- Resenhas da Internet

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Resenha da Internet – Quarta, 3/2/99 – O FIM DO REAL E OS RUMOS DO BRASIL (parte 2)
A ilusão dos
neobobos
FHC chegou a ver na globalização neoliberal sinais de “um novo Renascimento”.
Em que se apoiava o movimento que seduziu as elites em todo o mundo e suscitou,
na periferia, inúmeros programas de estabilização como o Real?
Para a grande maioria dos brasileiros, os meria mais suave nosso caminho rumo ao Pricanismos que mergulharam o país na crise
meiro Mundo.
permanecem inexplicados. Até há poucas seAgora que a crise fez em pedaços cada uma
manas, o governo e os jornais insistiam que as
dessas idéias, é importante entender o que gadificuldades do real eram contratempos
rantiu o prestígio delas, por
menores, provocados por
tanto tempo. Entre 1985 e
Entre 1985 e 97,
turbulências na Ásia. O Bra97, o neoliberalismo viveu
o neoliberalismo viveu
sil estava tão bem que proseu breve esplendor. Foi
vavelmente poderia tirar
seu breve esplendor.
nesse período que caíram o
proveito das dificuldades
Foi nesse período
muro de Berlim e a União
alheias, como disse certa vez
que caíram
Soviética; que partidos cono presidente da República.
servadores conquistaram ou
o
muro
de
Berlim
Havia duas razões para
e a União Soviética; que mantiveram o poder nos
nosso êxito:
EUA e em quase todos os
partidos conservadores
países europeus; que Francis
1. Estávamos “deixando de
mantiveram o poder
Fukuyama enxergou o “fim
ser caipiras” (outra expresnos EUA e em quase
da História” e que... um
são de FHC). Tínhamos pertodos os países
grande volume de créditos,
cebido que para chegar ao
vindos do centro do capitaeuropeus;
progresso era preciso abanlismo, voltou a irrigar as
que Francis Fukuyama
donar a idéia ultrapassada de
economias da periferia.
enxergou
seguir um projeto nacional
autônomo e integrar o país
Para economistas como o
o “fim da História”
ao – mais uma vez, palavra
francês François Chesnais, o
e que... um grande
ao Presidente -- “novo
fenômeno foi conseqüência
volume de créditos,
Renascimento” que a glodireta de uma mudança provindos do centro do
balização neoliberal estava
funda no “regime de acucapitalismo,
voltou
a
inaugurando; 2. Esclarecidas
mulação” capitalista. A fase
e preparadas, as elites brasianterior, marcada pela exirrigar a periferia
leiras haviam gerado uma
pansão planetária da grande
equipe de economistas capazes de arquitetar o
produção fordista e das multinacionais, pelas
Plano Real. Autêntica obra de arte da ciência
políticas de “substituição de importações” nos
econômica, ele liquidara a inflação e dotara o
países em desenvolvimento, por certas conpaís de uma moeda estável e forte. Asseguracessões aos assalariados e por controle estatal
ria agora nosso prestígio no exterior, e tornarigoroso sobre os mercados financeiros, havia
permitido a reconstrução do mundo no
longo deste século. Guttmann vê duas mupós-guerra -- mas estava esgotada. As taxas
danças dramáticas:
de lucro e os índices de crescimento
* A partir dos anos 30, nos EUA, e do
econômico eram medíocres desde meados dos
pós-guerra, no resto do mundo, os Estados
anos 70. A economia norte-americana,
livram-se da responsabilidade de manter
durante décadas motor de todo o bloco
depósitos em ouro para honrar as emissões de
ocidental, patinava num lamaçal de perda de
moeda; e permitem que os bancos emprestem
dinamismo, inflação alta e déficits públicos
dinheiro muito além de seu volume de
crescentes. As economias do “terceiro
depósitos. O resultado é uma explosão da
mundo” – em especial as latino-americanas,
capacidade de crédito, que ajuda a explicar a
que nas décadas anteriores haviam vivido
ausência de crises devastadoras do
uma modernização notável -- estavam
capitalismo entre 1929 e 1997. Quando a
afundadas num endividamento externo cujas
capacidade de consumo é muito menor que a
conseqüências
políticas
produção, os governos eseram imprevisíveis.
Nos anos 30,
timulam os bancos a
os Estados libertam
A partir do início do início
emprestar: a antecipar às
dos anos 80, o capitalismo
empresas e aos consumio dinheiro do antigo
tentará encontrar a saída
dores a parcela que lhes
lastro em ouro –
para a crise num novo
caberá sobre a riqueza que
mas mantêm
ciclo de concentração de
será gerada no futuro. Para
rígido controle sobre ele.
renda e poder. Para contralimitar o poder dos mercaNa década de 80,
riar os que crêem na força
dos financeiros, os Estados
os neoliberais transferem estabelecem todo tipo de
absoluta dos mercados,
Chesnais gosta de lembrar
controle. Entre dezenas de
este controle
que as mudanças não eram
aos mercados financeiros. outras restrições, os bancos
“naturais”: foram impostas
dos EUA, centro do sistema,
Não é à toa
pela ação política do Esnão
podem
funcionar
que Robert Guttmann,
tado, numa espécie de “renacionalmente;
nem
um dos maiores
volução conservadora”.
comprar títulos do próprio
governo americano ou de
estudiosos do tema,
Sob a liderança dos goveroutras nações; nem cobrar
vê
no
processo
nos de Margareth Thatjuros, ou remunerar depóa
cher, na Inglaterra, e Rositos, acima ou abaixo das
nald Reagan, nos EUA, os
“privatização da moeda”
faixas estreitas ditadas pelas
países ricos agirão para
autoridades.
aumentar a produtividade, através da
economia de escala proporcionada pelas
* Desde o início dos anos 70 – mas fundafusões e aquisições; para quebrar o poder do
mentalmente a partir de 1980 – quase todos
trabalho organizado e evitar que parte dos
estes regulamentos serão progressivamente
lucros se “disperse” em conquistas salariais;
eliminados. Guttmann qualifica o processo,
para fechar as “janelas de oportunidade” que
sugestivamente, como a “privatização do dise abriam aos países da periferia; para quebrar
nheiro”. Os bancos, e em seguida os fundos
as barreiras comerciais que impediam as
de pensão e de investimento, as empresas segrandes
corporações
de
concentrar
guradoras, as demais instituições financeiras,
globalmente sua produção; e, acima de tudo,
assumem aos poucos o controle dos poderopara derrubar um a um os controles sobre os
sos mecanismos que os Estados haviam crimercados financeiros.
ado para expandir ou restringir o crédito, estimular ou desaquecer a economia, transferir
O economista norte-americano Robert Guriquezas. Ao fazê-lo, porém, já não se orienttmann, professor da Universidade de Hofstla,
tam pelos interesses do conjunto da economia
é provavelmente o maior estudioso desse úlcapitalista: buscam simplesmente seu proveito
timo movimento. Inspirado em Marx, mas
próprio. Obcecados pelo cálculo egoísta, não
ciente da necessidade de atualizar o pensasão capazes de enxergar que os ganhos aufemento marxista, ele escreveu uma série de
ridos na esfera financeira são insustentáveis,
obras sobre as transformações profundas opequando não estão apoiados na produção e no
radas na própria natureza do dinheiro, ao
consumo de bens e serviços reais.
A partir da segunda metade dos anos 80, o
fim dos controles sobre dos mercados financeiros gerou uma enorme massa de capitais à
procura de valorização. A liberação das taxas
de juros transformou a compra de títulos das
dívidas públicas num negócio altamente vantajoso: entre 1980 e 91 o volume de recursos
aplicados nesses papéis pulou de US$ 1,8
trilhão para US$ 8,5 trilhão. Além de atrair
dinheiro das grandes corporações, os novos
mercados despertaram a cobiça dos pequenos
investidores: entre 1980 e 93, os ativos dos
fundos mútuos pularam de US$ 134 bilhões
para US$ 1,075 trilhão. A privatização total
ou parcial dos sistemas de Previdência Social
– outra marca do neoliberalismo – jogou mais
lenha grossa na fogueira.
O gráfico abaixo demonstra que boa parte do
dinheiro rumou para a periferia do sistema,
onde a rentabilidade sempre foi maior. Os
países candidatos a receber o novo investimento precisavam, no entanto, atender a certas exigências. As legislações nacionais deveriam ser modificadas, para permitir ao dinheiro que entrava liberdade para sair a qualquer momento, e sem maiores formalidades.
A estabilização da moeda e dos preços era
muito recomendável, tanto para evitar súbitas
desvalorizações do capital investido quanto
para reduzir os riscos de sobressaltos políti-
cos. A expressão nova que foi cunhada para
designar os países que aceitavam as regras é
reveladora. Não éramos mais nações em
desenvolvimento, mas apenas mercados emergentes.
No Brasil, onde as forças à esquerda já estavam desorganizadas, os rios de dinheiro que
entravam multiplicaram como nunca a confiança e a soberba dos conservadores. Os partidários de um projeto de desenvolvimento
autônomo, do controle público sobre as telecomunicações, energia e petróleo, da distribuição de riquezas através das lutas dos trabalhadores, foram ridicularizados e taxados de
anacrônicos. A ideologia dominante mandou
reduzir, alegremente, tudo a dinheiro: da Telebrás á Previdência Social; das tradicionais
empresas brasileiras adquiridas por corporações estrangeiras aos grandes craques do futebol vendidos a clubes no exterior, e cujo espaço na imprensa brasileira já não estava relacionado a seu talento, mas ao montante de
seus contratos em dólares.
Para que a ofensiva conservadora se concretizasse, era preciso, porém, oferecer ao conjunto da população algum benefício real,
ainda que limitado e temporário. No próximo
capítulo da série, veremos como os dólares
ajudaram a derrubar a inflação – e porque esta
suposta estabilidade quebrou o país...
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