Hemorragia pós-parto (HPP) Drs. Rogério Ramires e Yuri Andrei Sampaio 1. Introdução Hemorragia pós-parto (HPP) é definida classicamente como a perda de mais de 500ml de sangue nas primeiras 24 horas após o parto. Entretanto a perda sanguínea média em um parto vaginal é de 500ml, e de 1000ml em parto cesárea. Sendo assim, a definição “clássica” de HPP reflete claramente a inexperiência clínica ao tentarmos estimar o volume de sangue perdido no período de pós-parto. Está associada à atonia uterina, retenção placentária, inversão e ruptura uterina, tocotraumatismos e coagulopatias. A hemorragia obstétrica também aumenta a morbidade da síndrome de angústia respiratória do adulto, coagulação intra-vascular disseminada, síndrome da sela túrcica e infertilidade. O rápido diagnóstico e tratamento são importantes para se minimizar o risco de vida da paciente com HPP. Algumas condições maternas (Tabela 1) associadas à HPP podem ser identificadas antes do parto mas têm baixa preditibilidade quando aplicadas às pacientes individualmente. Tabela 1 Fatores de risco para hemorragia pós-parto (HPP) Fatores de risco pré- Risco natais Relativo(%) Fatores de risco intra-parto Pré-eclampsia 5 HPP prévia Gestação múltipla Cesárea prévia 3.6 3.3 1.7 Descendência ou hispânica Multiparidade 1.5 Terceiro estágio 7.5 prolongado(>30min.) Episiotomia médio-lateral 4.7 Episiotomia mediana 1.6 Falha na descida da 2.9 apresentação Lacerações(perineais, peri- 2.0 uretrais) Parto prolongado 1.7 Parto fórceps 1.7 asiática 1.7 Risco Relativo(%) A HPP é difícil de ser reconhecida por vários motivos. Freqüentemente há falha na avaliação do volume de sangue perdido, que o sangramento insidioso pode ser perigoso e falhas em diagnosticar sangramento oculto (ex. hematomas vulvovaginais ou sangramentos intra-abdominais nas rupturas uterinas). 2. Medidas preventivas da H.P.P incluem: A) Corrigir uma possível anemia existente durante o pré-natal. B) Praticar conduta ativa ao invés de passiva no terceiro estágio do trabalho de parto administrando ocitocina (evidência científica I a-A, 5). C) Reexaminar a paciente atentamente quanto à existência de perdas sanguíneas insidiosas no período pós-parto. 3) Principais causas de HPP: A) Atonia uterina (70%) B) Traumas (20%) C) Retenção de tecidos (10%) D) Coagulopatias (1%) 4) Conduta gerais iniciais na HPP As medidas iniciais do tratamento de quaisquer das causas de HPP, incluem medidas de suporte básico da vida. São elas: A) Manter vias aéreas pérvias e parâmetros hemodinâmicos estáveis. B) Iniciar infusão de solução salina ou outro cristalóide através de 2 acessos venosos calibrosos. C) Instalar cateter de oxigênio. D) Colher hemograma e coagulograma. E) Avaliar necessidade de transfusão de sangue. 5) Condutas específicas na HPP Concomitantemente às medidas de suporte de vida, iniciamos a investigação da provável causa da H.P.P e realizamos manobras que tem como objetivo o tratamento das causas mais prováveis: A) Massagem uterina. B) Avaliação da existência de lacerações do canal de parto e retenção de membranas. C) Administração de ocitócicos. D) Estar preparado com pessoal e material em sala de parto para cirurgia de urgência( histerorafia em caso de ruptura uterina ou histerectomia) 6) Tratamento das principais causas de HPP Atonia Uterina: A) Realizar massagem e compressão uterina bimanual B) Administrar ocitócicos: * Ocitocina( droga de escolha) - 10 a 40 unidades em 1 litro de solução salina a 0,9%, com taxa de infusão de 250ml IV por hora. * Derivados do Ergot – Metil-ergonovina 0,2mg ou Ergometrina 0,25mg IM * Prostaglandinas- Prostaglandina F2- alfa 15-metil 0,25mg IM ou 4 cápsulas por via vaginal. C) Estar preparado para cirurgia de urgência como ligadura de artérias hipogástricas ou histerectomia se medidas medicamentosas não funcionarem 7) Traumas Em traumas, estão incluídos a inversão uterina, ruptura uterina, lacerações vaginais, cervicais e hematomas. 8) Inversão uterina Identificada a inversão uterina pelo toque reposicionamento do útero na cavidade abdominal. vaginal, proceder ao Realizar toque vaginal e com o punho cerrado forçar o fundo do útero em direção cranial (manobra de Taxe). Caso necessário deve-se proceder a cirurgia de Huntington (pinçamento do útero por via abdominal). 9) Ruptura uterina O tratamento pode ser expectante se após o parto for diagnosticada uma pequena laceração de segmento inferior ou até mesmo ser necessário o reparo cirúrgico em lesões maiores. 10) Lacerações cervicais, vaginais e hematomas Lacerações cervicais e vaginais – conduta: Realizar sutura com boa hemostasia dos vasos Hematomas – conduta: Se forem menores de 3cm de diâmetro pode-se realizar conduta expectante e se maiores, realizar drenagem imediata com retirada de coágulos e hemostasia dos vasos sangrantes. 11) Retenção de tecidos Consideraremos retenção de tecidos a retenção de toda a placenta já separada de seu leito, a retenção de fragmentos placentários e a placenta invasora nos seus diversos graus (acreta, increta e percreta). 12) Retenção de fragmentos: Realizar curagem manual da cavidade uterina ou curetagem. 13) Retenção placentária: Realizar remoção manual da placenta com boa identificação do plano de clivagem. Pode ser necessária a administração de tocolíticos e realização da Manobra de Brandt se houver constrição do segmento inferior ao redor da placenta impedindo sua saída.As drogas mais utilizadas são o halotano e a terbutalina subcutânea. A manobra é feita através de firme tração do cordão com compressão supra-púbica simultânea para manter o útero imóvel. Normalmente obtém-se sucesso com sua aplicação. Devemos pensar que podemos estar diante de uma placenta com algum grau de invasão se o útero não estiver contraindo bem e a Manobra de Brandt falhar. A injeção de 2ml de ocitocina diluída em 20 ml de solução salina a 0,9% na veia umbilical é uma última tentativa de sparar a placenta de seu leito antes da remoção manual. 14) Placenta Invasora A placenta acreta é o grau mais leve, e é aquela que adere ao miométrio. Deve ser retirada por remoção manual seguida de curetagem uterina. A placenta increta ocorre quando ela invade o miométrio e a acreta quando ela chega à serosa uterina. São quadros mais graves que normalmente levam a sangramentos abundantes normalmente só resolvidos por histerectomia ou ligadurade artérias hipogástricas. Devemos sempre pensar em um grau de invasibilidade maior quando a curagem manual e curetagem não resolverem a hemorragia. 15) Coagulopatias Responsáveis por 1% das hemorragias pós-parto, as coagulopatias muitas vezes são diagnosticadas durante o pré-natal ou mesmo antes do início da gestação. Isto nos possibilita a prevenção desta complicação através de transfusões de sangue e hemoderivados no período intra ou pré-parto, de acordo com o tipo de coagulopatia. As mais freqüentes causadoras de HPP são a púrpura trombocitopênica idiopática, Doença de von Willebrand e hemofilia. Alguns parâmetros hematológicos devem ter níveis adequados e destacamos aqui os principais e como mantê-los: - Nível de fibrinogênio > 100mg/dl Plasma fresco congelado aumenta o fibrinogênio em 10mg/dl para cada unidade trasfundida e deve ser usado quando a coagulopatia é multifatorial. O crioprecipitado pode ser usado para prover fatores de coagulação. - Plaquetas > 50000/ml Uma unidade de concentrado de plaquetas aumenta os níveis em pelo menos 5000/ml. - Hematócrito > 30% Cada unidade de concentrado de glóbulos aumenta o hematócrito em pelo menos 3 pontos percentuais. Ter sempre em mente que a dosagem de hematócrito nem sempre reflete a situação atual da paciente. - Reduzir tempo de protrombina prolongado ou de tromboplastina parcial ativada com plasma fresco congelado. Uma unidade de plasma fresco congelado é administrada para cada cinco unidades de concentrado de glóbulos ou de sangue total, mais raramente utilizado, somente em condições de choque hipovolêmico quando os hemoderivados não estão disponíveis. Referências Bibliográficas: 1. American College of Obstetrics and Gynecologists. Hemorrhagic Shock ACOG Educational Bulletin. Number 235, Washington, DC, 1997(Level III) 2. Carroli G, Bergel E. Carroli G, Bergel E.Umbilical vein injection for management of retained placenta( Cochrane Review).In: The Cochrane Library, Issue 2, 2000. Oxford:Update Software. 3. Danforth´s Obstetrics and Gynecology, 8th ed, 1999; Scott JR,ed, lippincott, Philadelphia PA, p101.(Level III) 4. McDonald S, Prendaville WJ, Elbourne D. Active versus expectant management in the third stage of labour(Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2, 2000.Oxford:Update Software 5. Prendiville WJ, Elbourne D, McDonald S (2001) Active versus expectant management in the third stage of labour. In: The Cochrane library, issue 4. Oxford: Update Software. 6. Schuurmans N, MacKinnon C, Lane C, Etches D. Prevention and Management of Postpartum Haemorrhage.SOGC 2000;22:271-294.(Level III)