MATERIAL DE APOIO PARA O CURSO ECONOMIA BRASILEIRA E INTERNACIONAL. Prof. Jefferson Mariano. Bibliografia: REGO. J. M; MARQUES, R. M. Economia Brasileira. Editora Saraiva: São Paulo, 2008. CARVALHO, M. A; SILVA, C. R. L. Economia Internacional. Editora Saraiva: São Paulo: 2009. CARMO, E.C; MARIANO, J. Economia Internacional. Editora Saraiva: São Paulo, 2006. MARIANO, J. Introdução à Economia Brasileira. Editora Saraiva: São Paulo, 2005. Obs: Esse material corresponde a um resumo das principais partes dos livros descritos acima. 1 (AULA 1.) A Crise de 1930 e o Avanço da Industrialização Brasileira A Grande Depressão A história tem constatado que os países capitalistas industrializados são, periodicamente, atingidos por crises econômicas. Normalmente, essas crises ocorrem com intervalos de sete a dez anos, configurando os chamados ciclos econômicos. As economias iniciam “círculo virtuoso”: Aumento da produção, do consumo, e do nível de investimento. Repentinamente o ciclo sofre uma inflexão, e inicia-se um “círculo vicioso”: Caem os investimentos, a produção, e as vendas. As explicações para esse comportamento cíclico são variadas, mas a constatação empírica é irrefutável: as economias capitalistas são intrinsecamente instáveis. A depressão de 1873-1896 foi classificada como a primeira das crises globais. A Grande Depressão de 1929-1933 foi o período histórico de maior redução do nível de atividade em quase todos os países, com exceção da União Soviética. No auge da depressão o desemprego atingiu 22% da força de trabalho na Inglaterra e na Bélgica, 24% na Suécia, 27% nos Estados Unidos e 44% na Alemanha. Ocorreu também uma redução de 60% no comércio mundial e de 90% nos empréstimos internacionais. Além das conseqüências econômicas, políticas e sociais, a Grande Depressão abalou convicções arraigadas em termos de política econômica. 2 O mundo que emergiu da Grande Depressão e da Segunda Guerra foi marcado pelas políticas econômicas intervencionistas de inspiração keynesiana e pela busca da construção do Estado de bem-estar social nos países desenvolvidos. No Brasil, a Revolução de 1930 ocasionou a perda da hegemonia política pela burguesia cafeeira em favor da classe industrial ascendente. O avanço do processo de industrialização no país intensificou-se a partir de então. A política de defesa do café No final do século XIX, o Brasil já era o principal produtor de café, com três quartos das exportações mundiais. No mercado cafeeiro, o país atuava como um produtor semimonopolista, com grandes vantagens comparativas, tais como enormes reservas de terras férteis e de mão-de-obra. Mas apesar da disseminação do consumo de café em todo o mundo, a demanda pelo produto atingiu seu limite. Pelo lado da oferta, a produção tendeu sempre a aumentar, resultando periodicamente em crises de superprodução. Dada a força econômica e política dos cafeicultores, mecanismos de defesa do café foram utilizados, dos quais o mais freqüente era a depreciação da moeda nacional nos momentos de queda dos preços de exportação. No entanto o mecanismo cambial tinha seus limites. Em 1906, a partir do Convênio de Taubaté, sofisticaram-se os métodos de defesa do café, e o governo passou a comprar os excedentes de produção, financiado por empréstimos externos. A política de valorização do café, para ser eficiente, deveria ter desenvolvido mecanismos que impedissem o contínuo aumento da produção. 3 Contudo, a defesa do nível de preços não só incentivou a produção interna ainda mais como também constituiu um estímulo fabuloso para os concorrentes externos. A Grande Depressão só precipitou uma crise que já vinha se arrastando potencialmente há décadas. No período de 1925-1929, a produção crescera quase 100%, com as exportações estáveis de dois terços de todo o café produzido no Brasil. O consumo de café nos Estados Unidos era estável, com a renda per capita crescente nos anos 1920 e com os preços no varejo estáveis. Mesmo com o início da Depressão, a produção continuou a aumentar, atingindo o seu ponto máximo em 1933, em função do início efetivo da produção plantada em 1927-1928. No período de 1927-1929 ocorreram as maiores inversões em estoque e também grandes entradas de capital privado estrangeiro no país. Quando estourou a crise, esses capitais foram retirados rapidamente. Assim, as reservas de ouro do governo, que haviam atingido 31 milhões de libras em setembro de 1919, estavam reduzidas a zero em dezembro de 1930. Todavia o café ainda tinha peso político devido à enorme dependência de nossa economia com relação a esse produto. Por isso, mais uma vez, lançou-se mão do mecanismo cambial para sua defesa. Evidentemente, o ônus da preservação da renda dos cafeicultores recaía sobre o conjunto da sociedade, por meio da desvalorização cambial e da alta dos preços de importação. Essas medidas não foram suficientes para manter estáveis os preços do café diante da dimensão da crise, pois o aumento da oferta só poderia pressionar a queda do preço pago aos produtores. 4 Assim, o governo tomou a decisão de utilizar uma solução econômica lógica, embora aparentemente absurda: a diminuição da oferta de café pela queima dos excedentes. A compra desses excedentes foi financiada por impostos sobre a exportação de café e pela pura e simples expansão do crédito. Furtado estimou que por causa desse mecanismo a queda na renda nacional foi da ordem de 25% a 30%, considerada razoável diante de estimativas de queda de 50% na renda nacional norte-americana. Para esse autor, o financiamento público da compra dos excedentes e sua destruição anteciparam outras intervenções estatais, com o objetivo de manutenção do nível de emprego e da demanda agregada, preconizadas posteriormente por Keynes. Já em 1933, a renda nacional recomeçou a crescer, com níveis de investimento equivalentes aos de 1929. A economia norte-americana só começaria a recuperar-se em 1934. O crescimento industrial durante a Grande Depressão Como conseqüência da Grande Depressão a redução das importações foi da ordem de 60%, baixando de 14% para 8% do produto interno. Parte da procura, antes satisfeita com importações, passou a ser atendida pela oferta interna. Com isso, a demanda interna passaria a ter importância crescente como elemento dinâmico nessa conjuntura de recessão mundial. A intensidade da procura interna criou uma situação nova, com a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital e no conjunto de investimentos no país. A crise do café afugentava os capitais investidos na cafeicultura. 5 Parte desses capitais foi absorvida pela própria agricultura exportadora, particularmente do algodão. Embora o aumento da produção requeira o aumento das importações de máquinas e equipamentos, em um primeiro momento isso não foi necessário, pois era possível usar a capacidade ociosa preexistente, como exemplifica o caso da indústria têxtil. O crescimento da procura por bens de capital e o forte aumento dos preços de importação desses bens, em razão da desvalorização cambial, criaram condições propícias à instalação de uma indústria de bens de capital no país. Os principais dados da produção agrícola e industrial do período mostraram um dinamismo surpreendente no contexto da crise mundial, com o aumento da renda nacional, induzido, basicamente, a partir do próprio mercado interno. Como resultado, a renda nacional aumentou 20% no período, enquanto a renda per capita subiu 7%. Na mesma época, a renda nacional dos Estados Unidos decresceu, enquanto países com níveis de desenvolvimento similares ao do Brasil e que seguiram políticas econômicas ortodoxas ainda estavam em depressão em 1937. Celso Furtado e o modelo de industrialização por substituição de importações Como resultado da crise e das fortes desvalorizações cambiais, estabeleceu-se um novo nível de preços relativos, com base no qual desenvolveram-se indústrias destinadas a substituir importações. Segundo interpretação de Maria da Conceição Tavares, a Grande Depressão é o momento de ruptura com o modelo primário exportador da economia brasileira em favor de um modelo de desenvolvimento voltado para o mercado interno. Conforme aumenta a produção interna de bens de consumo, aumenta também a importação de bens de capital e de bens intermediários necessários para essa produção. 6 Apesar de a dinâmica da economia brasileira ter passado a ser determinada internamente, tratava-se de um processo de industrialização ainda incompleto, uma vez que os setores produtores de bens de capital e de bens intermediários eram muito pouco desenvolvidos no país. Cardoso de Mello denomina esse período (1930 até o Plano de Metas) como industrialização restringida. O modelo de industrialização por substituição de importações foi delineado pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), organismo da ONU criado em 1948. Segundo a Cepal, o relacionamento comercial dos países exportadores de matériasprimas com os países desenvolvidos era caracterizado pela deterioração das relações de troca, conforme constatação de Raúl Prebisch. Quando alguns fatores externos prejudicavam esse relacionamento comercial (choque adverso) ocorria o desenvolvimento “voltado para dentro”, com o avanço da industrialização. A questão do relacionamento comercial externo é muito mais complexa que essa generalização do enfoque “cepalino”, revelando-se, portanto, simplista e equivocada. Ainda assim, as análises de Furtado e Tavares são procedentes na medida em que associam um choque adverso específico – a Grande Depressão – à consolidação do desenvolvimento urbano-industrial e fatores determinantes do processo de acumulação capitalista no país. 7 (AULA 2) O Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial Em novembro de 1937 ocorreu um golpe militar liderado pelo presidente Vargas, eleito indiretamente, em 1934, pela Assembléia Nacional Constituinte, e cujo mandato terminaria em 1938. Esse golpe significou a instauração do período ditatorial conhecido como Estado Novo, que se estenderia até 1945, concentrando no governo federal a maior soma de poderes desde a Independência. Nos processos de industrialização do século XX, período do capitalismo monopolista, com predomínio das grandes corporações, as escalas técnicas e financeiras requeridas para o avanço industrial estavam muito acima das forças capitalistas locais. Na década de 1930, os capitais privados nacionais eram ainda frágeis, e não fazia parte da estratégia das grandes empresas capitalistas produzir em outros países, especialmente nos chamados países subdesenvolvidos. Portanto, a única possibilidade de implantar grandes projetos de indústrias de bens de produção concentrava-se na ação estatal, o que era exatamente a proposta de Vargas. Logo após o golpe de 1937, o forte aumento das importações provocou escassez de divisas e forçou o governo a adotar o monopólio cambial, com taxa única desvalorizada. O objetivo imediato era reduzir o nível agregado das importações. Somente após o início da Segunda Guerra Mundial, em 1941, o país passou a apresentar uma balança comercial superavitária. Apesar da diminuição das importações, a produção industrial, após sofrer uma forte queda no crescimento, voltou a crescer mesmo com séria escassez de insumos e de bens de capital importados. 8 O pós-guerra e o crescimento industrial Logo após o fim da Segunda Guerra, o país redemocratizou-se e Dutra foi eleito, iniciando seu governo dentro dos princípios liberais de Bretton Woods. A posição liberal do governo Dutra apoiava-se no que Sergio B. Vianna chama de ilusão de divisas, pois o volume de reservas internacionais do país parecia bastante confortável. Acreditava-se que uma política liberal de câmbio seria capaz de atrair investimentos diretos estrangeiros, equilibrando estruturalmente o balanço de pagamentos brasileiro. Em função disso, o câmbio foi mantido praticamente à paridade de 1939 e o mercado livre foi instituído, com a abolição das restrições e do controle dos fluxos de divisas por parte do governo central. O resultado dessa política foi o que se previa: uma literal queima das divisas, só em parte gastas com importações de máquinas e matérias-primas essenciais. Em julho de 1947, diante da impossibilidade de sustentar a política anterior, voltam os controles cambiais, enquanto o país enfrenta uma escassez de moedas fortes. A conjugação de uma taxa de câmbio sobrevalorizada com controle cambial produziu um triplo efeito em benefício da industrialização substitutiva de importações: subsídio às importações de bens de capital e bens intermediários; protecionismo contra a importação de bens competitivos; e aumento da rentabilidade da produção para o mercado interno. Apesar da pouca preocupação do governo Dutra com o crescimento industrial, a política do Banco do Brasil de crédito à indústria foi bastante importante. A única tentativa de intervenção planejada do Estado no governo Dutra foi o Plano Salte, que procurava coordenar os gastos públicos nas áreas de saúde, alimentação, transporte e energia. 9 Como não foram asseguradas as fontes de financiamento para esses investimentos, na prática o Plano Salte mal saiu do papel. O projeto nacionalista de Vargas Percebemos resultados bastante interessantes quando o departamento de bens de capital e parcela do departamento de bens de consumo duráveis começam a assumir relevância no conjunto da produção industrial do Brasil. Isso começou a acontecer na economia brasileira no início da década de 1950, com a tentativa de Getúlio Vargas de implantar as bases de uma indústria pesada no país. A proposta de Vargas restringiu as possibilidades de financiamento externo desses projetos ou a participação de capitais estrangeiros na forma de investimentos diretos. Era uma acumulação financiada internamente pelas altas taxas de lucro da indústria impulsionada pela política de valorização cambial e pela transferência dos excedentes do setor agroexportador para a indústria. A criação do BNDE, em 1952, financiado por intermédio de um adicional sobre o IR, foi fundamental para o financiamento de projetos de infra-estrutura de transporte e energia e, posteriormente, de projetos de implantação industrial. Em 1953, a Instrução 70 da Sumoc condicionava as importações aos interesses industriais, mediante o leilão de divisas com câmbio diferenciado conforme a essencialidade da importação. Os leilões foram uma importante fonte de arrecadação para o Estado, além de manter a política cambial de favorecimento das indústrias substitutivas de importação. A tentativa de implantar o departamento de bens de capital enfrentou as dificuldades políticas típicas de um projeto nacionalista. 10 Os trabalhadores buscavam participar dos ganhos de produtividade decorrentes do avanço da industrialização. Os empresários mostrariam seu descontentamento com o aumento dos custos das importações que a desvalorização cambial provocava. A nova crise que atingiria a agricultura cafeeira também seria creditada ao governo, e seria capitalizada politicamente pela oposição. O desfecho da crise política foi o suicídio de Vargas e a morte de um projeto nacional que não chegou a ser implementado. A falta de sustentação política da burguesia industrial a Vargas e as limitações da acumulação financeira nacional resultaram em transformações limitadas na estrutura produtiva, impedindo a abertura de caminhos autônomos para o desenvolvimento nacional. Essas transformações, entretanto, seriam fundamentais para o posterior processo de industrialização, ainda que já não mais nacionalista: o capital privado estrangeiro seria o carro-chefe dessa industrialização. O suicídio de Vargas – Café Filho e Eugênio Gudin – FMI – Fundo Monetário Internacional Com o suicídio de Vargas, assumiu o governo o vice-presidente Café Filho (19541955). Nesse curto espaço de tempo duas políticas econômicas claramente distintas foram executadas, consubstanciadas em dois ministros da Fazenda: Eugênio Gudin (economista ultraliberal), e o banqueiro José Maria Whitaker. Gudin podia ser considerado a antítese do governo Vargas: era inimigo das propostas desenvolvimentistas e defensor de uma política econômica ortodoxa, com prioridades antiinflacionárias baseadas no controle da emissão monetária e do crédito. 11 Polemista, Gudin participou de uma clássica polêmica com Roberto Simonsen, defensor da industrialização brasileira e das ações estatais desenvolvimentistas. Concretamente, a principal ação de Gudin foi a Instrução 113 da Sumoc (27/01/1955), que permitia às empresas estrangeiras instaladas no país importar máquinas e equipamentos sem cobertura cambial e classificados nas três primeiras categorias de importação. Essa foi a forma encontrada por Gudin para a extinção dos obstáculos à livre entrada de capital estrangeiro. Tal beneficio não era concedido às empresas nacionais, que enfrentavam a concorrência em condições de inferioridade, e quase sempre importando máquinas e equipamentos obsoletos e já desativados em seu país de origem. A partir do diagnóstico ortodoxo da economia brasileira, Gudin buscou cortar os gastos públicos, especialmente investimentos, e executou uma forte política de contração monetária e creditícia. As concessões presidenciais em troca do apoio de Jânio Quadros, governador de São Paulo, à candidatura udenista para a sucessão de Café Filho resultaram na queda de Gudin, em 4 de abril de 1955, e na indicação do banqueiro paulista José Maria Whitaker para a pasta da Fazenda. Assim que assumiu, Whitaker defrontou-se com uma nova e mais séria crise bancária, ainda decorrente da política contracionista de Gudin. Por intermédio do Banco do Brasil a crise de liquidez foi resolvida. Whitaker sugeriu uma profunda reforma cambial, buscando unificar as dez taxas distintas: cinco de importação, quatro de exportação e a do mercado livre. Se essa reforma liberalizante fosse efetivamente implementada, significaria a derrota de uma política desenvolvimentista impulsionadora do PSI. 12 Contudo, tal proposta não contou com o apoio político dos principais candidatos à presidência. A plataforma política de Juscelino Kubitschek propunha intensificar o PSI. Com a falta de sustentação política para suas propostas, Whitaker foi exonerado, sem conseguir implementar sua reforma cambial nem defender os interesses da cafeicultura. FMI – Fundo Monetário Internacional. Organização financeira internacional, criada em 1944, na Conferência Internacional de Bretton Woods (EUA). É uma agencia da ONU, com sede em Washington, e faz parte do sistema financeiro internacional, ao lado do Bird e do BIS. O FMI foi criado com a finalidade de promover a cooperação monetária dos países capitalistas, coordenar as paridades cambiais e levantar fundos entre os países-membros para auxiliar os que encontram dificuldades nos pagamentos internacionais. Embora a associação seja voluntária, ela acaba se impondo à maioria dos países, pois o sistema financeiro internacional utiliza as avaliações e as recomendações do FMI para a concessão de créditos. Com o passar do tempo, as orientações técnicas desse organismo têm sido cada vez mais questionadas, na medida em que suas propostas de políticas econômicas, geralmente monetaristas, provocam recessões e conflitos sociais nos países sob sua assistência. Atualmente, quase todos os países fazem parte do FMI, o qual é controlado efetivamente pelos países mais ricos – eles detêm maior número de cotas, ou seja, a maior parte do capital da instituição. Tradicionalmente, o diretor-gerente e principal executivo da instituição é um europeu, que deve receber o aval dos Estados Unidos, enquanto o vice-diretor-gerente é um norteamericano. 13 14 ( AULA 3) Plano de Metas de Juscelino Kubitschek – Planejamento Estatal e Consolidação do Processo de Substituição de Importações Planejamento estatal – 50 anos em 5 O planejamento estatal começou a ser utilizado na URSS, com o primeiro plano qüinqüenal de 1929, no momento em que praticamente toda a economia mundial começava a enfrentar os duros anos da Grande Depressão. Durante a Grande Depressão a participação da produção industrial soviética no total mundial aumentou de 5%, em 1929, para 18%, em 1938. Rapidamente os termos “plano” e “planejamento” passaram a freqüentar os debates mesmo nas economias capitalistas, que não eram centralmente planejadas. Com a divulgação da macroeconômica keynesiana e com a evolução dos modelos de crescimento, típicos da ideologia desenvolvimentista, o planejamento estatal passou a ser uma técnica utilizada intensamente em todo o mundo. As técnicas de planejamento foram aperfeiçoadas com a utilização de modelos de política econômica e de novos instrumentos, como a programação linear, os modelos econométricos e as matrizes de insumo-produto. Nesse contexto, iniciou-se a atividade de planejamento no país. Entre 1951 e 1953 (Governo Vargas), foi constituída a Comissão Mista BrasilEstados Unidos (CMBEU), com o objetivo de elaborar projetos que seriam financiados pelo Eximbank e pelo Bird. Posteriormente, em 1953, foi constituído o Grupo Misto BNDE-Cepal que constituiu a base do Plano de Metas. 15 O trabalho do Grupo Misto seria o de fazer um levantamento exaustivo dos principais pontos de estrangulamento da economia brasileira, além de identificar áreas industriais com demanda reprimida. Com base nesse diagnóstico, caberia às comissões propor projetos e planos específicos para a superação dos pontos de estrangulamentos, considerando as repercussões e as necessidades criadas pela introdução de novos ramos industriais. O Plano de Metas proposto por JK para o período de 1956-1960 continha um conjunto de 31 metas, incluída a meta-síntese: a construção de Brasília. Os setores de energia, transporte, siderurgia e refino de petróleo receberiam a maior parte dos investimentos do governo. Subsídios e estímulos seriam concedidos para expansão e diversificação do setor secundário, produtor de equipamentos e insumos com alta intensidade de capital. Foram criados grupos executivos, colegiados que congregavam representantes públicos e privados para a formulação conjunta de políticas aplicáveis às atividades industriais privadas: Geia – Automobilismo; Geicon – Construção Naval; Geimar – Máquinas agrícolas e rodoviárias; Geimap – Mecânica pesada; Gemf – Exportação de minério de ferro; e Geimf – Material ferroviário O Plano de Metas financiava os gastos públicos e privados com expansão dos meios de pagamento e de crédito, via empréstimos do BNDE. 16 O crédito privado (empréstimos de curto prazo) voltados para o capital de giro das empresas foi estimulado por meio de repasses do Banco do Brasil, o que causou uma pressão adicional sobre o déficit público. Em razão do tipo de financiamento, a inflação doméstica manteve-se em taxas elevadas durante o governo JK. No período de 1957-1961, o PIB cresceu à taxa anual de 8,2%, o que resultou em um aumento de 5,1% ao ano na renda per capita, superando o próprio objetivo do Plano de Metas. Cepal – Comissão Econômica para a América Latina Órgão regional da ONU, criado em 1948 com o objetivo de estudar e propor políticas de desenvolvimento aos países latino-americanos. Sediado em Santiago do Chile e, desde a sua fundação, tem sido um dos principais centros de reflexão sobre a economia da região. Seu grande impulsionador foi o argentino Raúl Prebisch. Prebisch, em artigos clássicos, analisou o relacionamento econômico perverso entre os países exportadores de produtos primários e os países desenvolvidos: os preços dos produtos primários normalmente desvalorizam-se com relação aos preços dos bens industrializados. A Cepal produziu, assim, uma crítica à teoria das vantagens comparativas do comércio internacional, desenvolvendo uma abordagem histórico-estruturalista, baseada no entendimento da evolução econômica e social dos países latino-americanos, no contexto das relações econômicas adversas e de dependência. Entre os brasileiros ligados à Cepal, destacam-se Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso, Antônio Barros de Castro, Carlos Lessa, José Serra e, mais recentemente, Renato Baumann e Ricardo Bielschowsky. 17 Capital estrangeiro e oligopólios O desenvolvimento industrial durante o Plano de Metas foi liderado pelo crescimento de dois setores: o produtor de bens de capital e o produtor de bens de consumo duráveis; suas taxas anuais de crescimento médio no período de 1955-1962 atingiram 26,4% e 23,9%, respectivamente. O investimento na indústria de transformação cresceu a uma taxa média anual de 22% entre 1955-1959. O crescimento industrial que ocorreu a partir do início do governo JK estava estruturado em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado estrangeiro e, como sócio menor, pelo capital privado nacional. As transformações estruturais que ocorreram no período implicaram a oligopolização da economia brasileira, quando os principais ramos industriais passaram a ser constituídos por um reduzido número de grandes empresas. A participação hegemônica do capital internacional na produção manufatureira também foi possível em razão da própria mudança da estratégia de investimentos das grandes corporações estrangeiras, que começavam seus movimentos de transnacionalização. O Brasil, pelo tamanho de seu mercado interno tornou-se um espaço privilegiado para a atuação das empresas multinacionais (EMN), embora seja importante ressaltar que os Estados Unidos, inicialmente, estavam presentes apenas marginalmente nesse processo. As EMN passariam a dominar amplamente a produção industrial brasileira, especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. O predomínio das EMN foi conseqüência direta das características da industrialização no capitalismo monopolista. Dadas as escalas de produção e a intensidade de capital necessárias, foi inevitável a supremacia do capital externo, dominando os setores mais dinâmicos de nossa economia. 18 Ao capital privado nacional coube o papel subordinado de fornecedor de insumos e componentes. Todavia, em setores como financeiro, de mineração, serviços em geral, construção civil e agricultura, a participação estrangeira foi bastante restrita, quer por questões legais, quer por estratégias de investimentos das EMN. A enorme presença do capital estrangeiro no país tornou a economia brasileira (que era fechada à importação de produtos com similares nacionais) uma das mais abertas e internacionalizadas do mundo. A consolidação da estrutura industrial brasileira O Plano de Metas estimulou decisivamente o PSI, especialmente no setor de bens de consumo duráveis, e em importantes áreas do setor de bens de capital. A economia brasileira foi a que mais avançou com o PSI, quer na América Latina, quer no conjunto dos outros países não industrializados. Já no início dos anos de 1960, Maria da Conceição Tavares considerou a hipótese de esgotamento do PSI, com a diminuição de seus efeitos positivos sobre a dinâmica industrial brasileira. Apesar de a produção de bens de capital e intermediários ter crescido significativamente, não conseguiu completar a criação de um departamento I que possibilitasse a autonomia do processo de acumulação. O mercado brasileiro ainda era relativamente pequeno e não sustentava as escalas de produção requeridas para a fabricação de bens de alta tecnologia. Assim, as indústrias dedicavam-se à produção de produtos mais leves, deixando os mais pesados e especializados por conta das importações. Nova dependência financeira e tecnológica com relação aos países desenvolvidos. 19 Os saldos comerciais tornaram-se negativos a partir de 1958, com um novo ciclo de deterioração das relações de troca. A situação agravou-se em virtude dos prazos curtos dos vencimentos dos empréstimos externos, culminando no rompimento entre o governo JK e o FMI e o Banco Mundial em 1959. Apesar da política extremamente liberal seguida pelo governo com relação ao capital estrangeiro, esses organismos internacionais não aprovavam os pilares do PSI: protecionismo e controle das importações. Além disso eles não aprovavam a condução da política macroeconômica – com grandes déficits fiscais – e a política monetária expansionista, que não se preocupava com as crescentes taxas de inflação do período. Por tais contradições houve uma queda no ritmo de crescimento industrial a partir de 1962, sendo a primeira crise econômica motivada, principalmente, por causas internas. Essa crise revelaria a importância assumida pela acumulação industrial no processo de desenvolvimento econômico do país, na medida em que o crescimento do PIB torna-se diretamente vinculado ao crescimento da produção industrial. Assim, o nível dos investimentos passa a ser a variável fundamental para explicar os movimentos cíclicos da economia. 20 AULA 4 A Crise de 1962-1967, o PAEG e as Bases do Milagre Econômico A primeira crise industrial endógena – os limites do processo de substituição de importações Após um período de intenso crescimento do PIB, entre 1956 e 1962, a economia sofreu uma desaceleração que perdurou até 1967. Entre 1962 e 1967, a taxa média de crescimento do PIB caiu à metade daquela alcançada no período anterior. A inflação disparou e atingiu uma taxa anual de 90% em 1964. As explicações para a expressiva diminuição do ritmo de crescimento são as mais variadas possíveis. Parte dessas divergências deve-se à própria complexidade daquele modelo histórico, quando se entrelaçavam questões econômicas estruturais com políticas econômicas conjunturais. Para autores de tradição estruturalista essa seria uma típica crise cíclica, relacionada com a conclusão do volumoso conjunto de investimentos do Plano de Metas. Depois da conclusão desse pacote de capitais, a economia levaria algum tempo para absorvê-lo, uma vez que a própria existência de elevadas capacidades ociosas em vários ramos industriais seria um freio para a continuidade dos investimentos. Sobre essa questão estrutural atuavam ainda fatores conjunturais, como a ascensão inflacionária, que corroía o poder aquisitivo dos trabalhadores, reduzindo a própria demanda por bens não duráveis, e a política antiinflacionária recessiva do Plano Trienal. Para autores de outras posições políticas o início da crise se devia à instabilidade política presente no país após a renúncia de Jânio Quadros, o que teria desestimulado os investimentos. 21 Francisco de Oliveira, em Economia brasileira: crítica à razão dualista, associou a crise e a queda dos investimentos ao aumento da atividade sindical e política dos trabalhadores. Paul Singer, em Desenvolvimento e crise no Brasil, ressalta a importância do aspecto político e do papel da inflação no processo de concentração de renda e de potencialização da acumulação capitalista. O recrudescimento da luta sindical e a sua transformação crescente em luta política, com a defesa das “reformas de base”, levaram a um impasse político e econômico solucionado apenas pelo golpe militar. Uma explicação mais abrangente sobre a crise de 1962 certamente deveria considerar os vários aspectos abordados nas análises anteriores. Tratou-se efetivamente de uma crise cíclica, agravada pelo aumento da instabilidade política e pelas políticas de estabilização recessivas, como o Plano Trienal, num primeiro momento, e o próprio PAEG, a partir de 1964. Some-se a isso o fato de que a economia se industrializara mantendo enorme dependência com relação ao setor externo, o que provocava freqüentes crises cambiais. Crise política e o Plano Trienal de Celso Furtado Durante o curto governo de Jânio Quadros, a política econômica foi bastante conservadora no enfrentamento dos problemas herdados do governo JK: aceleração inflacionária; déficit fiscal; e pressão sobre o balanço de pagamentos. Em março de 1961 foi feita uma desvalorização cambial de 100%, com o objetivo de diminuir a pressão dos subsídios cambiais sobre o déficit público. 22 A abrupta renúncia do presidente, em agosto de 1961, interrompeu a continuidade de sua política econômica. A posse do vice-presidente João Goulart só foi possível com as limitações que lhe seriam impostas pelo regime parlamentarista, resultado do veto dos militares. De setembro de 1961 até janeiro de 1963, houve três gabinetes parlamentares que, diante do quadro de indefinição política, não conseguiam implementar nenhuma política econômica consistente. No final de 1962, poucos meses antes do plebiscito que restabeleceria o regime presidencialista, foi apresentado por Celso Furtado o Plano Trienal, uma resposta política do governo à aceleração inflacionária e à deterioração econômica externa. Furtado, o mais importante economista brasileiro estruturalista, elaborou um plano de ações antiinflacionárias bastante ortodoxo, o que para Francisco Oliveira e Ignácio Rangel demonstrava as próprias limitações do enfoque estruturalista. Mais uma vez foi usada a política de contenção de gastos públicos e de liquidez. A tentativa de estabilização fracassou e provocou o crescimento negativo do PIB per capita: a economia cresceu apenas 0,6% em 1963, com inflação anual de 83,25%. Em julho de 1963, Furtado deixou o governo e o acirramento dos conflitos sindicais e políticos impediu a implementação de qualquer política de gestão econômica mais articulada. O fim do governo ocorreu com o golpe militar de 1964. 1964 – ruptura democrática e o modelo dependente e associado A tomada do poder pelos militares em 1964 pôs fim ao chamado populismo no país. 23 Denominavam-se populistas os regimes políticos latino-americanos que incorporaram amplas massas urbanas em um processo político do qual haviam sido excluídas secularmente. Foi nesse contexto histórico que a economia brasileira predominantemente agroexportadora transformou-se em outra, de base urbano-industrial. Os governos populistas eram, no entanto, acusados pelos conservadores de serem excessivamente redistributivos, pois buscavam distribuir uma renda ainda não existente. Entretanto, todas as evidências empíricas sobre o caso brasileiro desmentem esse raciocínio: o salário mínimo não garantia mais que as condições indispensáveis à sobrevivência do trabalhador e de sua família. Além disso o salário mínimo praticamente não sofreu mudanças em seu valor real. Já o crescimento da produtividade industrial e do PIB, entre 1930 e 1990, levou à quintuplicação do PIB per capita no país. O regime militar assumiu a direção do país, em 1964, com uma postura tecnocráticomodernizante, comprometido com a superação das políticas populistas de João Goulart. Apesar das críticas ao nacionalismo econômico do governo deposto, o novo regime manteria um discurso desenvolvimentista, comprometido com a retomada do crescimento econômico. O Brasil assumiu então uma clara subordinação: tratava-se do aprofundamento do modelo de capitalismo dependente e associado, já hegemônico no país desde o Plano de Metas de JK. O aumento da dependência externa, que se refletiu, sobretudo, no enorme aumento da dívida externa do país, foi determinante para os rumos da economia brasileira. PAEG – estabilidade e mudanças institucionais 24 O PAEG foi elaborado pelo então recém-criado Ministério do Planejamento e da Coordenação Econômica. A equipe econômica do presidente marechal Castelo Branco era liderada por Roberto Campos, ministro do Planejamento, e por Octávio Gouvea de Bulhões, ministro da Fazenda. O plano conseguiu reduzir a taxa de inflação de 90%, em 1964, para menos de 30%, em 1967. Entretanto, o aspecto mais importante do PAEG foi o conjunto de transformações institucionais imposta ao país, consubstanciadas nas reformas bancária e tributária e na centralização (autoritária) do poder político e econômico. O PAEG mantinha os objetivos básicos dos discursos desenvolvimentistas: retomada do desenvolvimento, via aumentos dos investimentos; estabilidade de preços; atenuação dos desequilíbrios regionais; e correção dos déficits do balanço de pagamentos. Prioridades imediatas: internamente – controle da inflação; e externamente – normalização das relações com os organismos financeiros internacionais. O diagnóstico do processo inflacionário brasileiro era embasado na ortodoxia monetarista: o excesso de demanda seria causado pela monetização dos déficits públicos, pela expansão do crédito às empresas e pelos aumentos salariais superiores ao aumento da produtividade. Foi executada uma política monetária restritiva, com controle de emissão monetária e de crédito; e, especialmente, foi implementada uma dura política de contenção salarial. Essa política – uma derrota dos trabalhadores e assalariados em geral – acabou provocando um efetivo arrocho salarial, somente possível em um regime autoritário. 25 As políticas monetária e creditícia, entretanto, foram do tipo stop-and-go, alternando períodos de expansão da moeda e do crédito com outros de forte contração monetária, atingindo duramente a atividade econômica e provocando falências, concordatas e desemprego. A reforma bancária de 1965 criou a estrutura básica do sistema financeiro nacional, instituindo o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional, e permitiu a especialização desse sistema com a divisão em financeiras, bancos comerciais e bancos de investimento. Com a criação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), foi instituída a correção monetária, o que possibilitou a convivência com taxas elevadas de inflação durante muitos anos. A criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Banco Nacional da Habitação (BNH) possibilitou o fomento extraordinário da construção habitacional e do saneamento básico, usando recursos da poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A reforma tributária de 1967 criou o sistema tributário ainda hoje existente no país, aumentando a arrecadação e centralizando-a no governo federal. Além dos impostos, adquiriram grande importância fundos parafiscais como o FGTS, o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Assistência ao Servidor Público (Pasep). Além disso, ao longo dos anos, o governo federal passou a se financiar por meio da constituição de uma dívida pública baseada na ORTN e, posteriormente, em Letras do Tesouro Nacional (LTN). A avaliação do PAEG como programa de estabilização é positiva, apesar de seus custos para uma parcela importante da população. 26 O plano reduziu a inflação para faixa de 20% ao ano e executou um amplo conjunto de transformações institucionais fundamentais para o grande crescimento econômico que se seguiria. Em contrapartida, as críticas centraram-se no diagnóstico de inflação, erroneamente considerada de demanda, o que resultou em uma política recessiva com altos custos sociais. Segundo Bacha, a política monetária restritiva praticada em 1966 foi equivocada, tendo em vista que a ameaça de retomada do crescimento inflacionário devia-se a pressões dos preços agrícolas. Outra linha de críticas é aquela dirigida contra o autoritarismo na implementação das transformações institucionais e na execução da política de estabilização. Criticava-se todo um projeto voltado ao fortalecimento dos grandes oligopólios e ao aprofundamento da desnacionalização da economia. 27 AULA 5 – MILAGRE ECONOMICO. Durante o período de 1968 a 1973 o Brasil vivenciou um momento de euforia com elevadas taxas de crescimento. Devido às proporções do crescimento esse momento ficou conhecido como “milagre econômico”. A taxa média de crescimento do PIB nesse período foi superior a 10%. Em 1973 chegou a 14% (superior a recente taxa anual da economia chinesa!). Apesar do curso enfatizar aspectos econômicos, vale destacar que esse foi o período em que se intensificaram as restrições às liberdades políticas com a instituição do AI 05 – Ato Institucional 05. O ato institucional nº 05 foi instituído pela ditadura militar em 1968 com objetivo de restringir as liberdades políticas e civis. Dentre as principais medidas destacam-se: Proibição de eleições diretas em Estados e Municípios; proibição de manifestações públicas políticas e sindicais incluindo o direito de greve e Cassação de mandato de parlamentares opositores ao regime Porque então a economia brasileira apresentou um desempenho tão favorável? - As reformas institucionais realizadas pelo PAEG possibilitaram o aumento dos investimentos na economia. - Existência de ociosa da indústria (grandes investimentos foram realizados durante o plano de metas, porém devido a recessão as indústrias trabalhavam bem abaixo de sua capacidade); Desse modo havia espaço para o crescimento da economia sem pressionar os índices de inflação; 28 - Cenário internacional favorável (período entre 1945 e 1973 ficou também conhecido como a Golden Age ou a era de ouro do capitalismo devido à grande expansão da economia mundial); levando ao aumento das exportações. - Mudança nas políticas fiscal e monetária, principalmente com o estímulo do crédito ao consumidor; Com o crédito ocorreu a possibilidade da aquisição dos bens de consumo duráveis, produzidos pela indústria nacional; - Aumento do investimento estatal em setores de infra-estrutura ocasionando o aumento da participação das Empresas públicas nessa área. - Crescimento do setor de construção civil devido aos investimentos do Sistema Financeiro de Habitação (recursos do FGTS); Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi instituído como parte de um conjunto de reformas durante a ditadura militar. Até 1966 os trabalhadores que ficassem durante 10 anos em uma mesma empresa adquiriam estabilidade, não podendo ser demitido. Em 1966 foi criado o sistema no qual os trabalhadores poderiam optar pelo sistema de estabilidade ou pelo FGTS. Em 1988 a Constituição regulamentou como sistema único o FGTS. O termo milagre econômico foi utilizado para descrever o crescimento econômico brasileiro em alusão a outros processos semelhantes na econômica mundial como o “milagre” alemão e japonês ao longo dos anos cinqüenta. Para o financiamento de parte dos investimentos realizados na economia o governo recorreu de modo freqüente ao endividamento externo. Como já estudamos na aula anterior, esse endividamento foi possível devido ao quadro de liquidez internacional favorável. Muitas vezes esse processo tinha por 29 objetivo a capitação de recursos externos para repasse para as empresas instaladas no Brasil. No gráfico a seguir podemos observar o comportamento do endividamento externo ao longo do período. Nesse intervalo de tempo ocorreu a explosão da dívida externa que saiu de um valor de U$ 3,8 bilhões em 1968 para U$12,6 bilhões em 1973. A série completa da dívida externa do Brasil pode ser obtida no site do IPEA – www.ipeadata.gov.br. Evolução da Dívida Externa do Brasil: 1968-1973 14 12,6 Em U$ Bilhões 12 10 9,5 8 6,6 6 5,3 4 3,8 4,4 2 0 1968 1969 1970 1971 1972 1973 Anos Fonte: IPEA Apesar do forte crescimento o modelo econômico implementado na época ocasionou em uma forte concentração de renda. Nesse sentido, é importante destacar que o crescimento do período não se traduzia em desenvolvimento econômico. 30 Há uma distinção importante entre crescimento e desenvolvimento econômico. Celso Furtado explica no clássico: Formação Econômica do Brasil que crescimento econômico ocorre quando se percebe o aumento da produção física do país. Acontece desenvolvimento econômico quando se processam mudanças positivas nas condições sociais, ou seja, ocorre crescimento com melhoria nas condições de vida da população. De acordo com o IBGE o índice de Gini em 1960 correspondia a 0,497 e em 1970 havia se elevado para 0,565. Para ver a série completa dos indicadores de concentração de renda no país é interessante consultar o site do IBGE: www.ibge.gov.br. Os dados de concentração de renda são elaborados tendo como referência a Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios. Além do modelo baseado na produção de bens de consumo duráveis ter favorecido as camadas intermediárias da população brasileira, ocorria por outro lado uma redução no salário real dos trabalhadores mais pobres em decorrência da redução do valor real do salário mínimo. Outro limite do Plano esteve relacionado à forte dependência externa. O aumento da produção levou a uma pressão sobre a importação de matérias-primas, impactando de modo negativo o balanço de pagamentos. Com isso, além de déficits na balança de pagamentos, os impactos dos insumos importados sobre as cadeiras produtivas passaram a pressionar os índices preços, que foram agravados com a crise do petróleo de 1973. Desse modo, a crise interrompe o ciclo de grande expansão da economia brasileira. glossário: AI 05: Ato Institucional nº 5 – Alteração na legislação instituída em 1968 e que restringiu os direitos políticos e civis. 31 Golden Age: Expressão utilizada para explicar o forte crescimento da economia capitalista no intervalo entre 1945 e 1973. Índice de GINI: Indicador que mede o grau de concentração de renda no país. Esse índice varia de zero a um. Quanto mais próximo da unidade maior a concentração da renda, ou seja, pior o quadro de distribuição de renda. Quando mais próximo de zero mais igualitária é a distribuição da renda ou menor a concentração da renda. Salário Nominal: Remuneração do trabalhador levando-se em consideração os preços correntes. Salário Real: Remuneração do trabalhador levando-se em consideração o poder de compra do salário, ou seja, descontando-se a inflação do período. O salário real é definido por: Salário Real = Salário nominal X 100 Índice de inflação 32 AULA 6 – II PND. II PND (1975-1979) – a “fuga para a frente” O governo militar, que assumira a presidência com o golpe de 1964, tinha um projeto geopolítico de afirmação do país como potência, ainda que regional, e de abertura política, com a paulatina transformação do autoritarismo militar. A abertura política “lenta, gradual e segura” deveria conduzir o país, no futuro, a algum tipo ainda não claramente definido de governo civil. A continuidade do crescimento econômico só seria possível com a superação dos estrangulamentos estruturais presentes na história de nossa economia. Era fundamental desenvolver o departamento I, superando a forte dependência externa do país com relação a bens de capital, petróleo, produtos químicos, fertilizantes etc. Os aspectos mais dramáticos da questão social também teriam de ser enfrentados. O II PND foi a mais ampla e articulada experiência brasileira de planejamento após o Plano de Metas. Partindo da avaliação de que a crise mundial era passageira e de que as condições de financiamento eram favoráveis, o II PND propunha uma “fuga para frente”, assumindo os riscos de aumentar provisoriamente os déficits comerciais e a dívida externa. Mas construindo uma estrutura industrial avançada que permitiria superar conjuntamente a crise e o subdesenvolvimento. Para a consecução desses objetivos, o governo contaria com o auxílio de empresas estatais como produtoras e como grande mercado para as indústrias do setor privado. 33 As EMN participariam do processo agora como coadjuvantes das empresas nacionais, pois não estavam interessadas em realizar grandes investimentos em uma conjuntura de grandes incertezas no mundo todo. O financiamento externo – a reciclagem dos petrodólares Além do grande esforço na tentativa de redirecionamento da poupança interna para os projetos do II PND, houve uma grande participação de empréstimos externos no financiamento dos programas de investimento. Segundo Lessa, quem ocupava o centro do palco da industrialização brasileira nesse momento era a grande empresa estatal. As empresas estatais só podiam ter acesso ao sistema financeiro externo estando impedidas de recorrer ao crédito interno. Com seus imensos ativos, eram o mercado ideal para o sistema financeiro internacional, que já estava reciclando os “petrodólares”, isto é, os imensos excedentes que os países árabes exportadores de petróleo começavam a acumular com o aumento dos preços do produto. Nesse quadro de grande liquidez internacional, a conjuntura econômica mundial adversa reduzia os demandantes de crédito. O governo brasileiro e suas grandes empresas passaram a ser praticamente os únicos grandes tomadores de recursos do sistema financeiro internacional. Os limites do II PND Os limites do II PND foram dados pela própria ambição de suas propostas. 34 Cumprir um conjunto extremamente amplo de objetivos em um prazo bastante curto revelou-se tarefa superior às possibilidades econômicas e políticas do país, em uma conjuntura externa adversa. Por isso, para Lessa, o II PND teria se transformado, a partir de 1976, em letra morta, continuando a existir apenas na retórica oficial. Para Antonio Barros de Castro, os grandes projetos do II PND, por sua complexidade e longo prazo de maturação, teriam começado a produzir resultados visíveis somente a partir de 1983 e 1984. Politicamente, o II PND sofreu fortes ataques da imprensa conservadora, que desencadearam uma ampla campanha contra o que chamavam de estatização da economia. Mesmo os grandes empresários nacionais do setor de bens de capital passaram paulatinamente à oposição ao governo militar. Essa nova posição política do setor de bens de capital engrossou o coro da oposição empresarial ao regime militar, descontente com a direção da política econômica e saudosa dos tempos de intenso crescimento da época do milagre econômico. Para José Luís Fiori, a tentativa de implantar o II PND, articulando o Estado e a burguesia industrial do setor de bens de capital, constituiu-se mais uma tentativa prussiana rejeitada de afirmação de um projeto nacional. Segundo Castro, os objetivos centrais do II PND, seriam assumidos mesmo por um regime democrático, uma vez que eram uma decorrência lógica do próprio sucesso do processo de substituição de importações. Assim, após o II PND, o parque industrial brasileiro não caberia mais, sequer como caso-limite, dentro do perímetro do subdesenvolvimento. 35 A desaceleração e o alongamento do II PND – a colheita nos anos 1980 A onda de investimentos do II PND refletiu-se em déficit em transações correntes e em crescimento da inflação, o que levou as autoridades econômicas a optar pela diminuição das taxas de crescimento industrial. A taxa de crescimento do PIB caiu de 9,8% em 1976 para 4,6% em 1977, e 4,8% em 1978. A desaceleração adiou o início das atividades dos grandes projetos nas áreas de energia, química pesada, siderurgia etc. A partir de 1983, contudo, seus resultados apareceram na forma de um superávit comercial de US$ 6,5 bilhões, que atingiria US$ 13 bilhões em 1984. Castro e outros analistas interpretaram esses superávits expressivos como resultado das transformações estruturais ocorridas na economia brasileira com o II PND. Embora a recessão de 1981-1983 implicasse um estímulo conjuntural ao aumento das exportações e à diminuição das importações, tais superávits comerciais seriam decorrentes de uma diminuição estrutural da pauta de importações do país. Castro calculou que os ganhos de divisas decorrentes dos programas setoriais do II PND alcançaram US$ 2,7 bilhões em 1981 e US$ 7,4 bilhões em 1984. Com relação aos bens de capital, os ganhos de divisas resultantes de menores importações e maiores exportações chegariam a US$ 1,7 bilhão em 1983 e US$ 2,2 bilhões em 1984. 36 AULA 7 Choques externos e desestruturação interna – a recessão de 1981-1983 Em 1979 tem início o governo do general Figueiredo. A equipe econômica era formada por: – Karlos Rischbiter: Ministro da Fazenda; – Mário Henrique Simonsen: Ministro do Planejamento; – Delfim Netto: Ministro da Agricultura. Logo de início houve disputa política sobre os rumos da economia: – Ortodoxos (Mário Simonsen): rigoroso ajuste fiscal e o conseqüente controle do endividamento externo; – Desenvolvimentistas (Delfim Netto e Mário Andreazza): crescimento a qualquer custo. Em agosto de 1979 Delfim Netto substitui Mário Simonsen no Ministério da Fazenda e tenta reeditar o milagre econômico, apesar da situação externa adversa. O novo choque do petróleo, o aumento dos externos e a recessão mundial transformaram o gestor do milagre em gestor de uma política profundamente recessiva. Política de orientação heterodoxa: – Controle de juros; – Maior indexação dos salários (reajuste semestral); – Maxidesvalorização (30% em dezembro de 1979); – Prefixação das correções monetária e cambial, para 1980, a taxas bastante inferiores à inflação de 1979. 37 A retomada desenvolvimentista foi impulsionada pela manutenção dos investimentos nos setores de energia, pela substituição de importação de insumos básicos e pelo incentivo das atividades voltadas à exportação. O crescimento do PIB de 9,1%, em 1980, agravou o problema das contas externas e culminou em uma revisão da política macroeconômica. Esse relativo sucesso com respeito ao crescimento do PIB não ocorreu no combate à inflação, que passou de 77,2% em 1979 para 110,2% em 1980. Críticas à tentativa de reedição do milagre: – Falta de sustentação no médio e longo prazo; – Grande volatilidade do crescimento do PIB. Seria mais vantajoso ter uma taxa de crescimento menor, mas constante; – Necessidade de uma recessão administrada que permitisse racionar combustíveis e controlar as importações; – Necessidade de um programa de substituição de importações e promoção de exportações. A partir de 1981: ajuste externo via contração da demanda interna (reduzindo importações e dando margem para maior exportação). Em 1982 o Brasil passa a negociar a ajuda do FMI. A complexidade das negociações levou à assinatura de sete cartas de intenções em 24 meses. O grande obstáculo às negociações era a determinação de metas de desempenho fiscal numa economia indexada como a brasileira. A partir de 1983 foram criadas as seguintes definições de déficit: – Primário: receitas menos despesas, desconsiderando as despesas de rolagem da dívida na tentativa de avaliar o esforço fiscal do governo; – Operacional: déficit primário mais as despesas de juros da dívida interna e externa; 38 – Nominal (Necessidades de Financiamento do Setor Público, NFSP): operacional mais as despesas referentes à correção monetária e cambial do estoque da dívida. A recessão brasileira e a moratória mexicana A política econômica ao longo de 1981 seguiu os manuais ortodoxos: controle de despesas públicas e dos gastos das empresas estatais, aumento da arrecadação de impostos, contração do crédito, exceto na agricultura. A produção industrial caiu 10%, com uma retração de 26,3% e 19% nos segmentos de bens de consumo duráveis e de bens de capital, respectivamente. Com a moratória mexicana de 1982, as pressões sobre o balanço de pagamentos tornaram-se ainda mais dramáticas. O superávit comercial foi reduzido para US$ 780 milhões, em função de uma queda de US$ 3,1 bilhões nas exportações que foi em grande parte compensada pela queda das importações. As despesas com juros da dívida externa atingiram US$ 11,4 bilhões nesse ano e o déficit em conta corrente, US$ 14,8 bilhões. A moratória mexicana e a deterioração das contas externas brasileiras dificultaram o financiamento desse déficit e as reservas líquidas do país tornaram-se negativas em mais de US$ 2 bilhões. Os pagamentos dos juros da dívida externa representaram 70% dos déficits em conta corrente no período de 1980-1982. Em 1983, enquanto o país enfrentava essa terrível recessão, as contas externas atingiram as metas acordadas com o FMI. O superávit comercial chegou a US$ 6,5 bilhões, em virtude da redução das importações para 6,8% do PIB. Esses resultados só foram possíveis em razão do início das operações de vários projetos implantados com o II PND, que permitiram o aprofundamento da substituição de importações. 39 Uma pequena queda nos preços do petróleo e a contração da demanda, causada pela recessão, também contribuíram para esses resultados. Apesar da retomada do crescimento em 1984, as importações não voltariam a crescer: o superávit comercial atingiria US$ 13 bilhões, e permaneceria nesse patamar por uma década. A retomada do crescimento em 1984 A recuperação da economia dos Estados Unidos em 1984 foi fundamental para a retomada do crescimento da economia brasileira, via aumento das exportações e aumento dos preços dos produtos primários. A inflação de 1984 atingiu 235% contra 224% em 1983. A estabilidade apenas relativa da taxa de inflação era reflexo da crescente indexação da economia, que resultava na elevação dos patamares inflacionários a cada novo choque de oferta, choque cambial ou tentativa de mudança na estrutura de apropriação da renda. Foram desenvolvidas análises teóricas que resultaram no conceito de inflação inercial. A grande recessão no período 1981-1983, com seus altíssimos custos sociais, levou à proposta do choque heterodoxo, política antiinflacionária que se contrapunha ao choque ortodoxo baseada unicamente na contração da demanda. Essa proposta seria implementada no país em 1986 com o Plano Cruzado. Dívida externa – origem e crescimento Crescimento da dívida externa a partir do grande aumento na liquidez do mercado internacional de capitais no final da década de 1960, após o início do milagre econômico. 40 A participação da dívida pública no endividamento externo torna-se bem maior. Passando de 26,9% para 64,1% no período de 19671973. O milagre econômico foi financiado quase totalmente por recursos internos. De 1968 a 1973, o crescimento das reservas correspondeu a dois terços do aumento do endividamento externo de médio e longo prazo. Segundo Batista Jr., entre 1970 e 1973 a contribuição dos recursos externos representou, em média, 5,3% do financiamento da formação bruta de capital. Qual a motivação do governo para elevar o montante de reservas em moeda estrangeira via endividamento externo? 1967-1968: as reservas brutas brasileiras não eram suficientes nem para cobrir um mês de importações, enquanto as reservas líquidas eram negativas. Considera-se seguro um nível de reservas que possa garantir pelo menos três meses de importação. Porém, em 1973 as reservas eram equivalentes a um ano de importações. A manutenção de um nível tão elevado de reservas tem um custo equivalente à diferença entre o custo do endividamento e a receita auferida com as aplicações das reservas. Mesmo com as taxas reais quase negativas dessa primeira fase de endividamento, esses custos tenderiam a crescer à medida que aumentava o próprio montante total da dívida. 1974-1977: a dívida cresceu aceleradamente com os altos déficits em transações correntes causados pelo primeiro choque do petróleo. A dívida líquida saltou de US$ 6,2 bilhões em 1973 para 31,6 bilhões em 1978. 41 Nesse período, o aumento da dívida refletia a decisão de implantar o II PND. Além do aumento da participação estatal no endividamento externo, este passou a ser feito a taxas de juros variáveis (LIBOR), que estavam em constante elevação. O aumento da dívida bruta, a taxas de juros cada vez mais altas, tornou o endividamento externo um processo auto-alimentado e, em 1977-1978, o pagamento de juros já representava quase 50% do déficit em conta corrente. O novo choque do petróleo em 1979 tornou a situação das contas externas extremamente grave. Além das perdas nas relações de troca, ocorreu o aumento do protecionismo e a retração dos fluxos comerciais, o que implicou a redução nas exportações brasileiras em 1982 e 1983. As taxas de juros dispararam: a LIBOR chegou a 16,4% ao ano em 1980, enquanto a Prime Rate atingiu 21,5%. A transferência de recursos para o exterior, medida como a diferença entre exportações e importações, aumentou de 0,4% do PIB em 1980 para cerca de 3% em 1981-1982 e atingiu 5% em 1983. No final de 1982, após a moratória mexicana, o Brasil buscou apoio e recursos do FMI para renegociar suas dívidas. O objetivo do país era reescalonar as amortizações, enquanto o FMI e o governo dos Estados Unidos esforçavam-se para diminuir a exposição dos grandes bancos à América Latina, via aumento das transferências líquidas de recursos. O desequilíbrio externo e a crise fiscal Em razão da deterioração das contas externas do país, avançou também a ruína das contas públicas que deu origem à crise fiscal do Estado. 42 A dívida externa foi quase toda estatizada por intermédio do aumento expressivo da participação direta do setor público na captação de recursos, além do seu papel de avalista de empréstimos do setor privado. No auge do milagre a poupança do governo atingira uma taxa de 6,6% do PIB. A poupança pública foi declinando continuamente até tornar-se negativa em 1985, alcançando –2% do PIB em 1988. Duas formas de analisar o problema: – Ortodoxos: o descontrole fiscal resultava em grande déficit público, que era financiado pelo aumento do endividamento interno. A indexação da dívida transformou os títulos públicos em quase-moeda: a dívida era rolada em prazos cada vez menores até o limite da rolagem diária. Portanto, a fonte do descontrole inflacionário do país seria a questão fiscal; – Heterodoxos: associação do endividamento interno ao endividamento externo. As autoridades monetárias teriam provocado o primeiro ao esterilizar o excesso de moeda proveniente do ingresso de capitais externos no país, uma vez que os expressivos superávits comerciais eram obtidos pelo setor privado da economia, enquanto o responsável pelo pagamento da dívida externa era o setor público. A especulação financeira O aumento da inflação, ocorrido após choques externos, foi sustentado e aprofundado pela estrutura oligopolizada do sistema financeiro. Esse mecanismo foi exacerbado pela especulação financeira, que articulava interesses do chamado capital produtivo com o capital especulativo. 43 Em momentos de queda no crescimento econômico ou em situações de dificuldade em setores específicos, essas empresas apresentavam resultados financeiros maiores que os resultados operacionais. Agentes econômicos tornaram-se “sócios da inflação”. Uma vez que a correção monetária permitia um combate gradual à inflação, e a convivência com suas altas taxas, tornou-se pouco a pouco seu mecanismo auto-alimentador. Os agentes econômicos, ao calcularem a rentabilidade pretendida para os títulos públicos, incorporavam taxas futuras superestimadas de inflação, transformando a correção monetária em correia de transmissão do processo inflacionário. O sistema financeiro era incapaz de financiar o setor produtivo. Em função da aceleração inflacionária e da especulação financeira que a acompanhava, o oligopolizado sistema financeiro brasileiro tornou-se hiperdesenvolvido, concentrador de renda e de poder político, com claros prejuízos sociais. AULA 8 – A INFLAÇÃO DOS ANOS OITENTA E OS PLANOS DE ESTABILIZAÇÃO. A tentativa de decifrar a inflação brasileira – o diagnóstico da inflação inercial Início da transição democrática em 1985: grave crise econômica com diagnóstico de causas impreciso e parcial. 44 A dívida era o aspecto mais aparente da crise econômica. Porém, muitos consideraram superada até mesmo a crise da dívida quando o Brasil, a partir de 1983, ajustou seu balanço de pagamentos. Após dois ajustamentos com efeitos recessivos (1981 e 1983), o ajuste de fluxo das contas externas foi finalmente alcançado. A inflação, porém, ao invés de baixar, como esperava o governo, dadas as políticas ortodoxas adotadas sob orientação formal do FMI, subiu do patamar de 100% ao ano para 200% em 1983 apesar da forte recessão de então. A inflação estabilizou-se inercialmente, nesse novo nível até o final de 1985. A partir de 1984 o grande problema deixa de ser a balança comercial e o controle da inflação torna-se o centro das preocupações. Os instrumentos ortodoxos de controle fiscal e política monetária não pareciam surtir os efeitos esperados. Teoria da inflação inercial: uma interpretação alternativa do processo inflacionário, segundo a qual a solução do problema, embora difícil, não era tão custosa quanto a teoria ortodoxa apontava. Grande influência do pensamento de Ignácio Rangel: – A inflação tem origem em pontos de estrangulamento na oferta de certos bens em linha com o pensamento estruturalista; – Ênfase na inflação como um mecanismo de defesa da economia, ou seja, uma forma de moderar os ciclos econômicos e manter elevada a taxa de investimento; – O poder de monopólio das grandes empresas e, em particular dos grandes intermediários de bens agrícolas, era tal que, na recessão, o processo inflacionário era acelerado para acomodar suas demandas e impedir a diminuição de sua renda. 45 Lacuna nas teorias convencionais e na teoria de Rangel: a estabilidade da inflação em determinados patamares. Fenômeno este particularmente visível na economia brasileira. Problema básico: a defasagem nos aumentos de preços das empresas que resultava no repasse automático da elevação de custos para os preços, independentemente da demanda. A essa característica somava-se o processo de formação de preços numa economia oligopolizada, margem fixa ou mark up, que não leva necessariamente a um aumento da taxa de inflação, mas à manutenção dos níveis de inflação em um determinado patamar. Bresser e Nakano (1983) distinguem os fatores: – aceleradores: aumento da quantidade nominal de moeda acima do aumento da renda (análise ortodoxa), excesso de demanda (keynesianos), estrangulamentos na oferta e efeitos propagadores dos aumentos setoriais de preços (estruturalistas) etc.; – mantenedores: conflito distributivo, ou seja, esforço dos agentes econômicos para manter sua participação na renda agregada; – sancionadores: moeda e déficit público. A moeda é estritamente endógena e a inflação inercial é um incentivo ao déficit público e ao financiamento inflacionário de despesas. Uma nova estratégia de combate à inflação – as propostas de choque heterodoxo e de moeda indexada Controlar a inflação dependeria de políticas administrativas, ou seja, políticas de rendas e controle de preços. Em agosto de 1984, Francisco Lopes propõe o chamado choque heterodoxo, no qual defende um amplo congelamento de preços. 46 Os economistas ortodoxos adotaram a estratégia retórica de associar heterodoxia com populismo econômico, especialmente porque os dois principais choques fracassaram em razão de políticas populistas. André Lara Resende propôs em 1984 a estratégia de moeda indexada, na qual uma reforma monetária permitiria por algum tempo a convivência de duas moedas. Dessa forma os agentes poderiam redefinir seus contratos na nova moeda. Em novembro de 1984 André Lara Resende e Pérsio Arida publicam o artigo “Inertial inflation and monetary reform” que seria a base do Plano Real. Segundo a proposta “Larida”, para os agentes econômicos que adotassem a nova moeda, os ajustes de preços na moeda antiga passariam a ser diários e sincronizados. Desse modo, posteriormente, quando a reforma monetária eliminasse a moeda antiga, a âncora nominal representada pela nova moeda teria a capacidade de eliminar a inflação, já que não haveria preços atrasados ou adiantados: os preços relativos estariam razoavelmente equilibrados e seria possível realizar um ajuste neutro em termos distributivos. O fracasso das tentativas ortodoxas de estabilização O controle da inflação foi relativamente eficaz entre 1964 e 1973. Principais mecanismos de controle da inflação: – arrocho salarial; – indexação, permitindo ao Estado endividar-se em vez de emitir moeda; – controle de preços; Problema: a cada choque a inflação subia a um novo patamar mais elevado não retornando naturalmente ao anterior. 47 Governo José Sarney: a crise fiscal do Estado, a baixa capacidade de financiamento externo e a inflação elevada eram desafios do novo governo que sofria pressões da sociedade para que o Brasil retomasse o caminho do elevado crescimento econômico. Houve divergência sobre o diagnóstico da inflação (heterodoxo ou ortodoxo) na primeira equipe econômica do novo governo, polarizada entre o ministro da fazenda Francisco Dornelles (ortodoxo) e o ministro do planejamento João Sayad (heterodoxo). As medidas ortodoxas foram implementadas e algumas medidas heterodoxas foram sendo incorporadas. Assim, o governo promoveu um ajuste fiscal duro com alterações na forma de indexação e desvalorização cambial. A dificuldade em deter a inflação levou o governo a lançar mão do controle de preços, obtendo relativa Vitória de Pirro à custa da saúde financeira das empresas estatais. A retomada do processo inflacionário determinou o acirramento do conflito na área econômica do governo. Em agosto de 1985, Francisco Dornelles foi substituído por Dílson Funaro (que identificava-se com o diagnóstico inercialista). São adotadas medidas que pretendiam ampliar a indexação da economia sem recorrer à solução da “moeda indexada” e com menor preocupação sobre o controle da base monetária. Houve grande pressão por reajustes salariais. Em 28 de fevereiro de 1986 foi decretado o Plano Cruzado, o primeiro de uma série de planos de estabilização que a economia iria ver nos próximos anos. 48 Planos de estabilização heterodoxos A economia brasileira conheceu diferentes tipos de planos de estabilização. Os planos podem ser agrupados segundo o enfoque dado quanto à causa da inflação, se de oferta ou demanda: oferta: Plano Cruzado e Bresser, os quais admitiam que a inflação era pura e simplesmente inercial; demanda: os planos que foram estabelecidos de 1981 a 1983 e o “feijão-com-arroz” do ministro Maílson da Nóbrega em 1988; Plano Cruzado O Plano Cruzado foi um conjunto de medidas econômicoinstitucionais descrito pelo Decreto-lei no 2.283, cujas principais medidas foram: substituição do cruzeiro pelo cruzado como nova moeda do sistema monetário brasileiro, 1 cruzado equivalendo a 1.000 cruzeiros; conversão geral, por prazo indefinido, dos preços finais dos produtos, ao nível vigente em 27 de fevereiro (exceto as tarifas industriais de energia elétrica); conversão dos salários com base na média do seu poder de compra nos seis meses anteriores, e mais um acréscimo de 8% para os salários em geral e de 16% para o mínimo; aluguéis e hipotecas seriam convertidos seguindo-se a mesma fórmula aplicada aos salários, mas sem o aumento de 8%; 49 introdução da escala móvel de salários (gatilho), a qual garantia um reajuste salarial automático a cada vez que o aumento acumulado no nível de preços ao consumidor atingisse 20%; proibição da indexação em contratos com prazo inferior a um ano; conversão dos contratos previamente estabelecidos em cruzeiros para cruzados, de acordo com uma tabela em que o cruzeiro era desvalorizado a uma taxa mensal de 14% (taxa de inflação mensal esperada contida nos contratos) em face da nova moeda. A preocupação com reajuste salarial tinha em vista um choque neutro em relação à distribuição de renda; O gatilho foi uma forma de indicar aos trabalhadores que os salários não acumulariam perdas como no passado recente. Porém, foi considerado por muitos uma das fragilidades do plano, pois ou a inflação ficava abaixo de 20% no primeiro ano ou a economia voltava a se indexar de forma caótica. O regime cambial foi congelado na paridade de 13,84 cruzados por dólar. Nos primeiros meses, o plano teve aparente sucesso, com controle da inflação e crescimento econômico. O grande apoio da população deu origem aos “fiscais do Sarney”. O congelamento transformou-se assim no elemento do Plano Cruzado de maior apelo popular, o que levaria o governo a sustentá-lo ao máximo, a qualquer custo, sobretudo por se tratar de ano eleitoral. Houve uma explosão de consumo, reprimido durante os anos anteriores, provocada pelo aumento do poder de compra dos salários, além de uma grande “despoupança”. A proximidade da capacidade produtiva em muitos setores industriais, em um contexto de escasso estímulo ao investimento, tornou problemática a manutenção do congelamento de preços. 50 Para manter o congelamento, o governo sacrificou as empresas estatais, as contas externas e as finanças públicas. A taxa de câmbio foi congelada também, o que provocou grande sangria de reservas internacionais e dificultou o pagamento dos serviços da dívida externa. Com o tempo, elementos de ordem estritamente política passaram a dominar as decisões acerca da duração do congelamento. Ele havia proporcionado um enorme ganho político ao presidente e a seu partido, o PMDB. Alguns analistas apontam para o papel do persistente déficit público no início da derrocada do Plano Cruzado. Embora algumas medidas de controle fiscal tivessem sido implementadas já em dezembro de 1985, a continuidade de amplos programas de subsídios, o aumento salarial de 8%, que beneficiou também o funcionalismo público, e o congelamento de muitas tarifas públicas em níveis defasados fragilizaram ainda mais as precárias finanças governamentais e representaram um combustível adicional para o sobreaquecimento da demanda agregada. Uma conseqüência prevista, mas mal administrada, da súbita reversão das expectativas de inflação foi o aumento da demanda por moeda. O diagnóstico dos formuladores do plano era de que essa maior demanda permitiria monetizar grande parte da dívida pública e diminuir o gasto com juros. A maior oferta de moeda evitou uma alta das taxas de juros internas de forma que só no mês de março o agregado monetário M1 cresceu em 80,1%. A passividade da política monetária possibilitou uma pressão de baixa constante nas taxas de juros, algo evidentemente inadequado em uma situação de grande aquecimento da demanda agregada, estimulando dessa forma a explosão dos gastos de consumo em detrimento da poupança, além de possibilitar a estocagem 51 especulativa de produtos e incentivar a evasão de capitais estrangeiros. Os obstáculos ao bom desenvolvimento do Plano Cruzado forçaram o governo a implementar um novo pacote de medidas econômicas em julho de 1986, que ficou conhecido como Cruzadinho. Foram estabelecidos empréstimos compulsórios sobre o consumo de carros novos e combustíveis. O objetivo último de tais medidas consistia em acomodar e esfriar o excesso de demanda agregada, além de promover a poupança interna. A crise do plano agravava-se continuamente. As distorções dos preços relativos, os sinais de aumentos no nível de preços, a brutal queda na entrada de investimentos estrangeiros diretos e a fuga de capitais geravam inquietação. O governo resistia às pressões pela desvalorização do cruzado e pelo fim do congelamento de preços e salários, em razão da proximidade das eleições de novembro. Temia-se que tais realinhamentos ocasionassem uma retomada inflacionária e a ativação do mecanismo de gatilho salarial. Após as eleições estaduais, foi decretada outra ampla reforma econômica: o Cruzado II. O governo efetuou um brusco reajuste de preços de diversos bens de consumo bem como reajustou os impostos sobre produtos. A elevação dos preços levou ao disparo do gatilho salarial que realimentava a inflação, pressionava as taxas de juros e piorava as contas externas, até que o governo decretou moratória sobre o pagamento dos juros da dívida externa em fevereiro de 1987. Em abril do mesmo ano, Dílson Funaro deixou o Ministério da Fazenda dando lugar para Luiz Carlos Bresser Pereira. 52 Plano Bresser Nos primeiros meses de ministério, Bresser procurou demonstrar que o governo estava disposto a adotar algumas medidas ortodoxas. No mês de junho, o novo ministro lançou o Plano de Estabilização Econômica, mais conhecido como Plano Bresser, um pacote híbrido, com elementos ortodoxos e heterodoxos, assemelhando-se ao Cruzado em alguns aspectos, mas procurando evitar os erros já cometidos. A meta principal do plano era controlar a inflação e evitar uma hiperinflação. Para tanto o governo tomou as seguintes medidas: – o gatilho foi extinto, reduziu-se os gastos do governo e as taxas de juros reais foram mantidas elevadas; – preços e salários foram congelados por três meses; – política cambial de desvalorizações diárias para evitar desequilíbrios externos; – política fiscal e monetária rigorosas. No início, o plano atingiu alguns de seus objetivos, baixando a inflação e o déficit público e expandindo os saldos comerciais, o que possibilitou o fim da moratória da dívida externa. Com o passar do tempo, outros problemas começaram a surgir: o plano perdeu credibilidade junto à opinião pública, os desequilíbrios dos preços relativos e superávits comerciais causaram pressões inflacionárias, os juros altos inibiram o investimento e a reforma tributária que fazia parte do plano foi barrada por restrições de ordem política. Apesar do congelamento de preços, as taxas de inflação permaneceram elevadas. Por essa razão, autorizou-se um aumento 53 emergencial de preços, ainda no mês de agosto. Em dezembro de 1987, a taxa de inflação mensal atingiu 14,14%, precipitando o pedido de demissão de Bresser Pereira. Maílson da Nóbrega – da política do feijão-com-arroz ao Plano Verão Maílson da Nóbrega empreendeu, ao longo de 1988, uma política econômica tímida, gradual e pouco intervencionista, de orientação eminentemente ortodoxa, denominada política do feijão-com-arroz. Seu objetivo era cortar o déficit operacional de 8% para 4% e reter a inflação ao redor dos 15% ao mês. Dentre as medidas tomadas destacam-se a suspensão temporária dos reajustes do funcionalismo público e o adiantamento dos aumentos de preços administrados. Tal política foi malsucedida e, em julho de 1988, a inflação já ultrapassava 24% e os preços públicos foram reajustados. Emitia-se moeda para cobrir os superávits da balança comercial e a nova constituição dificultava a pretendida redução dos gastos públicos. Em novembro de 1988, celebrou-se entre governo, empresários e trabalhadores o chamado pacto social, que estabelecia limites para aumentos de preços e propunha uma revisão da metodologia de reajustes salariais e um plano para equilibrar as contas públicas. O fracasso dessa nova tentativa levou o governo a decretar um novo plano econômico: o Plano Verão. Em 15 de janeiro de 1989, foi anunciado o Plano Verão, outro plano misto. Foi introduzida uma nova moeda (Cruzado Novo), equivalente a mil cruzados e o dólar foi cotado a NCz$1,00 após uma desvalorização da moeda nacional. Principais medidas: – taxas de juros elevadas, desindexação e a promessa de ajuste fiscal; 54 – os preços foram congelados por tempo indeterminado e os salários foram convertidos pelo poder de compra médio dos doze meses anteriores e reajustados em 26,1%, sendo extinto o indexador dos salários; Em pouco tempo, alguns aumentos foram autorizados, o cruzado novo foi desvalorizado e o congelamento começou a ser desfeito. A indexação voltou a ser praticada com a criação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN). Em setembro de 1989 o governo suspendeu o pagamento dos juros da dívida externa, em razão da deterioração do saldo comercial. Os últimos meses do governo Sarney foram marcados por verdadeiro caos político e econômico. Não havia mais credibilidade nem sustentação política ao governo após tantos planos fracassados. A inflação estava atingindo o limiar da hiperinflação, chegando a uma taxa anual de 1764,86% em 1989. AULA 9 - Abertura comercial e governo Collor Abertura comercial nos países em desenvolvimento A abertura de uma economia envolve questões como: – Qual deve ser o ritmo do processo de abertura? – O contexto macroeconômico é propício? – Que mercado deve ser liberalizado primeiro: o de bens ou o de capitais? De forma geral, as respostas para essas perguntas são: 55 – ritmo: não deve ser nem tão rápido a ponto de gerar um impacto excessivo sobre a economia, especialmente sobre o emprego, nem tão lento que possa se tornar vulnerável a pressões políticas. – ambiente macroeconômico: há consenso de que o processo de liberalização deve ocorrer em um contexto de economia estável e com uma taxa de câmbio desvalorizada no início do processo. – seqüência de liberalização: esse ponto é o mais polêmico. Porém, pautando-se pelas experiências do Chile e da Argentina na década de 1970, recomenda-se liberalizar o mercado de bens, para, apenas depois, liberalizar o mercado de capitais. No início da década de 1980, acreditava-se que a abertura econômica era inevitável, apesar das controvérsias a respeito de sua condução. Desde então, a liberalização vem-se transformando no grande condutor das políticas econômicas dos países em desenvolvimento. Supõe-se que o livre comércio pode proporcionar desenvolvimento com melhoria da qualidade de vida da população, possibilitado pelo crescimento econômico advindo da melhor eficiência alocativa dos fatores de produção. Anos 60, 70 e início de 1980: vários países latino-americanos tentaram abrir a economia e fracassaram em razão de problemas no balanço de pagamentos e crises financeiras, em especial a crise da dívida externa em 1982. A partir da segunda metade da década de 1980, ocorreu uma generalizada abertura comercial nos países latino-americanos. No Brasil o processo começou em 1988 com a eliminação dos controles quantitativos e administrativos sobre suas importações e uma proposta de redução de tarifas. A abertura da economia brasileira intensificou-se a partir de 1990. A tarifa nominal média de importações, que era de cerca de 40% em 1990, foi reduzida gradualmente até atingir seu nível mais baixo em 1995, 13%. 56 Em paralelo à questão conjuntural, a liberalização e a abertura econômica – que se iniciaram com o governo Collor – implicaram uma forte necessidade de ajuste, por parte das empresas, para que conseguissem sobreviver à nova realidade. Abertura comercial brasileira – O governo Collor Em virtude da necessidade de ajustamento externo no começo dos anos 1980, as medidas não-tarifárias tornaram-se o principal instrumento de contenção das importações. Como conseqüência do quadro de instabilidade, que caracterizou praticamente toda a década de 1980, grande parte dos setores da economia brasileira encontrava-se em atraso tecnológico em comparação com os padrões internacionais. A abertura provocou uma profunda reestruturação industrial no Brasil, beneficiando os consumidores com maior disponibilidade de bens e serviços, melhores preços e tecnologia, embora com impacto negativo sobre o nível de emprego. A indústria nacional, ao contrário dos concorrentes internacionais, foi prejudicada por tributação e juros elevados, carência de infra-estrutura e excessiva burocracia. Os planos Collor I e II Fernando Collor de Mello assumiu o governo no conturbado contexto econômico de 1990, adotando, na seqüência, dois planos de estabilização, planos Collor I e II. Ambos implicaram retração da atividade econômica como resultado direto das medidas fiscais e monetárias adotadas. Collor I: combinava confisco dos depósitos à vista e aplicações financeiras com prefixação da correção dos preços e salários, câmbio flutuante, tributação ampliada sobre as aplicações financeiras e a chamada “reforma administrativa”, que resultou no fechamento de inúmeros órgãos públicos e na demissão de grande quantidade de funcionários. 57 O quadro fiscal era de tal gravidade que o presidente adotou um programa de drástica redução da dívida interna, de corte nos gastos públicos e de aumento da receita fiscal. Isso permitiu que se atingisse superávit primário de 4,5% do PIB. No entanto, dada à precariedade do ajuste, cujos efeitos foram passageiros, o superávit primário reduziu-se à metade já em 1991. Plano Collor II: implementado em janeiro de 1991, em situação de desespero por causa da reaceleração da inflação, lançou mão mais uma vez do congelamento de preços e salários e da unificação das datas-base de reajustes salariais, além de novas medidas de contração monetária e fiscal. A abertura comercial somada às tentativas de combate à inflação transformou o biênio 1990-1992 em um período de forte recessão, com queda de quase 10% do PIB. A precariedade do plano Collor II, aliada ao desgaste do governo com os efeitos do confisco ocorrido no plano anterior, além das crescentes denúncias de corrupção, acabaram por determinar o impeachment de Collor em outubro de 1992. A nova política industrial A liberalização passou a ganhar contornos mais definitivos em 1990. As bases da nova política estavam centradas na questão da competitividade, em contraponto às políticas adotadas anteriormente, que objetivavam a expansão da capacidade produtiva mediante o incentivo à substituição das importações. Segundo Guimarães1, a nova Política Industrial e de Comércio Exterior contemplava as seguintes estratégias: 1 GUIMARÃES, E. A. A experiência recente na política industrial no Brasil ― uma avaliação. Instituto de Economia Industrial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, mar. 1995. (Texto para discussão, n. 326) 58 – redução progressiva dos níveis de proteção tarifária, eliminação da distribuição indiscriminada e não transparente de incentivos e subsídios, bem como fortalecimento dos mecanismos de defesa da concorrência; – reestruturação competitiva da indústria mediante a adoção de mecanismos de coordenação, de instrumentos de apoio creditício e de fortalecimento da infra-estrutura tecnológica; – incentivo aos segmentos potencialmente competitivos e desenvolvimento de novos setores, por meio de maior especialização da produção; – exposição da indústria à competição internacional, tendo em vista maior inserção no mercado externo, melhora de qualidade e preço no mercado interno e aumento da competição em setores oligopolizados; – capacitação tecnológica da empresa nacional, por meio de proteção tarifária seletiva às indústrias de tecnologia de ponta e do apoio à difusão das inovações nos demais setores. O BNDES teve papel fundamental nesse processo. Já no final da década de 1980 e início dos anos 1990, as novas linhas de financiamento eram direcionadas às indústrias que apresentassem resultados relativos à competitividade, como programas de qualidade total e aprimoramento de tecnologia e de mão-de-obra. Além disso, o BNDES foi indicado gestor do Programa Nacional de Desestatização (PND). A atuação do BNDES priorizava três focos de investimentos: – modernização da estrutura produtiva existente, incluindo melhorias tecnológicas em unidades instaladas, substituição de processos e mesmo de unidades produtivas obsoletas, aplicação de sistemas de automação industrial e de controle de processo, introdução de novos produtos, reestruturação de modelos de comercialização e de administração técnica e financeira e estímulo a associações entre empresas; – ampliação da capacidade produtiva por meio de expansões e novas instalações em setores de bens de consumo e de insumos básicos – os investimentos visavam atender à demanda interna e externa paralelamente à modernização dos processos produtivos; 59 – investimentos nos setores de infra-estrutura, particularmente nos setores de energia elétrica, transportes e portos – previa-se a ampliação da participação de capitais privados em atividades antes sob responsabilidade estatal. A combinação da nova política industrial com a recessão provocada pela política de estabilização em vigor implicou, por parte das empresas, um severo ajuste que se estenderia ao longo dos anos subseqüentes. Principais deficiências das empresas: – lentidão de resposta às alterações da demanda; – baixa flexibilidade na produção; – deficiências de qualidade e desempenho dos produtos. Uma face desse ajuste foi o número significativo de demissões. Dados da Fiesp revelam que a indústria paulista eliminou 278.467 postos de trabalho em 1991 e 277.529 em 1992. Em 1993, com a retomada do crescimento da economia, registrou-se uma tímida recuperação, sendo criados 4.908 novos postos de trabalho. As demissões não se restringiram aos operários, alcançando postos administrativos e de direção em resposta à aplicação de técnicas de administração mais modernas. A reestruturação da produção propriamente dita envolveu as seguintes medidas: – concentração em linha de produtos competitivos; – redução de atividades; – terceirização de atividades; – implantação de programas de qualidade e produtividade. 60 O programa de privatização A questão da privatização foi um dos aspectos mais polêmicos da década de 1990. Na década de 1980, a privatização caracterizou-se como uma fase de reprivatização de empresas que haviam sido absorvidas pelo Estado, geralmente em função de dificuldades financeiras. O objetivo era evitar que o governo ampliasse ainda mais sua presença no setor produtivo. O resultado obtido com a reprivatização de 38 empresas de pequeno porte foi a arrecadação de cerca de US$ 780 milhões. Com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND) em 1990, o processo de privatizações foi intensificado, tornando-se parte integrante das reformas econômicas do governo. Inicialmente, 68 empresas foram incluídas no PND, quantidade que foi alterada com a entrada de novas empresas e a exclusão de outras. As principais atribuições do BNDES como gestor do PND eram: – Licitação e contratação dos consultores e auditores encarregados de realizar as avaliações econômico-financeiras, as propostas de modelo de venda e a auditoria do processo de venda de cada empresa; – Contratação das empresas encarregadas da divulgação das trabalhos dos informações relativas ao programa; – Supervisionar, acompanhar ou coordenar os consultores e auditores até as operações finais de venda. Resultados das privatizações após a criação do PND – de 1991 a 2001 Entre 1991 e 1992 os resultados das privatizações foram consideráveis. Tinham sido desestatizadas 18 empresas dos setores de siderurgia, fertilizantes e petroquímica, gerando uma receita de US$ 4 bilhões. 61 Entre 1993 e 1994, concluiu-se a desestatização do setor siderúrgico, tendo-se arrecadado US$ 4,5 bilhões com a venda de 15 empresas. Para alavancar o processo, foram introduzidas mudanças na legislação, possibilitando a ampliação do uso de créditos contra o Tesouro Nacional como meios de pagamento, a venda de participações minoritárias, detidas direta ou indiretamente pelo Estado, e a eliminação da discriminação contra investidores estrangeiros, permitindo sua participação em até 100% do capital votante das empresas a serem alienadas. A partir de 1995 o escopo do PND foi ampliado com as concessões de serviços públicos à iniciativa privada (eletricidade, transportes e telecomunicações). Desde a criação do PND até janeiro de 2002, 68 empresas tinham sido privatizadas, rendendo ao Governo Federal um total de US$ 28,58 bilhões. A receita decorrente dessas vendas e do repasse à iniciativa privada de 7 concessões da Rede Ferroviária Federal, além do arrendamento para exploração de um terminal de contêineres, no Porto de Santos e a venda das participações minoritárias que o governo detinha em outras 28 empresas, chegou a US$ 37,78 bilhões – incluindo a transferência de US$ 9,2 bilhões em dívidas para a iniciativa privada. O recorde de receita foi estabelecido com a venda da Companhia Vale do Rio Doce, leiloada por US$ 6,858 bilhões (incluindo a transferência de US$ 3,559 bilhões em dívidas); Entre 1998 e 2001 ocorreram várias privatizações no setor de energia e telecomunicações. Em julho de 1998, o governo federal vendeu as 12 holdings criadas a partir da cisão do Sistema Telebrás. Essa venda propiciou a arrecadação de US$ 22 bilhões. 62 Esse movimento continuou em 1999 e 2000, com a venda das concessões para exploração de quatro áreas de telefonia fixa e também na área de energia. No final de 2001, o PND contabilizava uma receita total oriunda das privatizações da ordem de US$ 82 bilhões, além de US$ 18 bilhões de transferências de dívidas. Balanço de pagamentos, fluxo de capitais e investimentos diretos estrangeiros Um aspecto importante do panorama da economia brasileira dos anos 1990, especialmente após a adoção do Plano Real, em 1994, é o crescente aumento da vulnerabilidade externa por duas razões: – aumento sucessivo do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos; – passivo externo acumulado. A economia brasileira ficou extremamente suscetível às alterações do cenário internacional. A necessidade de financiamento em moeda forte subordina outras metas (crescimento, programas sociais etc.). O déficit em conta corrente era de US$ 1,6 bilhões em 1994 atingindo um pico de US$ 33 bilhões entre 1997-1998. Em conseqüência do longo período de valorização cambial, houve um aumento significativo das importações sem uma contrapartida das exportações. A mudança cambial em 1999 provocou uma redução do déficit em conta corrente para US$ 25 bilhões, montante que foi reduzido para US$ 24,6 bilhões em 2000 e US$ 23,2 bilhões em 2001. 63 Na segunda metade dos anos 1990, o grande financiador do déficit em conta corrente brasileiro foi o crescimento do fluxo de investimentos diretos estrangeiros (IDE), estimulado pelo fim da inflação, pelas privatizações e pelo boom das fusões e aquisições. Debate acerca da viabilidade do modelo de inserção internacional da economia brasileira Argumentos favoráveis à posição do governo: Mendonça de Barros e Goldenstein destacava que a economia brasileira passava simultaneamente por quatro processos que interagiam entre estabilização e si: globalização, privatização. abertura Essas da transformações economia, estariam alterando a estrutura básica do capitalismo brasileiro e provocando uma “verdadeira revolução”. Nessa linha, as críticas aos processos eram decorrentes da dificuldade de separar os efeitos conjunturais da mudança estrutural. O déficit em conta corrente apresentava a sua contrapartida na captação de poupança externa, que viabilizavam os novos investimentos concentrados nos setores de bens de consumo duráveis. O governo apontava a desvalorização gradual do real como amenizador dos problemas dos produtores locais e exportadores, e as privatizações como grande trunfo para o rompimento de dois grandes gargalos no desenvolvimento: a) a questão externa, como atrativo para novos investimentos diretos e b) a superação das restrições de recursos estatais para financiar os elevados investimentos em infra-estrutura necessários para suportar o crescimento continuado da economia. 64 Críticas à posição do governo: Em razão das elevadas taxas de juros e do cambio valorizado, a elevação da poupança externa não se refletia no aumento da taxa de investimentos. O aumento da poupança externa financiou o consumo e não o investimento, numa combinação de déficit em conta corrente e contas públicas, com destaque para o peso do componente juros do déficit público. O governo teve de elevar a carga tributária bruta de 26% do PIB em 1993 para 30,3% em 2000 como contrapartida do custo da dívida pública que cresceu de R$ 60 bilhões em 1994 para mais de R$ 626 bilhões em 2001. A desvalorização em 1999 e a adoção do regime de metas de inflação deram maior flexibilidade para a redução dos juros, que permaneceram elevados em níveis reais. Destacar a crise fiscal do Estado empreendedor dos anos 1970 perante a necessidade de privatizar e atrair investimento direto estrangeiro. 65 AULA 10 - Plano Real e seus desdobramentos O plano em si Em 1993, o ministro da Economia do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, implementou um plano econômico de estabilização conhecido como Plano Real, apoiado por uma equipe de economistas, em sua maioria oriundos da PUC-RJ, dentre os quais se incluem Gustavo Franco, Winston Fritsch, André Lara Resende, Edmar Bacha e Pérsio Arida. O Programa de Estabilização Econômica, ou Plano Real, foi concebido e implementado em três etapas: – estabelecimento do equilíbrio das contas do governo, objetivando eliminar a principal causa da inflação; – criação de um padrão estável de valor, a Unidade Real de Valor (URV); – emissão de uma nova moeda nacional com poder aquisitivo estável, o real. Ao contrário dos planos anteriores, o Real não incluiu congelamento de preços. Fase 1 – o PAI A primeira etapa do Real foi implantada com o Programa de Ação Imediata (PAI), em 14 de junho de 1993. A necessidade de equilibrar as contas públicas implicava efetuar uma ampla reorganização do setor público e de suas relações com a economia privada. Para tanto, o governo diagnosticava as seguintes necessidades: – redução dos gastos da União e aumento da deficiência no ano de 1993; – equacionamento das dívidas de estados e municípios com a União; 66 – controle mais rígido dos bancos estaduais; – saneamento dos bancos federais; – aperfeiçoamento do programa de privatização, ou seja, redução da participação do governo na economia por meio da privatização das estatais O setor financeiro era o beneficiário direto do desajuste fiscal, pelo efeito das taxas de juros e da inflação sobre suas receitas. Assim, quando a inflação caísse e os juros baixassem, diversas instituições financeiras teriam que recorrer ao BC para sobreviver. Seria necessário promover um processo de saneamento dos bancos públicos e privados. Medidas iniciais do PAI: – corte orçamentário de US$ 6 bilhões em 1993; – proposta de orçamento de 1994 deveria ser baseada em estimativa realista de receita, em vez de nortear-se pelas pretensões de gastos do governo; – encaminhamento de projeto de lei que limitasse as despesas com os servidores civis em 60% da receita corrente da União, assim como dos estados e municípios, o que permitiria exercer maior controle sobre gastos com funcionalismo; – elaboração de projeto de lei que definisse claramente as normas de cooperação da União com estados e municípios. Essa lei também estabeleceria a obrigatoriedade dos estados e municípios de se manterem em dia em seus débitos com a União para receber verbas federais. Essa rigidez legal foi imposta por ser um elemento essencial para outras etapas do Plano Real 67 O aprofundamento do ajuste foi viabilizado a partir da criação do Fundo Social de Emergência, cujo objetivo era equilibrar o orçamento e atenuar a excessiva rigidez dos gastos da União determinada pela Constituição de 1988. Para auxiliar o governo federal a equilibrar suas contas no biênio 1993-1994, foi aprovado o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). Combate à sonegação: – a evasão fiscal inviabilizava o ajuste das contas públicas. Para cada cruzeiro arrecadado, outro cruzeiro era sonegado; – como parte do PAI, o governo aumentou a fiscalização sobre as maiores empresas do país e passou a atuar de maneira mais contundente na cobrança dos impostos das pessoas físicas; – proibiu-se a inadimplentes do governo federal a participação em concorrências públicas, a tomada de empréstimos de bancos oficiais e a manutenção de qualquer tipo de concessão pública; – o objetivo expresso pelo governo para a realização desse ajuste tributário era criar condições para uma reforma tributária; – a reforma tributária não foi realizada por diversas razões, entre as quais a inviabilidade de alguns projetos, a falta de “vontade política” de realizá-los e o fato de a reforma ter sido preterida por sucessivos “pacotes” de medidas emergenciais. Relacionamento com estados e municípios: – redução das transferências de recursos federais, regularização do pagamento de dívidas vencidas com a União e tentativa de impedir que os estados voltassem a condição de insolvência; – foram estabelecidas condições globais para o endividamento público, restringindo-se também o acesso ao crédito e retendo-se os repasses de recursos federais para os estados e municípios em débito com instituições federais; 68 Bancos estaduais: – O BC deveria exercer um controle mais rígido sobre os bancos estaduais, com severo cumprimento das normas relativas ao montante mínimo de capital dessas instituições, bem como limitação na concessão de empréstimos para entidades do setor público; – promoção da reestruturação dos bancos estaduais e federais, para racionalizar suas estruturas, tornando-os mais competitivos. O Banco do Brasil teria sua vocação agrícola incentivada. Privatizações: – o equilíbrio fiscal demandava o fim das transferências para empresas estatais deficitárias; – transferência para o setor privado dos custos necessários a modernização da infra-estrutura, Fase 2 – a URV A URV foi implementada em 27 de maio de 1994 e serviu como transição para a introdução de uma nova moeda. Seu objetivo era proporcionar aos agentes econômicos uma fase de transição para a estabilidade de preços. O cruzeiro real, introduzido em 1993, estava se desvalorizando a taxas crescentes, o que alimentava aumentos constantes de preços e salários. A URV foi utilizada para restaurar a função de unidade de conta da moeda, que havia sido destruída pela inflação, bem como para referenciar preços e salários. O BC emitia, diariamente, relatórios sobre a desvalorização do cruzeiro real e a cotação da URV. Em pouco tempo provocou-se uma indexação generalizada da economia. 69 Patrões e empregados utilizavam a URV para determinar preços e salários. Por motivos jurídicos e sociais, os salários e os benefícios previdenciários foram os primeiros valores a serem convertidos para URV, seguidos pelos contratos e preços num processo que se desenvolveu durante três meses. O pressuposto básico do Plano Real foi o da neutralidade distributiva. Salários foram convertidos pela média de quatro meses. Ao transformar negócios prefixados em pós-fixados, o novo padrão monetário levou os agentes a analisar de maneira criteriosa seus custos e iniciou um processo de eliminação da memória inflacionária facilitado pela ampla disseminação da URV. Fase 3 – a nova moeda Uma vez que grande parte dos valores havia sido convertida para a URV, a nova moeda – o real – foi introduzida sem que houvesse um consenso na sociedade de que a transição já estava completa. Em 1o de julho de 1994, o governo decretou a MP do Plano Real, acusado de render-se a objetivos eleitorais. Para manter o valor da nova moeda, o governo alterou radicalmente os métodos empregados para definição da política monetária, tornando-os mais rígidos. Estabeleceu-se um teto máximo na taxa de câmbio, um real equivalia a um dólar; O BC detinha US$ 40 bilhões em reservas, porém a taxa de câmbio não era fixa, mas o BC e o CMN tinham instruções bem rígidas com relação à necessidade de manutenção do teto máximo. A valorização ocorrida em sua fase inicial foi muito criticada, mas o Plano Real tem sido considerado por diversos analistas um dos mais bem-sucedidos programas de estabilização da história do Brasil. Nível de Atividade, Renda e Emprego O PIB cresceu 5,6% em 1994 e o setor industrial apresentou expansão de 7%. 70 O setor de serviços cresceu 4%, menos que os outros setores, em parte como resultado do desaparecimento do ganho inflacionário. Embora muitos que acreditassem que o programa seria recessivo, a economia manteve-se em expansão nos primeiros três meses de 1995. Ao adotar, no final de 1995, medidas de aumentos dos empréstimos compulsórios, restrições de crédito e juros elevados, o governo claramente optou por sacrificar o crescimento a fim de evitar um déficit muito alto no balanço comercial e de reforçar a prevenção contra uma eventual inflação de demanda. A brusca queda da inflação teve efeitos significativos sobre o poder de compra da população. Ganho adicional de renda real adveio da eliminação da incerteza associada à forte oscilação dos salários reais. Esse ganho derivado da estabilidade da moeda explicitou-se no mercado pela maior facilidade que os assalariados passaram a ter no acesso ao crédito ao consumidor. Entre junho e dezembro de 1994 os empréstimos do sistema financeiro às pessoas físicas aumentaram em 150%. Avaliação do Plano Real e perspectivas O Plano Real é apontado como a melhor experiência de estabilização da economia brasileira. No entanto, a sua sustentabilidade e, principalmente, a retomada do crescimento econômico dependem de reformas mais profundas, de âmbito estrutural, envolvendo as áreas fiscal-tributária, patrimonial, financeira e administrativa. Desafios tão grandes quanto as transformações que ocorreram simultaneamente: alteração do perfil do mercado consumidor, reestruturação produtiva com aumento do coeficiente de importação, privatização, entrada de novos concorrentes por meio dos investimentos diretos etc. 71 Como a capacidade instalada não cresceu o quanto deveria, qualquer movimento de crescimento de consumo foi abortado por medidas de restrição ao crédito e elevação dos juros de forma que o crescimento tornou-se um subproduto, não o objetivo principal da política econômica. A carência de poupança interna é um dos principais fatores de restrição da expansão dos investimentos, pois a poupança externa pode exercer apenas um papel complementar. A redução das alíquotas de importação com a valorização do real e a ineficácia de mecanismos antidumping e práticas desleais de comércio internacional têm causado um pesado ônus ao país, provocando substituição de produção local por importações, mesmo em setores com boa capacidade competitiva. Setor externo A redução das alíquotas tarifárias e a queda do dólar estimularam o aumento das importações, ao mesmo tempo que exportar se tornava um mau negócio. A restrição externa tornou-se o maior fator de limitação ao crescimento econômico, porque sempre que a atividade econômica cresce as importações aumentam. Adicionalmente, quando o mercado interno está aquecido, os produtores tendem a se voltar para o atendimento da demanda interna, geralmente em condições mais rentáveis em virtude da situação cambial. Em 1997, diante da crise asiática, a vulnerabilidade da economia brasileira tornouse evidente e o governo foi mais uma vez obrigado a adotar medidas de contenção do nível de atividade para evitar o descontrole externo. O retorno ao FMI O enorme déficit em conta corrente e o déficit público em 1998, somados a crise russa, aumentaram a desconfiança dos credores e dificultaram a obtenção de créditos externos., 72 A grande perda de reservas cambiais levou o Brasil a recorrer ao FMI, que ofereceu uma linha de empréstimos de US$ 41,5 bilhões a serem sacados sob demanda. Em janeiro de 1999, existiam muitas dúvidas sobre a capacidade do Brasil de honrar os compromissos assumidos com o FMI. Manter a taxa de juros elevada era um remédio que debilitava mais que a “doença” pois, o seu aumento agravaria a recessão e diminuiria a receita do governo, afetando-o também nas suas contas pela elevação do custo do financiamento da dívida pública. A mudança, um tanto atabalhoada, do sistema cambial (de fixo para flutuante) iria permitir um ajuste lento no balanço de pagamentos reduzindo consideravelmente o déficit em conta corrente desde então. A adoção do regime de metas de inflação a partir de 2000 deu maior credibilidade à política monetária e permitiu taxas de juros menores, ainda que elevadas, que as do antigo regime. A instabilidade no nível de atividade econômica manteve-se em razão do quadro de desaquecimento simultâneo dos principais países da economia internacional e, internamente, do racionamento de energia, que restringiu o crescimento econômico. Aula 11 - A economia brasileira pós 2002 – O governo Lula Objetivos: O objetivo dessa aula é compreender a lógica da transição da economia brasileira de 2002 até os dias atuais. Vamos entender o sentido das políticas econômicas adotadas pelo governo Lula e as transformações recentes ocorridas na economia brasileira. No término do segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso (1998-2002) a economia brasileira enfrentou uma forte crise cambial. Um dos 73 motivos dessa crise dizia respeito às expectativas do mercado diante da possibilidade da constituição de um governo de esquerda, com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva e do Partido dos Trabalhadores. Porém, após sua posse, ocorreu a manutenção das políticas econômicas adotadas pelo governo anterior (permanência dos níveis de superávit primário e do regime de metas de inflação). Saiba Mais! Regime de Metas de Inflação: O sistema de metas de inflação foi introduzido no Brasil em 1999. O Conselho Monetário Nacional estabelece a meta de inflação e o Comitê de Política Monetária se reúne periodicamente e toma decisões que possibilitam o cumprimento dessa meta. Quando há possibilidade de que a inflação fique acima da meta estabelecida o COPOM atua promovendo elevações na taxa básica de juros. Quais fatores podem explicar a recuperação da economia brasileira após enfrentar uma forte crise na transição em 2002? - O primeiro aspecto que contribuiu para a melhoria da situação da economia brasileira foi o fato das expectativas do mercado não se concretizarem. Ou seja, ocorreu uma continuidade das políticas econômicas vigentes no governo anterior. - O elevado superávit fiscal possibilitou ao governo reduzir a proporção da dívida em relação ao PIB. 74 - A forte desvalorização cambial ocorrida em 2002 possibilitou uma vantagem significativa ao setor exportador, contribuindo para a geração de expressivos superávits na balança comercial. - Ao longo do período, devido ao forte crescimento das economias emergentes (China, Índia e Rússia) e o conseqüente aumento da demanda, ocorreu uma elevação dos preços das matérias primas, favorecendo a economia brasileira. Aproveitando esse cenário positivo o governo Lula aproveitou para tentar reduzir a dependência da economia brasileira em relação ao dólar. Desse modo ocorreu um processo de mudança do perfil da dívida externa brasileira, com a redução das emissões com referencias no dólar. Isto quer dizer que quando o Brasil emitia um título da dívida externa, pelo menos até 2002 quase a totalidade era corrigida pela variação cambial. Em razão desta em 2004 a participação da dívida atrelada à variação cambial correspondeu a apenas 5% do total. No site do Banco Central do Brasil estão disponíveis informações referentes ao comportamento da dívida brasileira: www.bcb.gov.br. Esse quadro possibilitou que a economia brasileira passasse por um processo de recuperação, principalmente a partir de 2004. Os dados do gráfico ilustram a situação 75 Variação do PIB do Brasil: 2002-2008 6 5,7 5,7 5,1 Em percentual 5 4 4,3 4 3,2 3 2,7 2 1 1,3 1,1 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Anos Fonte: IBGE. Contas Nacionais O gráfico ilustra que a economia apresentou um baixo crescimento em 2002 e o PIB cresceu apenas 1,15% no ano de 2003. A partir de 2004 a economia entra em um ciclo de recuperação. Um dos reflexos desse crescimento econômico pode ser observado no comportamento PIB per capita, ou seja, o total do PIB dividido pela população. Podemos perceber que a partir de 2004 há uma forte elevação desse indicador. Devemos tomar cuidado porque isoladamente o PIB per capita não pode ser considerado um indicador de melhoria da condição de vida da população. A elevação desse indicador deve estar combinada com a melhoria de outros índices relacionados à educação, saúde, saneamento básico, além do perfil da distribuição de renda. O comportamento desses indicadores no Brasil será analisado na aula a 19. 76 Evolução do PIB per capita do Brasil: 2002-2008 9 8,3 8 7,28 Em mil U$ 7 6 5,86 5 4,8 4 3 3,66 2,86 3,08 2 1 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Anos Fonte: IBGE. Contas Nacionais Também é importante lembrarmos que diante do baixo ritmo de crescimento no ano de 2003 surgiram fortes pressões no governo para que o Banco Central promovesse de modo mais agressivo reduções na taxa básica da economia – SELIC. Assim depois de chegar a 26,5% em fevereiro de 2003 ocorreu uma progressiva redução desse indicador. 77 Evolução da Taxa Básica de Juros no Brasil 2003-2007 30 25 Em percentual 20 15 10 5 3 l/0 3 ou t/ 03 ja n/ 04 ab r/ 04 ju l/0 4 ou t/ 04 ja n/ 05 ab r/ 05 ju l/0 5 ou t/ 05 ja n/ 0 m 6 ar /0 6 ju n/ 06 se t/ 06 de z/ 0 m 6 ar /0 7 ju n/ 07 se t/ 07 de z/ 07 ju r/ 0 ab ja n/ 03 0 Fonte: Banco Central do Brasil Glossário: SELIC: Sistema Especial de Liquidação e Custódia- corresponde a taxa básica de juros determinada pelo Comitê de Política Monetária. COPOM: Comitê de Política Monetária – Instituído em 2006 tem como função coordenar a política monetária no Brasil. Superávit Primário: O superávit fiscal corresponde ao esforço fiscal decorrente da diferença entre a arrecadação e os gastos do governo. No conceito primário são descontados desse cálculo os recursos destinados ao pagamento dos juros da dívida do governo. 78 AULA 12: Mudanças ocorridas na estrutura produtiva e ocupacional a partir de 2002 (agricultura, indústria e serviços). Evolução do PIB Durante a década de 1990, o desempenho do PIB foi bastante irregular. Nos primeiros anos da década, período de alta inflação, o PIB chegou a apresentar crescimento negativo, voltando a aumentar com o Plano Real. Uma das maiores contrações do PIB ocorreu em 1990 quando foi implementado o Plano Collor. Ano 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 PIB 616,4 649,7 700,3 752,9 779,2 778,4 803,3 768,4 776,3 772,1 810,1 857,5 893,5 917,5 947,5 949,6 957,2 1000,3 Variação anual (%) 5,40 7,79 7,51 3,49 -0,10 3,20 -4,34 1,03 -0,54 4,92 5,85 4,20 2,69 3,27 0,22 0,80 4,50 Índice-base = 1986 81,9 86,3 93,0 100,0 103,5 103,4 106,7 102,1 103,1 102,6 107,6 113,9 118,7 121,9 125,9 126,2 127,2 132,9 79 Indústria No início dos anos de 1990 foi definida uma Política Industrial e de Comércio Exterior (Pice), que visava melhorar a capacitação industrial brasileira e realizar a abertura comercial, para estimular a concorrência. Pressupunha-se que a concorrência levaria à modernização, que seria apoiada mediante programas específicos. As ações de apoio à modernização não avançaram no mesmo ritmo que a liberalização comercial, dada à ausência de mecanismos institucionais e organizacionais sólidos. Nos anos seguintes, não houve alteração na orientação da política industrial adotada pelo governo. Como a estabilidade da economia era prioritária, sobrevalorizou-se a moeda nacional e manteve-se taxas de juros elevadas, o que transformou a abertura comercial no único fator de incentivo à modernização das empresas. Assim, ocorreram mudanças significativas na estrutura produtiva brasileira, especialmente na indústria. A produção industrial melhorou comparada à da década de 1980. A única exceção foi a indústria de bens de capital, que sofreu, até 1997, uma queda de quase 30%, implicando aumento da dependência de importações de bens de capital, o que não é desejável a longo prazo. Maior expansão ocorreu com relação aos bens de consumo duráveis, para a qual contribuiu o desempenho da indústria montadora de veículos, umas das poucas beneficiadas por políticas setoriais de cunho protecionista. 80 Entre 1991-1997, a indústria automobilística aumentou a produção em 70% contra 13% e 18% de crescimento nas indústrias de nãoduráveis e de bens intermediários, respectivamente. Comércio exterior O câmbio sobrevalorizado tornou os produtos nacionais menos competitivos e estimulou as importações. Desse modo, entre 1992 e 1997, enquanto as exportações brasileiras aumentaram apenas 34,18% as importações cresceram 63,34%. A manutenção de competitividade em setores tradicionais, produtores de bens de baixo valor agregado, contraria a tendência observada nas principais economias do mundo. O maior crescimento das importações em relação às exportações provocou recorrentes déficits na balança comercial brasileira e na de transações correntes. Isso exigiu a manutenção de elevadas taxas de juros para atrair a entrada de capitais e equilibrar o balanço de pagamentos. Com a desvalorização do real e a adoção do câmbio flutuante, muitos esperavam que essa situação rapidamente se revertesse. Contudo, como visto em capítulos anteriores, outros fatores, internos e externos, influenciaram seu desempenho. O índice de desenvolvimento humano (IDH) Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o IDH é um indicador que busca “captar e sintetizar as diversas e complexas dimensões do processo de desenvolvimento humano”. Para isso, em sua metodologia, reconhece que “três condições essenciais estão presentes em todos os níveis de desenvolvimento, sem as quais as demais oportunidades e alternativas do ser humano 81 não são acessíveis: desfrutar uma vida longa e saudável, adquirir conhecimento e ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida decente”. Metodologia do IDH: – indicador de longevidade: esperança de vida ao nascer; – indicadores de nível educacional: tomam-se a taxa de alfabetização dos adultos e a taxa combinada de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior; – indicador de acesso a recursos: renda per capita; – essas taxas são reunidas em um indicador único por meio de média ponderada. O resultado do IDH varia entre 0 e 1. Um IDH compreendido entre 0 a 0,5 indica baixo desenvolvimento humano; se estiver na faixa de 0,5 a 0,8, é considerado médio; caso se encontre entre 0,8 a 1, verifica-se alto desenvolvimento humano. O Brasil ocupava a 81a posição no ranking mundial de IDH em 1995, passando para 79a em 97 e em 1998-1999 ficou em 69a lugar com um IDH de 0,746 e 0,750. O Brasil no IDH A melhora do IDH entre 1998 e 1999 deveu-se ao crescimento da expectativa de vida ao nascer do brasileiro, da taxa de matrícula combinada para os três níveis de ensino e da taxa de alfabetização de adultos. O país de maior IDH em 1999 era a Noruega, seguido do Canadá. Os Estados Unidos ficaram em 6o lugar. No extremo oposto estavam Etiópia, Níger e Serra Leoa. 82 1998 69o 67,3 84,5% 78,3% 7.071,7 0,70 0,82 0,71 0,746 Ranking Expectativa de vida Adultos alfabetizados Taxa de matrícula PIB per capita Índice de saúde Índice de educação Índice de renda IDH 1999 69o 67,5 84,9% 80% 7.037 0,71 0,83 0,71 0,750 O IDH nas regiões e nos estados brasileiros Apesar do IDH nacional ser de nível médio, a análise do IDH dos estados brasileiros atesta uma grande heterogeneidade: ao lado de estados com alto nível de desenvolvimento humano encontramos estados com nível extremamente baixo. Os resultados também indicam a existência de uma forte diferenciação regional. Entre os estados com menor IDH, nove são da região Nordeste. Classificação IDH de 1991: Região IDH Sul 0,844 Sudeste 0,838 Centro-Oeste 0,826 Norte 0,706 Nordeste 0,548 83 Distribuição da Renda O Índice de Gini permite avaliar a distribuição de renda em um país, região ou estado. Esse índice também varia de 0 a 1, mas indica uma distribuição de renda tanto melhor quanto mais próximo de 0 estive o valor encontrado. Em termos de região e estado, Sul e Santa Catarina apresentam as menores concentrações de renda. Os piores encontram-se no Nordeste e na Bahia. Para o Brasil, durante os anos 1990, observou-se uma deterioração da distribuição de renda no país como um todo. Região Sul Sudeste Centro-Oeste Norte Nordeste Gini 0,5963 0,6127 0,6318 0,6123 0,6472 A população brasileira Em 1991, a população residente no país era de 146,8 milhões de pessoas. Cinco anos mais tarde, atingiria 157 milhões, sendo composta em 49,3% por homens e 50,7% por mulheres. Em 2000, a população atingiu 169,8 milhões. Na década de 1970, pela primeira vez, o censo registrou que a maioria da população brasileira – 55,92% – residia no meio urbano. Nos anos seguintes, essa tendência se acentuou. A queda da taxa de mortalidade observada desde a década de 1940 resultou no aumento de longevidade provável de um brasileiro. Em 1991, a esperança de vida ao nascer era de 66 anos (62,6 para homens e 69,8 para as mulheres). Em 2000 a esperança passou 84 para 68,6 (64,8 para os homens e 72,6 para as mulheres), o que indica aumento não só da expectativa de vida como da ampliação da diferença entre sexos. Na década de 1990 houve aumento de morte de jovens e adultos jovens por causas externas, principalmente os do sexo masculino, como resultado do aumento da violência. O novo padrão demográfico O censo realizado em 1991 registrou, pela primeira vez na história do país, que a população brasileira estava ficando mais velha e crescendo de forma bem mais lenta do que nas décadas anteriores. Também indicava que o ritmo de crescimento seria cada vez menor nos anos seguintes. Desde o início da década de 1940 a taxa de mortalidade vem caindo acentuadamente. Contudo, até meados da década de 1960 o nível de fecundidade manteve-se elevado e houve aumento nas taxas de crescimento da população. Assim, foi possível manter até os anos 1970 a distribuição etária. Até essa época, mais de 53% da população tinha menos de 20 anos de idade. A queda da taxa de fecundidade a partir da década de 1970 teve reflexos na distribuição etária somente anos depois. Os demógrafos esperam que, antes de 2040, a taxa de fecundidade atinja um valor em torno do nível de reposição (2,1), quando a população brasileira tenderá a um crescimento nulo, tal como em países desenvolvidos. Note-se que, para 2001, o IBGE já estima uma taxa de fecundidade de 2,18. O país estaria, assim, vivendo a fase de ouro da transição demográfica, na qual a população jovem ainda está crescendo, 85 embora a taxas relativamente baixas, e a população idosa, embora aumentando a taxas elevadas, ainda constitui um contingente baixo. Os impactos da nova estrutura etária sobre as políticas públicas A mudança do padrão demográfico brasileiro tem implicações profundas em diversas políticas públicas, tais como as relativas a educação, saúde, emprego e previdência social. Ao contrário da década de 1970, quando o sistema educacional precisava crescer a taxas superiores a 3% para dar conta do aumento da demanda de crianças em idade escolar, atualmente o crescimento pode ocorrer mais lentamente, sobretudo no que se refere ao ensino fundamental e médio. Na esfera da saúde, a queda da fecundidade resulta em menor demanda pelos serviços voltados para crianças e mulheres gestantes. Ao mesmo tempo, com o envelhecimento da população, aumentará a necessidade de cuidados às pessoas idosas, cujos tratamentos são mais complexos e caros, especialmente porque costumam estar associados a tecnologias de ponta e períodos maiores de internação. Uma população mais idosa exibe um perfil de morbidade com predominância de doenças crônico-degenerativas, tais como câncer, diabetes, problemas do aparelho circulatório e problemas neurológicos. No campo previdenciário, o aumento da longevidade da população brasileira resulta no alongamento do período em que o aposentado ou pensionista permanece no sistema, recebendo benefícios. Em 1993, 53,45% dos homens que passaram a receber a aposentadoria por tempo de serviço tinha entre 45 e 54 anos, na data do início dos benefícios e esperança de viver mais 17,6 anos, em média. Esse é 86 um dos motivos pelos quais a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta e adotou-se o critério de tempo de contribuição. O aumento da esperança de vida dos aposentados e pensionistas exigia um volume cada vez maior de recursos para o pagamento dos benefícios. O problema previdenciário é agravado pelo aumento do desemprego e a informalização da economia nos anos 1990. Portanto, menos pessoas contribuem para a previdência. Descrever as profundas mudanças ocorridas no mercado de trabalho nos anos 1990. Descrever o impacto dessas mudanças nas políticas públicas, em especial sobre o seguro-desemprego e a previdência social. O aumento do desemprego e a precarização do emprego A década de 1990 foi extremamente negativa no que se refere ao mercado de trabalho. Destaca-se o elevado nível de desemprego na região metropolitana de São Paulo. Do universo dos desempregados na RMSP, em 2001, 16,7% eram analfabetos e 5,6% tinham o ensino superior completo. Também em 2001, o tempo médio de procura de trabalho em relação ao ano anterior permaneceu constante, de 48 semanas, mas 22,3% dos desempregados estavam a mais de um ano procurando emprego. Em 1995, apenas 6,4% dos desempregados estavam a mais de um ano procurando emprego. O avanço do desemprego nos anos 1990 refletiu-se em profundas mudanças da estrutura do mercado de trabalho brasileiro. 87 Queda do percentual de pessoas trabalhando com carteira assinada e aumento do número de pessoas trabalhando sem carteira ou por conta-própria, o que significa uma redução do mercado de trabalho formal. O aumento do desemprego e a precarização das condições de trabalho tiveram impacto extremamente negativo sobre os programas públicos que dependem de contribuições calculadas sobre a massa salarial dos trabalhadores vinculados ao mercado formal de trabalho. Caso da previdência: em 2000, as receitas de contribuições encontravam-se 3,2% abaixo do nível arrecadado em 1986. 88 Taxa de desemprego – Brasil e região metropolitana de São Paulo (RMSP) Média anual 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 IBGE SEADE DIEESE (Brasil) (RMSP) (RMSP) 3,4 8,7 6,5 4,3 10 7,2 4,8 11,7 8 5,7 15,2 9,2 5,3 14,7 8,7 5,1 14,2 8,9 4,7 13,2 9 5,4 15 9,9 5,7 15,7 10,2 7,6 18,2 11,7 7,6 19,3 12,1 7,1 17,6 11 6,2 17,6 11,3 População Ocupada de 15 anos ou mais – Média percentual anual Posição na ocupação Ano Carteira assinada 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 53,7 51,4 50,5 49,3 48,4 46,7 46,4 45,3 44,1 44,5 45,2 Sem carteira 20,8 22,2 23,1 23,7 24,1 24,8 24,8 25,2 26,9 26,9 27,1 Contaprópria 20,1 21 21,1 21,8 22 22,8 23,3 24 23,7 23,5 23,1 Empregador 4,4 4,4 4,3 4,2 4,5 4,6 4,5 4,5 4,3 4,3 3,9 O seguro-desemprego O crescimento significativo do desemprego provocou o aumento da procura pelo seguro-desemprego durante os anos 1990. 89 Número de benefícios cresceu 158,03% entre 1989 e 2000. Nem todos os desempregados puderam fazer uso desse benefício, pois o seguro-desemprego protege apenas os trabalhadores que pertencem ao mercado formal de trabalho. O avanço do desemprego foi acompanhado de redução do valor médio do benefício. Entre 1989 e 2001, houve uma perda de 15,3% provocada pela diminuição do salário médio dos trabalhadores quando em atividade e/ou pela maior participação daqueles menos remunerados no conjunto de segurados. Concentração do segurados no setor de serviços e na região Sudeste. Outubro de 1998: do total de beneficiados 27,04% tinham 8 a série incompleta, 20,43% o ensino médio incompleto, 16,51 a 4 a série completa. Evolução do seguro-desemprego (média anual) – Brasil Ano Requerimentos Beneficiados 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 1.912.185,00 3.099.910,00 3.724.840,00 4.015.225,00 3.825.547,00 4.091.318,00 4.789.324,00 4.395.190,00 4.435.697,00 4.397.510,00 4.418.100,00 4.273.680,00 4.381.790,00 1.620.543,00 2.806.820,00 3.498.235,00 3.895.157,00 3.756.365,00 4.029.718,00 4.734.179,00 4.352.860,00 4.357.862,00 .344.145,00 4.310.192,00 4.181.601,00 4.284.292,00 Benefício médio em S.M. 1,7 1,75 1,83 1,69 1,41 1,55 1,54 1,58 1,57 1,56 1,55 1,51 1,44 90 Distribuição do Benefício por atividade econômica e região Outros 0,1% Agropecuária 7,2% Comércio 24,8% Norte 3,9% Centro-oeste 8,1% Construção Civil 12,1% Indústria 22,9% Nordeste 16,8% Sudeste 52,8% Sul 18,3% Serviços 32,8% A crise financeira e a reforma da previdência social Durante os anos 1990, esteve em discussão a necessidade das reformas: previdenciária, tributária e administrativa. Apenas a reforma previdenciária avançou, ainda que pouco, até o início de 2002. Nos últimos anos, a arrecadação das contribuições de empregados e empregadores não tem sido suficiente para financiar os gastos crescentes com benefícios. Duas são as causas dessa situação das contas da previdência: o crescimento da despesa e o fraco desempenho da receita. Despesas: – nos anos 1970 expandiu-se o assalariamento no mercado formal de trabalho, o que ocasionaria aumento substantivo na demanda previdenciária nos anos 1990; – até há pouco tempo, as regras permitiam que o trabalhador tivesse direito à aposentadoria integral aos 35/30 anos de trabalho (homem e mulher respectivamente); 91 – O aumento da expectativa de vida elevou o período de pagamento do benefício. Receita: – O elevado desemprego nos anos 1990 fez crescer o mercado de trabalho informal em detrimento do trabalho formal (com carteira assinada). A informalização do mercado de trabalho foi, em parte, compensada por inovações na esfera da fiscalização que permitiram aumentar substantivamente o resultado das ações dos fiscais previdenciários. Reformas realizadas nos anos 1990: – cortes de auxílios natalidade e funeral; – fim das aposentadorias especiais (exceto professores do ensino médio e fundamental); – aposentadoria por tempo de contribuição, introduzindo no cálculo do valor do benefício a expectativa de vida do segurado (Fator Previdenciário). A evolução pós-reforma da situação financeira da Previdência Social indica que grande parte dos problemas existentes decorre da situação do mercado de trabalho. Enquanto não forem criados novos postos de trabalho regulares (formal), não há como recuperar o dinamismo anterior da receita de contribuições de empregados e empregadores. 92 AULA 13: A integração econômica regional e o desenvolvimento dos blocos econômicos. Objetivo: O objetivo dessa aula é compreender os modos de integração regional e sua importância para os países que aderem a esse processo. Vamos aproveitar para entender as especificidades do Mercosul e seu estágio atual. Os processos de integração econômica correspondem a mecanismo nos quais os países buscam estabelecer união com objetivo de eliminar barreiras no comércio visando a criação de um mercado integrado. As etapas de um processo de integração regional são classificadas do seguinte modo: Quadro 1 – Processos de Integração Regional Modalidade Características Zona Exemplo de Eliminação de barreiras comerciais Nafta: livre com independência comércio comercial. de Acordo de Livre política Comércio da América do Norte (Canadá, EUA e México). União Zona de livre Aduaneira unificação de tarifas para países do externos ao bloco. comércio com Mercosul: Mercado Comum Sul: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Mercado Livre circulação de mercadorias, União Européia: Maioria dos Comum bens, serviços inclusive mão de países obra. do continente europeu até 1993 União Mercado comum com harmonização Atual estágio Econômica das políticas econômicas e moeda européia. da união única. 93 Aspectos favoráveis ao processo de integração regional. São vários os argumentos favoráveis ao estabelecimento de um processo de integração regional: Aumento da eficiência produtiva e ganhos de escala com o aumento de seu mercado interno; Redução nos custos de produção e nos preços dos produtos; Acesso a novas tecnologias; No caso dos países menores ocorreria o aumento da credibilidade e do poder de barganha no comércio. Quadro 2 Principais Blocos de Integração Regional. Blocos Países Membros União Européia- UE Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Grécia, Espanha, Portugal, Áustria, Finlândia, Suécia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Polônia, República Tcheca e Chipre. Acordo de Livre Estados Unidos, México e Canadá Comércio da América do Norte – NAFTA Mercado Comum do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai Sul – Mercosul. Fórum Econômico da Mercado comum com harmonização das políticas Ásia e do Pacífico - econômicas e moeda única. APEC 94 A experiência da América Latina: O Mercosul. O Mercosul foi uma iniciativa de integração econômica estabelecida entre os países do cone sul (Uruguai, Argentina, Paraguai e Paraguai). Esse processo iniciou em 1991 com o tratado de Assunção, assinado pelos países signatários. Esse acordo tinha como objetivo o estabelecimento de um mercado comum, ou seja ocorreria a livre circulação de bens, serviços e mão de obra além da harmonização das políticas econômicas. Porém, o Mercosul se estabeleceu inicialmente como uma união aduaneira , ou seja. foi estabelecido um período de transição para que fosse alcançando o status de mercado comum. Inicialmente foi determinado um programa de eliminação das barreiras comerciais entre os países membros com a existência de uma lista de exceções (produtos que não estariam livres de tarifas). Além disso ocorreu o estabelecimento de uma tarifa externa comum entre os países membros (TEC). A lista de exceções também deveria sofrer uma redução progressiva até ser completamente eliminada. Em 2005 o Bloco aceitou a inclusão da Venezuela, porém esse processo ainda não foi concretizado pois depende da aprovação dos congressos dos países membros. Quais os resultados desse processo de integração para os países membros? De um modo geral o processo de integração contribuiu para o aumento do comércio realizado entre os países membros. Porém vários problemas surgiram e impediram que ocorresse o avanço para o estabelecimento de um mercado comum: Grandes diferenças em relação aos indicadores sociais dos países membros; Assimetrias (O peso da economia brasileira é muito grande em relação aos demais sócios); 95 Resistência dos outros membros em relação ao Brasil devido à importância de sua indústria (podendo eliminar a indústria dos demais sócios). As crises ocorridas na região ao longo da década de noventa não possibilitou que ocorresse avanço no sentido da harmonização das políticas econômicas bem como o estabelecimento de uma moeda única (além da rivalidade entre os sócios). As crises cambiais desse período provocaram assimetrias no intercambio entre os países membros e acirraram as disputas comerciais. A livre circulação de mão de obra entre os países membros também não avançou devido aos mesmos problemas. Desse modo o Mercosul permanece no estágio de união aduaneira. Bibliografia CARVALHO, M. A; SILVA.R. L. Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 2003 CARMO, E.C; MARIANO, J. Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. 96 Aula 14 A globalização da economia e a nova ordem internacional. Objetivos: Na última aula do curso o objetivo é de entender as mudanças recentemente ocorridas na economia mundial. Vamos compreender o significado do processo de globalização e a lógica da organização do sistema financeiro internacional. A globalização da economia corresponde a um processo de intensificação das trocas realizadas entre os países em relação ao comércio, capitais, e serviços. No Brasil esse processo se intensificou a partir do início dos anos 1990. A globalização da economia pode ser entendida em três dimensões: Globalização Comercial; Globalização Produtiva; Globalização Financeira. Globalização Comercial. Em relação à globalização comercial as mudanças ocorridas na economia, com o estabelecimento de zonas de integração regional possibilitaram o incremento das trocas e com isso um número maior de empresas passaram atuar no comércio internacional. O processo de abertura das economias e de redução das barreiras no comércio internacional também possibilitou o aumento das trocas. Globalização Produtiva. A globalização produtiva é resultado do aumento da internacionalização da produção. Com esse processo as grandes empresas multinacionais passaram a terceirizar sua produção além de suas fronteiras, concentrando na matriz algumas tarefas como pesquisa e desenvolvimento, marketing e publicidade. Esse 97 processo também ocorreu devido a abertura das economias e o surgimento de novos mercados. A entrada de empresas estrangeiras nos países os beneficiam na medida em que possibilitam o acesso a novas tecnologias e com isso levando ao aumento da eficiência produtiva. Desse modo esses países passam a ter possibilidades de se integrarem no comércio internacional. Globalização Financeira. A globalização financeira foi possível devido aos avanços tecnológicos com a possibilidade da integração dos mercados durante 24 horas e troca de informações em tempo real. Além das novas tecnologias o processo de redução do controle de capitais permitiu a livre circulação de investimentos pelo planeta. Esse fato levou a criação de novos instrumentos financeiros e aumentou a circulação de capitais entre os países. Por outro lado, quando ocorrem as crises praticamente todos os países são afetados. O Sistema Financeiro Internacional – Fundo Monetário Internacional O atual sistema financeiro internacional foi estabelecido em 1944 em uma conferencia realizada nos Estados Unidos ( Bretton Woods). As preocupações eram: Estabelecimento de regras para que não ocorressem desequilíbrios externos; Garantir a liquidez internacional entre os países membros; Financiar o desenvolvimento dos países envolvidos; Promover a cooperação monetária entre os países membros. O FMI - Fundo Monetário Internacional atualmente conta com a participação de quase todos os países do planeta e tem dentre os objetivos: O estabelecimento de cooperação monetária internacional; Garantir a estabilidade do câmbio; 98 Garantir para que não ocorram desequilíbrios nos balanços de pagamentos; Contribuir para a não ocorrência de desequilíbrios no comércio internacional. A participação dos países no FMI ocorre por meio de cotas e essas tem relação com a importância dessas economias no momento da criação desse organismo. Desse modo, os Estados Unidos além de maior cotista definiram sua moeda – dólar - como referencia para o sistema. Assim os países membros assumiram o compromisso de manterem suas moedas a uma taxa de cambio fixa em relação ao dólar. Ou seja, o dólar assumiu o papel que o ouro teve durante muito tempo. Os Estados Unidos também assumiram o compromisso de manter sua moeda conversível em relação ao ouro (1 dólar correspondia a 35 onças de ouro). Quotas de votos no FMI - 1998 (%) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 17,78 5,53 5,53 4,98 4,98 1,47 EU A Al em Ja an ha pã o Fr an ça Re in o Br Un as il id o 1,05 Ar ge nt in a Fonte: FMI Outro instrumento importante criado nesse momento foi o Direito Especial de Saque –DES. Consiste em uma moeda escritural do FMI representando cuja composição é de 75% da moeda do país e 25% em ouro ou moedas conversíveis. O país que precisar de recursos pode realizar saques nessa moeda, inicialmente 99 os 25% correspondentes ao depósito em sua moeda e se necessário pode chegar a emprestar um valor a três vezes superior as quotas que tem direito. Durante a crise da década de 1980 o FMI teve um papel relevante no processo de renegociação das dívidas dos países em desenvolvimento. Recentemente recebeu críticas por não ser capaz de resolver a crise financeira ocorrida em 2008. Também vem recebendo pressões por parte dos países emergentes para que ocorra revisão das quotas. Quando foram estabelecidas esses países tinham uma participação muito menor na economia mundial. As assimetrias são tão grandes que China possui um número de cotas inferior ao da Suíça. Desse modo, desejam que o aumento de sua importância seja refletida na estrutura decisória desta instituição. Bibliografia CARVALHO, M. A; SILVA.R. L. Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 2003 CARMO, E.C; MARIANO, J. Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. 100 Aula 15 A economia brasileira e a crise de 2008 Objetivos: Na aula a seguir vamos tentar compreender o significado da crise financeira ocorrida em 2008 em âmbito global, seus impactos sobre a economia brasileira e quais as respostas do governo brasileiro. Como observamos na aula anterior a economia brasileira a partir de 2004 passou por um processo de forte expansão da produção e grande elevação nas taxas do PIB. Além disso, o país recebeu somas cada vez mais elevadas de investimento estrangeiro provocando forte valorização da bolsa de valores BOVESPA- Bolsa de Valores de São Paulo. Essa entrada de recursos acelerou o processo de valorização cambial no país. No início de 2008 o país recebeu o grau de investimento das agências de avaliação de risco Standard & Poor´s. Esse fato aumentou o otimismo em relação ao desempenho da economia brasileira e valorizou mais ainda as ações das empresas brasileiras. Em maio de 2008 foi a vez da agência Fitch Rating promover a economia brasileira para o grau de investimento. Desse modo, 02 das três maiores agências de avaliação de risco sinalizavam ao mercado que era seguro investir no Brasil. Saiba Mais! Agências de Avaliação de Risco: As Agências de Avaliação de Risco são instituições que avaliam países e empresas em relação a capacidade de realizar os pagamentos de suas dívidas (emissões de bônus, títulos etc.). Desse modo indicam aos mercados quais apresentam um quadro mais seguro para investimentos. As principais Agências de risco são: a Moody’s Corporation, a Standard e Poor´s e a Fitch Ratings. 101 Devido a esse crescimento da economia a preocupação do governo passou a ser a possibilidade da taxa de inflação superar a meta estabelecida pelo COPOM. Em função disso, ocorreu a partir do início de 2007 um novo processo de elevação das taxas de juros. No mês 09/2007 a taxa Selic havia chegado a 11,25%, patamar mais baixo registrado na economia brasileira até aquele momento. Porém, em 2007 a inflação já começa preocupar o governo e a partir do mês 04 de 2008 começa a ocorrer paulatinamente uma elevação das taxas de juros, com objetivo de conter a escalada inflacionária. Ainda no ano de 2007 a inflação oficial do governo (IPCA) fica próxima da meta de inflação de 4,5%, porém seu comportamento no início de 2008 já sinalizava que a meta não seria cumprida. Indice de Preços. 2007 1º Semestre 2008 (últimos 12 meses) IGPM - FGV 7,75 % 13,4 % IPCA – IBGE 4,46 % 6,06 % Fonte: IPEA Que fatores teriam levado a reversão desse processo de euforia? O fator determinante para a reversão do quadro de crescimento da economia Brasileira foi a crise internacional, que se iniciou nos Estados Unidos. Apesar do presidente da Republica afirmar em outubro de 2008 que crise no Brasil não seria intensa, o impacto foi bastante profundo. Vejamos inicialmente a cronologia dessa crise: As Taxas de juros dos Estados Unidos no início dos anos 2000 estavam em patamares muito baixos, porém, a partir de 2004 ocorreu elevação para 5,35. Essa elevação começou a causar problemas principalmente no caso dos créditos que ofereciam riscos maiores (subprime). Desse modo, em 2007 já se observa na 102 economia dos Estados Unidos problemas relacionados ao subprime. A partir desse momento várias instituições financeiras começam a apresentar problemas relacionados a inadimplência. Em setembro os Bancos Centrais dos Estados Unidos da Zona do Euro e do Japão já começam a tomar medidas no sentido de prevenção de uma crise financeira mais profunda. Ainda no final desse ano importantes instituições financeiras sinalizam perdas significativas no mercado subprime. A crise prosseguiu ao longo de 2008 e o FMI sinalizou que as perdas poderiam ultrapassar a casa dos trilhões. Ao longo do primeiro semestre de 2008 as informações a respeito das finanças em âmbito mundial vinham se deteriorando até que no início de setembro o governo dos Estados Unidos assumiu o controle de duas importantes empresas de hipoteca. Esse fato causou um espanto generalizado uma vez que significou a estatização da economia em um país de tradição liberal. Porém três dias após tomar essa decisão surge a notícia de que o 4º maior Banco de investimentos dos estados Unidos registrara perdas recordes. Dessa feita não ocorreu intervenção e o Banco entrou com pedido de concordata. A crise se alastrou pelo mundo e impactou outro número significativo de Instituições financeiras e companhias de seguros. Se a crise começou em 2007 porque o Brasil só sentiu no final de 2008? Como vimos indícios da crise já ocorriam em 2007. Muitos economistas afirmavam que existia um descolamento dos países emergentes em relação ao comportamento das economias desenvolvidas. Países como China, Índia, Brasil e Rússia não seriam afetados pela crise. Como os preços das matérias primas estavam situados em patamares elevados de fato essa tese parecia ser de fato verdadeira. Porém em 2008 a dimensão da crise provocou a contaminação em praticamente todas as economias do planeta. Ocorreu uma forte fuga de capitais devido à escassez de crédito. Em outubro de 2008 o governo brasileiro ainda tinha uma 103 avaliação otimista da capacidade do país em superar a crise. Porém ocorreu uma forte fuga de capitais e uma crise cambial. A taxa de cambio subiu de R$ 1,63 em 15/08/2008 para próximo dos R$ 2,40 em 15/12/2008. Várias empresas que realizaram operações com dólar passaram a enfrentar fortes dificuldades e os negócios envolvendo importações praticamente foram interrompidos, impactando toda cadeia produtiva. A bolsa de valores que havia tido uma valorização recorde no primeiro semestre desabou causando perdas enormes aos investidores. Como resultado o PIB do 4º trimestre cai drasticamente. O dado mais impactante foi o da indústria. No 3º trimestre a indústria estava em pleno ritmo de expansão e apresentava a taxa mais elevada de crescimento do ano. No período seguinte a taxa desabou para -7,4% e refletiu negativamente sobre o PIB que caiu 3,6 % PIB do Brasil por Setores de Atividade – 3º e 4º trimestre de 2008 Setores 3º Trimestre de 2008 4º trimestre de 2008 Indústria 3,6 - 7,4 Terciário 0,8 -0,4 Agropecuária 1,3 -0,5 PIB 1,7 -3,6 Fonte: IBGE – Contas Nacionais; Com isso aumentaram as taxas de desemprego, principalmente no setor industrial. Como o governo atuou para conter a queda da economia? Assim como as principais economias do mundo no Brasil o governo atuou com os instrumentos de política monetária e política fiscal: Política monetária: - Reduziu de modo escalonado da taxa básica de juros na economia; - Atuou como Emprestador de última instância; - Promoveu a redução do compulsório. 104 Política Fiscal - Estabeleceu redução das Metas de Superávit Primário; - Promoveu desonerações, com redução e isenção de tributos em alguns setores da economia (redução do IPI para automóveis, geladeiras, fogões e materiais de construção) - Promoveu aumento dos gastos públicos. Com essas medidas, a partir do segundo trimestre de 2009 a economia brasileira conseguiu “fugir” da crise e retomar o crescimento. Glossário: Grau de Investimento: Quando um país atinge o grau de investimento significa que os investidores estrangeiros podem investir com segurança. Além disso, existem investidores institucionais (fundos de pensão) que só podem realizar investimentos em países com esse status. IGPM- Ìndice Geral de Preços ao Consumidor- Mercado: calculado pela Fundação Getúlio Vargas. Até 1986 o IGP era utilizado como índice oficial de inflação. Leva em consideração o comportamento dos preços no atacado e no varejo. IPCA- Ìndice de Preços ao Consumidor Amplo: Calculado pelo IBGE e corresponde ao índice oficial de inflação. Diferente do IGP só considera o comportamento dos preços ao consumidor. 105