que venha a solucionar
a enfermidade apresentada, ou mesmo a estabilizá-la, proporcionando-lhe
uma melhor qualidade de vida.
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
Desta forma, não só pelo fato dos precários recursos da
beneficiada, o que dramatiza, sobremaneira o seu quadro, mas,
principalmente, por se tratar de um direito líquido e certo que está sendo
violado, expondo sua titular a risco de vida pela evolução da doença da
qual é portadora (diabetes tipo I), é que se busca a garantia da devida
prestação por parte do Estado, obrigação esta definida no Sistema Único
de Saúde, consoante prevê a NOAS – SUS n. 01/2002, n. 57,
Responsabilidades, ‘h’ e ‘i’ e reforçada pelo inciso XVIII do art. 12, do
Código de Saúde do Estado (Lei Estadual nº 13/331/01).
Diante disso, a disponibilização do medicamento INSULINA
GLARGINA (LANTUS), adequado ao tratamento da paciente Rozilene
Alves Moreno, conforme será relatado no próximo capítulo, deve se dar de
modo imediato, sem que seja admitida qualquer espécie de escusa ou
justificativa.
VI - PATOLOGIA DA CIDADÃ ROZILENI ALVES MORENO
A Sra. Rozilene Alves Moreno é portadora de diabetes tipo
I – mellitus desde meados de 1999, quando iniciou sua primeira gestação.
A patologia é classificada pelo Catálogo Internacional de Doenças – CID
10, sob a sigla E –10. A diabetes gestacional não é rara. Entretanto, na
quase totalidade dos casos a patologia desaparece com o parto.
Infelizmente, no caso da Sra. Rozilene, após o parto não houve a
equalização da saúde e a doença se tornou crônica.
Segundo consta no Plano de Reorganização da Atenção à
Hipertensão Arterial e ao Diabetes mellitus, elaborado pelo Ministério da
5
in Comentários à Lei Orgânica de Saúde, 2ª edição, atualizada e ampliada. Editora Hucitec - São Paulo,
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
Saúde através da Secretaria de Políticas de Saúde, em 2001, o diabetes
mellitus "é uma síndrome de etiologia múltipla, decorrente da falta de
insulina e/ou da incapacidade de a insulina exercer adequadamente seus
efeitos. Caracteriza-se por hiperglicemia crônica com distúrbios do
metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas. As conseqüências do
DM, a longo prazo, incluem disfunção e falência de vários órgãos,
especialmente rins, olhos, nervos, coração e vasos sangüíneos."6
O Diabetes mellitus gestacional, de acordo com o protocolo
do Ministério da Saúde, define-se como "a diminuição da tolerância à
glicose, de magnitude variável, diagnosticada, pela primeira vez, na
gestação, podendo ou não persistir após o parto. Abrange os casos de
DM e de tolerância à glicose diminuída, detectados na gravidez. O Estudo
Brasileiro de Diabetes Gestacional – EBDG revelou que 7.6% das
mulheres em gestação apresentam intolerância à glicose ou
diabetes.(grifo nosso)7
Tendo em vista que se trata de diabetes tipo I, a
manutenção da vida da paciente não é possível apenas com a
administração de medicamentos via oral, sendo indispensável ingestão
diária de Insulina através de aplicações subcutâneas.
A insulina é um hormônio produzido pelas células beta das
ilhotas de Langerhans do pâncreas.8 Os efeitos da insulina consistem em
reduzir os níveis sanguíneos de glicose, ácidos graxos e aminoácidos e
estimular a conversão destes para compostos de armazenamento, que
são o glicogênio, os triglicerídeos e as proteínas.9
1995, pág.88.
6
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas da Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Plano de reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus.
Brasília:Ministério da Saúde, 2001, p. 14
7
idem, p. 15
8
ibidem, p. 63
9
ibidem, p. 63
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A administração da insulina para pacientes portadores de
diabetes tipo I se dá, ajustando-se às necessidades de cada paciente, à
razão de 0,5 a 1,0 Ui/kg/dia.10 O esquema terapêutico mais freqüente é o
de duas doses de insulina de ação intermediária, aplicando-se 2/3 da
dose, pela manhã, no desjejum, e 1/3 da dose, no jantar.11
Tendo em conta que o diabetes raramente apresenta
regressão, os pacientes se tornam dependentes vitalícios da insulina.
VII – INVIABILIDADE DE ADMINISTRAÇÃO DA INSULINA REGULAR
VII.I Variação dos níveis de glicemia
Todo paciente portador de diabetes tipo I que necessite do
uso regular da insulina sofre os diários e dolorosos inconvenientes
inerentes à aplicação subcutânea do hormônio e do indispensável controle
alimentar, da glicemia, etc.
A
principal
complicação
da
insulinoterapia
é
a
hipoglicemia. Estudos relatados pelo Ministério da Saúde apontam
que a hipoglicemia seria a causa primária ou secundária de morte de
4% dos pacientes com diabetes tipo I.12
Na grande maioria dos casos os quadros de hipoglicemia
são facilmente controlados com a correta administração da insulina
comum13, seja de origem animal ou humana, e a atenção a uma dieta
adaptada às características do paciente.
Infelizmente, no caso da Sra. Rozilei, a administração
10
op. Cite, p. 65
op. Cite. P. 66
12
loc cit.
13
Utilizamos o termo "comum" para diferenciar da insulina glargina, que é consideravelmente nova em
relação às demais.
11
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da insulina comum, no caso a NPH humana, não mantém os níveis
de glicose regulares durante o dia e a noite, não obstante a paciente
siga à risca as prescrições médicas e esteja atenta à dieta
recomendada.
Segundo os relatos da usuária e o diagrama elaborado pelo
médico conveniado do SUS que a atende, Dr. Fabrízio Sakabe, CRM
20335, os níveis de glicose variam em proporções anormais durante o dia
e noite. Em poucas horas um quadro de hiperglicemia se torna uma
hipoglicemia aguda, que passa a hiperglicemia e assim sucessivamente
durante todo dia. O maior perigo reside na noite. Segundo o prontuário
elaborado pelo médico, "a insulina NPH pode freqüentemente induzir uma
hipoglicemia à noite devido ao pico do nível sanguíneo da insulina à noite.
Além disso, os níveis sanguíneos de glicose podem elevar-se de manhã,
já que as doses de insulina não podem ser aumentadas."
Vale aqui transcrever o relato da Sra. Rozilei a respeito do
sofrimento que lhe aflige em razão de tais variações:
que ainda aflige a declarante o fato de que a
administração de insulina comum gera fortes
alterações de glicemia, de modo que em momentos
há quadro de hipoglicemia e certo tempo depois
há hiperglicemia, que, por sua vez, obriga à
administração de insulina que, por sua vez, gera
hipoglicemia, e assim por diante; que já fez uso
de insulina suína, bovina, mista e atualmente
usa a insulina NPH humana; que a insulina NPH
humana é fornecida pela Secretaria Estadual de
Saúde; que a declarante vem arcando com graves
riscos de saúde em razão dos quadros de hiper e,
principalmente, hipoglicemia; que embora todo
usuário de insulina esteja sujeito a quadros de
hipoglicemia, a declarante tem sintomas de
hipoglicemia quase todos os dias e, ainda, o
nível da hipoglicemia é acentuado; que em razão
disto a declarante já entrou em pré-coma, em
meados de agosto/setembro de 2004; que isto
ocorreu em uma madrugada e nesta oportunidade
foi socorrida por seu marido e sua irmã e levada
ao hospital Cemil e atendida pelo Dr. Ronaldo de
Souza, plantonista da UTI; que em diversas
outras situações a declarante ficou muito
debilitada em razão da hipoglicemia, chegando a
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interromper a jornada de trabalho; que durante a
noite o quadro de hipoglicemia é muito perigoso,
pois se a declarante não acordar o nível de
glicemia cai muito e pode levar a óbito14 (grifo
nosso)
Segundo a ciência médica contemporânea, não há um
tratamento disponível que possa controlar o nível de glicemia da paciente
com o uso da insulina comum. Somente uma outra fórmula de insulina
poderia amenizar o quadro. Esta nova fórmula surgiu há pouco tempo sob
a denominação insulina glargina, comercializada pelo laboratório Aventis
com o nome Lantus. Sobre este medicamento dedicaremos atenção em
um capítulo específico.
O que se busca ressaltar neste capítulo é que, por uma
característica pessoal da Sra. Rozileni, que a medicina ainda não
pôde
explicar,
a
insulina
comum
não
age
da
forma
esperada.Obviamente tal situação não é absurda. Cada ser vivo é único e
não raramente um tratamento se comporta de maneira diferente em
relação aos diversos destinatários.
Para exemplificar a dificuldade de adaptação de Rozileni à
insulinoterapia basta observar que desde a instalação da doença a
paciente apresentava reação alérgica aos veículo de administração da
insulina comum (conhecido como veículo q.s.p.). Em razão disto, chegou
a suspender a administração da insulina o que, por sua vez, provocou
cetoacidose e a levou ao internamento em UTI.
Sendo insustentável a administração da insulina com a
sensibilidade e não podendo ficar sem tal hormônio, a paciente realizou
um tratamento para desensibilização junto ao Hospital de Clínicas da
Universidade de São Paulo. Tal situação está retratada no Resumo
Clínico de Alta, em anexo. Mesmo com a desensibilização Rozilei ainda
14
Declarações prestadas por Rozileni Alves Moreno à Promotoria de Justiça em 31 de janeiro de 2005
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faz uso contínuo de anti-histamínico (antialérgico) que adquire com
recursos próprios.
VII.II - Risco de morte e complicações crônicas
causadas pela acentuada variação da glicemia
O descontrole dos níveis de glicemia gera duas ordens de
conseqüências nefastas à saúde da paciente.
Primeiramente
destacam-se
aqueles
advindos
da
hiperglicemia. Segundo o Protocolo do Ministério da Saúde, uma das
complicações agudas advindas da hiperglicemia é a cetociadose,
conceituada com uma "acidose metabólica causada por excesso de
acetoácidos decorrente da deficiência de insulina."15 Outra complicação
pode ser retratada no Coma Hiperosmolar, cujo grau de letalidade varia
entre 12 e 42%16.
À par das complicações agudas, ainda ocorrem, e com
maior intensidade, as complicações denominadas crônicas. Em termos
gerais, a hiperglicemia causa a degeneração de vários órgãos, em
especial os olhos, rins, sistema cardiovascular e neurológico. A situação é
tão preocupante que o próprio Ministério da Saúde adotou como política
de prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares a atuação
conjunta entre hipertensão arterial e diabetes, programa 'hiperdia". Vejase que a própria paciente relata
que sofre com
náuseas,
incontinência urinária e perda da visão. Portanto, a Sra. Rozileni está
sofrendo os efeitos do precário controle da hiperglicemia. Precário não por
uma má assessoria médica ou displicência do paciente, mas por uma
limitação da medicina e da farmacologia.
15
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas da Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Plano de reorganização da atenção à hipertensão arterial e ao diabetes mellitus.
Brasília:Ministério da Saúde, 2001, p. 75
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De outro lado, quando ocorre hipoglicemia o paciente corre
o risco de entrar em coma e, eventualmente, vir a óbito. Não por outro
motivo é considerada a principal complicação da insulinoterapia. Segundo
o protocolo do Ministério da Saúde em relação ao diabetes, a hipoglicemia
é caracterizada por nível de glicemia igual ou inferior a 60 mg/dl. Em
casos de hipoglicemia recomenda-se, especialmente em casos de
convulsões e coma, o internamento hospitalar.17 Existem estudos que
demonstram estar a hipoglicemia envolvida como fator primário ou
secundário de morte em 4% dos pacientes com DM tipo 1.18
Em diversas oportunidades a Sra. Rozileni ficou
debilitada, principalmente à noite, em razão da hipoglicemia. Na
maioria dos casos, felizmente, pôde controlar o quadro com a
ingestão
rápida
de glicose. Entretanto, em
ao menos uma
oportunidade, durante o sono, de madrugada, a hipoglicemia a levou
ao coma. Neste caso, ocorrido em meados do ano de 2004, a paciente
teve a sorte de seu marido perceber seu estado e a levar ao hospital. Se
estivesse sozinha poderia ter falecido.
É este medo diário que assola a usuária que não pode
mais continuar. O medo de ir dormir e não saber se acordará. O medo de
ingerir muito alimento à noite para evitar a hipoglicemia e sofrer com a
hiperglicemia. Tudo depende de como seu corpo irá reagir. Este
sofrimento físico e psicológico é que busca ser sanado.
VII.III – Complicações extraordinárias
De início é importante ressaltar que o descontrole da
glicemia inviabiliza a paciente Rozileni de realizar atividades físicas
16
idem, p. 76
ibidem, p. 74
18
ibidem, p. 66
17
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
regulares, fator de suma importância para a manutenção da boa saúde. O
sedentarismo é relacionado como o principal fator de risco para as
doenças
crônicas
não
transmissíveis
(DCNT),
entre
elas
as
cardiovasculares19. Não é necessário trazer a esta peça a noção dos
benefícios que a prática de atividade física regular traz à saúde humana.
Contudo, a impossibilidade de prever quando e em que
grau a paciente poderá sofrer um quadro de hipoglicemia torna a prática
de exercícios físicos arriscada20, já que exigem a metabolização de
grandes quantidades de açúcares. Permanecendo sedentária, a paciente
potencializa o agravamento das complicações crônicas inerentes à
doença.
Além do sedentarismo, a usuária ainda relata que sofre de
candidíase. A candidíase é provocada pela forte alteração de glicemia no
sangue da declarante, baixando sua resistência natural. Embora seja uma
doença comum, a candidíase geralmente sara após alguns dias, mas, no
caso de Rozileni, ela sempre está instalada e apenas melhora por alguns
dias, mas nunca desaparece.
Por fim, não é desmedido voltar a alertar que os efeitos do
diabetes impedem a paciente de levar uma vida feliz. Desestimula-a a ter
um outro filho; interrompe freqüentemente sua jornada de trabalho e torna
seu emprego algo incerto; prejudica seu relacionamento familiar e
conjugal. Enfim, a vida da paciente após a instalação do diabetes
deixou de ser prazerosa e passou a constituir uma simples questão
de sobrevivência.
VIII - INSULINOTERAPIA COM GLARGINA - LANTUS
19
ibidem, p. 35
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A insulina glargina, desenvolvida pelo laboratório Aventis, é
um hormônio sintético análogo ao humano produzido a partir da
recombinação de DNA21. Sua principal característica é a prolongada
absorção pelo organismo do usuário, sem picos.22 Com tal propriedade, a
glargina minimiza os principais inconvenientes da administração da
insulina NPH comum. Primeiramente, exige-se apenas uma dose diária,
enquanto a NPH humana em geral exige duas aplicações diárias.
Segundo, com a estabilidade de disponibilidade de insulina durante as
24horas evitam-se os picos constatáveis na administração da NPH. Os
extremos de disponibilidade da insulina provocam hiperglicemia (nível
baixo) e hipoglicemia (nível alto de insulina).
Conforme relatado no capítulo acima, a principal
complicação da insulinoterapia é a hipoglicemia. Neste particular a
insulina glargina representa um considerável avanço. Conforme
relatado pelo Prof. Elias Cima, um estudo da Universidade de São
Paulo - USP revelou que a insulina glargina reduziu em 44% os
episódios de hipoglicemia noturna em relação à NPH. Dos 500
pacientes estudados, 70% atingiram A1c (média de glicose dos
últimos 90 dias) menor que 7%, sem hipoglicemia noturna. Com a
NPH, foram 17%.23
Para confirmar a eficiência da insulina glargina para o
tratamento da paciente Rozileni Alves Moreno é pertinente relatar as
conclusões de dois estudos científicos publicados em revistas médicas.
Segundo a revista Diabetes Care, em estudo realizado
20
op cite, p. 50
RATNER, Robert E.; et alii. Less hypoglycemia with insulin Glargine in intensive insulin therapy for
type 1 diabetes. Diabetes Care, vol 23, nº 5, may 2000; p. 639
22
Idem., p. 640
21
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durante um ano, uma quantia significantemente inferior de eventos de
hipoglicemia foram constatados em pacientes que fizeram uso de insulina
glargina em relação à insulina NPH24.
Em estudo realizado na Inglaterra em 2002, dirigido pelo
National Institute for Clinical Excellence, relatou que em dos subgrupos do
estudo a incidência de hipoglicemia noturna em pacientes usuários de
insulina glargina foi de 36%, enquanto que aqueles que receberam
insulina NPH apresentaram 56% de relatos de hipoglicemia noturna25. Nas
conclusões, o estudo firmou o seguinte: "o comitê conclui que a
administração por dose única diária de insulina (glargina) que mantenha
constantes os níveis de insulina no sangue melhora a qualidade de vida
dos indivíduos. Primeiramente, asseguraria mais flexibilidade no modo de
vida pela diminuição das picadas e estabilidade nos níveis de insulina.
Segundo, reduziria a probabilidade de quadros de hipoglicemia..."26
É importante destacar que todos os estudos científicos
citados acima mencionados foram realizados por institutos independentes
da indústria farmacêutica fabricante da insulina Lantus. Outrossim,
atestam a segurança na administração da nova droga.
Finalmente, é de importância notar que, por recomendação
médica e mediante o recebimento de amostras-grátis do laboratório, a
paciente fez uso da insulina Lantus© por 10 dias e teve excelentes
resultados. Consta no Laudo apresentado pelo médico responsável pelo
tratamento que durante o período de uso "apresentou resposta
significativa com melhora do controle glicêmico não havendo
23
CIMA, Elias. Novos medicamentos e diferentes variedades de insulina deverão facilitar a vida de
diabéticos. Departamento de Pesquisas da Fundação Cimas´s.
24
RATNER, Robert E.; et alii. Less hypoglycemia with insulin Glargine in intensive insulin therapy for
type 1 diabetes. Diabetes Care, vol 23, nº 5, may 2000; p. 641
25
NATIONAL INSTITUTE FOR CLINICAL EXCELLENCE. Guidance on the use of long-acting insulin
analogues for the treatment of diabetes – insulin glargine. Nº 53, December 2002, p. 5, disponível em
<http://Nice.org.uk/pdf/53_insulin_analogues_full_guidance.pdf>, acesso em 01/02/205.
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
hipoglicemias e hiperglicemias, mantendo níveis basais entre 100 a
150 mg/dl; outro fator importante foi que a paciente não apresentou
reação alérgica aos componentes da insulina não havendo portanto,
necessidade de anti-histamínico."
Com estes dados é possível concluir que a usuária do
Sistema Único de Saúde Rozileni Alves Moreno se enquadra em todos os
critérios
administrativos,
científicos
e
lógicos
que
determinam
a
dispensação do medicamento excepcional insulina glargina, ainda que
não relacionado nos protocolos do Ministério da Saúde e disponível de
imediato nos estoques do CEMEPAR. São eles:
a) Usuária do Sistema Único de Saúde;
b) Médico responsável pelo tratamento é do SUS;
c) Receita que prescreveu o medicamento é de tratamento pelo SUS;
d) Medicamento caracterizado como excepcional pela natureza da
doença;
e) Inviabilidade de administração do medicamento disponível no
CEMEPAR - insulina NPH;
f) Degradação da saúde e risco de vida com a administração da
Insulina NPH;
g) Comprovação científica da proficiência do medicamento indicado,
insulina glargina – Lantus©;
h) Comprovação de eficiência da insulina glargina no trato específico
da paciente Rozileni;
i) Alto custo do medicamento que inviabiliza a aquisição pela paciente
com recursos próprios;
j) Baixo impacto orçamentário da aquisição do medicamento Lantus©
se considerar o custo atual de aquisição da insulina NPH, dos anti-
26
Idem, p. 10
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
histamínicos, das fitas necessárias ao monitoramento da glicemia e
dos reméidos para candidíase (tudo relacionado ao descontrole do
diabetes).
Com base nestas premissas, conclui-se que a usuária tem
direito a lhe ser fornecido pelo Estado do Paraná o medicamento
necessário à manutenção de sua saúde, no caso a insulina glargina.
IX – NEGATIVA DE FORNECIMENTO DA INSULINA LANTUS E AS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS
O Estado do Paraná, através do Centro de Medicamentos
do Paraná – CEMEPAR, se nega a fornecer a insulina glargina à paciente
Rozileni Alves Moreno. Conforme se nota no MEMO 62/2005, o Diretor do
CEMEPAR alega que o Estado já disponibiliza aos usuários do SUS dois
tipos de insulina NPH que "atendem as necessidades dos pacientes
insulino-dependentes" e que a insulina Lantus não está "padronizada nos
Programas do Ministério da Saúde e do Estado".
As vias administrativas foram esgotadas da seguinte forma.
Após receber a prescrição médica a usuária se dirigiu à 12a Regional de
Saúde a fim de solicitar a dispensação do medicamento. Informalmente,
os
servidores
daquela
unidade
lhe
informaram
que
não
havia
disponibilidade da insulina Lantus© e que não seria possível atender o
pedido.
Em seguida, orientada por esta Promotoria de Justiça, a
usuária fez uma solicitação por escrito ao diretor da Regional de Saúde,
juntando a documentação que demonstrava a necessidade da insulina
Lantus e a impossibilidade de continuar utilizando a NPH. Da mesma
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
forma, o pedido foi negado. Costa cópia do procedimento em anexo.
Finalmente, após interpelar a intervenção do Ministério
Público, foi enviado ofício ao diretor da Regional de Saúde, solicitando a
dispensação do medicamento e informações a respeito da negativa. Tal
expediente foi remetido ao diretor do CEMEPAR que, sem analisar a
necessidade da usuária e a impossibilidade de continuidade da
administração da insulina NPH, restringiu-se a informar a indisponibilidade
do medicamento necessário à paciente, conforme consta no memorando
anexo.
Após esgotar as vias administrativas e verificando que o
Estado do Paraná não se dispõe a adquirir o medicamento em caráter
extraordinário, resta ao Ministério Público, na defesa de interesse
indisponível de usuário do SUS, buscar a via judicial.
Primeiramente, quer-se deixar claro que a presente ação
não tem como objetivo a obrigação do Estado em fornecer insulina
Lantus a todos os diabéticos tipo 1. Outrossim, o Ministério Público
está ciente das repercussões que um acréscimo de custos na
política farmacêutica representa à administração do Estado. Em
especial, sabe-se perfeitamente que o acréscimo de gastos leva
inexoravelmente à redução da gama de atendimentos.
Em valores de comércio varejista, a aquisição de insulina
Lantus custa cerca de R$ 300,00 ao mês. Tal valor é substancialmente
superior àquele relativo à insulina NPH comum. Por tais razões, há que se
reservar o fornecimento da Lantus pelo poder público a situações
excepcionais.
No caso em apreço, demonstrou-se nos parágrafos
anteriores que a usuária do SUS Rozileni Alves Moreno tem drásticos
problemas com a administração da insulina NPH comum e a Lantus
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
comprovadamente lhe conferiria substancial melhora na qualidade
de vida e reduziria o risco à saúde inerente aos quadros de
hipoglicemia. É, portanto, uma situação peculiar que merece a atenção
do poder público.
A insulina Lantus surgiu no mercado internacional em
meados do ano 2000 e, até agora, não faz parte dos protocolos clínicos
dos órgãos públicos de saúde. O usuário não pode ser penalizado por
esta desatualização.
Mesmo com as vantagens da administração única diária, o
custo-benefício, em termos de administração pública, para fornecimento
da insulina Lantus aos usuários do SUS seria alto. Em geral, a
administração da insulina NPH controla a diabetes e as variações de
glicemia se mantêm em valores razoáveis. Infelizmente, este não é o caso
da Sra. Rozilene. Ela é um indivíduo, com suas características
particulares e merece a atenção e respeito do poder público.
Não há nenhuma pertinência eventual alegação do Poder
Público de insuficiência de recursos. Até porque, em um país onde a
carga tributária supera 35% do PIB27, número equivalente ao do Reino
Unido e 50% superior ao dos Estados Unidos da América, o Poder Público
não conta com qualquer escusa.
Também não mereceria acolhida o argumento de que o
Judiciário não pode se imiscuir na administração pública. Tal argumento
não pode ser aplicado à tutela dos direitos do cidadão, ainda mais aqueles
relativos à vida. Outrossim, sempre é importante lembrar que "a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito",
artigo 5o, inciso XXXV da Constituição Federal.
Por fim, os critérios de razoabilidade se mostram
27
FOLHA DE SÃO PAULO, caderno folha dinheiro, página B1, 30 de janeiro de 2005
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
justificados na presente ação. Primeiramente, a aquisição da insulina
Lantus representará apenas um acréscimo em relação àquilo que já é
gasto com a aquisição da Insulina NPH. Também, por uma postura
pessoal da usuária, as despesas relativas ao monitoramento do diabetes 28
e ao tratamento da candidíase e à alergia (todos inerentes ao uso da
insulina NPH) estão sendo suportados pela própria usuária e alcançam
cerca de R$ 150,00. Ora, a usuária pode simplesmente cessar tais gastos
e exigir que o Estado o faça, o que seria administrativamente deferido.
Mas, com a administração da Lantus tais gastos extraordinários
praticamente desaparecem. Inserindo tal fator no custo geral do
tratamento conclui-se que o efetivo acréscimo de despesa é praticamente
nulo. A soma da aquisição da insulina NPH com a dos demais
medicamentos e fitas de medição seria equivalente ao gasto com a
Lantus. Com a evidente vantagem da qualidade de vida e redução do
risco de vida.
X – INVIABILIDADE DE AQUISIÇÃO PELA PRÓPRIA USUÁRIA
Em capítulo apropriado foi ressaltada a obrigação do
Estado em garantir a saúde de seus cidadãos, inclusive através do
fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento. Tal situação,
em princípio, independe da condição sócio-econômica do paciente. Em
um país onde a carga tributária consome mais de 1/3 da riqueza
produzida pelos cidadãos, não há justificativa para diferenciar classes
sociais.
Não obstante tal advertência, é importante destacar que
28
kit formado pelo aparelho medidos de glicose e fitas descartáveis apropriadas
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
que a Sra. Rozilene Alves Moreno não possui condições financeiras
de arcar com o custeio da insulina Lantus sem prejuízo da
subsistência própria e de sua família.
Conforme se nota em sua carteira de trabalho e nas
declarações prestadas a esta Promotoria de Justiça, Rozilene é atendente
de clínica médica e recebe cerca de R$ 390,00 mensalmente. Atualmente,
apenas com a aquisição regular de medicamentos inerentes aos seus
problemas ela já gasta cerca de R$ 150,00. É inviável a ela despender
mais cerca de R$ 300,00 com a insulina glargina.
A renda familiar é complementada pela atividade do
marido. Não obstante, felizmente, não seja uma família em condição de
pobreza, a renda do marido é apenas a suficiente para manter as demais
despesas da residência, sem espaço para qualquer outro investimento.
Outrossim, Hermes Pimentel da Silva, marido de Rozileni, é proprietário
de uma pequena mercearia e a renda auferida varia muito conforme a
situação econômica do país e o consumo da população. Por isto, não é
uma renda estável e que pode se contar todos os meses.
Tanto assim que a paciente somente fez uso da
insulina Lantus por dez dias, através de amostras-grátis fornecidas
pelo Laboratório fabricante. Finalizadas as amostras, a usuária
voltou a usar a insulina NPH comum fornecida pelo Estado. É óbvio
que se tivesse condições financeiras Rozileni adquiriria por si
mesma a Lantus e minimizaria seu sofrimento.
Nestes termos, é sensato que o Estado venha a assumir
seu papel de redistribuidor de rendas e promova o fornecimento de
medicamentos àqueles que não têm condições de adquiri-lo por meios
próprios.
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XI - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A assistência e o atendimento de saúde, por guardarem
estreita relação coma manutenção da vida humana, são sempre
relevantes e urgentes. Diante da urgência reclamada pela espécie,
requer-se a concessão liminar da antecipação dos efeitos da tutela
pretendida, nos termos do dispostos nos artigos 273, inciso I, e 461 do
Código de Processo Civil.
O acolhimento liminar dos efeitos da tutela urge e impera,
porquanto o provimento da pretensão, somente ao final, poderá ser inócuo
para prevenir os danos à saúde da Sra. Rozileni Alves Moreno ou mesmo
para evitar sua morte. Ela há muito vem suportando sofrimento devido à
omissão do Poder Público Estadual, que lhe nega, sob argumento ilegais,
o atendimento integral e prioritário a que faz jus por força de Lei. Não é
possível aquilatar o alcance dos danos à saúde física e psíquica da
usuária do SUS, podendo ser afirmado, porém, que eles são grandiosos,
dramáticos, presentes e contínuos, os quais devem ser rapidamente
afastados pelo Poder Judiciário.
Relevante é o fundamento da lide, pois pretende-se, em
última análise, a manutenção da vida e da saúde de um ser humano, uma
trabalhadora e mãe de família.
O fumus boni juris está presente, haja vista a existência de
preceito constitucional obrigando o atendimento, somado à comprovação,
médico-técnica do risco de vida por que passa a paciente, conforme
analisado em capítulos específicos.
Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora,
talvez mais gritante ainda, já que o perigo maior a um ser humano é a
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
perda de sua vida.
Tendo em conta que após a oitiva preliminar do Estado do
Paraná não cabe oportunidade ao Ministério Público se manifestar, até
porque o trâmite frustraria os critérios de urgência, por questões de
oportunidade cogita-se desde já que o Estado do Paraná possa alegar
que não há urgência na concessão da antecipação em vista do tempo que
a usuária já convive com a doença.
O argumento, se levantado pela Procuradoria do Estado,
não é pertinente a questões de saúde. O fato de Rozileni conviver com
o diabetes desde 1999 não significa que sua saúde não se degenera
e que não há risco de, subitamente, vir a falecer. Como se ressaltou
em capítulo próprio, os picos de hipoglicemia podem levar a morte a
qualquer momento. Pode ocorrer hoje, como poderia ter ocorrido em
meados de 2004, quando Rozileni entrou em coma. Além do risco da
hipoglicemia, a hiperglicemia dia-a-dia degenera seus órgãos e
abrevia sua vitalidade.
Por estas razões, cada dia que passa é de suma
importância à paciente. Cada dia de administração da insulina NPH
representa um risco de vida e uma certeza de degeneração da saúde.
Via de conseqüência, cada dia fazendo o uso da insulina glargina
representa menos riscos e mais vida.
Consoante o art. 273 do Código de Processo Civil, “o juiz
poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e (... haja
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ...”
No presente caso o serviço relevante de saúde –
dispensação de medicamentos – não está sendo prestado, ferindo
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
dispositivos constitucional e legais com grande prejuízo a direito
fundamental – a vida, consubstanciado pela saúde.
Sustenta o Professor José Afonso da Silva:
“A garantia das garantias consiste na eficácia e
aplicabilidade
imediata
das
normas
constitucionais.
Os
direitos,
liberdades
e
prerrogativas consubstanciados no Título II,
caracterizados como direitos fundamentais só
cumprem sua finalidade se as normas que os
expressem tiverem efetividade. (...)
Sua existência só por si, contudo, estabelece
uma ordem aos aplicadores da Constituição no
sentido de que o princípio é o da eficácia plena
e aplicabilidade imediata das normas definidoras
dos
direitos
fundamentais:
individuais,
coletivos, sociais (...)
Por isso, revela-se, por seu alto sentido
político, como eminente garantia política de
defesa
da
eficácia
jurídica
e
social
da
Constituição” (SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Malheiros)
Assim sendo, o Ministério Público requer seja o Estado do
Paraná determinado a fornecer, in limine, observado o prazo de 72 horas,
conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, para compelir o requerido, durante
o transcorrer da ação e no prazo de 15 dias, a fornecer à Sra. Rozileni
Alves Moreno insulina glargina, comercializada com o nome de Lantus,
sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia de atraso
no fornecimento, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, em caso de
descumprimento, a ser revertida em prol da paciente, sem prejuízo de
outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial, inclusive
a responsabilização por ato de improbidade administrativa.
O prazo estabelecido no pedido, para cumprimento da
obrigação de fazer, não deve iludir o julgado quanto ao perigo da demora.
É facilmente perceptível que as providências reclamadas nesta inicial não
se resolvem da noite para o dia. A administração pública estadual terá de
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
tomar medidas de caráter financeiro e contábil para viabilizar a aquisição.
Talvez necessite adquiri-los emergentes num primeiro momento e, depois,
mediante procedimentos licitatórios.
Todavia, é perfeitamente justificado o receio de ineficácia
do provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a
tomar as providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no
prazo estabelecido na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade
da concessão liminar dos afeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à
saúde da usuária, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for
compelido a atuar desde agora, com tempo razoável para alcançar o
resultado consubstanciado no pedido desta ação civil pública.
XI.I Tutela Antecipada contra o Poder Público
Embora a nefasta e descomprometida lei 9.494/97 tenha
buscado restringir sensivelmente a possibilidade de concessão de
antecipação de tutela contra o poder público, em uma nítida manobra
corporativista,
verfica-se
que
tal
diploma,
independente
de
sua
inconstitucionalidade, não se aplica ao caso em apreço.
Isto porque a vedação alcança basicamente a concessão
de benefícios a servidores públicos, já que faz referência ao artigo 5º 29, e
seu parágrafo único30, e 7º31 da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, ao
art. 1º32, e seu § 4º33, da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e arts. 1º 34,
“não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação
ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.” (grifo
nosso)
30
“os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a
respectiva sentença” (grifo nosso)
31
“o recurso voluntário ou ex officio, interposto de decisão concessiva de mandado se segurança que
importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.”
(grifo nosso)
32
“O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de
mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a
29
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
3º35 e 4º36 da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.
Mesmo a vedação prevista no artigo 1o da lei 8.437/92, que
se refere exclusivamente a ações de natureza cautelar, que não é o caso
em tela, tem como exceção o parágrafo 2o do próprio artigo que narra: "O
disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação
popular e de ação civil pública."
Tanto assim que a decisão do Supremo Tribunal Federal
proferida nos autos de ADC nº 4-DF se refere exclusivamente à
concessão de liminares em favor de servidores públicos nos feitos que
envolvam questões remuneratórias. Não é o caso dos autos. Aqui,
discute-se a obrigação do Estado em fornecer um medicamento que é
essencial à manutenção da vida de uma usuária do SUS.
Analisando a extensão da decisão proferida na ADC nº 4DF, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o efeito vinculante de
sua
decisão
se
restringe
aos
feitos
que
envolvam
questões
remuneratórias de servidores. É o que se extrai do seguinte julgado:
EMENTA: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA. ALEGADO DESRESPEITO AO DECIDIDO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE
N.º
4.
Tratando-se
de
decisão antecipatória proferida em ação de
cobrança ajuizada por pessoa jurídica privada
contra o Estado do Piauí, evidente não estar
caracterizado
atentado
contra
a
mencionada
decisão do STF, que, reconhecendo cautelarmente
servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se
vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial” (grifo nosso)
33 “Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias”
34
“Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em
quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não
puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.” (grifo nosso)
35
“O recurso voluntário ou ex officio , interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra
pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou
de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.” (grifo nosso)
36
“Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender,
em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus
agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso
de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas”
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
a constitucionalidade do art. 1.º da Lei n.º
9.494/97, se restringiu a vedar a concessão de
antecipação de tutela, em favor de servidores,
nos feitos que envolvam questões remuneratórias.
Reclamação julgada improcedente. (Rcl1073/PE
RECLAMAÇÃO;
Relator(a): Min.
ILMAR
GALVÃO;
Julgamento:
25/09/2002
Orgão
Julgador:
Tribunal Pleno; Publicação: DJ DATA-31-10-2002)
Com
base
neste
entendimento,
conclui-se
que
ao
magistrado, em qualquer instância do Poder Judiciário, salvo em se
tratando de matéria referente à remuneração de servidores, é dado
conferir antecipação da tutela pretendida pelo autor.
A única ressalva que se pode fazer é em relação à
condição prevista no artigo 2o da lei 8.437/92 que estabelece a audiência
prévia do Poder Público, no prazo de 72 horas. Tal providência, embora
não seja razoável, está sendo respeitada nesta peça.
XI.II Precedentes judiciais
O caso em tela não representa nenhuma inovação no
direito brasileiro, constatando-se inclusive precedentes na própria
comarca de Umuarama.
A título de ilustração, juntamos cópia da petição inicial e
despacho concessivo da antecipação da tutela pelo juízo da comarca de
Bandeirantes-Pr em caso onde se compele o Estado a fornecer Insulina
Lantus a uma usuária do SUS.
Outrossim, juntamos cópia do despacho do Dr. Frederico
Mendes Júnior, então Juiz de Direito da 1a Vara Cível da comarca de
Umuara, que concedeu a tutela antecipada contra o Estado em Ação Civil
Pública que busca compelir o requerido a fornecer medicamento contra
câncer a um idoso. Também é oportuno destacar que o Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná não vem conferindo efeito suspensivo
ou cassando as tutelas antecipadas conferidas pelos juízos de
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
primeira instância, conforme se nota no despacho do Juiz
Convocado Eduardo Sarrão, em anexo.
Estes precedentes demonstram a pertinência da tutela ora
pleiteada e a postura do Judiciário paranaense na garantia da vida dos
seus jurisdicionados.
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5ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE UMUARAMA
XII - PEDIDO
Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado do
Paraná requer:
a) o recebimento e autuação da presente Ação Civil
Pública, independente do depósito de custas judiciais,
conforme prevê o artigo 18 da lei 7.347/85;
b) a
intimação
do
Estado
do
Paraná,
através
da
Procuradoria do Estado, em sua unidade sediada em
Umuarama, para que, no prazo de 72 horas, conforme
artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, se manifeste acerca da
antecipação de tutela ora pretendida;
c) a atencipação da tutela jurisdicional, para compelir o
Estado do Paraná, durante o transcorrer da ação e no
prazo máximo de 15 dias, a fornecer à Sra. Rozileni
Alves Moreno insulina glargina, comercializada com o
nome de Lantus, em quantidade compatível com a
prescrição médica, atualmente 900UI/mês;
d) a cominação ao requerido, em liminar, de multa diária,
nos termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, no valor de R$
200,00
(duzentos
reais)
por
dia
de
atraso
no
fornecimento, nos termos do artigo 11 da Lei n.º
7.347/85, a ser revertida em prol da paciente, sem
prejuízo
de
cumprimento
outras
da
providências
ordem
judicial,
tendentes
inclusive
ao
a
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responsabilização
por
ato
de
improbidade
administrativa;
e) a citação do ESTADO DO PARANÁ, na pessoa do
Excelentíssimo
Procurador-Geral
do
Estado
para,
querendo, contestar no prazo legal a presente ação,
sob pena de suportar os efeitos da revelia;
f) após a instrução, seja julgada procedente o pedido, para
condenar o Estado do Paraná a fornecer à Sra. Rozileni
Alves Moreno insulina glargina, comercializada com o
nome de Lantus, em quantidade compatível com a
prescrição médica e pelo período em que perdurar a
prescrição médica de tal medicamento;
g) a produção de provas, por todos os meios admitidos em
direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e
perícias, além de oitiva de testemunho e peritos, caso se
faça necessário. Independente de futuro aditamento,
desde já se apresentam três testemunhas.
Dá-se à causa o valor de R$3.600 (três mil e seiscentos
reais), ainda que inestimável o objeto tutelado.
Umuarama, 17 de junho de 2017
WILLIAN LIRA DE SOUZA
5° Promotor de Justiça
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Rol de testemunhas:
Hermes Pimentel da Silva, marido da usuária, residente em uma chácara ao
lado do Parque Arco Íris, próximo ao final da rua H, Umuarama, Paraná,
telefone: (044) 626 7908;
Rosângela Moreno Silva, irmã da usuária, residente na rua Marcos Moreno
Cabeção, nº 755, bairro Alto Boa Vista, Umuarama-PR;
Ronaldo de Souza, médico, crm 2.247, podendo ser encontrado no Hospital
Cemil, situado na Av. Ângelo Moreira da Fonseca, nº 3415, Umuarama-PR
Fabrizio Sakabe, médico, crm 20.335, podendo ser localizado na Secretaria
de Saúde do Município de Umuarama, centro de especialidades Endocrinologia, neste município e comarca.
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RELAÇÃO DE DOCUMENTOS ANEXADOS À INICIAL
1) DOCUMENTOS RELATIVOS À USUÁRIA DO SUS ROZILENI
ALVES MORENO
a. Termo de declarações prestadas perante esta Promotoria de
Justiça;
b. Prontuário elaborado pelo médico Fabrízio Sakabe
c. Resumo clínico do tratamento para desensibilização realizado
no HC da USP;
d. Carteira de Trabalho
2) REQUERIMENTO DO MEDICAMENTO FORMULADO À 12A
REGIONAL DE SAÚDE;
3) OFÍCIO ENVIADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO;
4) RESPOSTA DO CEMEPAR NEGANDO O MEDICAMENTO;
5) PLANO DE REORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À HIPERTENSÃO
ARTERIAL E AO DIABETES MELLITUS – MINISTÉRIO DA
SAÚDE;
6) ARTIGOS CIENTÍFICOS A RESPEITO DA INSULINA LANTUS©
a. Departamento de pesquisas da Fundação Cima's;
b. Diabetes Care – Washigton-DC, USA;
c. National Institute for Clinical Excellence – Londres, Inglaterra.
7) REPORTAGEM DO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO;
8) PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS:
a. Petição inicial e decisão concessiva de antecipação de tutela
em trâmite na comarca de Bandeirantes-PR;
b. Decisão concessiva de antecipação de tutela nos autos
260/2004, em trâmite na 1a Vara Cível da Comarca de
Umuarama e decisão do relator do Agravo de Instrumento
mantendo a decisão liminar;
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