PELBART, Peter Pál. A Vertigem produção desejante, engendram-se novas por configurações de tempo que se evidenciam, um Fio: Políticas da Subjetividade Contemporânea. São segundo o autor, sobretudo na literatura, em certa filosofia, ou nos colapsos subjetivos. Paulo: Iluminuras/FAPESP, 2000. Em tais imprevista, Tudo neste livro, que dissolve os limites entre literatura, essas de imagens, produtividade até então enigmas, ganham nitidez inaudita. e A função da literatura é liberar a vida, por psicanálise, transtorna o leitor. Em A toda a parte onde esteja aprisionada; é Vertigem por um Fio, Pelbart indicia, em 19 libertá-la das formas constituídas, da clareza ensaios, do si, do ser. políticas filosofia estados, da subjetividade, acusando, ao modo sismográfico, gestos As obras de Dostoiéski, Kafka, Lawrence, gestados, ainda não gessados, de reinvenção Lowry, Melville ou Musil situam-se entre a da vida. crítica e a clínica, no limiar da loucura ou da Cartografa direções insuspeitas da morte. É uma literatura, contudo, de um subjetividade que, desterritorializadas pelo vitalismo capital, à "homens impessoais", são atravessados por na um excesso de vida, por uma força que, linguagem de Gilles Deleuze e Félix irrompendo como "dobra do fora", como Guattari, afinidades teóricas do autor. "acontecimento", no léxico de Deleuze, Persegue, assim, o ainda não domado, novos libera-os dos códigos, arrasta-os ao limiar do "outramentos", agenciamentos inusitados do quebrantamento, onde novos modos de vida desejo. Sem postular identidades, sonda a se esboçam. Visando tais singularizações, a vida que, a um fio da vertigem, ex- escrita enquanto escritura faz a língua perimentando-se a si mesma, opõe-se, no delirar, sair dos sulcos, rumorejar, produzir seu uma língua esotérica no interior de uma escapam "axiomática ácido do às suas próprio achado, à capturas, capital", "gorda saúde radical: seus personagens, dominante". língua normativa, investir, em suma, contra O tema central é a relação entre o tempo e a a língua materna. subjetividade a A filosofia, também um risco, força a produção de novas imagens de tempo. Nos pensar, arrasta o pensamento para aquilo que estados em que a subjetividade é pura ele ainda não pensa. Quando Deleuze na contemporaneidade, pergunta "como é possível pensar sem nico tal processo infinitiza-se, levando-o ao enlouquecer?", visa a uma filosofia que se imobilismo; neste, "o fluxo da loucura (isto abra ao "Fora", à exterioridade, sem é, o processo), precisa Pelbart, desemboca enclausurar-se neste "Fora", pura loucura. A na loucura (na parada deste processo, experimentação da exterioridade, mostra tornado perene)". Pelbart, referindo-se aos Ditos e Escritos de Esses estados intensivos, os mais próximos Foucault, não residiria na loucura ou na do coração palpitante da realidade, permitem criminalidade, identificada evidenciar, âmago do texto, o tempo que sai pelos dispositivos do poder, mas no poder de dos gonzos, da dita pós-modernidade: não o extravio do próprio pensamento, em sua tempo como flecha, círculo, ou "identidade processualidade, vizinha à loucura, mas que reencontrada", tropos da tradição, mas o nela não soçobra. No "pensamento" que se tempo furta ao mundo aparentemente sem "Fora" aberta", "massa de tempo". Pelbart figura o do capitalismo claustrofóbico, o "Fora" tempo contemporâneo não como linear e adquire prospectivo, pura sucessão diacrônica, e uma devidamente surpreendente imanência como "rizoma", subjetiva. "Pensar diferentemente" teria, tampouco assim, a função estratégica e política de sincronia, negação de toda historicidade. desencadear mutações subjetivas, liberando Seu desafio é colocar o tempo sob o signo os homens das cadeias da existência da multiplicidade, de figurá-lo como uma cotidiana. rede de fluxos entrecruzados. Essas imagens Por fim, o esquizo, como personagem de tempo evidenciadas em tais estados conceitual, e não o esquizofrênico, entidade intensivos afirmam, enfim, a vida como clínica, produz fluxos descodificados que, potência de variação das formas da vida, deslizando como política, produção de outras formas de sobre o corpo do socius, como "multiplicidade espacializado, atravessam as territorialidades constituídas, soci-abilidade, delineando novas sociabilidades. Não há fluxionárias, "mais resistentes aos inúmeros aqui, diferentemente da antipsiquiatria de aparelhos Laing ou Cooper, nenhum elogio à loucura. provenientes do âmbito relacional". No esquizo há estado intensivo, produção Finda a leitura, retoma o leitor, forçado a desejante que, operando devires, abre o pensar antigo dilema: Essa emergência de corpo para novas conexões. No esquizofrê- novas temporalidades, se desvinculadas de de supostamente mera captura, inclusive mais os um sentido historicamente orientado, pode canteiro de obras a céu aberto, como diz o subverter a lógica do capital, sendo portanto autor no prólogo, pode tal leitor estar seguro libertária, como intenta o texto, ou acaba do engenho e arte de seu desconstrutor. neutralizada pelas estratégias, sempre renovadas, de cooptação deste mesmo capital?; ou teleológica ainda: da a concepção histórica, não própria à esquizoanálise deleuziana, desdobrada com rara perícia pelo autor, operando um deslocamento no contínuo iluminista, ou seja, abolindo o tempo da história hegemônica, pode resistir ao intolerável da universalização da mercadoria, e descartar, no mesmo movimento, como inoperante, o pensamento dialético tradicional? O livro tem escrita escorreita, nada alambicada, figurada e rigorosa. Até no exame, com rigor estrutural, das diferentes concepções de tempo, fenomenológica, psicanalítica e esquizoanalítica, é clara a qualidade literária do texto, o devir-escritor de seu autor. E em ensaios sensíveis como Ueinzz- Viagem a Babel, em que narra a montagem de peças teatrais pelos pacientes do Hospital-Dia A Casa, onde trabalha; ou, como Lembrar de Esquecer Lampe!, em que rememora "o terror de lembranças não vividas" na Hungria, onde Ricardo Nascimento Fabbrin nasceu, percebemos sob bela prosa, a paciência do conceito,obra de filósofo. E se o leitor percorre essas páginas como atravessa um Professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e autor de "O Espaço de Lygia Clark" (Atlas).