Centro para o Ensino da Filosofia

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Centro para o Ensino da Filosofia
Apreciação à contraproposta de programa do CEF
Exmos Srs
Junto alguns comentários gerais avulso, que estarei pronto a aprofundar
convosco caso vejam interesse nisso. Quando o ME há muitos anos atrás
tentou acabar com a Filosofia no secundário fui dos que me manifestei em
público e por escrito contra essa opção, e honro-me de ter contribuído para
que tal não acontecesse.
Também hoje gostaria de dar algum contributo no sentido de apoiar a crítica
à proposta do ME, e a proposta própria do CEF - Centro para o Ensino de
Filosofia (da Sociedade Portuguesa de Filosofia) relativamente ao projecto
de programa de Filosofia (10.º e 11.º anos)
Assim:
1 - Estou de acordo com as críticas do CEF ao programa oriundo do ME. Não
se pode reduzir a Filosofia à exegese hermenêutica e à desconstrução de
textos. Pelo contrário, o relativismo desconstrucionista, sendo apropriado na
crítica literária e nalgum relativismo antropológico legítimo, suas origens,
não é extensível à ciência em geral, à racionalidade lógica, e à metodologia
filosófica. Sendo por outro lado auto-invalidante porque se relativiza a si
próprio. Não é certamente a ideia profunda a incutir aos nossos jovens, a de
que o que interessa é a retórica do vale tudo e do marketing persuasivo, a
do que tanto faz e que basta convencer o Outro sem referência a critérios de
exigência de rigor, de observação, e de coerência com o real, que afinal
existe!
2 - Concordo com a ênfase do CEF no desenvolvimento de capacidades
críticas. Acho que podiam e deviam ir mais longe, nomeadamente
enfatizando aspectos gerais de Critical Thinking, hoje em dia em exploração
em muitos programas do secundário por esse mundo (basta consultar a
Net). Em particular, julgo que se pode e deve ir bem mais longe nos
instrumentos para tal, para além dos aspectos de Lógica por vós referidos,
expondo e exemplificando por exemplo noções de Representação de
Problemas, de Redução de Problemas a outros, de Métodos de Procura de
soluções (top-down, bottom-up, em profundidade, em largura, com
heurísticas, etc), Revisão de Crenças, Geração de Hipóteses por Abdução,
Argumentação Formal (e não retórica), Satisfação de Restrições,
Planeamento de Acções, Heurística e
Optimização, Teoria da Decisão Custos e Trade-offs, Teoria dos Jogos, etc.
Em todos estes tópicos existe literatura acessível aos professores. Em
resumo, a racionalidade hoje em dia vai muito para além do início da Lógica,
e tem um escopo muito vasto aplicável em muitos ramos e abordagens do
saber, com inegável valor de treino e formação metodológicos.
3 - Não se pode almejar a que jovens com muito poucos conhecimentos em
àreas disciplinares do saber, e com um pensamento ainda pouco
disciplinado, treinado, e flexível, sejam capazes de entender em
profundidade e formar as suas próprias opiniões sobre o grande número de
questões filosóficas abordadas no vosso programa. Isso é tarefa para toda
uma vida! Sem dúvida que interessa expô-los a essas questões, até como
semente para elaboração posterior, e para lhes dar uma visão de dimensões
da vivência humana, como contraponto ao consumismo mercantilista
redutor das vidas. Mais importante será o elaborarem a capacidade de
análise e de síntese sobre posicionamentos acerca algumas dessas questões,
e do saberem discutir disciplinadamente com os colegas, com o nível de
conhecimentos que têm, como treino para apreciarem criticamente e
verbalizadamente o que quer que seja. Por exemplo, o tópico do
criacionismo versus o neo-darwinismo pode ser sumarizado com os
argumentos de parte a parte, percebendo-se o essencial e o acessório, e
suas as motivações científicas, religiosas, morais, e sociais, e a sua história.
O aluno deverá saber sintetizar as posições e argumentos, e ensair a
discussão com os colegas, em que cada um exprime um ponto de vista
(como se fosse o seu). Muitos outros tópicos são susceptíveis de um
tratamento reconstrutivo, que não é o mesmo que desconstrutivo e
relativizante.
4 - Em resumo, parece-me que é o exercício da capacidade de equacionar,
fazer evoluir, tirar consequências, obter mais informação, argumentar,
contrapôr e convencer, etc, em domínios de abordagem
filosófica, aprofundando em detalhe o exercício nalguns casos concretos,
que dará um treino intelectual, metodológico, e de construção colectiva,
exportável para outras áreas problemáticas e de saber, dando confiança à
capacidade de uso em comum da racionalidade em sentido lato, sabendo
fazer uso das fontes de informação disponibilizadas.
Estou à disposição para esclarecimento se necessário.
FCT/UNL, 12 de Novembro 2001
Cordialmente,
Luís Moniz Pereira
Professor Catedrático
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