1er CONGRESO LATINOAMERICANO DE HISTORIA ECONÍMICA 4as JORNADAS URUGUAYAS DE HISTORIA ECONÓMICA Eixo Temático 17: Crédito Agrícola, Cooperativismo y Economia Social en América Latina, siglos XIX e XX. Economia Popular Solidária na América Latina: alternativa de enfrentamento das desigualdades sociais Aline Fátima do Nascimento: Assistente Social, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviços Social da PUCRS. [email protected] Carlos Nelson dos Reis: Doutor em Economia pela Unicamp. Professor Titular Permanente do PPGE e PPGSS da PUCRS. [email protected] Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS/Brasil. RESUMO: Diversas transformações ocorridas no mundo do trabalho provocaram um conjunto de dificuldades econômicas e sociais a amplos setores da sociedade, principalmente aos setores populares, marginalizados dos sistemas convencionais de geração de renda e não incluídos no mercado formal de trabalho. Este contexto cria profundas dificuldades estruturais para as sociedades latino-americanas, que vêm ampliando seus índices de desigualdade social, sendo considerada internacionalmente como uma das regiões com significantes níveis de desigualdade. É nesta perspectiva que novas formas de organização do trabalho e da produção estão sendo geridas na América Latina, como formas de enfrentamento às dificuldades apresentadas com a evolução do capitalismo, ancoradas na geração de renda e, destinadas a prover e repor os meios de vida, tanto no nível de sobrevivência como no de subsistência. O presente artigo tem o propósito de sistematizar alguns indicadores sociais da América Latina, observando a sua composição e desdobramento ao longo das últimas décadas e analisar a trajetória dos empreendimentos econômicos solidários neste cenário, destacando algumas evidências quanto a sua retomada e crescimento na região, em que estas alternativas começam a se desenvolver, como forma de enfrentamento às desigualdades sociais. Palavras-chave: Economia Popular Solidária; América Latina; Desigualdades Sociais. 2 Introdução: O processo de Reestruturação Produtiva ocorrido mundialmente a partir da década de 1970, tem produzido diversas transformações na sociedade contemporânea, repercutindo intensamente no mundo do trabalho1. Estas transformações sociais têm alterado o cenário econômico, social e político da América Latina, ampliando as manifestações da questão social, através do aumento generalizado do desemprego estrutural, a ampliação da concentração de renda e a exclusão social. Percebe-se que estas mudanças vêm alterando os processos e as relações de trabalho e produzindo novas demandas societárias na contemporaneidade. A reestruturação do processo produtivo trouxe consigo novas técnicas de gestão e inovações tecnológicas em todos os ramos de produção, fazendo com que fosse reduzida a demanda por mão-de-obra, ao mesmo tempo em que exigiu maior qualificação e intensificou a exploração sobre a força de trabalho. Percebe-se que, o maior ônus destas transformações recaiu sobre a classe trabalhadora, em que grande parte permaneceu no mercado através de atividades precárias, ou tem sofrido um processo crescente de exclusão do mundo do trabalho, principalmente dos postos de trabalho formais e estáveis. A reestruturação, em todos os seus elementos, aliada às reformas estruturais, nos sistemas de proteção social, gerou um novo contingente de pobres2, além dos já existentes, desenhando uma nova dificuldade: a inserção ou a não-inserção qualquer que seja dos sujeitos na sociedade. Essa renovação da pobreza, fruto de um modelo de desenvolvimento, tem como uma de suas causas o desemprego (IAMAMOTO, 2001). A desigualdade social existente fez com que parcela da população economicamente ativa, excluída dos postos formais de trabalho, retomassem formas diferenciadas de organização do trabalho e da produção. Estas alternativas de geração de trabalho e renda visam à superação do desemprego, da pobreza e da exclusão social. Essas novas formas de organização do trabalho regem-se pelos princípios da solidariedade, ajuda mútua, colaboração, enfim, da busca da emancipação social. Estas experiências de organização dos trabalhadores, que procuram romper com a lógica 3 excludente do modo de produção hegemônico, têm se mostrado viáveis, através da expansão em nível mundial. Para referir-se a este fenômeno, economistas e sociólogos, bem como outras áreas do conhecimento, têm formulado diferentes nomenclaturas para designar as experiências presentes na América Latina, tais como: Economia Social, Economia Solidária3, Economia Popular, Economia Popular Solidária, entre outros. Essas diferentes classificações referemse a situações específicas, pois estabelecem “cortes” na realidade que identificam, entretanto, englobam um universo de empreendimentos que incorporam a solidariedade aos comportamentos econômicos e que passaram a ser objetos de estudos de diversos pesquisadores em toda a região. Dentre as novas alternativas de trabalho, optou-se pelo estudo das experiências relacionadas à Economia Popular Solidária. Fazem parte destes empreendimentos as experiências de geração de trabalho e renda protagonizados pelas classes populares. Estes empreendimentos são formados com pouco recurso financeiro4 e possuem como fator de produção a força de trabalho dos seus integrantes, objetivando a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida dos participantes. Neste contexto social, a Economia Popular Solidária na América Latina, apresentase como uma estratégia surgida no âmago de resistências e lutas sociais contra o desemprego e a pobreza, composta por atividades de caráter associativo, que produzem trabalho e geração de renda, e, que procuram promover a inclusão, através da inserção produtiva. I - Pobreza e Desigualdade Social – um permanente debate na região A análise da pobreza precisa estar articulada à própria história da humanidade, uma vez que se configura como “fruto secular das sociedades divididas em classes – sejam elas, escravistas, feudais ou capitalistas” (PEREIRA, 2000, p.15), mas esta vem assumindo proporções e características novas no modo de produção capitalista. Os impactos da industrialização, manifestos através de grande desigualdade, desemprego, fome, doenças, miséria e desproteção social, caracterizam as formas tradicionais de pobreza, que, na América Latina, se alastram na contemporaneidade. Essa pobreza foi historicamente vivenciada por grupos populacionais “[...] miseráveis aptos ao 4 trabalho, mas desempregados”, minorias sociais, historicamente discriminadas e, incapacitados para o trabalho, cuja sobrevivência, depende das diferentes classes sociais, mas, em maior proporção, do produto econômico e social advindo do trabalho. Contudo, em uma sociedade edificada na exploração de poucos sobre muitos, a pobreza tem como um de seus elementos fundantes exatamente a exclusão do usufruto da riqueza socialmente produzida (IAMAMOTO, 2001). Neste sentido, percebe-se que a pobreza e a desigualdade social, são características estruturais da América Latina, ligadas às raízes históricas e culturais, de seu modo de inserção na economia mundial. Neste início de século, marcado pela globalização 5 e pela adoção de polícias de ajuste estrutural, fundamentadas no referencial teórico neoliberal, a pobreza tem atingido altos índices, constituindo-se uma preocupação societária e, um desafio à região e aos governos nacionais. Frente ao crescimento da pobreza e da indigência na América Latina, diversas análises banalizam a mesma, ao afirmarem que a pobreza é, hoje, um fenômeno, global, presente em todo o mundo, inclusive nos países desenvolvidos. Em que pese o fato de que a pobreza é um dos resultados da transformação capitalista a partir da década de 70, a população pobre nesses países é muito inferior às taxas encontradas nos países periféricos, pois “é muito diferente possuir entre um sexto e um sétimo da população em situação de pobreza e ter quase a metade neste estado” (KLIKSBERG, 2001, p.17). Desta forma, os modelos convencionais de análise da problemática da pobreza e desigualdades sociais na latino-america e, da produção de políticas para superá-las, são permeados por limitações, pois suas “receitas” não produziram os resultados esperados na realidade e uma seqüência de erros nos modelos predominantes na década de 60 somam-se aos modelos difundidos a partir da década de 80. Neste contexto, percebe-se que as mudanças macroeconômicas ampliaram as desigualdades sociais desde a década de 80, através dos processos de ajuste e reestruturação do trabalho e novas regras para políticas públicas, acentuando a concentração de renda (KLIKSBERG, 2001). O Consenso de Washington6 apresentou orientações quanto às medidas de ajustes que deveriam ser tomadas pelos países periféricos para reorganizarem a sua economia e alcançarem o desenvolvimento, condicionando o financiamento dos organismos internacionais ao cumprimento do receituário. Os ajustes contidos neste receituário, “estão 5 sedimentadas num projeto ideológico, político e econômico que exalta a liberdade dos mercados” (COUTO, 2006, p.70). Neste contexto, a década de 90 foi palco de retrocessos sociais, verificados através da ampliação da pobreza e desigualdade social. Ao mesmo tempo em que foram aplicadas medidas e diretrizes de política econômica, objetivando a governança macroeconômica, as políticas sociais de combate à pobreza e desigualdades sociais, também foram resultantes dos mesmos “receituários” de recorte teórico neoliberal. No âmbito das políticas sociais, visualiza-se que estas se tornaram cada vez mais residuais e focalizadas, em um contexto de “privatização, parceria do público com privado, descentralização, renda mínima (...)” (VIEIRA, 2004, p. 11). As conseqüências da adoção destes “receituários” têm apontado grandes fragilidades, possuindo como resultantes o agravamento das desigualdades sociais e das manifestações da questão social, ao mesmo tempo em que não promoveram o desenvolvimento econômico ao qual se propuseram (COUTO, 2006). Nos últimos anos, o debate sobre o desenvolvimento foi reaberto, em nível internacional, devido às limitações que os supostos “consensos” tem sido defrontados com fatos concretos. Em realidade, no novo debate, a eqüidade social aparece como central ao desenvolvimento, tornando-se fundamental que este debate seja aprimorado na região que apresenta significativos índices de desigualdades sociais (KLIKSBERG, 2001). A necessidade de combater a pobreza torna-se consensual no debate político dos países latino-americanos, pelo reconhecimento de seus impactos nas dimensões políticas, econômicas e sociais. Neste contexto, as dimensões da pobreza, o alto índice de desigualdade social e de baixo crescimento econômico tem preocupado os organismos internacionais “patrocinadores da globalização”, devido aos resultados obtidos pelos “ajustes econômicos”. A estratégia econômica adotada para a periferia capitalista, principalmente a partir da década de 90, demonstrou não ter se aproximado dos resultados esperados. Os resultados dos estudos econômicos da região evidenciam que “[...] a pobreza e o alto índice de desigualdade no acesso à terra, à educação e a outros bens, mais que sintomas de baixo crescimento, são em realidade suas causas “[...] (BIRDSALL; LA TORRE, 2001, p.16 apud OLIVEIRA, 2005). 6 Desta forma, a priorização dos temas sociais, no debate político das democracias, aponta as limitações do crescimento econômico, sem equivalentes avanços em eqüidade e justiça social, que passam a ser considerados importantes acima de um imperativo moral, para o desenvolvimento, sobretudo, de uma economia sustentável. A priorização do enfrentamento à pobreza e da redução das desigualdades, ao contrário de consistir em obstáculo à eficiência econômica, passa a ser reconhecido como uma condição necessária para a garantia de um desenvolvimento duradouro do crescimento, configurando-se como um objetivo simultaneamente econômico e social (SALAMA e VALIER, 1997). O reconhecimento da desigualdade social na região ultrapassa as barreiras da distribuição de renda, englobando um conjunto de fatores complexos presentes, que se inter-relacionam e criam círculos de exclusão social. Amplos setores da população não têm acesso a ativos produtivos, créditos, educação de boa qualidade e, por conseguinte, rendas adequadas, que deixam extensos grupos humanos desprovidos de capacidades e funcionamentos básicos (KLIKSBERG, 2001). Com relação às capacidades dos governos nacionais, de enfrentamento da pobreza e das desigualdades relacionadas à implantação dos ajustes econômicos nos últimos anos, tem se percebido reações, por parte dos indivíduos sociais prejudicados pelas transformações do mundo do trabalho e, da nova dinâmica da economia globalizada. O debate atual está marcado pela proeminência de propostas centradas na potencialidade das iniciativas locais e comunitárias. Neste solo, abre-se novamente um espaço de ascensão das formas cooperativas de enfrentamento das desigualdades, em que parte da população tem se organizado frente à diminuição e, sobretudo, modificação do foco de atenção das ações no campo Estatal, contexto em que a pobreza e as mudanças tecnológicas, exigem respostas concretas e não paliativas, em que a cooperação configurase como “o mais bem sucedido meio humano de avançar sobre barreiras e desigualdades” (VIEIRA, 2004, p.115). Em realidade, não se pretende, de modo algum, “desresponsabilizar” o papel central do Estado frente ao enfrentamento da questão social, mas ressaltar a força das organizações locais, da importância dos laços sociais e da participação popular no combate à pobreza, de forma concomitante, as políticas sociais e ações governamentais. 7 Para compreender as transformações experimentadas pela realidade da pobreza na região, torna-se necessária a realização de uma breve contextualização da realidade social da América Latina, para posteriormente se abordar uma das alternativas adotadas para o enfrentamento da questão, a proposta da Economia Popular Solidária. II - Impactos Sociais da pobreza e das desigualdades sociais na América Latina Desde a década de 80, a pobreza está aumentando na América Latina, na mesma relação em que, a distribuição de renda se torna cada vez mais desigual. As características da pobreza7 e desigualdade social8, em que se encontram os países da América Latina, produzem impactos nas esferas políticas, econômica e social da região, exigindo uma maior aproximação aos indicadores sociais e suas implicações nesta sociedade. Os aspectos econômicos da região, em que pese à evolução recente, com a presença de indicadores favoráveis9, permanecem com suas taxas inferiores ao conjunto de países em desenvolvimento, enquanto que a pobreza continua possuindo amplo alcance populacional. No continente latino-americano, a pobreza é herança histórica do modelo de estruturação econômica, política e social. Pobreza esta que, sempre foi notada, registrada, documentada e, continua trilhando, persistentemente, a história latino-americana, compondo os “problemas e dilemas” de um continente que não foi capaz de “[...] mobilizar vontades políticas [...]”, na defesa e na construção de padrões de vida que possam ser considerados civilizados (TELLES, 2001, p. 14). Considerando-se a histórica situação de desigualdade e pobreza de uma significativa parcela da população – os últimos dados referentes à pobreza na América Latina, indicam que, em 2005, uma parcela de 39,8% da população estava em situação de pobreza, enquanto que as taxas de indigência abrangiam 15,4% da população (CEPAL, 2006). Percebe-se que o agravo das mesmas se caracteriza como determinação estrutural, em que a magnitude da pobreza e da indigência na América Latina manteve-se de forma constante na década de 90 a continua elevada nesse início de século (Tabela 1). 8 TABELA 1 INCIDÊNCIA DA POBREZA E DA INDIGÊNCIA NA AMÉRICA LATINA1 – 1990-05 POPULAÇÃO POBRE (2) POPULAÇÃO INDIGENTE Total (%) Total (milhões) Total (%) Total (milhões) 1990 48,3 200,2 22,5 93,4 1994 45,7 201,5 20,8 91,6 1997 43,5 203,8 19,0 88,8 1999 43,9 211,4 18,5 89,4 2000 42,5 207,1 18,1 88,4 2001 43,2 213,9 18,5 91,7 2002 44,0 221,4 19,4 97,4 2003 44,3 222,0 19,6 96,0 2004 42,0 217,0 16,9 88,0 2005 39,8 209,0 15,4 81,0 ANOS FONTE: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Panorama Social da América Latina – 2006. NOTAS: (1) Estimativa correspondente a 19 países da região. (2) Pessoas em domicílios em situação de pobreza; incluem a população em situação de indigência. Como se pode perceber na tabela, na década de 90, a população pobre da América Latina aumentou significamente (200,2 milhões em 1990 e 211,4 milhões em 1999), tendo pequena redução apenas no ano 2000 (211,4 para 207,1 milhões), retomando o crescimento no ano seguinte (213,9 milhões). Os dados referentes ao ano 2002, demonstram um contingente populacional de 221 milhões de habitantes em situação de pobreza, que correspondiam 44% da população da região, das quais 97 milhões, representando 19,4%, estavam em situação de indigência. Nos anos de 2002 e 2003 estes índices sofreram poucas alterações, enquanto que nos anos de 2004 e 2005 houve baixa queda nos índices de pobreza e indigência. Percebe-se que, na América Latina, praticamente metade da região encontrava-se em condições de pobreza (48%), na década de 90. Em geral, na análise desta série de anos, os indicadores apresentaram melhoras nos percentuais totais de pobreza e indigência, no entanto, não podem ser considerados avanços significativos nas condições sociais de ampla parcela populacional. 9 Os impactos da pobreza, na dimensão social, podem ser visualizados na sociedade, no modo de vida de grande parcela populacional, em que os indivíduos passam a viver em situações cada vez mais vulneráveis, chegando a tal ponto que, as condições de vida sejam tão degradantes que os indivíduos acabam por ser excluídos10 da sociedade. Esta situação é encontrada na vulnerabilidade dos que vivem sem trabalho, ou mesmo quando este se desdobra em formas de ocupação precárias. Neste sentido de análise, os excluídos são os grupos sociais que não possuem integração no mercado formal de trabalho, que repercutem na discriminação, estigmatização e não garantia de direitos. Em decorrência desta característica possuem dificuldades para a garantia de condições mínimas de vida. A exclusão, pode ainda implicar na privação, falta de recursos ou, de uma forma mais abrangente, de cidadania, se, por esta, se entender a participação plena na sociedade, aos diferentes níveis em que se organiza e se exprime: ambiental, econômico, político e social (AMARO, 2004). [...] a força de trabalho que se encontra excluída do mercado formal poderá, conseqüentemente, estar excluída do acesso à aquisição de bens e serviços, do acesso à moradia, dos direitos humanos, da segurança, de justiça e cidadania, nos respectivos níveis que preservem dignidade de vida (DORNELLES; REIS, 2001, p. 256). Constata-se que, o mercado de trabalho e, a maneira como a população nele se insere, ou, encontra novas alternativas de trabalho e renda, são elementos centrais para se compreender a pobreza e as suas formas de enfrentamento. Como mostram os vários indicadores sociais, as taxas de desemprego, junto aos setores mais pobres, são consideravelmente mais altas se comparadas ao restante da população. Neste sentido, as taxas de desocupação mais elevadas entre os pobres da América Latina, oscilam entre 20% e 28% e, encontra-se na Argentina, Chile, Colômbia, República Dominicana, Panamá, Uruguai e na Venezuela (CEPAL, 2004). Todas essas considerações apontam para a necessidade de que sejam propostos modos de enfrentamento da pobreza, uma vez que, impõe-se como grande desafio atual, o que fazer com essa população “sobrante”, pois a dinâmica econômica atual faz com que a possibilidade de reinserção seja cada vez mais remota. Desta forma, a geração de trabalho e renda é um elemento importante no combate à pobreza e será objeto do próximo ponto, onde se pretende analisar a trajetória da Economia Popular Solidária neste cenário, destacando algumas evidências quanto à sua retomada e 10 crescimento na região, em que estas alternativas começam a se desenvolver, como forma de enfrentamento das desigualdades sociais. III - Economia Popular Solidária na América Latina: Os impactos da pobreza na América Latina têm motivado diversos atores, a propor formas de enfrentamento desta questão. Na região, desenvolvem-se experiências que procuram romper com a lógica capitalista, dando lugar a outras formas de produção e organização, na busca pelo atendimento às demandas societárias. Estas experiências “alternativas” de produção e organização do trabalho possuem como uma das práticas a cooperação, entendida como trabalho coletivo visando somar forças e resultados, tornandose mais significativo do que qualquer um dos indivíduos poderia realizar sozinho. Na América Latina, a Economia Popular originou-se como forma de enfrentamento às dificuldades apresentadas com a evolução do capitalismo, principalmente a partir da década de 1970, ancoradas na geração de renda e destinadas a prover e repor os meios de vida, tanto no nível de sobrevivência como no de subsistência (AGUIAR, 2002). Com o agravamento da questão social11 e, tendo esta uma abrangência maior, a Economia Popular se constituiu como forma de resistência aos problemas sociais gerados pela economia capitalista. Dessa forma de organização econômica cresce uma parcela significativa de experiências que, apoiadas na solidariedade, construíram processos que culminaram em uma outra forma de organização, a Economia Popular Solidária. Com efeito, visualiza-se principalmente nas grandes cidades de todos os países latino-americanos, a interrupção de um fenômeno social e econômico que, não é novo em termos absolutos, posto que sempre existiu, porém é pela extensão que tem adquirido desde os finais do século XX: a formação e o estabelecimento de numerosas pequenas atividades produtivas e comerciais cujos protagonistas são os grupos sociais mais empobrecidos da região (RAZETO, 2001). Esses empreendimentos se desenvolvem como Economia Popular Solidária (EPS), assim entendida: Conjunto concreto das experiências, atividades e organizações econômicas que se encontram na inserção entre economia popular e economia solidária, ou seja, economia popular solidária é a parte da economia popular que manifesta alguns traços especiais que permitem identifica-la também como economia de solidariedade, ou, pelo contrário, é aquela parte da economia de solidariedade que se manifesta no contexto da 11 que identificamos como economia popular (Razeto apud Gadotti; Gutiérrez, 1999, p.46). O termo Economia Popular Solidária é um adjetivo dado para indicar a forma das experiências que, integram aspectos tanto da economia solidária, como da economia popular, tem-se aí uma interseção de dois conjuntos com limites bem claros, formando um cenário que comporta características específicas, principalmente devido a sua heterogeneidade. Até a década de 1990, atribuía-se pouca importância política às iniciativas populares dedicadas a produção e/ou comercialização de bens e serviços. As experiências de Economia Popular Solidária, enquanto formas de organização econômica dos setores populares eram anteriormente consideradas como respostas emergenciais, expressão das ações assistencialistas, destinadas a amenizar o aumento da pobreza, de caráter paliativo. Elas representavam apenas uma forma de garantir a subsistência e um meio de sobrevivência. Entretanto, recentes pesquisas12 apontam as iniciativas dos setores populares como “geradoras de embriões de novas formas de produção e sociabilidade” (KRAYCHETE, 2000, p.24). Talvez pela constatação de que, nos últimos anos, somando-se as diversas formas de resistência a um modelo econômico estruturalmente excludente e concentrador de renda, multiplicam-se as iniciativas das organizações populares diretamente empenhadas na criação de atividades econômicas como uma das formas de luta pela vida. São práticas que se vinculam ao mercado e enfrentam temas como trabalho, renda e políticas públicas. Diferentemente do que ocorria até há pouco tempo, estas iniciativas não se encontram à margem, mas na confluência dos fatos e análises que perpassam os movimentos sociais (Kraychete, 2000, p.25). Dentro deste contexto, em decorrência do agravamento das manifestações da questão social e dentre elas a ampliação das dificuldades sócio-econômicas de maior parte da população, percebe-se que essas experiências ganham força e passam a ser interpretadas pelos governos, sociedade e demais envolvidos nestas experiências, como respostas efetivas e necessárias às demandas societárias. Ao poder público e às instituições filantrópicas juntaram-se setores renovados das igrejas, ONGs e organizações populares. Fundos e agências internacionais igualmente adotaram nova postura, estimulando a auto-sustentação dos grupos beneficiários e, portanto, sua viabilidade econômica no interior de uma economia de mercado (Gaiger, 1999, p. 9). Estes empreendimentos passaram por um processo de amadurecimento, demonstrado através de sua expansão, ao longo da última década, em que muitas iniciativas 12 e experiências de empreendimentos autogestionários foram criadas, e vêm se constituindo como uma das principais alternativas para a crise do desemprego, pois estas organizações são responsáveis pela criação de novas formas de distribuição de renda e de gestão, a partir da participação igualitária de todos nas sobras e na tomada das decisões. Na América Latina, o tamanho relativo deste vasto e heterogêneo universo de atividades econômicas populares, é distinto nos diferentes países da região, porém, em todos é considerado relevante o fator que através desses empreendimentos, elevada parcela da população latino-americana, tem encontrado trabalho e geração de renda. Todas las investigaciones realizadas en América Latina coinciden en destacar su relevancia cuantitativa desde el punto de vista del empleo y de la obtención de médios de vida para los sectores más pobres. Sin embargo, el tamaño exacto del fenômeno resulta muy difícil de precisar en razón de su propria naturaleza y características (Razeto, 2001, p.5). O conjunto de transformações societárias faz com que parcelas crescentes da população reconheçam na Economia Popular Solidária uma possibilidade de reprodução da vida e, uma das formas de criticar o capitalismo, pois, através de práticas opostas a ele, conquistam a autogestão de seus empreendimentos, tendo na força do próprio trabalho a maior riqueza das suas organizações e nos princípios da solidariedade e cooperação o diferencial das relações sociais que estabelecem. Existem controvérsias a respeito dos limites e das possibilidades dos empreendimentos de Economia Popular Solidária, entretanto é unânime o reconhecimento de que elas têm se constituído como uma “forma de inserção no mundo do trabalho, mas também como movimento social, envolvendo sindicatos, organizações comunitárias e associações diversas, contando com o apoio cada vez mais amplo de organizações nãogovernamentais, governos municipais e estaduais, e construindo redes em nível regional, nacional e global” (ICAZA e TIRIBA, 2003, p.108-109). Existe entre os estudiosos da temática, [...] o reconhecimento de que a reprodução da vida de parcelas crescentes da população passou a depender, em maior escala, de atividades assentadas no trabalho realizado de forma individual, familiar ou associativa. Pode-se afirmar que essas atividades, em seu conjunto, sustentam uma economia dos setores populares, envolvendo, mesmo que de modo disperso e fragmentado, um extenso fluxo de produtos, serviços e modalidades diferentes de trocas e mercados. Convém observar que, face à existência de diferentes denominações – economia popular, economia popular solidária, socioeconomia solidária – convencionamos designar por economia dos setores populares as atividades que, diferentemente da empresa capitalista, possuem uma racionalidade econômica ancorada na geração de recursos (monetários ou não) destinados a prover e repor os 13 meios de vida, e na utilização de recursos humanos próprios, agregando, portanto, unidades de trabalho e não de inversão de capital (Kraychete, 2000, p.15). Os autores ligados a esta temática possuem, de uma maneira geral, uma visão crítica ao sistema capitalista e quanto à insuficiência do mercado de trabalho em absorver grande parcela populacional, apontando para a criação de formas de organização do trabalho baseadas na solidariedade. Na América Latina, os principais proponentes da temática são: Luis Razeto, José Luis Coraggio, Paul Singer, Marcos Arruda, Luiz Inácio Gaiger, Armando Melo de Lisboa, entre outros. Verifica-se, que a Economia Popular Solidária incentiva a cooperação entre os trabalhadores para a construção coletiva de soluções que gerem trabalho e renda, com respeito ao meio-ambiente. Essas soluções alternativas desenvolvem-se de forma democrática, ou seja, respeitando a vontade de todos os membros e repartindo as sobras, a partir do trabalho de cada participante. A Economia Popular Solidária é constituída coletivamente, através da participação dos integrantes em todos os processos decisórios, através do direito à democracia, liberdade e autogestão de cada um e do empreendimento. As iniciativas presentes nestes empreendimentos se tornam diferentes e alternativas com relação ao sistema vigente, pois mesmo em pequena escala, a sua intenção transformadora representa uma mudança social. As experiências formuladas no entorno de um sistema capitalista excludente promovem a luta por um projeto de sociedade ancorado pela solidariedade, pela cooperação, pela democracia e pela autonomia. Nas diferentes estratégias e desdobramentos do pensamento econômico, resguardadas as proporções, a solidariedade constituiu a base fundamental na formação destas iniciativas (Aguiar, 2002, 63). Os empreendimentos tendem a estabelecer relações de cooperação entre si, através do estabelecimento de redes de trabalho, troca de informação, ajuda-mutua, comercialização conjuntas, feiras, entre outras atividades, na busca por soluções conjuntas, contanto com o apoio de instituições parceiras, universidades, governos municipais e estaduais para a viabilização e fortalecimento das experiências. O estabelecimento de vínculos com diferentes instituições se dá devido à necessidade de colaboração e apoio para a manutenção dos grupos, para a viabilização das feiras, a assessoria aos empreendimentos, as atividades de promoção e capacitação, e na promoção de atividades de socialização entre as diferentes experiências. 14 A Economia Popular Solidária não pode ser vista apenas como um movimento econômico, pois está ligada a melhoria da qualidade de vida da população. Deve-se entendê-la como sendo mais uma estratégia de luta do movimento popular contra a exclusão social, uma alternativa de geração de trabalho e renda, para a satisfação concreta das necessidades dos participantes, demonstrando que se pode organizar a produção de outra forma, contribuindo assim para diminuir as desigualdades sociais e propagando seus valores solidários na sociedade. As iniciativas de Economia Popular Solidária partem principalmente dos próprios trabalhadores excluídos do mercado formal de trabalho. Entretanto, torna-se importante mencionar que o fortalecimento destas experiências podem se dar mediante o fomento de políticas governamentais, organizações do terceiro setor, projetos da Igreja Católica e das incubadoras universitárias, que podem desde o princípio, oferecer apoio, assessoria e financiamento, para a construção da sustentabilidade e do desenvolvimento dos mesmos. A necessidade imperiosa da criação de experiências econômicas alternativas nos últimos anos foi acompanhada pela necessária contextualização e caracterização das mesmas, pelo mundo acadêmico. Na década de 80, surgiam na América Latina os primeiros escritos sobre a Economia Solidária, embora até fins do século XX, eram poucos os que faziam menção a este conceito, para dar conta das experiências econômicas alternativas. Desde então, a apreensão e a utilização deste conceito tem crescido proporcionalmente ao crescimento dessas experiências na região (GUERRA, 2004). A Confederação Latino-americana de Cooperativas de Trabalhadores (Colat), com sede na Colômbia, tem sido uma das responsáveis pela divulgação da temática na região, através da realização de vários encontros desde o final da década de 80. No ano de 1997, através de ambicioso programa de planificação macroeconômica à longo prazo, se pretende elevar a economia solidária de uma incidência de 5,2% do PIB, para 33,6%. Estes dados são válidos para demonstrar a validade quantitativa desta economia na América Latina, pois estima-se que o setor seja integrado por sessenta mil empreendimentos e 60 milhões de associados, com incidência sobre um total de 300 milhões de latino-americanos (PAEZ apud GUERRA, 2004). No Brasil, somente em meados da década de 90 começa a ser divulgada a idéia de economia solidária, por parte de algumas ONGs, sindicatos, da Igreja Católica13, passando 15 posteriormente a fazer parte do debate acadêmico de universidades14, da realização de diversos encontros, fóruns, pesquisas e publicações na área. Destaca-se a experiência desenvolvida no estado do Rio Grande do Sul e, como passo mais significativo em nível nacional, a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (GUERRA, 2004). Neste sentido, no estado do Rio Grande do Sul/Brasil, a Economia Popular Solidária foi instituída através do Decreto nº. 41.062, de 21 de setembro de 2001 15. Este programa teve como objetivo principal instituir políticas públicas para criação, manutenção ou ampliação de oportunidades de trabalho e a geração de renda, através de empreendimentos autogetionários, formados coletivamente e participativamente, pelos próprios trabalhadores produtores. Este programa buscava incentivar o desenvolvimento de novas atividades econômicas, proporcionando assim, uma distribuição mais justa e eqüitativa da renda e estimulando relações sociais de produção e consumo baseados na cooperação, na solidariedade, na satisfação e valorização dos seres humanos e no respeito ao meio ambiente. Também fazem parte desse programa: a formação e educação em autogestão, a capacitação do processo produtivo, o financiamento, a comercialização e as incubadoras universitárias de Economia Popular Solidária. O governo brasileiro reconheceu a Economia Solidária como um importante instrumento de combate a pobreza e a geração de inclusão social, por meio da Lei nº. 10.683 e do Decreto 4.764, que tornou a Economia Solidária integrante das políticas públicas brasileiras16. A Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES - foi criada no Ministério do Trabalho e Emprego - MTE - em junho de 2003. O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento tem como objetivo, estimular as atividades econômicas orientadas e organizadas pela autogestão, através da promoção do fortalecimento e da divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e solidário. Na Argentina, a partir do ano 2000, diversas organizações sociais começaram a utilizar maciçamente este conceito, motivados pelo crescimento dos clubes de troca, pelo desenvolvimento das correntes de comércio justo e solidário e pelo crescimento das empresas “recuperadas” (autogestionadas). Em nível de movimento sindical, os primeiros passos foram dados em 2002, por parte da Central de Trabalhadores Argentinos (CTA), atendendo a nova realidade das empresas “recuperadas”, que compreendem a 16 aproximadamente 1200 na atualidade. Cabe considerar, o desenvolvimento teórico deste conceito no campo universitário e em nível de políticas públicas a Direção Nacional de Economia Solidária, do Ministério de Desenvolvimento Social da Argentina, que presta apoio a diversas iniciativas produtivas, como o trabalho em hortas e as redes solidárias (GUERRA, 2004). A divulgação da economia solidária no Peru começa a ser desenvolvida através de uma série de seminários internacionais, organizados pelo Grupo Red de Economia Solidária del Peru (Gresp), criado para divulgar estas práticas, além de seminários específicos, organizados pela Igreja Católica do Peru, para responder ao crescimento das organizações econômicas populares. O Gresp possui também uma linha de publicações, destacando-se através de uma série de manuais sobre o comércio justo (GUERRA, 2004). No Uruguai, a economia solidária começa a desenvolver-se como tal a partir da década de 90, através do interesse de instituições da Igreja Católica. A partir de então, desenvolvem-se as primeiras investigações e cursos nas universidades do país. No ano 2000, período de grande crise socioeconômica foi o momento em que as organizações comunitárias se apropriaram do conceito e, passaram a utilizá-lo, desenvolvendo clubes de troca, hortas comunitárias e pequenos empreendimentos produtivos. Desenvolvem-se então, diversos seminários, programas universitários e as feiras para vendas dos produtos dos empreendimentos (GUERRA, 2004). O Equador, Colômbia e Venezuela, têm visualizado um avanço notório dos princípios presentes na Economia Solidária nos últimos anos, com o reconhecimento da Economia de la solidariedad nas respectivas Constituições Federais de cada país e a multiplicação de organizações promotoras da economia solidária. Nestes três países existem estão se desenvolvendo significativas experiências que ultrapassam o cooperativismo tradicional, através de modelos alternativos de desenvolvimento com grande eficiência econômica. Como por exemplo, as feiras populares de Barquisimetro, o sistema cooperativo de San Gil e o Projeto Nasa da Colômbia, premiado pelas Nações Unidas. Na Colômbia, o processo de modernização da legislação, culminou com a Lei de economia solidária e o estabelecimento de organizações estaduais preocupadas com o desenvolvimento dessas práticas. Na Venezuela, o governo Chávez, criou grupos de estudo 17 para a implementação de políticas públicas de fomento a economia dos setores populares (GUERRA, 2004). As organizações econômicas populares solidárias buscam possibilitar a subsistência, autonomia, democracia, participação e emancipação de parcelas populacionais excluídas da sociedade. Além disso, a inclusão e a participação de segmentos vulnerabilizados da população nestas organizações têm contribuído para a tomada de consciência dos direitos sociais e colaborado para a conscientização política das classes para a necessidade de organização para a transformação. Assim, a defesa da solidariedade como princípio fundante das práticas sociais se faz presente na economia popular solidária, fortemente tencionada pelas contradições e antagonismos presente entre as relações sociais que estes indivíduos estabelecem com a sociedade, com o mercado e com o Estado. Considerações Finais: A Economia Popular Solidária se apresenta como uma proposta e um projeto integrador de esforços necessários para a diminuição da pobreza, principalmente em contextos econômicos caracterizados por elevados níveis de desemprego e de acentuada desigualdade social, como a América Latina. Verifica-se na região o crescimento de experiências com base na cooperação, ajuda mútua e participação democrática dos trabalhadores. Estes empreendimentos têm possibilitado a geração de trabalho e, promovido a satisfação concreta das necessidades dos participantes, além de contribuir para a propagação dos valores solidários e cooperativos na sociedade. As formas “alternativas” de economia têm se difundido na América Latina, com a organização dos próprios trabalhadores ou, com o apoio de projetos da Igreja Católica, de entidades e organizações da sociedade civil. Esta característica lhes dá poucas oportunidades de romper com os círculos de reprodução da pobreza ou de precária sobrevivência dos empreendimentos. Seguramente, como próximo passo aponta-se o necessário crescimento das políticas públicas dirigidas a fortalecer estas práticas, como já estão acontecendo nos países como a Argentina, Brasil, México e Venezuela, entre outros. O fortalecimento das experiências de Economia Popular Solidária pode ser realizado mediante a articulação das experiências coletivas com políticas públicas, que 18 tenham como proposição a inclusão social e econômica dos trabalhadores, auxiliando na promoção da cidadania destes indivíduos historicamente excluídos e marginalizados pelo sistema capitalista. Assim, o estabelecimento de políticas públicas de fomento à economia popular solidária é de fundamental importância para a inclusão/inserção social destes indivíduos e de seus empreendimentos na sociedade, pois, através do reconhecimento da existência destes novos sujeitos sociais, de seus direitos de cidadania e de suas formas de produção, reprodução e distribuição social. Desta forma, o papel dos governos nacionais da América Latina, frente à Economia Popular Solidária, é o de dar-lhe propulsão por meio de políticas públicas, que disponham de instrumentos e mecanismos adequados para o reconhecimento e o fomento destes empreendimentos. Evidencia-se, a necessidade da realização de estudos empíricos nos empreendimentos econômicos populares da América Latina, para uma melhor apreensão dos fenômenos e diferenças existentes entre as experiências existentes nos países da região. Compreender o desdobramento prático da Economia Popular Solidária torna-se fundamental para uma melhor compreensão das ações que vêm sendo empreendidas contra a pobreza, suas possibilidades e limitações. O debate está em aberto, assim como o constante desafio de aproximação desta temática, na realidade latino-americana. 1 A reestruturação do processo produtivo trouxe consigo novas técnicas de gerenciamento e inovações tecnológicas em todos os ramos de produção, reduzindo a demanda por mão-de-obra e exigindo uma maior qualificação para o trabalho. Como reflexos sociais, ocasionados pela adoção inconseqüente destes novos processos produtivos, observam-se a intensificação do processo de exclusão, ampliação das contradições e antagonismos sociais, e a contenção dos direitos trabalhistas historicamente conquistados (ANTUNES, 2005). 2 Há uma apropriação das categorizações realizadas por Dornelles; Reis (2001), Telles (2001) e Reis (2003) acerca das manifestações contidas nas “velhas” e nas “novas” formas que assumem a pobreza. Interessa explicitar, no entanto, que a lógica aqui adotada não supõe haver uma nova questão social, nova pobreza ou uma nova exclusão, qualificações que têm um núcleo teórico explicativo, do qual se discorda. 3 Economia de la Solidariedad, para o autor chileno Luis Razeto. Na América Latina, destaca-se, na década de 80, este autor, que publica sua obra: “Economia de la Solidariedad y Mercado Democrático”, em três volumes, conceituando essa terminologia em seu sentido específico e com fundamentos teóricos, tornado-se referência na região, como um dos principais estudiosos da temática. 4 Os recursos financeiros necessários, para a criação e manutenção dos empreendimentos provêm, em grande parte, de recursos externos, de programas e projetos existentes em nível governamental ou de organizações da sociedade civil. 5 A palavra globalização, mesmo tendo gerado confusões teóricas e apesar das dubiedades conceituais “[...] transformou-se em palavra-síntese que se propõe a designar, diagnosticar e explicar, ao mesmo tempo, todas as transformações vividas pelo sistema econômico capitalista e pela ordem política internacional, nos últimos 25 anos do século XX” (FIORI, 2002, p. 28). 19 Entende-se por Consenso de Washington, “um consenso construído durante a década de 1980 e que condensava e traduzia as idéias neoliberais, já hegemônicas nos países centrais, na forma de um pacote terapêutico para a ‘crise econômica’ da periferia capitalista” (FIORI, 2002). Consenso com aprovação e respaldo do Tesouro dos EUA e de instituições com sede em Washington. Instituições com reconhecimento público quanto ao seu vínculo ao capital hegemônico internacional (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Organização Mundial do Comércio). 7 Compreende-se por pobreza: “situação em que se encontram membros de uma determinada sociedade de despossuídos de recursos suficientes para viver dignamente, ou que não tem as condições mínimas para suprir as suas necessidades básicas” (NASCIMENTO, 2000, p.58). Complementa-se que, “(...) para além dos indicadores relacionados à renda e ao usufruto de bens, serviços e da riqueza socialmente produzida, a pobreza é um fenômeno multidimensional, é categoria política que implica carecimentos no plano espiritual, no campo dos direitos, das possibilidades e esperanças” (YASBEK, 2001, p. 34). 8 O conceito de desigualdade refere-se à: “distribuição diferenciada, numa escala de mais ou menos, das riquezas materiais e simbólicas produzidas por uma determinada sociedade e apropriadas pelos seus participantes”, (NASCIMENTO, 2000, p.58). 9 Dados recentes da CEPAL (2006) demonstram que, em 2005, a economia Latino-Americana e do Caribe obteve um crescimento de 4,5% de seu PIB, enquanto que o PIB per capita ampliou-se para 3,0%. 10 A exclusão: caracteriza-se como “resultado de transformações nas instituições, estruturantes da vida econômica e social. Assim sendo, a exclusão seria uma ausência prolongada de emprego e também uma perda de relações sociais” (TOSTA, 2000, p. 202). 11 “A questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho -, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos (...). A questão social expressa, portanto, disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais (...). Esse processo é denso de conformismos e rebeldias, forjados entre as desigualdades socais, expressando a consciência e a luta pelo reconhecimento dos direitos sociais e políticos de todos os indivíduos sociais” (IAMAMOTO, 2001, p. 16-17). 12 Recentemente a economia dos setores populares vem propiciando a realização de estudos e pesquisas. Ver Gaiger, Luís Inácio (org.). Formas de combate e resistência à pobreza. São Leopoldo. Unisinos, 1996; Singer, Paul. Globalização e desemprego. Diagnóstico e alternativas. São Paulo, Contexto, 1998; entre outros. 13 Trabalho desenvolvido pela Cáritas brasileira, através da execução dos “Projetos Alternativos Comunitários” (PACs), como instrumento de ação frente à exclusão social, em que a economia popular solidária passa a ser elemento verbal de suas linhas de ação 2000-2046. 14 No Brasil, destaca-se a criação de uma rede de universidades (Unitrabalho) com linhas de investigação sobre a temática. 15 “O Marco Jurídico da Autogestão e Economia Solidária”, no site: http://www.mte.gov.br/EstudiososPesquisadores/Observatorio/Economia/conteudo/MarcoJuridico.pdf (Anexo 3, pg. 80), Consultado em 17 de novembro de 2006. 16 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO: SECRETARIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA - SENAES/TEM. PROGRAMA ECONOMIA SOLIDÁRIA EM DESENVOLVIMENTO. http://www.mte.gov.br/empregador/EconomiaSolidaria/programa/Conteudo/apresentacao.pdf - consultado em 30 de novembro de 2006. 6 Referências: AGUIAR, Cristina Silveira. Economia Popular Solidária: Alternativas às Transformações no mundo do trabalho. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, PUCRS, 2002. AMARO, Rogério Roque. A exclusão social hoje. Instituto São Tomás de Aquino – ISTA, n 9. São Paulo, 2004. 20 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005. CEPAL. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Panorama Social de América Latina 2003-2004. Publicación de las Naciones Unidas. Santiago de Chile, Chile, nov. 2004. CEPAL. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Panorama Social de América Latina 2005-2006. Publicación de las Naciones Unidas. Santiago de Chile, Chile, nov. 2006. COUTO, Berenice Rojas. O Direito Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: Uma equação possível? São Paulo: Cortez, 2006. DORNELLES, Aline; REIS, Carlos Nelson dos. Exclusão Social: velhos e novos pontos de uma agenda permanente. 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