O DIREITO BRASILEIRO EM VIGOR ACEITA PATENTES COM REIVINDICAÇÕES DE USO, INCLUSIVE USO FARMACÊUTICO. NÃO PODE A ANVISA DENEGAR PATENTES, E EM PARTICULAR, NÃO PODE MANIFESTAR-SE ABSTRATA E GENERICAMENTE RECUSANDO APROVAÇÃO A REIVINDICAÇÕES DESSA NATUREZA. Denis Borges Barbosa (setembro de 2004) A questão em análise Solicitam-nos parecer sobre a possibilidade de se obter patente, no Direito Brasileiro, para um segundo uso farmacêutico do mesmo produto. Tal questão é suscitada num momento em que a ANVISA anuncia sua deliberação de não mais anuir a pedidos de patentes que se voltem a esse tipo de invenção. Assim, voltaremos nossa consideração também quanto ao poder daquela autarquia de anuir ou recusar concessões de patente. Sumário das conclusões Nossas conclusões, enunciadas a seguir (vide o índice na próxima página), são assim resumidas: 1. No direito em vigor, pode-se obter patentes que contenham reivindicações de um novo uso para um produto ou processo já conhecido, desde que tal novo uso seja dotado de utilidade industrial e atividade inventiva. 2. Este novo uso pode ser a aplicação do produto ou processo já conhecido, para obterse um resultado farmacêutico. 3. No sistema constitucional da Carta de 1988, nenhum órgão do Estado pode exercer poder discricionário para denegar patente; cabe-lhe apenas examinar, em procedimento vinculado, a satisfação dos pressupostos legais, que são prefigurados constitucionalmente, e declarar sua existência, assim constituindo a exclusividade de direito sobre a solução técnica para a qual se pede proteção. 4. A recusa de proteção a uma determinada invenção, dotada de novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial está sujeita a estrita reserva legal. 5. Não pode, assim, a ANVISA deliberar que denegará todas os pedidos de proteção que versarem sobre novo uso farmacêutico de um elemento já conhecido. 1 ÍNDICE DO PARECER A questão em análise ................................................................................................................................ 1 Sumário das conclusões ............................................................................................................................ 1 A QUESTÃO DO SEGUNDO USO FARMACÊUTICO........................................................................ 4 Reivindicações de nova aplicação ............................................................................................................ 4 A nova aplicação e a descoberta ............................................................................................................................ 5 A novidade pertinente ........................................................................................................................................... 7 Novidade, nova aplicação e novo emprego ........................................................................................................... 8 A atividade inventiva como requisito .................................................................................................................... 9 A questão do “uso” numa patente de uso ............................................................................................................ 10 Um requisito diverso de aplicação industrial nas reivindicações de uso? ...................................................... 11 A existência de patente de uso no Direito Brasileiro ........................................................................................... 12 A distinção de “uso” e “processo” ...................................................................................................................... 13 Da conveniência de prever patentes de uso ......................................................................................................... 14 A questão do alcance prático das reivindicações de uso...................................................................................... 16 Conclusão quanto às reivindicações de uso ......................................................................................................... 17 Do segundo uso farmacêutico ................................................................................................................. 18 Um problema tipicamente francês ....................................................................................................................... 18 A vedação a métodos de tratamento em Direito Brasileiro ................................................................................. 20 Métodos de tratamento podem ou não ser inventos? ...................................................................................... 21 A opção pela imprivilegiabilidade mesmo se fosse invento ........................................................................... 22 A interpretação do art 10, VIII do CPI/96. ..................................................................................................... 22 O produto usado em um método de tratamento .............................................................................................. 24 A reivindicação suíça e o Direito Brasileiro ........................................................................................................ 25 A função e os limites das reivindicações no Direito Brasileiro ........................................................................... 25 Equivalência e reivindicações de uso ............................................................................................................. 27 A licitude de reivindicações de uso do tipo suíço no Direito Brasileiro ......................................................... 28 Conclusões sobre as patentes de uso farmacêutico ............................................................................................. 28 A PROIBIÇÃO, PELA ANVISA, DE REIVINDICAÇÕES DE USO FARMACÊUTICO......................... 29 A questão da constitucionalidade do poder discricionário de anuir em concessão de patentes ............ 29 De nosso pronunciamento prévio sobre a questão ................................................................................. 32 A Constituição de 1988 e a propriedade industrial em geral ................................................................ 33 Bases constitucionais das patentes ...................................................................................................................... 34 a) Os autores de inventos serão os beneficiários da tutela legal .......................................................................... 34 Direito moral do autor do invento .................................................................................................................. 34 Direito constitucional a pedir patente............................................................................................................. 34 b) O fundamento da tutela será o invento novo e industrial ................................................................................ 35 Proteção ao invento ........................................................................................................................................ 35 Proteção ao invento industrial ........................................................................................................................ 35 Requisito constitucional da novidade ............................................................................................................. 35 A constitucionalidade da atividade inventiva ................................................................................................. 36 c) O direito é essencialmente temporário. ........................................................................................................... 37 d) o privilégio será concedido para a utilização do invento, ............................................................................... 37 e) o pedido de privilégio será sujeito a exame substantivo de seus requisitos; .................................................... 38 Procedimento administrativo plenamente vinculado na concessão de patentes ............................................. 38 Procedimento de patentes e o devido processo legal ...................................................................................... 39 O resumo dos direitos constitucionais relativos a uma patente .............................................................. 40 A questão da anuência em face da Constituição..................................................................................... 41 O nosso argumento constitucional....................................................................................................................... 41 O argumento constitucional contrário ................................................................................................................. 41 Conclusão quanto à constitucionalidade da anuência da ANVISA ..................................................................... 44 Da leitura compatível com a Constituição ..................................................................................................... 44 Os limites da apreciação de imprivilegiabilidadedo art. 18, I do CPI/96 ....................................................... 45 Em resumo: ......................................................................................................................................................... 47 A questão da negativa genérica de patente de uso farmacêutico ........................................................... 47 Conclusão quanto à possibilidade de a ANVISA proibir patentes de uso ........................................................... 48 CONCLUSÃO GERAL DO PARECER........................................................................................... 49 Anexo A ................................................................................................................................................... 51 2 Anexo B .................................................................................................................................................. 53 3 A questão do segundo uso farmacêutico Imaginemos que um inventor venha a sintetizar novo produto químico; das imensas possibilidades de tal criação, passa a testar seus possíveis efeitos, um a um. Para que se tenha patente, não basta haver um novo produto, mas é preciso resolver um certo problema de natureza técnica, oferecendo uma solução que seja, ela também, técnica. Assim, o novo produto passa a ser, potencialmente, patenteável, quando seja aplicável a um problema identificado como suscetível de tal solução. Pois que a patente não premia criações em geral, mas soluções técnicas. Mas, especialmente após as tecnologias de síntese de um novo produto, não se chega necessariamente de início - a todas aplicações de uma nova criação. Em tese, é possível imaginar que, após se discernir uma aplicação, pela continuação de pesquisas se chegue a uma outra solução, ou a um outro problema técnico, objeto da mesma solução 1. Solicitada proteção para uma primeira solução, como se tratará essa nova aquisição tecnológica? Tradicionalmente, pela patente de nova aplicação. Assim, antes de enfrentarmos o problema do segundo uso farmacêutico, examinemos a questão das reivindicações de uso, em geral. Reivindicações de nova aplicação A par das patentes de produto e processo há que se distinguir a invenção que consiste de uma nova aplicação de um produto ou um processo (ou patente de uso). A nova aplicação é patenteável quando objeto já conhecido é usado para obter resultado novo, existente em qualquer tempo a atividade inventiva e o ato criador humano. Trata-se pois de uma tecnologia cuja novidade consiste na “relação entre o meio e o resultado”, ou seja, na função 2. Assim, por exemplo, o uso de um corante já conhecido como inseticida – o DDT. 1 Dawson Chem. Co. v. Rohm & Haas Co., 448 U.S. 176, 221-22, 206 U.S.P.Q. 385 (1980) (The characteristic of practical chemical research are such that this form of patent protection is particularly important to inventors in that field. The number of chemicals either known to scientists or disclosed by existing research is vast. It grows constantly, as those engaging in 'pure' research publish their discoveries. The number of these chemicals that have known uses of commercial or social values, in contrast is small. Development of new uses for existing chemicals is thus a major component of practical chemical research. It is extraordinary expressive. It may take years of unsuccessful testing before a chemical had a desire property is identify and it may take several years of further test before a proper and safe method for using that chemical is developed."). 2 Burst e Chavanne, Droit de la Proprieté Industrielles, 4ª. Ed. Dalloz, 1993, nr. 60. Diz Gama Cerqueira, Tratado, vol. II, tomo I, Parte 2, p. 64, Forense, 1952: A nova aplicação de meios conhecidos define-se como o emprêgo de agentes, órgãos e processos conhecidos para se, obter um produto ou resultado diferente daquele para. cuja, obtenção tais meios são comumente empregados. "Appliquer d'une manière nouvelle", explica Pouillet, "c'est purement et simplement employer des moyens connus, tels qu'ils sont connus, sans même y rien changer, pour en tirer un résultat différent de celui qu'ils avaient produit jusque-là." De outra parte, define Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado – Tomo XVI - parte especial Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade industrial, São Paulo, RT, 4ª edição, 1983, pgs. 274 à 276. “Aplicações Novas. - Pode ser nova apenas a relação que se criou entre certo meio e certo resultado. A relação não era, antes, estabelecida; o inventor encontra a possibilidade de ligar meio e fim e aponta a aplicação como aplicação- em que nunca se pensara, na técnica”. 4 Note-se que esta modalidade de patente tem sido tradicionalmente aceita em Direito Brasileiro, como se nota da literatura clássica sobre o tema e pela previsão legislativa já no século XIX 3. Comum no sistema americano, assim como Direito Francês e no Alemão, só foi tornado mais corrente no sistema europeu após a decisão do caso G 2/88 decidido pelas Câmaras Reunidas do escritório Europeu de Patentes 4. Tal modalidade de reivindicação está sujeita a critérios específicos de avaliação de novidade, atividade inventiva e, talvez, de utilidade industrial, o que exige nosso estudo mais detalhado. Torna-se igualmente necessário – não obstante o que já se disse antes quanto à tradiçõ brasiliera de patentes de uso - enfrentar as questões da legalidade da patente de uso, ou seja, se tal reivindicação é prevista na legislação pátria em vigor desde 1996, e da hipótese de vedação de tal categoria, quando pudesse ser tida como método de tratamento ou diagnóstico. Pela importância do tema, não se pode deixar de considerar os aspectos jurídicos da implementação de uma reivindicação de uso para assegurar a exclusividade da sua solução técnica na concorrência. A nova aplicação e a descoberta O primeiro aspecto da questão a ser examinado é o da natureza desse novo uso. Será ele uma descoberta 5? O patenteamento de descobertas, a que se refere alínea f) do art. 10 do CPI/96, é universalmente vedado no sistema de patentes; nenhum país concede privilégio por simples descobetas. Isto se dá porque, pela concessão de patentes, tenta-se promover a solução de problemas técnicos - questões de ordem prática no universo físico. Para a promoção da atividade científica pura, estéticas, ou de outra natureza, há outros meios de estímulo, como o Prêmio Nobel e semelhantes. Diz, por exemplo, Chavane e Burst sobre o direito francês: “Somente o produto industrial é patenteável. A descoberta de um produto natural não é, assim, suscetível de proteção, se não houver uma intervenção da mão humana ” 6 Já no direito americano a situação é idêntica: 3 Após a Lei 9.279/96, concede-se tal modalidade de reivindicação como uma das usualmente solicitadas na área farmacêutica: as de produto ou substância química; as de composição (formulação) farmacêutica definida tanto qualitativamente quanto quantitativamente; de processo para obtenção do produto, na qual se exige parâmetros e etapas procedimentais bem definidas; de intermediário, ou seja, do emprego de novos compostos intermediários para obtenção de determinada substância farmacêutica; e, finalmente, a de uso, no caso de produtos de ação terapêutica conhecida, para os quais se descobriu nova aplicação. 4 OJ EPO 1990, 93. Comentado em Singer, The European Patent Convention, Sweet & Maxwell, 1995, p. 170. 5 A questão é topicamente relevante. Lê-se no Valor Econômico de 31/8/2004, sob o título “Anvisa quer impedir as patentes de segundo uso”, “O segundo uso de uma patente farmacêutica é solicitado quando um laboratório descobre uma utilidade diferente do que a já conhecida de determinado remédio. Mas a gerente de regulamentação sanitária internacional da Anvisa, Ana Paula Jucá, diz que isso não é uma invenção, é apenas uma descoberta e, portanto, não preenche os requisitos da lei de patentes e dos acordos internacionais que prevêem que as novas descobertas precisam ter originalidade”. 6 Seul le produit industriel est brevetable. La découverte d’un produit naturel n’est donc pas protégeable à défaut d’une intervention de la main de l’homme. Droit de la Propriété Industrielle, Ed. Dalloz, nº 41 5 “Se começamos com a premissa de que o sistema das patentes é para promover o progresso da ciência útil, a conclusão que se pode chegar com isso é que não recompensa descobertas científicas básicas exceto as incorporadas em invenções úteis.” 7 E, falando da teoria geral do direito de patentes ao mesmo tempo que do direito suíço, diz Alois Troller: “Os conhecimentos que retratam a essência das forças da natureza, ou seja, que ensinam sobre as criações da natureza nascidas independentemente da atividade do homem, são excuídas do alcance de proteção” 8 Explicando porque não se dá proteção patentária às descobertas, mas tão somente às invenções, diz por sua vez Douglas Gabriel Domingues: “A par de ser a descoberta simples revelação de algo já existente, a mesma resulta do espírito especulativo do homem, na investigação dos fenômenos e leis naturais. Assim, a descoberta apenas aumenta os conhecimentos do homem sobre o mundo físico, e não satisfaz nenhuma necessidade de ordem prática. Finalmente, a descoberta não soluciona nenhum problema de ordem técnica” 9 Ora, o que distingue uma descoberta de um invento industrial é exatamente que, naquela, inexiste a resolução de um problema técnico. O invento industrial é uma solução técnica para um problema técnico. Essa a noção que deriva do texto constitucional brasiliero relativo à propriedade industrial (art. 5º. Inciso XXIX). A proteção, assim, se volta à ação humana, de intervenção na Natureza, gerando uma solução técnica para um problema técnico. Não têm proteção, mediante patentes, a simples descoberta de leis ou fenômenos naturais, mas também outras ações humanas desprovidas de eficácia técnica, como as criações estéticas, ou as criações abstratas (não técnicas), como planos de contabilidade, regras de jogo ou programas de computador. Neste sentido, diz o Manual de Exame do Escritório Europeu de Patentes: Se uma propriedade nova de uma matéria conhecida ou de um objeto conhecido é descoberta, trata-se de uma simples descoberta que não é patenteável, pois a descoberta em si mesma não tem nenhum efeito técnico e não é, pois, uma invenção no sentido do art. 52(1). No entanto, se essa propriedade é utilizada para fins práticos, isso constitui uma invenção que pode ser patenteada. Assim, por exemplo, a descoberta da resistência ao choque magnético de um material conhecido não é patenteável, mas um dormente de estrada de ferro construído desse material pode sê-lo »10. Respondendo assim à questão inicial, a revelação de um novo uso técnico de um elemento já conhecido será qualquer coisa, mas certamente nunca uma descoberta. De outro lado, se 7 “If we start with the premise that the patent system is to promote the progress of the useful arts, the conclusion may follow that it does not reward basic scientific discoveries except as incorporated in useful devices” Choate e Francis, Patent Law, West Publishing, p. 471. 8 « Les connaissances donnant un aperçu de l’essence des forces de la nature, c’est à- dire qui renseignent sur les créations de la nature nées indépendamment de l’activité de l’homme, sont exclues du cercle de la protection” Précis du droit de la propriété immatérielle, Ed. Helbing & Lichtenhahn, p.37. 9 Direito Industrial - Patentes, Ed. Forense, p. 31. 10 Si une propriété nouvelle d'une matière connue ou d'un objet connu est découverte, il s'agit d'une simple découverte qui n'est pas brevetable car la découverte en soi n'a aucun effet technique et n'est donc pas une invention au sens de l'art. 52(1). Si, toutefois, cette propriété est utilisée à des fins pratiques, cela constitue alors une invention qui peut être brevetable. C'est ainsi, par exemple, que la découverte de la résistance au choc mécanique d'un matériau connu n'est pas brevetable, mais qu'une traverse de chemin de fer construite avec ce matériau peut l’être 6 se atinar com aspectos estéticos ou esotéricos de uma substância já conhecida, ter-se-á uma descoberta. Nesta hipótese, o leitor poderá economizar o percurso do restante deste estudo. A novidade pertinente O quid novi que garante a patenteabilidade é a “novidade da. aplicação. Não é necessário que o produto ou resultado visado seja novo, bastando que seja diferente dos até então obtidos pelos meios empregados. A diferença do produto ou resultado visado é essencial, pois é o que distingue esta classe de invenções da modalidade conhecida como combinação”11. Enganam-se, e inexplicavelmente, as Diretrizes de Exame do INPI neste ponto, ao confundirem reivindicações de novo uso, reivindicações de produto stricto sensu e reivindicações de composição 12. Trata-se aqui de um erro frontal de direito, e não de técnica, como Gama Cerqueira já o indicava 13. A novidade assim, no caso, deve ser avaliada em relação ao resultado até então não conhecido; persiste porém a discussão entre sistemas jurídicos quanto à significação das propriedades já intrínsecas, mas ainda não explicitadas, no estado da arte. O sistema europeu descarta a possibilidade de rejeição às propriedades intrínsecas, mas ainda secretas 14 , o que não parece ocorrer no Direito Americano 15. 11 Gama Cerqueira, op. cit., loc. cit. Sobre patentes de combinação, veja o extenso tratamento da questão no meu Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Ed. 2003, Lumen Juris. Uma patente de combinação não se confunde com a de um novo uso, porque” Central no conceito de invenção de combinação é que ela consiste em uma solução técnica distinta dos elementos combinados, buscando-se nela, e não em seus componentes, os pressupostos de patenteabilidade (novidade, utilidade, atividade inventiva), assim como o parâmetro para avaliar a sua eventual violação”. Diretrizes de Exame – Biotecnologia: 2.39.2.1 Reivindicações do tipo: a) Produto X caracterizado pelo fato de ser usado como medicamento. b)Produto X caracterizado pelo fato de ser para o tratamento da doença Y. não são concedidas pelo fato de seu objeto não apresentar novidade, pois, conforme definido em (i) acima, trata-se de um produto conhecido, que, obviamente, não é novo no sentido do Art. 11. Observe-se que aqui está se tratando de invenções de segundo uso, ou seja, pressupõem-se que se trata de produto já conhecido. 2.39.2.2 Reivindicações do tipo: c) Composição farmacêutica caracterizada por conter o produto X (eventualmente com outros componentes). d) Composição para o tratamento da doença Y caracterizada por conter o produto X (eventualmente com outros componentes). e) Composição caracterizada por conter o produto X (eventualmente com outros componentes) para uso no tratamento da doença Y. f) Composição na forma de (tablete, gel, solução injetável, etc.) caracterizada por conter o produto X (eventualmente com outros componentes) para uso no tratamento da doença Y. podem ser concedidas, desde que as composições a que dizem respeito sejam novas e apresentem atividade inventiva. 12 13 Gama Cerqueira, escrevendo sob o Código de 1945, confrontava-se com o mesmo contexto legal, no pertinente, que enfrenta o jurista sob o Código de 1996. Com efeito, o art. 169 do CPI/45, exatamente como o art. 42 do CPI/96 só se refere literalmente a reivindicaçoes de produto ou de processo. 14 Vide o caso G 0006/88 – EBA das Câmaras Reunidas de Recurso da EPO: “In respect of this submission, the Enlarged Board would emphasise that under Article 54(2) EPC the question to be decided is what has been "made available" to the public: the question is not what may have been "inherent" in what was made available (by a prior written description, or in what has previously been used (prior use), for example). Under the EPC, a hidden or secret use, because it has not been made available to the public, is not a ground of objection to validity of a European patent. (…)Thus, although document (1) described a method of treating plants with compounds in order to regulate their growth which, when carried out, would inevitably have been inherently a use of such compounds for controlling fungi, nevertheless it appears that the technical feature of the claim set out above and underlying such use was not "made available" to the public by the prior written description in document (1)” . 15 Citando Chisum, Donald S. & Jacobs, Michael A.. Understanding Intellectual Property Law Legal Text Series.: Ed. Matthew Bender, United States, 1992, pg. 2-22: E.g. In re Kin & 801 F.2d 1324,1326.231 U.S.P.Q. 136, 138 (Fed. Cir.. 1986) ("the discovery of a new use for an old structure based on unknown properties of the structure [may be] patentable to the discoverer as a process," but, “under the principles of inherency," a claim is anticipated of a structure in the prior art necessarily function in accordance with the limitation of a process or method claim … "); In re May, 574 F.2d 1082, 197 7 O enfoque europeu permite que se mantenha sem revelação uma parcela da tecnologia, preservando assim a novidade do elemento oculto, que pode vir a ser a seu tempo oferecido como base de uma patente de uso. O mesmo não ocorreria necessariamente na perspectiva americana, pois não haveria novidade, mesmo se o elemento pertinente estivesse oculto,. mas decorresse naturalmente do conhecimento já existente 16. Novidade, nova aplicação e novo emprego Há que ter cuidado, no entanto, quanto à distinção, que Gama Cerqueira aponta, baseandose na doutrina clássica francesa, entre nova aplicação e novo emprego17: Com a aplicação nova de meios conhecidos não se confunde o simples emprêgo novo. A diferença entre o emprêgo novo e a nova aplicação consiste em que, no primeiro caso, a aplicação muda apenas de objeto ou de matéria, não diferindo, quanto aos seus resultados ou efeitos, das aplicações anteriores; ao passo que, no segundo, a aplicação se caracteriza pela obtenção de resultado diferente. "Par exemple", escreve POUILLET, "si 'on se sert d'un appareil ou d'un procédé connu, de la façon dont on s'en est toujours servi, pour en obtenir le même résultat, en se bornant seulement d'employer pour une autre matière ou pour un autre objet ou est l'invention? ou est le service rendu à l'industrie?! ou est cette création, ce caractère de personnalité que justifie le droit exclusif de l'inventeur?" 18 O emprêgo novo não é privilegiável. Túlio Ascarelli notava que, no caso de nova aplicação, se teria um “invento de translação”, enquanto que, no emprego, haveria uma simples construção sem resultado autônomo 19. Essa distinção não se reduz à existência ou não de atividade inventiva 20. Trata-se aqui da resolução de um problema técnico, distinto daquele já resolvido anteriormente pelo elemento conhecido, ainda que nem o meio, nem o problema, sejam em si novos. Assim é que se o problema fosse, antes, o de dar mobilidade a uma mesinha de televisão (através rodas apostas) não há problema diverso na necessidade de dar mobilidade a um forno 21. “Aplicação”, no caso, vem a ser a solução de um problema técnico através dos meios em questão 22. U.S.P.Q. 601 (CCPA 1978) (the discovery that a known analgesic compound had the property of nonaddictiveness will not support a patent claiming the method of effecting "nonaddictive" analgesia by use of a certain generic class of compounds because the prior art showed one of the species compound within that generic class to effect analgesia). 16 “an inherent disclosure flows naturally from the teachings of the prior art reference”, MEHL, 192 F.3d at 1365 (quoting In re Oelrich, 666 F.2d 578, 581 (C.C.P.A. 1981)). Vide também adiante a noção de atividade inventive, onde resurge a questão do conhecimento intrísico.. 17 Gama Cerqueira, Tratado, p. 65. Para uma alentada discussão dessa distinção, e das teorias de Pouillet, Allart, Casalonga e da construção jurisprudencial pertinente, vide Devant, Passeraud, Gutmann, Jacquelin e Lemoine, Les Brevets d; Invention, Dalloz, 1971, p. 50-59. 18 [Nota do original] Brevets d'Invention, Marques et Modèles, ns. 170 e segs.; Le Droit Intellectuel, vol. L O, ns. 261 a 286. 19 Teoria de La Concurrencia y de los Bienes Inmateriales, Bosch, Barcelona, 1970, p. 503. 20 Embora disso discordem Chavanne e Burst, Droit de la Proprieté Industrielles, 4ª. Ed. Dalloz, 1993. p.86 e Joana Schmidt-Slaweski, Droit de la Proprieté Industrielle, Dalloz, 1991, p. 12. Para os autores, a distinção se fazia à luz da legislação anterior a 1968, passando desde então a raciocinar-se em termos de falta de atividade inventiva. 21 É um exemplo clássico da jurisprudência francesa, num julgado do Tribunal de Paris de 20 de novembro de 1850. 22 Um novo uso não será, porém, uma forma melhor de um velho uso – cumulando um “invento” de uso e de seleção. Veja-se a decisão do caso Bristol-Myers Squibb (BMS) v. Baker Norton Pharmaceuticals and NaPro Biotherapeutics (UK Court of Appeal Decision, 23 May 2000), em que o tribunal inglês entendeu que a simples fixação de uma melhor dosagem não seria patenteável, pois tratar-se-ía realmente de um método de tratamento. Há, porém, decisões na EPO que contrariam esse entendimento. 8 A doutrina, jurisprudência e prática de exame estrangeira detalham essa diferença. Na construção francesa mais recente, para que haja aplicação nova, e não só emprego novo, tem-se que a) ou o resultado seja distinto da aplicação original, em natureza ou qualidade ou então b) que tenha havido uma adequação criativa ao novo ambiente 23. A jurisprudência administrativa da EPO, interpretando o art. 54 da respectiva Convenção, distingue também o novo uso de uma coisa velha para um novo propósito (i.e., para resolução de um problema técnico distinto) – o que é patenteável – do uso antigo de uma coisa velha para um novo propósito – o que não vale patente. Em qualquer caso, o importante é que se revele uma característica técnica funcional ainda não constante no estado da técnica. No dizer do comentador, “a combinação de um uso novo envolvendo um propósito novo, e uma característica técnica funcional antes não conhecida, justifica a patenteabilidade se houver atividade inventiva 24. A atividade inventiva como requisito O outro aspecto enfatizado é realmente da exigência – talvez um tanto agravada – da nãoobviedade do novo uso – a existência de atividade inventiva. O Guia de Exame do Escritório de Patentes dos Estados Unidos precisa que a simples descoberta de um novo uso, nova função ou propriedade nova de um elemento já conhecido não resulta necessariamente em privilégio 25 mas o uso novo e dotado de atividade inventiva de um elemento conhecido poderá ser patenteado 26. O Guia de Exame 23 Droit et Pratique des Brevets d’Invention, Delmas, . C8 ; « Pour qu'il y ait application nouvelle et non pas simple emploi nouveau, il faut: 1 ° Que le moyen utilisé procure, soit un résultat technique différent de celui qu'il avait procuré jusque-là, soit, tout au moins, des avantages industriels qu'il ne produisait pas dans ses utilisations précédentes. Ainsi, le fait de substituer dans une machine un moteur électrique à un moteur à essence, même si jamais un moteur électrique n'avait été employé à cet usage, n'est pas brevetable, car le résultat technique (entraînement de la machine) est le même, et les avantages de cette substitution (moindre coût, fonctionnement silencieux) ne sont pas différents de ceux que le moteur électrique procurerait dans sen utilisations du domaine public. (...) 2o. Que le moyen ne soit pas utilisé tel quel, mais que l'inventeur, par un effort véritablement créateur, ait introduit des modifications, une certaine adaptation du moyen à sa nouvelle destination. La Cour d'appel de Paris a rejeté la brevetabilité d'un système de train atterrisseur d'avion parce que l'inventeur n'a fait que transporter dans cette branche d'industrie la même combinaison déjà connue et employée dans d'autres industries, notamment celle des amortisseurs de portes et surtout celle très voisine des amortisseurs de fourches de cycles, pour y produire un effet technique identique et sans que son brevet indique qu'il y ait apporté une modification quelconque (...) 24 Singer, p. 171. 25 Something Which Is Old Does Not Become Patentable Upon The Discovery Of A New Property. The claiming of a new use, new function or unknown property which is inherently present in the prior art does not necessarily make the claim patentable. In re Best, 562 F.2d 1252, 1254, 195 USPQ 430, 433 (CCPA 1977). 26 Process Of Use Claims - New And Unobvious Uses Of Old Structures And Compositions May Be Patentable The discovery of a new use for an old structure based on unknown properties of the structure might be patentable to the discoverer as a process of using. In re Hack, 245 F.2d 246, 248, 114 USPQ 161, 163 (CCPA 1957). However, when the claim recites using an old composition or structure and the "use" is directed to a result or property of that composition or structure, then the claim is anticipated. In re May, 574 F.2d 1082, 1090, 197 USPQ 601, 607 (CCPA 1978) (Claims 1 and 6, directed to a method of effecting nonaddictive analgesia (pain reduction) in animals, were found to be anticipated by the applied prior art which disclosed the same compounds for effecting analgesia but which was silent as to addiction. The court upheld the rejection and stated that the applicants had merely found a new property of the compound and such a discovery did not constitute a new use. The court went on to reverse the rejection of claims 2-5 and 7-10 which recited a process of using a new compound. The court relied on evidence showing that the nonaddictive property of the new compound was unexpected.). See also In re Tomlinson, 363 F.2d 928, 150 USPQ 623 (CCPA 1966) (The claim was directed to a process of inhibiting light degradation of polypropylene by mixing it with one of a genus of compounds, including 9 da EPO minudencia a questão do ponto de vista da atividade inventiva 27. A questão do “uso” numa patente de uso O “uso” numa reivindicação respectiva se confunde com a utilidade ou aplicabilidade industrial; não se reduz ao fato empírico de se utilizar o objeto da patente. Um novo “uso” (empírico) de um objeto de patente pode ser simplesmente um emprego novo, como pode ser uma aplicação sem nenhuma relevância jurídica, como ocorre quem põe um artefato patenteado para efetuar circuncisão como calço de porta. É um requisito jurídico, a ser preenchido, imposto por lei como forma de satisfazer o requisito constitucional de que, para as patentes, se exige uma aplicação técnica 28. A noção de utilidade ou aplicabilidade industrial tem pelo menos duas accepções. Embora em ambas se exija a existência de um efeito real no mundo prático, certos países se contentam em que essa aplicação seja potencial. Não se exige, em tais sistemas jurídicos, que se demonstre a efetividade de tal utilização, bastando que ela não seja impossível nickel dithiocarbamate. A reference taught mixing polypropylene with nickel dithiocarbamate to lower heat degradation. The court held that the claims read on the obvious process of mixing polypropylene with the nickel dithiocarbamate and that the preamble of the claim was merely directed to the result of mixing the two materials. "While the references do not show a specific recognition of that result, its discovery by appellants is tantamount only to finding a property in the old composition." 363 F.2d at 934, 150 USPQ at 628 (emphasis in original).). 27 1. Application of known measures? 1.1 Inventions involving the application of known measures in an obvious way and in respect of which an inventive step is therefore to be ruled out: (i) the teaching of a prior document is incomplete and at least one of the possible ways of "filling the gap" which would naturally or readily occur to the skilled person results in the invention; Example: The invention relates to a building structure made from aluminium. A prior document discloses the same structure and says that it is of light-weight material but fails to mention the use of aluminium. (ii) the invention differs from the known art merely in the use of well-known equivalents (mechanical, electrical or chemical); Example: The invention relates to a pump which differs from a known pump solely in that its motive power is provided by a hydraulic motor instead of an electric motor. (iii) the invention consists merely in a new use of a well-known material employing the known properties of that material; Example: Washing composition containing as detergent a known compound having the known property of lowering the surface tension of water, this property being known to be an essential one for detergents. (iv) the invention consists in the substitution in a known device of a recently developed material whose properties make it plainly suitable for that use ("analogous substitution"); Example: An electric cable comprises a polyethylene sheath bonded to a metallic shield by an adhesive. The invention lies in the use of a particular newly developed adhesive known to be suitable for polymer-metal bonding. (v) the invention consists merely in the use of a known technique in a closely analogous situation ("analogous use"). Example: The invention resides in the application of a pulse control technique to the electric motor driving the auxiliary mechanisms of an industrial truck, such as a fork-lift truck, the use of this technique to control the electric propulsion motor of the truck being already known. 1.2 Inventions involving the application of known measures in a non-obvious way and in respect of which an inventive step is therefore to be recognised: (i) a known working method or means when used for a different purpose involves a new, surprising effect; Example: It is known that high-frequency power can be used in inductive butt welding. It should therefore be obvious that highfrequency power could also be used in conductive butt welding with similar effect. However, if high-frequency power were | used for the continuous conductive butt welding of coiled strip but without removing scale (such scale removal normally being necessary during conductive welding in order | to avoid arcing between the welding contact and the strip), there is the unexpected | additional effect that scale removal is found to be unnecessary because at high frequency the current is supplied in a predominantly capacitive manner via the scale which forms a dielectric. In that case, an inventive step would exist. (ii) a new use of a known device or material involves overcoming technical difficulties not resolvable by routine techniques. Example: The invention relates to a device for supporting and controlling the rise and fall of gas holders, enabling the previously employed external guiding framework to be dispensed with. A similar device was known for supporting floating docks or pontoons but practical difficulties not encountered in the known applications needed to be overcome in applying the device to a gas holder. 28 A Carta de 1988 não exige a utilidade industrial como requisito da proteção da propriedade intelectual; essa exigência é específica da patente. A Constituição prevê a possibilidade de outras formas de proteção das criações intelectuais, por exemplo, idéias de negócios, mas através de outro sistema que não a das patentes; vide o nosso Uma Introdução à Propriedade Intelectual, quanto à noção de “criações industriais”, distintas da patente, para as quais pode-se prever uma simples aplicação prática, que não seja “técnica”. 10 (como ocorre, por exemplo, com os chamados inventos de moto contínuo, que ofendem à segunda lei da termodinâmica) 29. No sistema brasileiro, o entendimento do que seja aplicação industrial segue o critério mais genérico. Segundo as Diretrizes de Exame do INPI, “A invenção deve pertencer ao domínio das realizações, ou seja, deve se reportar a uma concepção operável na indústria, e não a um princípio abstrato” 30. No entendimento da autarquia, aplicabilidade industrial se identificaria com o conceito europeu de aplicação técnica (atividade física de caráter técnico) e não simplesmente aplicação prática. O parâmetro da utilidade industrial não implica, no Direito e na prática brasileira, na efetiva implementação prática do invento, mas apenas na viabilidade técnica (operabilidade) da solução. Um requisito diverso de aplicação industrial nas reivindicações de uso? Mas existem indicações na jurisprudência comparada de que a reivindicação de uso presume um grau qualitativamente mais elevado de materialidade. Tal ocorreria pelo fato de o novo uso representar algo assim como um ônus suplementar em face do interesse público de se ter tecnologia em domínio público. O equilíbrio constitucional de interesses levaria a esse nível mais alto de exigência. Assim apontou o julgado da Suprema Corte do Canadá no caso Apotex Inc. v. Wellcome Foundation Ltd, [2002] 4 S.C.R., decidido em 5/12/2002: “A utilidade é parte essencial da definição legal de uma "invenção". O inventor deve poder estabelecer a utilidade já na data em que requereu a patente, com base em demonstração ou num sólido prognóstico baseado na informação e perícia disponíveis à época. Quando a objeto material da patente for um novo uso para um composto químico antigo, não é suficiente que a invenção esteja resumida a uma formatação prática e limitada por meio da formulação de uma descrição escrita ou oral. Tampouco é suficiente para que um titular da patente possa suportar a especulação com a prova da pós-patente. Se uma patente que pretende se manter na base do sólido prognóstico sofre oposição, a oposição terá êxito se o prognóstico na data do pedido não for correto, ou, independente da solidez do prognóstico, houver prova da falta da utilidade referente a alguma das áreas abrangidas (...) Onde o novo uso for o gravame da invenção, a utilidade requerida para a patenteabilidade (s. 2) deve ser, a partir da data da prioridade, ou demonstrada ou possuir um sólido prognóstico baseado na informação e na perícia então disponíveis”. 31 29 www.aippi.org/reports/q180/q180_summary_e.pdf 30 Diretrizes de exame do INPI. 1.5.3 Não suscetível de aplicação industrial. O conceito de aplicação industrial deve ser analisado com a devida flexibilidade quanto a seu significado, sendo aplicável também às indústrias agrícolas e extrativas e a todos os produtos manufaturados ou naturais. O termo indústria deve ser compreendido, assim, como incluindo qualquer atividade física de caráter técnico, isto é, uma atividade que pertença ao campo prático e útil, distinto do campo artístico. A invenção deve pertencer ao domínio das realizações, ou seja, deve se reportar a uma concepção operável na indústria, e não a um princípio abstrato. Caso o examinador opine pela inexistência de aplicação industrial, emitirá parecer desfavorável. 31 “Utility is an essential part of the statutory definition of an "invention". The inventor must be in a position to establish utility as of the date the patent is applied for, on the basis of either demonstration or sound prediction based on the information and expertise then available. Where the subject matter of the patent is a new use for an old chemical compound, it is not enough that the invention is reduced to a definite and practical shape by the formulation of a written or oral description. Nor is it enough for a patent owner to be able to buttress speculation with post-patent proof. If a patent sought to be supported on the basis of sound prediction is subsequently challenged, the challenge will succeed if the prediction at the date of application was not sound, or, irrespective of the soundness of the prediction, there is evidence of lack of utility in respect of some of the area covered. (...) Where the new use is the gravamen of the invention, the utility required for pa- 11 A tese aqui é que num caso de novo uso, o depositante do pedido tem o dever de assegurarse que há uma suposição razoável de utilidade, que iria além da simples elaboração de um relatório e reivindicações. Não se poderia solicitar patente se, ao momento do depósito, não houvesse conhecimentos sólidos, ainda que não completos e inexpugnáveis, sob pena de invalidade do título por falta de utilidade 32. A existência de patente de uso no Direito Brasileiro Note-se que, à leitura estrita do que reza o art. 42 do CPI/96, há respeitáveis opiniões no sentido de que tal patente não seria possível no Direito Brasileiro vigente. Em tal dispositivo, há referência apenas a patentes (na verdade, reivindicações) de processo ou de produto 33. Mas o mesmo ocorria há muito na legislação 34, sem que se contestasse a possibilidade de tal tipo de reivindicação. Há razões mais poderosas para afirmar a existência de patentes de uso em nosso sistema legal. No Direito Brasileiro, a proteção de patentes pela lei ordinária é prefigurada pela Constituição; cabe a à lei realizar o mandato constitucional, na complexidade dos vários interesses em jogo, que nem de longe se reduzem ao texto do art. 5º., XXIX. Mas deste dispositivo decorre um elemento normativo básico, que é “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização”. Assim, salvo a realização de outros interesses gerais, protegidos constitucionalmente (como a vida, saúde, etc), que podem ser objeto de exceções genéricas ao patenteamento, todos os inventos - com os atributos fixados pela Constituição - serão suscetíveis de proteção 35. Em outras palavras, todas as invenções novas, suscetíveis de utilidade industrial e – conforme a modalidade – dotadas de atividade inventiva, serão dignas de patentes. A recusa de patenteamento exige menção legal específica, e mesmo assim sob crítica de constitucionalidade. Neste sentido, pode-se afirmar a existência em nosso Direito de uma reivindicação de uso, como corporificação do direito constitucional, atribuído ao inventor, de conseguir patente tentability (s. 2) must, as of the priority date, either be demonstrated or be a sound prediction based on the information and expertise then available”. 32 O Canadá é um dos raros países (com os Estados Unidos e a Austrália) em que se aplica um critério de utilidade e não de aplicabilidade industrial, o que talvez explique a decisão. 33 Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. 34 A lei brasileira de 1882 era deliciosamente clara quanto a esses tipos de patentes: Lei n. 3.129, de 14 de outubro de 1882. Art. 1º - A lei garante pela concessão de uma patente ao autor de qualquer invenção ou descoberta a sua propriedade e uso exclusivo. § 1º - Constituem invenção ou descoberta para os efeitos desta lei:1º - a invenção de novos produtos industriais;2º - a invenção de novos meios ou a aplicação nova de meios conhecidos para se obter um produto ou resultado industrial; 3º - o melhoramento de invenção já privilegiada, se tornar mais fácil o fabrico do produto ou uso do invento privilegiado, ou se lhe aumentar a utilidade. O Regulamento a que se referia o Decreto N. 16.264 de 19 Dezembro de 1923 assim rezava: Art. 33. Constitue invenção ou descoberta suscetivel de utilidade industrial:1.º, a invenção de novo produto industrial; 2.º, a invenção de novo meio ou processo ou aplicação nova de meios ou processos conhecidos para se obter um produto ou resultado prático industrial; Desde então, as leis subsequentes se calaram quanto a “aplicação nova de meios conhecidos”, sem que jamais se suscitasse na doutrina a inexistência desse tipo de reivindicação. 35 Repetindo aqui, par ficar absolutamente claro, que a pressuposição constitucional em favor da concessão de uma patente não diminui em nada o dever do balanceamento de outros interesses protegidos pela Carta (levando em consideração valores como a saúde, a proteção do mercado como prevê o art. 219 da Carta, etc.), que pode levar à negativa genérica e impessoal, com estrita reserva legal, de categorias de privilégios. 12 para um invento industrial novo e dotado de atividade inventiva 36. Voltaremos a esse ponto mais adiante, ao discorrermos sobre a natureza vinculada do procedimento de concessão de patentes. Queremos crer, aliás, que qualquer patente de uso será da nova aplicação de um produto, ou de um processo, atendendo-se à literalidade da lei. A distinção de “uso” e “processo” A doutrina americana, no entanto, em um entendimento muito específico do seu sistema de direito, classifica todo novo uso como uma invenção de processo 37, do que certamente temos que dissentir, inclusive em face das vantagens processuais de que tais patentes são objeto no direito brasileiro 38. A Convenção do Escritório Europeu de Patentes, em seus arts. 54.5 e 52.4 39, proíbe patentes de métodos de diagnóstico e tratamento, mas exclui dessa vedação especificamente os produtos e composições envolvidos em tais métodos; e entende poder haver novidade num produto (substância ou composição) já compreendido no estado da arte, para aplicação exatamente num método de diagnóstico e tratamento 40. Assim, resolve a questão da natureza do uso, quando se trata de um produto – insumo num método, distinto do método em si mesmo por disposição legal 41. No tocante à proteção de outras invenções de uso, fora do âmbito farmacêutico, terapêutico e de diagnóstico, a jurisprudência administrativa da EPO distingue também método ou processo, de um lado e uso, de outro 42. O manual de exame da entidade prevê, inclusive, as 36 Pontes de Miranda, nos seu Comentários à Constituição de 1967, enuncia a sede constitucional desse direito à patente de uso: “Inventor, no sentido da legislação sobre propriedade industrial, que é o mesmo do art. 153, § 24, da Constituição de 1967, é a pessoa que cria objeto, e. g., aparelho, ou processo, de que provenha produto novo, meio novo, ou nova aplicação”. 37 35 U.S.C. 100(b) "The term 'process' means process, art, or method, and includes a new use of a known process, machine, manufacture, composition of matter, or material.". CHISUM, Donald S. & JACOBS, Michael A.. Understanding Intellectual Property Law. Legal Text Series.: Ed. Matthew Bender, United States, 1992, pg. 2-22. “A process includes "a new use of a known process machine, manufacture, composition of matter, or material Invention who discover a new use of a known material, for example, an existing chemical compound's compound previously unknown therapeutic quality, cannot claim the old product because only new inventions are patentable, but patent law encourages the search for new use of existing materials by authorizing method-of-use claims. 38 Art. 42 (...) Haverá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente. 39 A disposição foi transposta da lei francesa cf. Singer, p. 167. Com a revisão da Convenção da EPO de 2000, a questão dos métodos de tratamento e diagnóstico deixa o art. 52(4), para passar a constar no Art. 53(3) como sendo um caso de imprivilegiabilidade: “Article 53 Exceptions to patentability - European patents shall not be granted in respect of: (c) methods for treatment of the human or animal body by surgery or therapy and diagnostic methods practised on the human or animal body; this provision shall not apply to products, in particular substances or compositions, for use in any of these methods”. E também foi alterado o art. 54, no pertinente: “(4) Paragraphs 2 and 3 shall not exclude the patentability of any substance or composition, comprised in the state of the art, for use in a method referred to in Article 53(c), provided that its use for any such method is not comprised in the state of the art.(5) Paragraphs 2 and 3 shall also not exclude the patentability of any substance or composition referred to in paragraph 4 for any specific use in any method referred to in Article 53(c), provided that such use is not comprised in the state of the art”. 40 Quanto ao segundo uso farmacêutico, vejamos abaixo. 41 É também o que conclui Cabanellas de las Cuevas, vide abaixo. 42 Singer, 365. A EPO distingue como categorias diversas de reivindicações a do produto, a de processo, a de aparelho e 13 hipóteses em que se pode transformar uma reivindicação de processo em uma reivindicação de uso 43. Assim, a assimilação de uso a processo é uma peculiaridade do Direito Americano. Certo é que se pode reunir métodos ou processo e uso sob a mesma classificação de inventos de atividade e não de coisa; mas distinguem-se claramente o processo de fabricação de um produto, como conjunto de passos técnicos levando à constituição da substância ou composto, e a aplicação de tal produto (ou processo) já constituído num propósito prático. A invenção de uso presume a prévia existência de uma solução de um problema técnico através de certos meios; e a posterior utilização dos mesmos meios para solver problema diverso. Ora, a solução do problema anterior presumia também o uso dos meios em questão para a solução do problema; neste sentido, toda patente é também uma patente de uso. Considerar um novo uso de um elemento anterior como uma “atividade” é uma operação lógica que resulta do fato de se ter que por entre parênteses o uso prévio. Mas o uso, como predicado necessário de qualquer invento, de qualquer tipo, não faz de todas patentes, patentes de processo. Não o fará numa patente que é ...só... de uso. Da conveniência de prever patentes de uso Outra coisa completamente diversa é considerar se é boa política industrial prever patentes de uso. Há sérias objeções a essa iniciativa: “advertimos no Capítulo 2 que os países em desenvolvimento não devem simplesmente extrair da jurisprudência européia, que é comparativamente recente, a noção contra-intuitiva de que um produto pode ser considerado novo se for identificado um novo uso do mesmo. O Trips não exige tal abordagem e é concebível a adoção de uma variedade de opiniões sobre a conveniência da concessão de proteção dessa forma, o que os países em desenvolvimento devem examinar com o devido cuidado 44. A questão, aliás, se reduz à conveniência de as leis nacionais concederem patentes a todos tipos de inventos, ou selecionar as modalidades que mais seriam pertinentes à sua política industrial 45. Neste sentido, a Decisão 486 da Comunidade Andina especificamente recusa a patente de segundo uso, em qualquer área 46; em decisão judicial recente, a Comunidade rejeitou a tese de uso. Regra 29. (2) Without prejudice to Article 82, a European patent application may contain more than one independent claim in the same category (product, process, apparatus or use) only if the subject-matter of the application involves one of the following: (a) a plurality of inter-related products; (b) different uses of a product or apparatus; (…) 43 "method" to "use" | The change from a process for the preparation of a product to the use of the product for a purpose other than previously described is also not allowable (T 98/85 and T 194/85, both not published in OJ). On the other hand, the change in a claim from a method in which a certain product is used to a claim to the use of that product in performing that same method is allowable (see T 332/94, not published in OJ). Vide Singer. 44 Relatório da Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual, Londres, Setembro de 2002, Publicado pela Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual. http://www.iprcommission.org/ 45 Idem, eadem. “A grande maioria das patentes concedida não se refere a compostos terapêuticos, mas a variações nos processos de produção, novas fórmulas ou formas cristalinas, novas combinações de produtos conhecidos e novos usos de fármacos conhecidos. No período de 1989 a 2000, 153 das 1.035 aprovações de novos fármacos concedidas pela FDA referiram-se, segundo consta, a medicamentos que continham ingredientes ativos novos e proporcionavam melhoria clínica significativa. Outros 472 foram classificados como moderadamente inovadores” 46 DECISION 486, Régimen Común sobre Propiedad Industrial. Artículo 21.- Los productos o procedimientos ya paten- 14 de que esse dispositivo violaria o Acordo TRIPs 47. Essa mesma posição tem sido, a meu ver com razão, sustentada junto à OMC 48 e afirmada por Carlos Correa 49. O aspecto talvez mais daninho da patente de uso é a possibilidade que ela assegura a seu titular, de diferir a revelação do conhecimento tecnológico já conhecido mas não revelado. Na medida em que a evolução autônoma dos competidores o permitam, disso poderia resultar, na prática, uma vigência mais prolongada da proteção, ainda que a aspectos diversos do mesmo objeto. É o chamado efeito evergreen 50. De outro lado, alguns afirmam que os inventos de novo uso seriam mera inovação 51. Entendo que a nova aplicação não representa necessariamente uma mera inovação, pois que para evitar essa pecha, bastaria utilizar-se os critérios de novidade e atividade inventiva em seus parâmetros normais, e, com razão ainda maior, nas modalidades mais minuciosas que a prática de outros países parece reservar para esse tipo de reivindicação. De outro lado, há relevantes questões éticas e de política de propriedade industrial que favorecem, e não se opõem, às patentes de uso. A primeira delas é que a inexistência de tais reivindicações poderia reforçar o poder dos titulares das patentes de produtos, tornando-os imunes às invenções de terceiros, que discernissem um novo uso 52, do que resultaria maior possibilidade de preço monopolista. tados, comprendidos en el estado de la técnica, de conformidad con el artículo 16 de la presente Decisión, no serán objeto de nueva patente, por el simple hecho de atribuirse un uso distinto al originalmente comprendido por la patente inicial. 47 RESOLUCION 476, Por la cual se resuelven los Recursos de Reconsideración presentados por el Gobierno de Ecuador y la compañía PFIZER contra la Resolución 423 que dictaminó el incumplimiento por parte del señalado Gobierno en lo dispuesto en el artículo 16 de la Decisión 344: “Además de lo expuesto anteriormente, queda claro que el ADPIC en ninguno de sus artículos obliga a los miembros de la Organización Mundial del Comercio a patentar los segundos usos. En efecto, no hay ninguna mención a los segundos usos en este tratado internacional. (…) En conclusión: Tal como se ha mencionado en el procedimiento administrativo de incumplimiento, en la Comunidad Andina no se permite el patentamiento de segundos usos en virtud de lo previsto por el artículo 16 de la Decisión 344. Siendo ello así, no se verifica algún grado de disminución de la compatibilidad de la normativa comunitaria andina frente a la multilateral, toda vez que en ningún momento -repetimos-, estuvo permitido el patentamiento de segundos usos.” 48 “40. The TRIPS Agreement requires Members to grant this protection only in respect of new chemical entities. There is no need to provide it for a new dosage form or for new use of a known product.” TRIPS: COUNCIL DISCUSSION ON ACCESS TO MEDICINES. Developing country group’s paper. Paper submitted by a group of developing countries to the TRIPS Council, for the special discussion on intellectual property and access to medicines, 20 June 2001. Doc. IP/C/W/296, encontrado em http://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/paper_develop_w296_e.htm 49 Carlos Correa, Integrating Public Health Concerns into Patent Legislation in Developing Countries, p. 23. 50 ‘Evergreening’ A related concern is that these processes might encourage ‘evergreening’ as a tactic to delay generic entry.Evergreening involves filing ‘new use’ patents toward the end of the patent. When this happens, the patent on the old use expires as usual, but the patent for the new use arises and continues until its own expiry. This creates a complex situation in which generics may be sold for some uses of a drug but not for others”. Parlamento Australiano RESEARCH NOTE, no. 2004–05, No. 3, 21 July 2004, encontrada em http://www.aph.gov.au/library/pubs/RN/2004-05/05rn03.pdf. visitada em 16/9/2004. Seria essa a posição das Diretrizes do INPI ao afirmarem que reivindicações de uso de um produto “não são concedidas pelo fato de seu objeto não apresentar novidade, pois, conforme definido em (i) acima, trata-se de um produto conhecido, que, obviamente, não é novo no sentido do Art. 11”. Novidade, porém, não é algo que se resolva por imposiÇão; ela existe ou não pela aplicação singela da regra de apuração do estado da arte. 51 52 “This proposed elimination of medical "new use" claims is startling, because the strong ethical objections raised against medical product patents are often tempered by the existence of other patents containing "new use" claims. In the context of a "new use" patent "blocked" by an earlier product patent, neither patent owner may lawfully practice the invention without a license from the other. In such a situation, both patentees must compromise to bring the product to market and, often, artificially elevated prices cannot be maintained because both patentees ultimately enter the market. Where no "new use" claims may be granted, the original patentee may forbid any use of the product and may extract 15 Certamente me afiliaria entre aqueles que questionariam a conveniência e oportunidade de se adotar, no direito brasileiro, as patentes de uso. Este estudo, porém, discorre sobre o direito que temos, e não sobre o que merecemos. A questão do alcance prático das reivindicações de uso A patente concedida apenas compreenderá a exclusividade do elemento novo, sem impedir o livre uso da aplicação anteriormente conhecida. Temos ai uma das mais relevantes questões quanto à patente de uso 53. A dificuldade maior de tais reivindicações, levadas à implementação num caso prático, é que o uso empírico do objeto patenteado se faz fora do contexto industrial. Num exemplo crucial, quem vai usar um medicamento, com um uso patenteado, e outro não, é o médico. Diz Cabanellas de las Cuevas: “…en estos casos no es patentable el producto de cuya nueva utilización se trata -pues tal producto carece de novedad-, no puede impedirse la fabricación y venta de tal producto. Entrando tal producto en el libre flujo del comercio, y patentada cierta función terapéutica del mismo, se hace prácticamente muy difícil impedir ese uso terapéutico 54. Podría sostenerse que el uso puede impedirse efectivamente a nivel de los fabricantes del producto que lo comercializan de forma de que tome las funciones terapéuticas patentadas. Pero para impedir tal uso será preciso demostrar que la presentación del producto está destinada a la función terapéutica patentada, y en tal caso ello implicará normalmente la existencia de alguna combinación, mezcla o compuesto con efectos específicos propios y susceptible de ser patentada separadamente, sin recurrir al incierto camino del patentamiento de nuevas utilizaciones. A questão, assim desse tipo de patente toca em uma série de aspectos singulares. O primeiro deles é a possibilidade jurídica de se formular uma reivindicação desse tipo, que resultaria numa patente claramente voltada para o uso, e não para o produto ou processo anterior, de forma que o público e os competidores não fossem confundidos pelo novo título. Os autores notam que, por exemplo, o sistema inglês era, até 1978, muito formal no sistema de reivindicações, por oposição ao sistema alemão, que enfatizava o relatório 55. monopoly prices for whatever new medical uses it, or others, develops. This perverse situation creates strong disincentives for the development (and disclosure) of new medical uses of a patented product by anyone other than the original patentee, since all financial benefits derived from the new use would return to the original patentee instead of being shared by both inventors”, Joseph M. Reisman, Physicians And Surgeons As Inventors: Reconciling Medical Process Patents And Medical Ethics, Berkeley Technology Law Jornal, Issue 10:2 (Fall 1995) 53 É óbvia a dificuldade de implementar esse tipo de reivindicação em aplicações ao mesmo tempo razoáveis e práticas. “Note that such claims are infringed by practicing the claimed process, not by selling the composition, assuming the used composition or apparatus has other (old) uses. Enforcing such claims is difficult because it is the end customers who are likely to be the direct infringers. Suing each of them is impractical, and who wants to sue a potential customer anyway?” WEB PATENT NEWS--July, 2001 by Robert M. Hunter, encontrada em http://www.webpatent.com/news/news7_01.htm#II, visitada em 13/9/204. 54 [Nota do original] Esta dificultad es apuntada por Correa (Acuerdo TRIPs, cit., p. 133), en relación con las patentes de métodos terapéuticos. 55 O acórdão das Câmaras Reunidas de Recurso da EPO no caso G 0006/88 - EBA detalha também essa atitude: “Prior to the entry into force of the EPC in 1978, the role of patent claims in determining the protection conferred by a patent had developed differently within the national patent systems of the countries that are now Contracting States. Such different developments reflected somewhat different national philosophies underlying the concept of patent protection. In particular, the extent to which the wording of the claims determined the scope of protection varied considerably from country to country, and this factor significantly affected drafting practice. In some countries, in particular Germany, in practice the protection conferred by a patent depended more upon what was perceived to be the inventor's contribution to the art, as disclosed in the patent, by way of the general inventive concept, than upon the wording of the claims. In other countries, in particular the United Kingdom, the precise wording of the claims was regarded as crucial, because the claims were 16 O interesse público claramente exige, nestes casos, que se faça claro que a nova patente não continua a antiga. Como já disse, não vejo impedimento, no sistema jurídico brasileiro, para que se façam tais reivindicações, respeitando-se os limites do interesse público. Vide o que mencionamos quanto ao problema descrito na doutrina como evergreening. A segunda questão é a da eficácia dessa patente, em face de competidores que possam deter o privilégio anterior, ou que usufruem a tecnologia já em domínio público. Há que se construir um espaço específico na esfera de produção ou comercialização, capaz de ser objeto de exclusividade 56. A terceira questão é a da conciliação entre a reivindicação de uso, aplicada na prática, e os interesses da sociedade. A lei brasileira, como muitas outras, sanciona penalmente a falsa alegação de patente – alguém que se arroga privilégio sem o ter, ou tendo-o aquém do que diz ter 57. De outro lado, há sanção igualmente para o abuso de patente, e por abuso de poder econômico relacionado com a exclusividade legal da patente 58. O gravame suplementar que representa a patente de uso 59 merece assim atenção especial dos reguladores (inclusive do CADE) e dos titulares de legitimidade para exercer direitos difusos, para resguardar a sociedade de abusos na implementação desses direitos de exclusiva específicos. Mas não se admite que, sem base em lei, recusem-se reivindicações de uso pelas dificuldades de implementá-las no procedimento judicial pertinente. Conclusão quanto às reivindicações de uso Aceitas no Direito Brasileiro há pelo menos 120 anos, as reivindicações de uso não foram recusadas pela legislação vigente. Embora submetidas a certos requisitos especiais quanto à novidade, atividade inventiva e, talvez, utilidade industrial, resultantes de sua natureza específica, são plenamente manejáveis no direito pátrio. Não obstante tais conclusões, as reivindicações de uso merecem atenção especial do Direito, para assegurar que através delas se implemente o equilíbrio de interesses exigido pela Constituição, sem transformá-las em instrumento de extensão imerecida do privilégio, ou frustração dos interesses sociais no livre uso dos conhecimentos técnicos. required to define the boundary between what was protected and what was not, for purposes of legal certainty”. 56 A questão da dificuldade de discernir qual o alcance das reivindicações num caso de violação tem sido discutido extensamente pelos tribunais, em especial no voto do juiz Jacob no caso inglês Bristol-Myers Squibb Co v Baker Norton Pharmaceuticals Inc [1999] RPC 253. A decisão do tribunal neozelandês no caso Pharmaceutical Management Agency v The Commissioner of Patents and Others (CA56/99), porém, enfrentou a questão de maneira ponderada: “The difficulties identified by Jacob J (difficulties in locating novelty and in enforcement) were considered. However, it was noted that similar difficulties with novelty arise in claims already well recognized as valid in patent law, specifically selection inventions. In some situations infringement is dependent on the state of mind and purpose of the alleged infringer, for example exclusion from infringement for those practising bona fide research. The Court also noted that in the field of medicines with close regulation, proof of intention may not be too difficult .(Comentário de Tom Syddall em www.legalmediagroup.com/mip/includes/print.asp?SID=367) 57 Lei 9.279/96, art. 195. Note-se que até a legislação americana, que não considera violação de patente como crime, fixa como tipo penal a falsa alegação de patente. 58 Por exemplo, com a licença compulsória prevista no art. 68 da Lei 9.279/86. 59 A expressão é da Suprema Corte do Canadá no caso indicado acima; mas a Suprema Corte Americana, em Sears, Roebuck & Co. v. Stiffel Co., 376 U.S. 225, 229-30 (1964): usa termo similar para descrever a patente: “the heavy hand of tribute”. 17 Do segundo uso farmacêutico Superada a questão da legalidade e dos requisitos da patente de uso no Direito Brasileiro, vamos nos concentrar na especificidade do segundo uso farmacêutico. O tema é de uso farmacêutico; o segundo uso, na verdade, é o novo uso de uma substância ou composto de que já se sabe o valor farmacêutico, e pode ser um terceiro, quarto, ou mais usos nesse setor. Já não teríamos o mesmo problema se o primeiro uso (na verdade, a reivindicação inicial do mesmo meio – substância ou composto) fosse não-farmacêutico 60. Por que se teria uma situação especial neste caso? Os autores citam razões históricas e práticas, sendo a mais relevante dessas a dificuldade de estabelecer a novidade do novo uso – problema que não parece, no entanto, ser distinto daquele que ocorre com todos as reivindicações de uso 61. Um problema tipicamente francês Poder-se-ía entender que o problema, neste instante, é tipicamente francês. Na verdade, a rejeição a esse segundo uso não tinha, senão na lei francesa 62, suporte legal explícito, e mesmo em tal regime legal, autores o classificam como “uma cicatriz” do sistema anterior à Lei de 1968 63, que vedava a patente farmacêutica em si mesma 64. No resto do Europa, a 60 Pollaud-Dulian, Frédéric. Droit de la Propropriété Industrielle. Ed. Montchrestien, Paris, 1999, pgs.108 a 112. «En principe, com-me on vient de le voir, la nouvelle application d'un moyen connu est brevetable. Toutefois, traditionnellement, cette règle subit, en France comme dans la CBE, une exception controversée dans le domaine des médicaments. En effet, il est fréquent qu'une molécule connue pour le traitement d'une maladie donnée se révèle, ultérieurement, utile contre une autre maladie. Il suffit de songer à l'aspirine, dont on découvre régulièrement d'autres applications thérapeutiques que celle, traditionnelle, d'antalgique». 61 Pollaud-Dulian , op. Cit.« Le fondement et l'opportunité de cette exception à la brevetabilité de l'application nouvelle font l'objet de discussions. Ses partisans soutiennent qu'une deuxième application thérapeutique ne peut pas être nouvelle, car l'administration de médicament au premier titre a nécessairement dû aussi produire des effets thérapeutiques au second titre , M. Mathély y voit une autre raison, liée au secret de la prescription médicale: on ne peut pas savoir à quel titre le médecin prescrit le médicament, c'est-à-dire en vue de laquelle des deux applications distinctes. On a aussi avancé l'idée que la deuxième application thérapeutique serait davantage une méthode de traitement (non brevetable) qu'une application industrielle . Peut-être y a t-il aussi là un reste de l'hostilité antérieure au principe même du brevet de médicament. En réalité, cette prohibition ne se justifie que difficilement et « de lege ferenda », on pourrait envisager d'y mettre fin. 62 No momento, o artigo L. 611-11 do Código francês da Propriedade Intelectual: « les dispositions des alinéas précédents n'excluent pas la brevetabilité, pour la mise en oeuvre d'une des méthodes visées à l'article L 611-16, d'une substance ou composition exposée dans l'état de la technique, à condition que son utilisation pour toute méthode visée audit article ne soit pas contenue dans l'état de la technique ». 63 A lei de 1968, no artigo 10o, dizia : « une invention portant sur un médicament ne peut être valablement brevetée que si elle a pour objet un produit, une substance ou une composition présentée pour la première fois comme constituant un médicament». 64 Schmidt-Szalewski, Joanna & Pierre, Jean-Luc. Droit de la Propropriété Industrielle.Ed. Litec, deuxiéme édition, Paris, pg. 47. “Le régime français de brevetabilité porte une « cicatrice » de l'état du droit antérieur, qui excluait la protection des médicaments. Bien que ceux-ci soient aujourd'hui brevetables, reste cependant exclue la protection de la seconde application thérapeutique d'une composition connue. Cette règle résulte d'une lecture a contrario de l'article L. 611-11, alinéa 4 du Code de la propriété intellectuelle, qui conduit à exclure de la brevetabilité f utilisation, à des fins thérapeutiques, d;une substance ou composition déjà connue pour son application thérapeutique ou de diagnostic. Ainsi, celui qui mettrait au point un nouvel effet thérapeutique d'un médicament connu, ne pourrait breveter son invention (p. ex. un effet anticancéreux de l'aspirine ne serait pas brevetable). «Morceau de bravoure » de notre droit des brevets (J. M. Mousseron, Rép. com. Dalloz, V° Brevet d'invention, 2° éd. 1994, n° 130.), la règle demeure sans fondement satisfaisant (M. Vivante, La brevetabilité de la seconde application thérapeutique, JCP, a 1989, 3382 et E. II, 15541. - A. Casalonga et G. Dossman, La protection par le brevet d'invention de l'application thérapeutique et du produit pharmaceutique, JCP, E 1987, II, 14898). On aurait pu s'attendre à ce qu'elle devienne caduque, sous l'influence de la jurisprudence des chambres de recours de l'Office européen des brevets qui, à plusieurs reprises, déclarèrent protégeable par brevet européen la seconde 18 rejeição anteriormente ocorria com base nas práticas dos vários escritórios de patentes, basicamente como uma forma de afirmar a dificuldade de se discernir a novidade e atividade inventiva de tais inventos e na forma de se entender o alcance das reivindicações 65. A mudança de perspectiva no resto da Europa se deu com a decisão do caso Pharmuka 66, pelas Câmaras Reunidas de Recursos do Escritório Europeu de Patentes. A questão jurídica era o da interpretação do art. 52.4 da Convenção respectiva 67. A conclusão do julgado administrativo é que se poderia reivindicar um segundo uso farmacêutico desde que formulado como aplicação de um composto ou substância conhecida para se obter um medicamento destinado a uma utilização terapêutica nova e dotada de atividade inventiva 68. O mesmo uso seria, porém, recusado se formulado como “uso de X para tratar Y”. A essência do raciocínio do julgado é que não se distinguem razões nem da vontade do legislador convencional, nem da lógica, que impedissem a aceitação de um segundo uso de uma mesma substância ou composto, só pelo fato de esse segundo uso ser farmacêutico; mas não caberia, dentro do sistema da Convenção da EPO, reivindicar tal uso como sendo um método de tratamento, eis que, para isso (como aliás, no Direito Brasileiro) haveria a vedação do art. 52.4 daquele tratado. application thérapeutique d'un produit (Gde ch. rec., Déc. 5 d6c. 1984: PIBD 1985, 368,111,146; D. 1986, somm. 137, obs. Mousseron; RTD com. 1985, 298, obs. Chavanne et Azema. - Ch. rec. techn., Déc. T. 19186 JOOEB 1989, p. 24. Déc. T. 290186: JOOEB 1992, p. 414. -Déc. T. 958/94. JOOEB 1997, p. 241.) La Cour de Cassation a, toutefois, maintenu la règle, en censurant un arrêt d'appel qui avait admis la validité d'une telle invention (Cass. Com. 26 oct. 1993: PIBD 1994, 557,111,1; Ann. propr. ind. 1993, 89, note P. Mathély). 65 The European IP Bulletin. Issue 5, October 2003, encontrado em http://www.mwe.com/info/news/euroip1003hottopics.htm , visitado em 14/9/2004: “Historically in Europe, patents for methods of treatment had been regarded as not being capable of industrial application and consequently not patentable. Only the first inventor of a new product suitable for use in medical treatment was entitled to a claim to the product”. 66 G 0006/83 – EBA, cuja ementa é “I. A European Patent with claims directed to the use may not be granted for the use of a substance or composition for the treatment of the human or animal body by therapy. II. A European patent may be granted with claims directed to the use of a substance or composition for the manufacture of a medicament for a specified new and inventive therapeutic application”. 67 Article 52 - Patentable inventions (4) Methods for treatment of the human or animal body by surgery or therapy and diagnostic methods practised on the human or animal body shall not be regarded as inventions which are susceptible of industrial application within the meaning of paragraph 1. This provision shall not apply to products, in particular substances or compositions, for use in any of these methods 68 Seguindo o resumo de Polluad-Dulian: “La Grande Chambre des recours affirme qu'elle « ne perçoit pas, dans la règle d'exception de l'article 54 (5) de la CBE, l'intention d'exclure de deuxième ou d'ultérieure applications médicales, autrement que par la prohibition de revendications de produits d protéger en fonction de leur utilisation spécifique (...) L'intention d'exclure, de manière générale, de la brevetabilité une deuxième indication médicale - ou des indications ultérieures ne peut être déduite ni de la lettre de la CBE, ni du développement dans le contexte historique des articles d appliquer (...) La Grande Chambre estime justifié d'admettre des revendications ayant pour objet l'application d'une substance ou d'une composition pour obtenir un médicament destiné à une utilisation thérapeutique, ceci même lorsque le procédé de préparation lui-même en tant que tel ne se distingue pas d'un procédé connu mettant en œuvre la même substance active ». Elle en conclut qu'un brevet européen ne peut être délivré « sur la base de revendications ayant pour l'objet l'application d'une substance ou d'une composition en vue du traitement thérapeutique du corps humain ou animal ». Mais elle ajoute qu'un brevet peut être délivré « sur la base de revendications ayant pour objet l'application d'une substance ou d'une composition pour obtenir un médicament destiné à une utilisation thérapeutique déterminée nouvelle et comportant un caractère inventif » 19 Surge, desta forma, a questão da reivindicação sancionada pelo caso Pharmuka, que, pela própria menção do julgado à decisão anterior do Escritório de Patentes da Confederação Helvética 69, passou a chamar-se “reivindicação suíça”. Os tribunais europeus (com a egrégia exceção da Corte de Cassação francesa), notando a decisão no caso Pharmuka, aceitaram essa manifestação do órgão administrativo como uma declaração pertinente do direito aplicável – muito embora o Judiciário não esteja vinculado a tal manifestação, nem a Convenção da EPO determine a maneira pela qual uma patente vá ser aplicada em cada país europeu. Assim é que o Judiciário inglês acatou imediatamente a reivindicação suíça 70, assim como o holandês 71, o sueco e o alemão 72. Outros tribunais fora da Europa se seguiram nesta aceitação da razoabilidade do entendimento da EPO em face de seus respectivos sistemas nacionais 73. Julgados posteriores vieram, no entanto, a enfatizar que a reivindicação suíça não isenta de análise, e talvez exija maior rigor, na avaliação de novidade e atividade inventiva 74. O que se superou, nessa sucessão de decisões, é a noção de que um segundo uso farmacêutico careceria de utilidade industrial 75. Só isso. A vedação a métodos de tratamento em Direito Brasileiro No Direito Brasileiro, inexiste disposição específica, como existe no Direito Francês, vedando uma segunda aplicação no domínio farmacêutico. Entre nós, temos apenas vedação de patenteamento de métodos de diagnóstico e tratamento, o que se acha está no artigo que se refere ao que não é invento: VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; Note-se, assim, que a nossa lei distingue métodos ou técnicas operatórias ou cirúrgicas 76, para aplicação humana ou animal, assim como, para iguais finalidades, métodos 69 Caso G 0005/83 – EBA, parágrafo 19. 70 John Wyeth and Brothers Ltd's Application and Schering AG's Application (1985) RPC 545. 71 Bristol-Myers Squibb v Yew Tree Pharmaceuticals [Netherlands] (2000) ENPR 26 72 Sweden (Hydropyridine [Sweden] (1988) 19 IIC 815) e (Hydropyridine [Germany] OJEPO 1984, 26) 73 Por exemplo, o da Nova Zelândia no caso Pharmaceutical Management Agency v The Commissioner of Patents and Others (CA56/99). 74 Por exemplo, nos casos ingleses Bristol-Myers Squibb Company v Baker Norton Pharmaceuticals Inc and Napro Biotherapeutics Inc ((2000) EWCA Civ 169) e Teva Pharmaceutical Industries Ltd v Merck and Others ((2003) EWHC 5). Neles, se entendeu que não caberia dar patentes para simples especificação de dosagem ou modalidades de aplicação de um medicamento. 75 O famoso julgamento da Corte de Cassação francesa que se recusou a seguir as conclusões do caso Pharmuka indicou que, preliminarmente, na França, havia uma lei específica em contrário, e que cabia ao legislador revogá-la. Narra Pollaud-Dullian, op. Cit: “Quant à sa propre solution, la Cour de Cassation indique que l'application nouvelle d'un principe actif connu correspond à un résultat nouveau dépourvu d'activité inventive, car « l'invention du principe actif induit toutes les applications thérapeutiques qui seront faites par la suite et qui existent potentiellement dans l'invention» De cette façon, la Cour a voulu choisir une protection à un « haut niveau d'abstraction » et éviter les discussions épineuses sur le caractère effectivement nouveau ou non de la deuxième application». O caminho apontado pela Corte de Cassação põe em questão o tema dos “efeitos intrínsecos”da jurisprudência americana, deixando de lado o entendimento da EPO de que apenas os efeitos revelados seriam levados em conta na apuração da novidade. 20 terapêuticos 77 ou de diagnóstico 78. Segundo as Diretrizes de Exame do INPI, aqueles inventos reivindicados como sendo métodos terapêuticos não serão patenteáveis 79. Métodos de tratamento podem ou não ser inventos? Tratando de uma situação análoga ao Direito Brasileiro, a doutrina argentina 80 analisa o mesmo silêncio da lei quanto à existência de patente de novo uso, e a presença de um dispositivo que denega patente aos novos métodos de diagnóstico e tratamento. Diz Cabanellas de las Cuevas: A nuestro entender, las nuevas utilizaciones de productos farmacéuticos no constituyen métodos de tratamiento terapéutico, ni están comprendidos en la exclusión establecida por el artículo 6to., inciso e), de la LP. Un método implica un conjunto de pasos más complejo que la mera aplicación de las propiedades terapéuticas de un producto farmacéutico 81. No obstante ello, no puede desconocer se que la aplicación práctica de la patentabilidad de tales nuevas utilizaciones presenta ciertas dificultades considerables. A questão suscitada pelo autor é crucial. Pollaud-Dulian assim fixa o problema: Vincular eesta exclusão à questão de falta dea aplicação industrial é discutível e realmente é discutida. Poder-se-ía ter uma exclusão especial quanto às raças animais e às variedades de planta, ou então uma exclusão geral quanto aos satisfeita dos métodos (1). Como o bom senso recusa a qualidade de invenção a determinadas realizações, a exigência da aplicação 76 Diretrizes de Exame do INPI para o setor biotecnológico: Todo método que requeira uma etapa cirúrgica, ou seja, uma etapa invasiva do corpo humano ou animal (por exemplo implantação de embriões fertilizados artificialmente, cirurgia estética, cirurgia terapêutica, etc.), é considerado como método cirúrgico, incidindo naquilo que o Art. 10 (VIII) diz não ser invenção. 77 Ainda as Diretrizes de Exame do INPI para o setor biotecnológico: 2.36.2 Métodos terapêuticos são aqueles que implicam na cura e/ou prevenção de uma doença ou mau funcionamento do corpo humano ou animal, ou alívio de sintomas de dor, sofrimento e desconforto, objetivando restabelecer ou manter suas condições normais de saúde.2.36.3 Métodos de tratamento não-terapêuticos são aqueles que têm como ponto de partida as condições normais de saúde do ser, e não objetivam qualquer profilaxia ou cura de doenças, nem alívio de sintomas de dor ou desconforto. Exemplos de tais métodos seriam os tratamentos de animais para promover seu crescimento, ou melhorar a qualidade/produção de carne ou lã e métodos cosméticos que objetivam resultados apenas estéticos. 2.36.5 Métodos não terapêuticos, desde que apresentem um caráter técnico, não sejam essencialmente biológicos (processos biológicos naturais) e não sejam de uso exclusivamente individual, são patenteáveis. 78 2.37.1 Métodos de diagnóstico são aqueles que diretamente concluem quanto ao estado de saúde de um paciente como resultado da técnica utilizada, e não são patenteáveis de acordo com o Art. 10 (VIII) da LPI. 79 2.36.5 Exemplos de reivindicações de método terapêutico: Método para tratar a doença X caracterizado por se administrar o composto Y a um paciente sofrendo da doença X. Uso do composto Y caracterizado por ser para tratar a doença X. Uso do composto Y caracterizado por ser no tratamento de um paciente sofrendo da doença X. 80 Guillermo Cabanellas de las Cuevas, Derecho de las Patentes de Invención, Editorial Heliasta, 2001, p. 732, que por sua vez menciona a discussão pelos autores nacionais. Diz esse autor, por exemplo, citando Carlos Correa, Bergel e outros: “Berge1 (Requisitos y excepciones a la patentabilidad, cit., p. 32.), tras considerar que la exclusión del carácter de invención de los elementos incluidos en el artículo 6to., inciso e), de la LP responde más a consideraciones éticas que jurídicas, apoya la patentabilidad de los productos utilizados para los métodos descriptos en ese inciso, pero sin extender igual conclusión a las aplicaciones de tales productos. 81 [Nota do original] Esta distinción es expresamente establecida por la legislación francesa, pues se distingue allí -art. 611-6, inc. 4, del Cód. de la Propiedad Intelectual- entre los métodos de tratamiento terapéutico y los productos, sustancias o composiciones utilizables para su aplicación. Estos productos, sustancias o composiciones dan lugar a utilizaciones patentables -a diferencia de los mencionados métodos-, si esas utilizaciones son novedosas, y ello aunque contribuyan al funcionamiento de métodos terapéuticos. La utilización del producto farmacéutico es así un medio para instrumentar el procedimiento terapéutico, y no algo equivalente al procedimiento terapéutico en sí mismo. La misma distinción subyace a la Convención de la Patente Europea, pues su art. 54, inc. 5, opera como una excepción a la exclusión de patentabilidad derivada de su art. 52, inc. 4, referido este último a métodos terapéuticos. 21 industrial relaciona-se indubitàvelmente àquelas que cruzaram esta primeira seleção. Mas os métodos do tratamento ou do diagnóstico cirúrgico ou terapêutico não são, ao que nos parece, mais “invenções”, como o definem o artigo L 611-10-2 do CPI ou 52-2 da Convenção da Patente Européia, do que os métodos no exercício de atividades mentais, de jogos de idéias de negócios. Entretanto, na decisão T116/85 12, um CRT emitiu opinião diferente, que entendemos discutível. De acordo com tal decisão, os métodos do tratamento terapêuticos estão, de fato, no campo das invenções apropriadas à aplicação industrial e é somente por uma ficção legal que essas criações não são consideradas como tal pelo artigo 52-4 da Convenção da Patente Européia »82 A complexidade da matéria merece alongado tratamento, como o que lhe reserva o autor francês. A opção pela imprivilegiabilidade mesmo se fosse invento O certo é que se deve mesmo excluir o patenteamento de tais procedimentos, ainda que sejam inventos, como uma questão de interesse público, ou por razões morais, como o permite o art. 27 de TRIPs. A revisão da Convenção da EPO em 2000 seguiu esse entendimento 83. As conseqüências constrangedoras de patentes sobre métodos cirúrgicos ou de tratamento já se fizeram sentir mesmo nos EUA, onde existe plena liberdade de concessão de privilégios 84, criando uma espécie de licença compulsória não remunerada nesses casos 85. Mas, salvo pela ficção jurídica de considerar patentes de uso como patentes de processo – o que se construiu especificamente para o sistema jurídico americano, por razões que não são tópicas ao Direito Brasileiro - , não há porque, no direito em vigor, fazer incidir a proibição ao caso de patentes de uso. A interpretação do art 10, VIII do CPI/96. 82 Pollaud-Dulian, La Brevetabilité des Inventions, LITEC, Paris, 1997, p. 61. «Le rattachement de cette exclusion au défaut d’application industrielle est contestable et contesté. On aurait pu poser une exclusion spéciale comme pour les races animales et les variétés végétales, ou se satisfaire de l’exclusion générale des méthodes (1). Comme la foi refuse la qualité d’invention à certaines réalisations, l’exigence d’application industrielle concerne sans doute celles qui ont franchi cette première sélection. Mais les méthodes de traitement chirurgical ou thérapeutique ou de diagnostic ne sont, nous semble-t-il, pas plus des inventions au sens de l’article L. 611-10-2 du CPI ou 52-2 de la CBE, que les méthodes dans l’exercice d’activités intellectuelles, en matière de jeu ou dans le domaine dos activités économiques. Toutefois, dans la décision T116/85 12), une CRT a émis une opinion différente, à notre sens susceptible d’être discutée. Selon elle, les méthodes de traitement thérapeutique sont, en fait, des inventions susceptibles d’application industrielle et ce n’est que par une fiction juridique » qu’elles ne sont pas considérées comme telles par l’article 52-4 de la CBE ». 83 A Suprema Corte da Nova Zelândia apontou que essa é exatamente a razão possível para se rejeitar uma patente de métodos de tratamento, em Pharmaceutical Management Agency Limited v Commissioner of Patents and Others – Court of Appeal, CA 56/99; December 17 1999. 84 Os Estados Unidos têm concedido tais patentes. Joseph M. Reisman, Physicians and surgeons as inventors: reconciling medical process patents and medical ethics, 10 Berkeley Technology Law Journal (1996), Silvy A. Miller, Should patenting of surgical procedures and other medical techniques by physicians be banned?, IDEA: The Journal of Law and Technology, 1996. A partir de setembro de 1996 uma alteração do 35 USC 287 fez com que uma patente relativa a um procedimento médico seja inoponível a um médico ou profissional de saúde, ou instituição médica. 85 Uma solução curiosa foi a seguida por uma decisão neozelandesa sobre a questão: “Bearing in mind the rationale for the method of treatment exception permitted under TRIPS, Art 27:3, - that there should be no interference with the medical practitioner's diagnosis and treatment of patients - perhaps the logical approach would be to permit claims to extend to the method of treatment using the compound or composition, but to require from the patentee a disclaimer of any right to sue the practitioner”. Pharmaceutical Management Agency Limited vs. The Commissioner of Patents and Others, CA56/99. 22 Tenho sustentado que, sob a nossa Constituição, interpretam-se restritivamente as normas que atribuem patentes, levando-se porém em conta a razoabilidade e a prudência aplicável ao caso em análise 86: O mesmo cunho de contenção e prudência se aplica à interpretação das leis de propriedade intelectual. Quando se interpreta a norma ordinária singular há que se presumir que – salvo inconstitucionalidade – o texto legal já realizou o favorecimento que se deve ao investimento privado. Lex data, é momento de se interpretar a norma segundo os critérios próprios ao caso, razoável e equilibradamente. Este equilíbrio surge à interpretação das normas segundo os critérios da proteção da liberdade de iniciativa em face da restrição imposta pela propriedade intelectual; e segundo o critério tradicional da interpretação contida da norma excepcional. Diogo de Figueiredo87, ao pronunciar-se sobre o tema, avalia que: “os princípios que definem liberdades preferem aos que as condicionam ou restringem; e os que atribuem poderes ao Estado, cedem aos que reservam poderes aos indivíduos, e os que reforçam a ordem espontânea têm preferência sobre os que a excepcionam” (grifos da transcrição). A liberdade, obviamente, é de iniciativa e de informação, coarctadas pelos privilégios e direitos de exclusiva. A ordem espontânea é o do fluxo livre das idéias e das criações, e da disseminação da tecnologia. O ato do Estado que cumpre estabelecer peias é o da concessão do direito excepcional da propriedade intelectual. E, como ensina Carlos Maximiliano 88, “O Código Civil [de 1916] explicitamente consolidou o preceito clássico – Exceptiones sunt strictissimae interpretationis (“interpretam-se as exceções estritissimamente”) – no art. 6º da antiga Introdução, assim concebido: ‘A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica’”, dispositivo hoje consagrado no art. 2º, § 2º, da vigente Lei de Introdução ao Código Civil [de 1916]. Continua o pensamento afirmando que igual orientação deve ser adotada para aquelas normas que visem à concessão de um privilégio a determinadas pessoas, pois: “o monopólio deve ser plenamente provado, não se presume; e nos casos duvidosos, quando aplicados os processo de Hermenêutica, a verdade não ressalta nítida, interpreta-se o instrumento de outorga oficial contra o beneficiado e a favor do Governo e do público”. 89 No caso, porém, o exercício do equilíbrio pareceria fazer coincidir a interpretação do dispositivo que veda o patenteamento de métodos terapêuticos de forma a definir “método” como o conjunto de passos realizados fora do contexto industrial. Ou seja, por exemplo, o protocolo de condutas médicas realizadas na sala de operação, pelos profissionais de saúde 90. 86 Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição. 87 in A Ordem Econômica na Constituição de 1988, artigo publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado/RJ nº 42, pg 59. 88 Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 18ª ed., p. 225 89 ob. cit., p. 232 90 Entendo desta forma pois a lei 9.279/98 exclui a patenteabilidade nesses casos por falta de aplicabilidade industrial Outro seria meu entendimento se a lei brasileira tivesse escolhido considerar imprivilegiável o método de tratamento como uma questão de equilíbrio de interesses relativos à vida ou a saúde. Nesta hipótese, caberia prestigiar a escolha legal, dando adequada interpretação de forma a prestigiar a escolha do legislador. 23 Imaginemos que o método de operação ou de tratamento presuma a utilização de um elemento patenteável – equipamento, ou substância quimioterápica; esses itens serão administrados aos pacientes segundo uma estratégia determinada, um protocolo, um método¸ sob pena de renunciar-se na prática médica ao sistema e à razão. Ora, a imprivilegiabilidade deste método não impossibilitaria a vedação, a montante, da proteção aos produtos e equipamentos 91. Assim é que entendo adequado ao sistema brasileiro em vigor a interpretação que deu ao idêntico dispositivo da lei alemã a Corte Federal daquele país, como mencionado na decisão do Câmara de Recursos da EPO 92 O Tribunal Federal de Justiça considerou que não. Interpretou que o disposto na lei nacional alemã equivalente ao Artigo 52 (4) EPC somente exclui a patentiabilidade do “método de tratamento do corpo humano pelas terapias que ocorrem completamente fora do setor industrial".93 O produto usado em um método de tratamento Examinemos aqui uma questão a mais. Tanto o art. L616-11 do Código Francês quanto o atual art. 52(4) (futuro art. 53(c)) da Convenção da EPO, excluem categoricamente da proibição das invenções de métodos de tratamento ou diagnóstico os produtos “em particular as substâncias e composições” necessários para por em prática esses métodos 94. A lei brasileira não prevê essa exclusão. Poder-se-ía entender, então, que a vedação de patente na lei brasileira compreenderia igualmente a vedação de privilégio aos produtos necessários para implementar o método? Não é esse o entendimento da doutrina 95. Também não parece compatível com a lógica que produtos que seriam, de per si, plenamente patenteáveis, sejam desprovidos dessa propriedade por se integrarem a um método terapêutico. Mas a questão se torna ligeiramente mais complexa se a utilidade industrial de um novo uso indicada é o método terapêutico, que a lei brasileira, por ficção, escolheu desprover de utilidade 96. 91 O que não significa que tais produtos e equipamentos devessem ser patenteados em si mesmo. O que é objeto de outra discussão. 92 Caso G 0005/83 – EBA, de 5 de dezembro de 1984. 93 The Federal Court of Justice considered that it did not. It thought that the provision of German national law equivalent to Article 52(4) EPC only excluded from patentability "methods of treatment of the human body by therapy which take place wholly outside the industrial sector" (Caso G 0005/83 – EBA, de 5 de dezembro de 1984.) 94 EPC: (4)(…) . This provision shall not apply to products, in particular substances or compositions, for use in any of these methods. CPI L611-16 Cette disposition ne s'applique pas aux produits, notamment aux substances ou compositions, pour la mise en oeuvre d'une de ces méthodes. 95 Dannemann, Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Forense, p. 46. 96 Diz a Proposta Básica do Secretariado da EPO para a mudança do dispositivo pertinente na mudança na Convenção em 2000: “The exclusion of methods of treatment and diagnostic methods currently referred to in Article 52(4) EPC has been added to the two exceptions to patentability which appear at present in Article 53(a) and (b) EPC. While these surgical or therapeutic methods constitute inventions, they have been excluded from patentability by the fiction of their lack of industrial applicability. It is undesirable to uphold this fiction since methods of treatment and diagnostic methods are excluded from patentability in the interests of public health. lt is therefore preferable to include these inventions in the exceptions to patentability in order to group the three categories of exceptions to patentability together in Article 53(a), (b) and (c) EPC”. 24 Assim, é prudente fixar a utilidade industrial em objeto próprio, distinto dos métodos de tratamento cuja proteção em Direito Brasileiro é denegada por operação legal. Claro está que esta eleição de utilidade não pode ser, ela mesma , ficcional. Passemos a examinar seus pressupostos. A reivindicação suíça e o Direito Brasileiro Superada aqui a questão de uma proibição formal, no nosso direito, de patentes de uso farmacêutico - que não existe -, cabe agora verificar a possibilidade de uma reivindicação ao estilo suíço em nosso sistema jurídico. Não creio na mágica das reivindicações, de sorte que se possa transformar o impossível no consagrado só pela habilidade de reivindicar de uma ou outra maneira. No entanto, construir a exclusividade das patentes através das reivindicações pode, efetivamente, conformar ou não o pedido à lei brasileira, desde que, simultaneamente: a) a lei assegure tal efeito à reivindicação; b) o reivindicado satisfação aos pressupostos legais para o efeito pretendido. Vejamos, assim, qual é a função das reivindicações no nosso direito vigente. A função e os limites das reivindicações no Direito Brasileiro O papel usualmente reservado às reivindicações é o de estabelecer a extensão técnica da exclusividade – “objetivamente, o privilégio é limitado pelas reivindicações que integram o pedido: a exclusividade de uso da tecnologia circunscrita, e de nenhuma outra” 97. Mas não é menos certo que ao demarcarem internamente o conteúdo técnico, as reivindicações igualmente indicam os limites externos da exclusividade, as lindes além das quais o competidor comete violação da patente. Assim, tanto para limitação dos direitos (art. 41 da Lei 9.279/96) como para afirmação desses mesmos direitos perante terceiros, a reivindicação molda a exclusividade. Pode defini-la como uma exclusividade sobre a substância química (....para resolver um determinado problema técnico) ou sobre a mesma substância, aplicada à solução de outro problema técnico. E essa escolha da reivindicação, em cada caso, vai ensinar ao competidor o que ele pode fazer com a dita substância química, e no que ele comete ilícito. As reivindicações deverão ser fundamentadas no relatório descritivo, caracterizando as particularidades do pedido e definindo, de modo claro e preciso, a matéria objeto da proteção 98. Objetivamente, o privilégio é limitado pelas reivindicações que integram o 97 Do nosso Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição, Lúmen Júris, 2003. 98 Diz o Ato Normativo INPI 127: Reivindicações 15.1.3.1 Quantidade, numeração e categorias a) a quantidade de reivindicações independentes e dependentes deve ser suficiente para definir corretamente o objeto do pedido; b) as reivindicações devem ser numeradas consecutivamente, em algarismos arábicos; c) as reivindicações podem ser de uma ou várias categorias (tais como produto e processo, processo e aparelho, produto, processo e aparelho, etc.), desde que ligadas por um mesmo conceito inventivo, sendo arranjadas da maneira mais prática possível. 15.1.3.2 Formulação das reivindicações a) as reivindicações devem, preferencialmente, ser iniciadas pelo título ou parte do título correspondente à sua respectiva categoria e conter uma única expressão "caracterizado por"; b) cada reivindicação deve definir, clara e precisamente, e de forma positiva, as características técnicas a serem protegidas pela mesma, evitando-se expressões que acarretem indefinição na reivindicação; c) as reivindicações devem estar totalmente fundamentadas no relatório descritivo; d) exceto quando absolutamente necessário, as reivindicações não podem conter, no que diz respeito às características da invenção, referências ao relatório descritivo ou aos desenhos, do tipo "como descrito na parte ... do relatório descritivo" ou "bem como representado pelos desenhos"; e) quando o pedido contiver desenhos, as características 25 pedido: a exclusividade de uso é da tecnologia circunscrita, e de nenhuma outra. Muito acertadamente, o art. 41 da Lei 9.279/96 estabelece que os privilégios são circunscritos objetivamente pela tecnologia exposta no relatório, tal como reivindicada: "A extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo teor das reivindicações interpretado com base no relatório descritivo e nos desenhos. Elemento crucial da funcionalidade do sistema de patentes, o relatório descritivo tem por finalidade expor a solução do problema técnico em que consiste o invento. Normalmente, o relatório inclui a descrição do problema, o estado da arte, ou seja, as soluções até então conhecidas para resolvê-lo, e a nova forma de solução - indicando em que esta altera o estado da arte. Os limites técnicos da patente, circunscritos pelas reivindicações, são os existentes no relatório descritivo. Assim, a propriedade intelectual pertinente está necessariamente contida no relatório, embora não tenha que ser tão ampla quanto este. O primeiro objetivo do relatório é, desta forma, a definição do espaço reivindicável. Uma reivindicação é redigida de maneira a identificar geralmente o escopo da solução oferecida (por exemplo, "máquina de fazer tal coisa"), seguida de uma fórmula convencional de indicar o início do reivindicado ('caracterizado por...") e, então, pela descrição mais exata possível do material reivindicado. O quadro reivindicatório pode se referir a diversos elementos individuais de um mesmo conceito inventivo - um produto, o processo para se fabricar tal produto, o aparelho para fazer processar tal método de fabricação, etc - em várias reivindicações independentes entre si 99; mas pode haver reivindicações que apenas particularizem ou aprofundem uma solução técnica já enunciada em uma outra reivindicação - da qual são dependentes 100. Quanto a estas, pertinente a regra accessorium sequitur principale. técnicas definidas nas reivindicações devem vir acompanhadas, entre parênteses, pelos respectivos sinais de referência constantes dos desenhos se for considerado necessário à compreensão do mesmo, entendendo-se que tais sinais de referência não são limitativos das reivindicações. f) cada reivindicação deve ser redigida sem interrupção por pontos. k) não serão aceitas em reivindicações trechos explicativos com relação ao funcionamento, vantagens, e simples uso do objeto. 99 Diz o Ato Normativo INPI 127: 15.1.3.2.1 Reivindicações independentes a) São aquelas que, mantida a unidade de invenção, visam a proteção de características técnicas essenciais e específicas da invenção em seu conceito integral, cabendo a cada categoria de reivindicação pelo menos uma reivindicação independente. b) Cada reivindicação independente deve corresponder a um determinado conjunto de características essenciais à realização da invenção, sendo que somente será admitida mais de uma reivindicação independente da mesma categoria se tais reivindicações definirem diferentes conjuntos de características alternativas e essenciais à realização da invenção, ligadas pelo mesmo conceito inventivo; c) as reivindicações independentes de categorias diferentes, em que uma das categorias seja especialmente adaptada à outra, serão, de preferência, formuladas de modo a evidenciar sua interligação, empregando-se, na parte inicial da reivindicação, expressões, como por exemplo: "Aparelho para realização do processo definido na reivindicação...", "Processo para a obtenção do produto definido na reivindicação..." d) as reivindicações independentes devem, quando necessário, conter, entre a sua parte inicial e a expressão "caracterizado por", um preâmbulo explicitando as características essenciais à definição da matéria reivindicada e já compreendidas pelo estado da técnica; e) após a expressão "caracterizado por" devem ser definidas as características técnicas essenciais e particulares que, em combinação com os aspectos explicitados no preâmbulo, se deseja proteger; f) as reivindicações independentes podem servir de base a uma ou mais reivindicações dependentes, devendo, preferencialmente, ser agrupadas na ordem correspondente ao título do pedido. 100 Diz o Ato Normativo INPI 127: 15.1.3.2.2 Reivindicações dependentes a) são aquelas que, mantida a unidade de invenção, incluem características de outra(s) indicação(ões) anterior(es) e definem detalhamentos dessas características e/ou características adicionais, contendo uma indicação de dependência a essa(s) reivindicação(ões) e, se necessário, a expressão "caracterizado por"; b) as reivindicações dependentes não devem exceder as limitações das características compreendidas na(s) reivindicação(ões) a que se referem; c) nas reivindicações dependentes devem ser definidas, precisa 26 O elemento mais sensível das reivindicações é a partícula que enuncia o que, nas patentes, é exclusividade, distinguindo dessa o que é simples informação tecnológica. Como preceitua a norma legal pertinente: - as reivindicações independentes devem, quando necessário, conter, entre a sua parte inicial e a expressão "caracterizado por", um preâmbulo explicitando as características essenciais à definição da matéria reivindicada e já compreendidas pelo estado da técnica; - após a expressão "caracterizado por" devem ser definidas as características técnicas essenciais e particulares que, em combinação com os aspectos explicitados no preâmbulo, se deseja proteger; Equivalência e reivindicações de uso O alcance da reivindicação não é, necessariamente, formal e literal. O que se protege, na verdade é a solução nova para o problema técnico pertinente; a questão que se coloca, assim, é: as outras maneiras de resolver o mesmo problema são ou não protegidas pela patente? A resposta é dada pela chamada teoria dos equivalentes. O art. 186 do CPI/96 assim diz: “Os crimes deste Capítulo caracterizam-se ainda que a violação não atinja todas as reivindicações da patente ou se restrinja à utilização de meios equivalentes ao objeto da patente”. Assim, tanto a violação parcial quanto a de fatores equivalentes é criminalmente punível (embora não exista uma disposição equivalente na definição do teor civil da patente). Tal princípio teve sua definição mais precisa na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Winam v. Denmead, 56 US. (15 How) 330 (1953): “copiar o princípio ou modo de operação descrito é uma violação de patente, embora tal cópia seja diversa em forma ou em proporção”. Em outras palavras, o que se patenteia é a função, e não os ingredientes. A noção de que a patente protege a idéia inventiva e não a literalidade reivindicada é tradicional no nosso próprio direito. Dizia o clássico Gama Cerqueira a respeito das patentes de invenção: "Dissemos, também, que, para verificar-se a infração, basta que tenha sido usurpada a idéia da invenção, objeto do privilégio. Qualquer modificação introduzida na forma, nas dimensões ou nas proporções do objeto, bem como a substituição de matéria, não excluem a contrafação. Estão no mesmo caso a substituição de peças ou órgãos de um maquinismo privilegiado por outro elemento equivalente, ou a sua modificação sem alteração das funções que desempenham, a substituição de substâncias de um produto químico por outro análogo. Toda a questão gira em torno deste ponto: saber se a idéia essencial da invenção foi usurpada. e compreensivelmente, as suas relações de dependência, não sendo admitidas formulações do tipo "de acordo com uma ou mais das reivindicações...", "de acordo com as reivindicações precedentes...", ou similares; d) qualquer reivindicação dependente que se referir a mais de uma reivindicação (reivindicação de dependência múltipla) deve se reportar a essas reivindicações na forma alternativa ou na forma cumulativa (formuladas aditivamente), sendo permitida somente uma das formulações, ou alternativa ou cumulativa, para todas as reivindicações de dependência múltipla; e) as reivindicações de dependência múltipla na forma alternativa podem servir de base a qualquer outra reivindicação de dependência múltipla, desde que as relações de dependência das reivindicações estejam estruturadas de maneira que permitam o imediato entendimento das possíveis combinações resultantes dessas dependências. 27 "Se a modificação introduzida no produto privilegiado puder ser considerada como aperfeiçoamento privilegiável nos termos da lei, ainda assim haverá infração da patente, se o seu autor fabricar o produto sem licença do concessionário (...) 101 (grifamos) A busca, assim, da idéia essencial presume o entendimento da reivindicação através de sua leitura através do relatório e, além desse, pela crítica do relatório através do estado da arte 102. A licitude de reivindicações de uso do tipo suíço no Direito Brasileiro Assim, no nosso sistema, uma reivindicação só não faz verão. É preciso que a tecnologia revelada dê corpo ao reivindicado; que, dentre as soluções reveladas, a reivindicada não só se insira, mas lhe seja natural. Atendidos tais pressupostos, não se vê porque não se possa reivindicar o "uso da substância farmacêutica X, já conhecida, na preparação de uma composição farmacêutica para o tratamento de (ou impedindo que aconteça) Y", desde que a tecnologia constante do relatório aponte a novidade e atividade inventiva dessa solução específica. As Diretrizes de Exame do INPI 103 admitem a reivindicação ao estilo suiço 104. Conclusões sobre as patentes de uso farmacêutico No atual sistema legal, não existe vedação nenhuma a uma reivindicação de uso farmacêutico, primeiro ou undécimo, desde que se provada à saciedade e com toda atenção que merece a proteção à vida e a saúde, a novidade e atividade inventiva do novo uso¸ em face ao estado da técnica. Tal reivindicação não colide necessariamente, ademais, com a vedação aos métodos de tratamento e diagnósticos, prevista no art. 10, VIII da Lei. 9.279/96., desde que o relatório descritivo suporte uma reivindicação dirigida a um fim dotado de utilidade industrial. 101 João da Gama Cerqueira, in "Tratado da Propriedade Industrial", 2ª ed., vol. 1, "Revista dos Tribunais", pp. 546-547. 102 A questão da teoria dos equivalentes tem direta importância no caso de patentes de uso, como nota Moureaux, R. & Weismann C, Manuels Dalloz de Droit Usuel – Les Brevets D’Invention. Librairie Dalloz, Paris, quatrième édition, 1971, pgs. 50 a 61; 102 a 107; 111 et 112 : “Dans le cadre de l'application nouvelle, la théorie des équivalents trouve deux applications. Tout d'abord, lorsque l'inventeur a spécifiquement envisagé la fonction et qu'il a précisé que le moyen ou les moyens particuliers qu'il a décrits ne constituent qu'un ou des modes de réalisation préférés de l'invention (...) Lorsque le brevet n'indique qu'un moyen particulier appliqué d'une manière nouvelle, le juge a-t-il le droit d'étendre sa portée à la mise en oeuvre d'autres moyens équivalents jouant la même fonction dans l'application nouvelle ? Parfois les tribunaux s'attachent à la lettre du brevet et, si le breveté n'a indiqué qu'un seul moyen sans suggérer aucune extension, ils limitent la portée du brevet à ce moyen précis, mais si le breveté a utilisé des phrases, telles que « ce moyen ou analogue s, « un moyen du type... », laissant entendre que le moyen particulier n'a été donné qu'à titre d'exemple, les tribunaux assurent une protection étendue ». 103 2.39.2.4 Reivindicações do tipo: i) Uso do produto X caracterizado por ser na preparação de um medicamento para tratar a doença Y. j) Uso do produto X caracterizado por ser na preparação de um medicamento para tratar a doença Y, tratamento este que consiste em tal e tal. são as conhecidas como de “fórmula suíça”, e são quase que exclusivamente utilizadas em invenções de segundo uso médico. São privilegiáveis, observando-se quanto as considerações contidas no item 2.23 acima. No caso de reivindicações do tipo (j) se deve exigir a retirada do texto que descreve o tratamento, não porque se estaria protegendo o método terapêutico, mas, sim, porque seria inconsistente com o objeto da proteção. Embora por razões equivocadas Para se admitir a reivindicação descrita em 2.93.2.4 seria necessário – o que recusam as Diretrizes – a admitir reivindicações de uso; pois a expressão “preparação de um medicamento” não se resume a combinações. 104 28 A proibição, pela ANVISA, de reivindicações de uso farmacêutico A segunda questão sob nosso escrutínio é o do poder, aparentemente atribuído à ANVISA, de anuir ou recusar pedidos de patentes. Esta questão se imbrica na anterior, eis que, em comunicado ao público, datado de 25 de agosto último 105, assim se lê: IV - Quanto a pedidos que tenham por reivindicação o “novo uso” de substâncias - A Diretoria Colegiada em reunião realizada dia 23 de novembro de 2003 manifestou-se no seguinte sentido: “A Diretoria Colegiada considerou que o instituto é lesivo à saúde pública, ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, podendo dificultar o acesso da população aos medicamentos. Neste sentido, decidiu pela não concessão da anuência prévia a casos de pedidos de patentes de segundo uso”. A questão da constitucionalidade do poder discricionário de anuir em concessão de patentes O problema aqui é gerado por um novo dispositivo da Lei 9.279/96, que assim reza: Art. 229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. O ponto central desse dispositivo está na expressão “anuência”, registram como: que os dicionários verbo transitivo indireto e intransitivo consentir (com gestos ou palavras); estar de acordo; aprovar, assentir Ex.: <anuiu ao meu pedido> <a piscada de olhos era sinal de que anuíra> <a. com a cabeça> 106 No direito administrativo brasileiro, a expressão “anuência” implica exercício de juízo de conveniência e oportunidade, ou seja, de manifestação discricionária da vontade administrativa. Assim já se verificou tal manifestação na importação de lítio e outros minerais nucleares 107 ou de armas e munições 108 ou, em geral de exportação de produtos 105 Encontrado em http://www.anvisa.gov.br/divulga/alertas/2004/250804.htm , visitado em 15/9/2004. 106 Etimologia, segundo o Dicionário Houaiss: “lat. annuo ou adnuo,is,ùi,útum,ère 'fazer sinal afirmativo com a cabeça, lançando-a para a frente', daí 'consentir, aprovar', de nuère que só se manifesta através de seus compostos abnuère 'voltar a cabeça de um lado para o outro em sinal de desaprovação, sinalizar com a cabeça para recusar, sinalizar que não com a cabeça' e renuère 'lançar a cabeça para trás em sinal de não consentimento'; f.hist. 1679 annuir 107 A legislação da CNEN, no Art. 2o. da Lei 7.781 de 27 de junho de 1989, que deu nova redação à Lei 6.189/74 , estão expressas , no artigo 2o., assegurava as seguintes atribuições da autarquia:"Artigo 2o. - Compete à CNEN:`VIII estabelecer normas e conceder licenças e autorizações para o comércio interno e externo: a) de minerais, minérios, materiais, equipamentos, projetos, e transferência de tecnologia de interesse para a energia nuclear; Em 5 de junho de 1989 recebeu aprovação presidencial uma Exposição de Motivos 20/89 da Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional - Saden, contendo as seguintes diretrizes para o desenvolvimento da produção nacional de lítio e seus derivados, no âmbito da Política Nacional de Energia Nuclear:"c. só seja autorizada a importação de minerais e sais de lítio mediante anuência prévia da CNEN, à semelhança do procedimento adotado para a exportação de derivados de sais de lítio." Por fim, a 13 de maio de 1991, foi expedida Portaria de no. 8 pelo então Diretor do Departamento de Comércio Exterior Decex, determinando, em seu artigo 13, que as importações de minerais e de sais de lítio sejam sujeitas à anuência prévia da CNEN. 29 sensíveis 109. Especificamente a ANVISA utiliza tal expressão para denotar o seu juízo de conveniência e oportunidade na importação de produtos sujeitos a sua licença 110 Em documentos oficiais da ANVISA, se verifica que a anuência em questão se trata efetivamente de exercício do juízo de conveniência e oportunidade 111. A competência para anuir ou rejeitar patentes foi inicialmente deferida à Coordenação de Propriedade Intelectual da entidade 112. Segundo noticia a imprensa especializada, a anuência tem sido negada em situações em que se teria, salvo a manifestação discricionária, concedido o privilégio 113. O dispositivo em análise foi introduzido em reforma da Lei 9.279/96 – o Código de Propriedade Industrial de 1996 – através da lei de conversão nº 10.196, de 14.2.2001114, a qual modificou os dispositivos do Código que tratavam do chamado pipeline, que é uma forma admissão de inventos protegidos sob legislações estrangeiras na ordem jurídica nacional. Assim como sempre mantive minha convicção de que tal mecanismo é radicalmente inconstitucional, não posso deixar de expressar também meu juízo de que o art. 229-C, como introduzido em 2001, é tão e igualmente contrário à Constituição em vigor. A Propriedade Intelectual é um instituto inafastável de todo sistema jurídico contemporâneo. Como tive ocasião de dizer em meu Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2a. Edição, Lumen Juris, 2003: 108 Decreto nº 24.602, de 06 de julho de 1934, que impôs pela primeira vez na nação, e de forma rígida, o controle da fabricação e comercialização de material bélico. Vejamos o que estabelecem os primeiros três artigos deste diploma: “Art. 1º - Fica proibida a instalação, no País, de fábricas civis destinadas ao fabrico de armas e munições de guerra.Parágrafo Único - É entretanto facultativo ao Governo conceder autorização, sob as condições: a) de ser feita uma fiscalização permanente nas suas direções administrativas, técnica e industrial, por oficiais do exército, nomeados pelo Ministro do Exército, sem ônus para a fábrica; b) de submeter-se às restrições que o Governo Federal julgar conveniente determinar ao comércio de sua produção para o exterior e interior; c) de estabelecer preferência para o Governo Federal, na aquisição de seus produtos. 109 Consolidação Das Portarias Secex (Exportação) Portaria SECEX nº 12, de 03.09.2003alterada até a Portaria SECEX nº 6, de 3.05.2004. Art. 27 Nas operações da espécie deverão ser observados os seguintes procedimentos: II – as normas e o tratamento administrativo que disciplinam a exportação do produto, no que se refere a sua proibição, suspensão e anuência prévia; 110 Por exemplo, na Portaria nº 772, de 02 de outubro de 1998, como alterada. 111 PATENTES - Os pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos passaram a ter sua análise obrigatória pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária desde 1999, através do instituto da anuência prévia. Ressalta-se que esta anuência é concedida ou negada após a avaliação do pedido, considerando além dos aspectos formais da análise (verificação técnica dos requisitos de patenteabilidade) e os aspectos próprios de saúde pública (acesso aos medicamentos e avaliação técnica dos compostos). Vale lembrar que, quando a patente é concedida, o seu detentor passa a ter direitos exclusivos de exploração do objeto protegido (produção, utilização, comercialização sem concorrência, venda ou importação) pelo período de 20 anos. Por isso, há a necessidade de uma análise criteriosa dos requisitos para a concessão de tal benefício, tendo sempre em conta que esta proteção pode se refletir diretamente no custo final do medicamento. (Política Vigente para a Regulamentação de Medicamentos no Brasil, encontrado em http://www.anvisa.gov.br/institucional/conselho/temas/politica_medicamentos.htm 112 PORTARIA Nº 593, DE 25 DE AGOSTO DE 2000, Art. 73-A. À Coordenação de Propriedade Intelectual , localizada no estado do Rio de Janeiro, compete: I – conceder ou negar anuência prévia mediante análise dos pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos, depositados junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, na forma da Lei 10.196/2001, com assessoria da Gerência-Geral de Medicamentos; 113 23/04/2004 - Valor Econômico. 114 Da Medida Provisória nº 2.006/99. 30 Dessas manifestações da regra de balanceamento de interesses se pode depreender que a lei de patentes ou de direitos autorais não é um estatuto de proteção ao investimento – e nem dos criadores e inventores 115; não é um mecanismo de internacionalização do nosso direito nem um lábaro nacionalista; é e deve ser lida como um instrumento de medida e ponderação, uma proposta de um justo meio e assim interpretado. E no que desmesurar deste equilíbrio tenso e cuidadoso, está inconstitucional. É na tutela desse equilíbrio, e na crença inabalável que é a Constituição o campo próprio para a defesa dos interesses dos brasileiros, que tenho propugnado que se cumpra a Carta de 1988, em predomínio mesmo aos instrumentos internacionais, ou, como no caso, como rejeição a um mecanismo administrativo pejado de boas intenções, mas não menos ilícito e odioso que as pretensas imposições internas do Acordo TRIPs da OMC. Além de qualquer postura ideológica, o respeito à Constituição, como medida do estatuto da democracia brasileira, e expressão do nosso sistema político, é imposição da razão e do respeito que se deve aos brasileiros. Os excessos na Propriedade Intelectual, em desfavor do nosso povo, devem ser repelidos com a mesma energia, em qualquer naipe do continuum de weltanshauung. Mais lamentável ainda é verificar que o dispositivo em questão tem sido motivo de desagregação e desavença entre órgãos do Governo Federal 116. 115 Se houvesse uma tônica no estatuto jurídico da propriedade intelectual, seria a sua função social, não a proteção dos interesses pessoais. Vide a tradição constitucional da Suprema Corte dos Estados Unidos, que em uma sólida corrente de decisões insiste em que “this court has consistently held that the primary purpose of ou patent laws is not the creation of private fortunes for the owners of patents but is ‘to promote the progress of science and useful arts (...)”, Motion Picture Patents Co.v. Universal Film Mfg. Co., 243 U.S. 502, p. 511 (1917). 116 SEMINÁRIO SOBRE 10 ANOS DA TRIPS TEVE EMBATE ENTRE INPI E ANVISA. Houve um desentendimento no Seminário “10 anos de TRIPS: Em busca da Democratização do Acesso à Saúde” entre o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, INPI, órgão do governo responsável pela regulamentação de patentes, e os organizadores do evento. A confusão aconteceu durante a mesa “Evolução das Agências Reguladoras no Âmbito do TRIPS e definição de Identidade”, na qual participaram a dra. Maria Alice Calliari, do INPI e o dr. Paulo Santa Rosa, da ANVISA. A Dra. Maria Alice Calliari discursou sobre o papel do Instituto no processo de patentes e o dr. Paulo Santa Rosa explicou o que é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e sua posição frente ao tema. Na apresentação dos palestrantes ficou claro que o INPI tem uma postura que favorece a concessão de patentes aos laboratórios, dificultando assim o acesso universal a medicamentos, com base na lei de patentes do Brasil que data de 1996. Do outro a ANVISA, que não tem a competência de conceder ou não uma patente, mas dá a anuência prévia no que se refere a medicamentos, norteada pelo direito à saúde pública. Para entender melhor a posição de cada um dos órgãos governamentais, um bom exemplo é a legalidade da patente de segundo uso. Ela se refere a patente de uma molécula já patenteada, mas que será usada para outro fim. A ANVISA não considera essa patente pertinente, porque acredita que não tem nenhuma inovação. Logo, não tem porque conceder o monopólio por mais 20 anos (tempo de duração de uma patente) de determinada molécula. Já o INPI considera esse caso pertinente e dá direito de exclusividade da molécula já patenteada, só que usada para outra finalidade. Para Cristina D´Almeida, assessora da Cooperação Externa do Programa Nacional de DST/AIDS, o INPI não tem recursos humanos capacitados para dar um parecer sobre o tema de medicamentos. Os consultores do Instituto não são químicos, farmacêuticos; são de outras áreas. As pessoas gabaritadas sobre medicamentos estão na ANVISA. Para a professora Maristela Bassos, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual tem uma interpretação própria sobre a lei de patentes. Segundo ela, falta para o Instituto ouvir a sociedade civil para fazer uma interpretação de acordo com o direito à Saúde Pública. Após a discussão, os representantes do INPI se retiraram do evento e não participaram do segundo dia de seminário. O fato acabou enfraquecendo a discussão sobre a evolução das agências reguladoras no âmbito do TRIPS. Segundo a Professora Maristela Bassos, a academia é o lugar de discussão de idéias e a retirada do Instituto mostrou que eles não estão acostumados a esse tipo de embate. Quem perde com isso é a sociedade brasileira, lamentou Maristela. O Seminário “10 ANOS DE TRIPS: EM BUSCA DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À SAÚDE” foi organizado na última semana pela Associação Brasileira Interdisciplinas de AIDS, ABIA, Médicos Sem Fronteiras, MSF, Grupo de Incentivo à Vida, GIV e Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento, IDCID. (encontrado em http://www.agenciaaids.com.br/noticias-resultado.asp?Codigo=629 , visitado em 19/07/2004.) 31 A lei brasileira, aplicada em sua plenitude, é a única forma de prestigiar os valores da saúde pública, ou quaisquer outros do nosso povo. Sobral Pinto, e não Antonio Virgulino, é o parâmetro da brasilidade. Para aplicar-se com segurança jurídica os mecanismos legais, como os da licença compulsória por interesse público, com a deferência internacional devida aos países de estrita legalidade, é essencial que não se ignore a Carta da República na mesma matéria. Examinaremos neste Parecer apenas os aspectos constitucionais relevantes, eis que a eventual conformidade ou não com instrumentos internacionais de vigência anterior, face ao sistema constitucional brasileiro, é apenas uma questão que atine às relações internacionais do Brasil, sem pertinência à ordem jurídica interna. Trata-se, assim, de questão política ou retórica, mas sem eficácia jurídica numa análise constitucional, a não, ser, incidentalmente, para avaliação da aplicação de regra de proporcionalidade ou razoabilidade. De nosso pronunciamento prévio sobre a questão Já me pronunciei sobre a questão à p.442 do meu Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2a. Edição, Lumen Juris, 2003: Anuência prévia O art.229-C do CPI/96, introduzido pela Lei 10.196/01, assim como o disposto na norma legal sobre proteção aos conhecimentos tradicionais 117, estabelecem instâncias de anuência prévia ou intervenção da União para expedição de patentes. Assim reza o primeiro desses dispositivos: Art. 229-C. A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Como vimos, o direito de pedir patente (e de obtê-la, uma vez verificados os requisitos legais) tem fundamento constitucional; ele não pode ser afetado por qualquer norma que condicione a concessão do direito ao assentimento da União. O procedimento de concessão de patentes é vinculado, e não dá ensejo à manifestação volitiva da ANVISA ou de qualquer ente público. Verificada a existência de novidade, atividade inventiva e utilidade industrial, atendidos os demais requisitos da lei, cumprido o procedimento nela previsto, existe direito subjetivo constitucional na concessão. No parâmetro brasileiro, o processo administrativo de outorga de licenças de construção, de autorização para prospecção minerária e de registro de marcas e concessão de patentes é plenamente vinculado: a autoridade, reconhecendo a existência dos requisitos fixados em lei, não tem liberdade para julgar se o pedido é conveniente ou oportuno; tem de fazer a outorga, seja favorável ou catastrófica a concessão face aos interesses governamentais do momento 118. Se a ANVISA não anuísse, seria absolutamente cabível o remédio constitucional do mandado de segurança para haver a patente. Se o INPI condicionasse a concessão à anuência, 117 No momento em que se escreve, a Medida Provisória No 2.186-16, de 23 de Agosto de 2001. 118 A lei peruana de 1959 prevê a recusa de patentes que não atenderem ao interesse social. Diz Remiche (1982:179) que tal faculdade nunca foi utilizada. 32 retardando ou denegando o ato concessivo, igualmente caberia a afirmação dos direitos do depositante 119. Os fundamentos de tal conclusão estão oferecidos pela extensão da totalidade do Capítulo II do mesmo livro, focando-nos porém aqui no que se diz a respeito da radicação constitucional do direito de patentes, e da inafastabilidade da declaração do direito, uma vez exercida a pretensão de requerer a concessão da respectiva patente. Deve-se também notar que a inconstitucionalidade do dispositivo foi suscitada pelas Resoluções no. 2 e 16 da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, como se documenta em anexos. A Constituição de 1988 e a propriedade industrial em geral O texto do Art. 5º, XXIX da Carta de 1988, não se limitando à declaração dos direitos dos inventores e titulares de marcas, como as anteriores, propõe à lei ordinária a seguinte diretriz: Art. 5º (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; (Grifei) 120. A cláusula se constitui como uma regra constitucional, no que José Afonso da Silva classificaria como norma de princípio institutivo: a que delineia o princípio normativo a ser corporificado, e indica que sua eficácia será materializada na lei que assimilará tal princípio dentro da estratégia definida pelo Poder Legislativo ordinário. O que é relevante neste contexto é enfatizar que o texto constitucional prefigura e determina o teor da lei ordinária, inclusive o do art.229-c da Lei 9.279/96, ora sob análise, estipulando as condições básicas para a concessão de patentes industriais. É o que constataremos em seguida. 119 INPI é acusado de concessão ilegal. Gazeta Mercantil - p. A6 - 18/4. (...) A assessoria de Imprensa da Anvisa informa que, entre 1999 e 2001 a agência se manifestou em 154 casos nos quais o INPI solicitou anuência. Destes, 79 tiveram a anuência concedida, 3 foram negadas, 1 foi devolvida e outras 71 ainda estão sob análise. 120 Constituição Política do Império do Brasil de 1824, art. 179, inc. 26: “os inventores terão a propriedade de suas descoberta ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes (sic) remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização. Constituição de 1891, art, 72 § 25: “Os inventores industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um prêmio razoável, quando há conveniência de vulgarizar o invento”. Art. 72, §27: “A lei assegurará a propriedade das marcas de fábrica. Constituição de 1934, art. 113, inc. 18: “Os inventores industriais pertencerão aos seus autores, aos quais a lei garantirá privilégio temporário, ou concederá justo prêmio, quando a sua vulgarização convenha à coletividade”. Art. 113, inc. 19:. “A lei assegurará a propriedade das marcas de industria e comércio e a exclusividade do uso do nome comercial”.Constituição de 1937, art. 16 XXI: “Compete privativamente à União o poder de legislar sobre os privilégios de invento, assim como a proteção dos modelos, marcas e outras designações de origem” constituição de 1946, art. 141, §17: ”Os inventos industriais pertencem aos seus autores, aos quais a lei garantirá privilégio temporário ou, se a vulgarização convier à coletividade, concederá justo prêmio”.Art. 141, §18: “É assegurada a propriedade das marcas de indústria e comércio, bem como a exclusividade do uso do nome comercial”.Constituição de 1967, art. 150, § 24: “A lei garantirá aos autores de inventos industriais privilégio temporários para sua utilização e assegurará a propriedade das marcas de indústria e comércio, bem como a exclusividade do nome comercial”.Ec Nº 1, de 1969, art. 153, § 24: “A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como a propriedade das marcas de industria e comércio e a exclusividade do nome comercial”. 33 Bases constitucionais das patentes As patentes de invenção, sob o título historicamente correto e tradicional de privilégios 121, estão previstas no texto constitucional: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização (..) tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País” 122 Os parâmetros básicos da patente estão assim desenhados no texto da Carta: a) Os autores de inventos serão os beneficiários da tutela legal Direito moral do autor do invento O primeiro direito prefigurado pela Carta é, assim, o chamado direito autoral de personalidade do inventor, expresso nesta Lei pelo direito de nominação ou de anonimato. Direito constitucional a pedir patente O segundo direito é o direito à aquisição da patente 123 como um direito constitucional. Note-se que o direito sobre o privilégio propriamente dito (que não é direito constitucional, mas legal) nascerá, ou não, ao fim da prestação administrativa de exame e concessão descrita nesta Lei. Falando da Carta de 1967, que tem – no relevante -, redação idêntica à presente, diz Pontes de Miranda, mencionando o art. 153 § 24, correspondente ao nosso art. 5º., XXIX: O § 24 somente cogita do momento em que se inventa: é regra jurídica constitucional de aquisição da propriedade, que a define pelo privilégio temporário. O princípio do requerimento fere a Constituição de 1967, art. 153, § 24, onde se diz que a lei “garantirá” aos autores dos inventos industriais privilégio temporário, para a sua utilização. Ao legislador somente se deixou escolher expediente técnico para garantia, como a) o simples registro, b) a conferência de caráter real ao direito desde a invenção, ou c) desde a dação da patente. A tradição (desde quando o invento já pertence ao inventor, ou ao empregado e ao empregador, nos casos de contribuição pessoal e instalação ou equipamento fornecido pelo empregador), até a patenteação, e tendo conturbado a doutrina influência de concepção estrangeira, que, nesse ponto, nunca adotamos, e hoje já está superada. Protege-se desde a invenção; garante-se, desde a patenteação 124. A Constituição protege, assim, o princípio da invenção ao inventor (Erfinderprinzip), por oposição ao princípio do requerimento (anmelderprinzip), como notava Pontes de Miranda 121 O CPI 1971 chamava tais títulos de "privilégios", de acordo com a nomenclatura adotada pela Carta de 1988. A Lei 9.279/96, porém, ignorando a diretriz constitucional, prefere denominá-los "patentes". Embora não compatível com a profunda internacionalização da Propriedade Industrial (patent é voz comum a vários idiomas), a antiga expressão, acolhida pela Carta, traduz a gênese autóctone luso-brasileira do direito pertinente, adotada que foi em toda nossa História, e dela tomando seu significado jurídico. 122 Vide, incidentalmente, os propósitos do TRIPs: Art.7 - A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social e econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações. 123 Pontes de Miranda, op.cit.. p. 548, Tratado, XVI, § 1.835. Pontes distingue, porém, entre o direito personalíssimo de autoria e o de nominação. 124 Comentários à Constituição de 1967, com a emenda no. 1 de 1969, Tomo V, Forense. 1987, p. 546 e seguintes. 34 125; no art. 6º da Lei 9.279/96, é efetivamente ao autor que se defere o direito, ainda que se presuma (praesumptio juris tantum) autor o requerente. É fato que o art.6º § 2º da lei 9.279/96 reconhece titularidade originária a terceiros, que não o autor; mas a redação do dispositivo torna claro que só o terceiro vinculado ao autor por norma de lei ou disposição de negócio jurídico, que cabe a titularidade de pedir patente. Os cessionários e quaisquer outros sucessores não terão, a teor da norma básica, senão título derivado. Mas não terá direito publico subjetivo a obter patente aquele que não for autor, sucessor, ou legitimado originário. Isso justifica, constitucionalmente, o direito de adjudicação previsto no art. 49 do CPI/96. b) O fundamento da tutela será o invento novo e industrial Proteção ao invento O direito constitucional resulta do invento. Ou seja, a Carta protege a criação de uma nova solução para um problema técnico de utilidade industrial, seja ela invenção, seja outro tipo de solução, tal como a definida por modelo de utilidade. Não tem proteção por tal dispositivo constitucional as descobertas, ou seja, a revelação do já existente, mas ainda desconhecido. Proteção ao invento industrial O invento será industrial. Não têm guarida nesta cláusula (embora possa ter por outra) as criações não industriais, ou seja, as que não impliquem em mutação nos estados da natureza 126. Note-se que o Direito Constitucional Brasileiro não se opõe à proteção de nenhum campo tecnológico, nem a obriga. A Carta de 1988 não limita os campos da técnica onde se deve conceder patente pela norma ordinária, nem impõe que a proteção abranja todos os campos. Assim, é na Lei 9.279/96, e não na esfera constitucional, que se vai discutir a possibilidade e conveniência de patentear cada setor da tecnologia, obedecido sempre o balanceamento constitucional de interesses 127. Mas existe em sede constitucional a prescrição de que o invento seja industrial, excluindo aqueles que não possam ter tal classificação. Na noção constitucional de invento está abrangida, obviamente, tanto a invenção quanto o modelo de utilidade – foi com este propósito que este autor escolheu o termo mais abrangente do que o de invenção para propor inserir no texto da Carta 128. Requisito constitucional da novidade 125 Pontes de Miranda, Comentários..., p. 561. 126 Pontes de Miranda, Comentários..., p. 556. Douglas Daniel Domingues (A Propriedade Industrial na Constituição Federal de 1988, Ver. Forense 304, p. 69) suscita a hipótese de a redação ter desconstitucionalizado os inventos biotecnológicos; claro está que isso não ocorre. “Industrial”, aí, tem o sentido tradicional em Propriedade Industrial, que engloba sem cintilas de dúvida o setor biotecnológico. 127 O mesmo ocorria em relação à Constituição anterior. Ver Pontes de Miranda (1967: v. 5, 550-559). 128 Aqui também suscitou dúvidas, a meu ver, sem razão, Douglas Daniel Domingues, op. cit., p. 70. 35 Passemos à questão da novidade. O requisito de novidade das patentes é não só constitucional, mas na verdade ligado ao princípio fundamental da livre concorrência. Só aquilo que ainda não caiu no domínio público pode receber a exclusividade legal sem violar a liberdade da concorrência. É o que resulta da evolução constitucional especialmente na Suprema Corte Americana 129: Especificamente, a Corte julgou que o Artigo de Propriedade Intelectual requer que o Poder Legislativo (a) atue somente quando o aumento de um direito exclusivo promova “(i)novação, avanço e. . . agregre ao total de conhecimento útil”e (b) não reconheça os direitos exclusivos “cujos efeitos são para remover do domínio público conhecimento já existente, ou para restringir o acesso livre aos materiais já disponíveis” A Corte entendeu que esta rara limitação explícita ao poder concedido na mesma cláusula é reflexo da relutância dos seus inventores a um sistema de concessão do governo de monopólios no comércio – uma estratégia usada pela Coroa para recompensar seus favoritos. 130 Com efeito, uma vez mais citando Bonito Boats: O Poder Legislativo não tem poder para criar privilégios de duração ilimitada, nem pode “autorizar a concessão de patentes cujo efeito seja remover conhecimento já existente do teor do domínio público, ou restringir o livre acesso de material que já estivesse disponível” 131 Como nota o mesmo acórdão, essencial para a noção dos fundamentos constitucionais da propriedade intelectual em qualquer sistema jurídico, autorizar privilégios onde o invento já estivesse em domínio público seria o mesmo que criar leis privadas que invadissem o direito já adquirido por todos os interessados: Para Jefferson, um aspecto central do sistema de patentes numa economia de Mercado livre é que “uma máquina que tivermos a propriedade pode ser usada por todos os homens para qualquer uso para o qual ela é utilizável (13 Writings of Thomas Jefferson 335 (Memorial ed. 1904). Ele entendia que a concessão de patentes para uma idéia já revelada ao público é algo similar a uma lei retroativa, obstruindo o uso por terceiros daquilo que já possuiam anteriormente 132 A constitucionalidade da atividade inventiva 129 Yochai Benkler, op.cit. “Specifically, the Court held that the Intellectual Property Clause requires that Congress (a) act only when extending an exclusive right promotes “[i]nnovation, advancement, and . . . add[s] to the sum of useful knowledge” and (b) not recognize exclusive rights “whose effects are to remove existent knowledge from the public domain, or to restrict free access to materials already available.” The Court reasoned that this unusual express limitation on the power granted in the same clause is a reflection of its framers’ aversion to a system of government grants of monopolies in trade—a strategy used by the Crown to reward its favorites.” 130 (nota do original) Cf. Sears, Roebuck & Co. v. Stiffel Co., 376 U.S. 225, 229-30 (1964) (comparing patent grants under American and English systems). On the aversion to monopolies, and how it resonated in the thinking of the drafters of the Constitution about patents, see Edward C. Walterscheid, To Promote the Progress of Science and the Useful Arts: The Background and Origin of the Intellectual Property Clause of the United States Constitution, 2 J. Intell. Prop. L. 1, 37-38 (1994). 131 Congress may not create patent monopolies of unlimited duration, nor may it "authorize the issuance of patents whose effects are to remove existent knowledge from the public domain, or to restrict free access to materials already available." Graham v. John Deere Co. of Kansas City, 383 U.S. 1, 6 (1966). 132 For Jefferson, a central tenet of the patent system in a free market economy was that "a machine of which we were possessed, might be applied by every man to any use of which it is susceptible." 13 Writings of Thomas Jefferson 335 (Memorial ed. 1904). He viewed a grant of patent rights in an idea already disclosed to the public as akin to an ex post facto law, "obstruct[ing] others in the use of what they possessed before." Id., at 326-327. 36 Note-se que tem sido considerado necessário, como pré-requisito do privilégio, que a novidade tenha um atributo especial de salto inventivo, que impeça a criação de monopólios para aquisições tecnológicas irrelevantes. Disse a Suprema Corte Americana, em Sears, Roebuck & Co. v. Stiffel Co., 376 U.S. 225, 229-30 (1964): Inicialmente uma “invenção” genuína (...) deve ser demonstrada “ou caso contrário a demanda constante por novas utilizações, a mão pesada do tributo recairia sobre cada um pequeno avanço tecnológico no estado da arte.”133 Com toda certeza, não cabe usar a mão pesada da coação pública em cada mínima e irrelevante mutação no estado da arte. Quero crer que também no Direito Brasileiro o requisito da razoabilidade e proporcionalidade, num contexto de tanto impacto sobre o princípio da livre iniciativa, exige a atividade inventiva para a concessão de um monopólio instrumental – como são as patentes 134. c) O direito é essencialmente temporário. Como parte do vínculo que a patente tem com “o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”, o autor do invento tem uma exclusiva temporária – e todos terceiros têm, em sede constitucional, um direito sujeito a termo inicial de realização livre do invento ao fim do prazo assinalado em lei. d) o privilégio será concedido para a utilização do invento, Tal uso se fará, obviamente, de forma compatível os fins sociais a que o próprio dispositivo constitucional se volta. Não se trata, como no caso da lei de 1830, ou das Cartas de 1824, 1891, 1934 e 1946 (estas, jamais regulamentadas no pertinente), de recompensa monetária aos inventores, mas de um privilégio, ou seja, de uma situação jurídica individualizada e exclusiva, que recai sobre a própria solução técnica a qual, sendo industrial, vale dizer, prática, propiciará, no mercado, o retorno dos esforços e recursos investidos na criação. Têm-se assim, dois limites constitucionais para o alcance do privilégio, além do limite temporal: ele se exerce sobre a própria solução técnica que o justifica, e não sobre outros elementos da tecnologia ou sobre outros segmentos do mercado; e mesmo no tocante à oportunidade de mercado assegurada com exclusividade pela patente, o privilégio não poderá ser abusado, tendo como parâmetro de utilização compatível com o Direito o uso social da propriedade. 133 To begin with, a genuine "invention" (...) must be demonstrated "lest in the constant demand for new appliances the heavy hand of tribute be laid on each slight technological advance in an art." 134 > Suprema Corte dos Estados Unidos Graham v. John Deere Co., 383 U.S. 1 (1966) (…) The difficulty of formulating conditions for patentability was heightened by the generality of the constitutional grant and the statutes implementing it, together with the underlying policy of the patent system that "the things which are worth to the public the embarrassment of an exclusive patent," as Jefferson put it, must outweigh the restrictive effect of the limited patent monopoly. The inherent problem was to develop some means of weeding out those inventions which would not be disclosed or devised but for the inducement of a patent. This Court formulated a general condition of patentability in 1851 in Hotchkiss v. Greenwood, 11 How. 248. The patent involved a mere substitution of materials - porcelain or clay for wood or metal in doorknobs and the Court condemned it, holding: "[U]nless more ingenuity and skill . . . were required . . . than were possessed by an ordinary mechanic acquainted with the business, there was an absence of that degree of skill and ingenuity which constitute essential elements of every invention. In other words, the improvement is the work of the skilful mechanic, not that of the inventor." At p. 267. Hotchkiss, by positing the condition that a patentable invention evidence more ingenuity and skill than that possessed by an ordinary mechanic acquainted with the business, merely distinguished between new and useful innovations that were capable of sustaining a patent and those that were not. The Hotchkiss test laid the cornerstone of the judicial evolution suggested by Jefferson and left to the courts by Congress. 37 e) o pedido de privilégio será sujeito a exame substantivo de seus requisitos; A excepcionalidade da restrição à livre concorrência, através do privilégio, e o relevante interesse público envolvido, por força da cláusula final do inciso XXIX do art. 5º impõem que o direito exclusivo só seja constituído na presença dos requisitos legais e constitucionais, ou seja, como notou Paul Roubier, o procedimento da concessão da patente é sempre de direito público. Neste tema, veremos duas considerações centrais a nosso Parecer: a de que o procedimento de exame e concessão de patentes é plenamente vinculado, e de que se aplicam os princípios do devido processo legal a tal procedimento. Procedimento administrativo plenamente vinculado na concessão de patentes Nota Pontes de Miranda 135 que a tutela constitucional recai sobre o direito público subjetivo resultante da criação, que é o direito de pedir patente. O privilégio, propriamente dito, é posterior, e regulado pelo Direito Comercial. De outro lado, presentes os requisitos fixados impessoalmente em lei para a concessão da patente, há direito público subjetivo, de cunho constitucional, na concessão. Já não existe a opção das constituições anteriores, que deferia à União conceder patentes ou indenizar o titular da pretensão relativa ao invento. A única alternativa existente é a concessão, em procedimento constitucionalmente determinado como vinculado. Havendo interesse público no objeto da patente, abrem-se as alternativas constitucionais da desapropriação ou, então, de requisição – a qual se configura através do mecanismo de licença compulsória por interesse público. Diz Pontes de Miranda a respeito dessa impossibilidade de discricionariedade na concessão da patente: O privilégio não resulta do simples fato da criação intelectual – é direito posterior, comercial; o que resulta do fato da criação intelectual é o direito público subjetivo, direito constitucional ao privilégio. O privilégio vem da lei, denomina-se patente de invenção, denominação derivada do inglês letters patentI. Aliás, no Brasil, a expressão “carta-patente” é usada. A patente é que contém o privilégio, que a Constituição prometeu, e assegurou pelo direito público subjetivo e pela pretensão a ele. Praticamente, em vez de definir invenção, a lei determina os pressupostos para a patenteabilidade. É de notar-se, porém, que tal procedimento não pode contravir o texto, porque não se deixou à legislação ordinária adotar qualquer definição de invenção industrial. Desde que se trata de novo modo de fabricar produtos industriais, de máquina, ou de aparelho mecânico ou manual para a fabricação de tais produtos, ou de novo produto industrial, ou processo para se conseguirem melhores resultados, há invenção industrial. As leis e os tratados podem estender a proteção; não, porém, restringi-la 136. Certamente os entes públicos podem ter atos discricionários, de opção pela conveniência e pela oportunidade, como o que ocorria com os contratos de tecnologia examinados pelo INPI à luz da legislação anterior; o poder discricionário da autarquia, no caso, tinha 135 Idem, p.565. Vide, quanto ao tema, Foyer e Vivant, op.cit., p. 83; André Bertrand, La Proprieté Intellectuelle, Ed. Delmas, 1995, vol. II, p. 126; Mousseron, Le Droit au Brevet, Juris Classeur Brevets, fascículo 240; Singer (rev. Lunzer), The European Patent Convention, Sweeet and Maxwell, 1995, p. 218 e seg., Gama Cerqueira, Tratado, Vol. II, p. 192 e seg. 136 Comentários…. 38 completo amparo constitucional, como determinou o STF no acórdão publicado em RTJ 106/1057-1066. Não assim no caso de patentes, em face da garantia constitucional do procedimento vinculado. Pontes de Miranda o evidencia ainda mais claramente, ao indicar a mudança que ocorreu no texto constitucional pertinente com a Carta de 1967: O princípio do art. 153, § 24, 1ª parte, oriundo de 1824 e de 1891, tem duplo fito: reconhecer que os inventos industriais representam esforços, que merecem ser recompensados; mas a Constituição de 1967 retirou a referência à salvaguarda do lado social da invenção, permitindo que o Estado a vulgarizasse, mediante paga de prêmio justo, isto é, de acordo com o valor do invento e dos gastos que forem de mister. Hoje, só a desapropriação pode caber. Só se fala de privilégio temporário, e não mais de prêmio, no caso, esse, de ser de conveniência que se publicasse o invento. Ao § 24, 1ª parte, mais se descobre o intuito de proteger o inventor que sofre a desapropriação. Se foi mencionado o caso de necessidade, ou utilidade pública, ou interesse social na vulgarização, há motivos suficientes para que se desaproprie o invento, como qualquer outra propriedade 137. Procedimento de patentes e o devido processo legal Em um sem número de aspectos, o procedimento de exame de patentes se acha jungido às regras do procedural due process of law inserido no art. 5º LIV da Carta de 1988, que impõe pleno direito de defesa. Pertinente, assim, o dispositivo da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784, 29 de janeiro de 1999): Art. 2º A Administração Pública obedecerá dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; Como bem retratam Robert A. Choate e William Francis138, “A concessão do privilégio da patente pelo estado é um ato que tem uma tripla natureza. Por ser uma recompensa conferida ao inventor para sua invenção passada, é um ato de justiça. Como um incentivo aos esforços futuros, é um ato da órbita da política pública. Como uma concessão da proteção temporária no uso exclusivo de uma invenção particular, na condição de suas publicações imediatas e eventual entrega ao público, é um ato do acordo entre o inventor e o público no qual cede algo ao outro para que receba por aquilo que é concedido para ele.”139 Portanto, sabendo-se que a concessão de um monopólio implicará a restrição de liberdade de iniciativa de terceiros, o procedimento administrativo deverá obedecer aos princípios de 137 Comentários…. 138 in ob. cit., pg. 77. Original: “The concession of the patent privilege by the state is an act having a threefold character. As a reward bestowed the inventor for his past invention, it is an act of justice. As an inducement to future efforts, it is an act of round public policy. 139 As a grant of temporary protection in the exclusive use of a particular invention, on condition of its immediate publication and eventual surrender to the people, it is an act of compromise between the inventor and the public, wherein which concedes something to the other in return for that which is conceded to itself.“ 39 publicidade dos atos administrativos, de ampla defesa e do contraditório, todos contidos no princípio maior do devido processo legal. Ele se materializa, por exemplo, na medida em que o depósito do pedido de privilégio é publicado em revista oficial, a fim de que terceiros interessados possam a ele se opor ou apresentar subsídios ao exame do invento. Aliás, não se pode olvidar que o princípio da publicidade tem guarida constitucional, tanto em matéria processual, quanto administrativa, haja vista o teor dos artigos 93, IX e art. 137 caput da Constituição Federal. O resumo dos direitos constitucionais relativos a uma patente Num importante julgado, a Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso (Sears, Roebuck & Co. V. Stiffel Co., 376 1964), tendo o Sr. Ministro Black como relator resumiu com precisão os requisitos constitucionais de uma patente: A concessão de uma patente é a concessão de um monopólio legal; certamente, a concessão das patentes em Inglaterra era uma exceção explícita à lei de James I que proibia monopólios. As patentes não são dadas como favores, como eram os monopólios dados pelos monarcas da dinastia Tudor, mas têm por propósito incentivar a invenção recompensando o inventor com o direito, limitado a um termo de anos previstos na patente, pelo qual ele exclua terceiros do uso de sua invenção. Durante esse período de tempo ninguém podem fazer, usar, ou vender o produto patenteado sem a autorização do titular da patente. Mas, enquanto se recompensa a invenção útil, os "direitos e o bem-estar da comunidade devem razoavelmente ser considerados e eficazmente guardados”. Para esses fins, os prérequisitos de obtenção da patente tem de ser observados estritamente, e quando a patente é concedida, as limitações ao seu exercício devem ser aplicadas também estritamente. Para começar, a existência de uma "invenção genuína" (...) deve ser demonstrada "para que, na demanda constante por novos inventos, a mão pesada do tributo não seja imposta em cada mínimo avanço tecnológico" Uma vez a patente seja concedida: a) deve-se interpretá-la estritamente “ b) não pode ela ser usada para se chegar a qualquer monopólio além daquele contido na patente" c) o controle do titular da patente sobre o produto, a partir do momento em que esse quando deixa suas mãos, é estritamente; d) o monopólio da patente não pode ser usado contra as leis antitruste. Finalmente, (...)" quando a patente expira o monopólio criado por ela expira também, e o direito de fabricar o artigo - inclusive o direito a fazer precisamente na forma em que foi patenteada - passa ao público.140 140 Sears, Roebuck & Co. V. Stiffel Co., 376 U.S. 225 (1964) Mr. Justice Black delivered the opinion of the Court. The grant of a patent is the grant of a statutory monopoly; indeed, the grant of patents in England was an explicit exception to the statute of James I prohibiting monopolies. Patents are not given as favors, as was the case of monopolies given by the Tudor monarchs, but are meant to encourage invention by rewarding the inventor with the right, limited to a term of years fixed by the patent, to exclude others from the use of his invention. During that period of time no one may make, use, or sell the patented product without the patentee's authority. But in rewarding useful invention, the "rights and welfare of the community must be fairly dealt with and effectually guarded. To that end the prerequisites to obtaining a patent are strictly observed, and when the patent has issued the limitations on its exercise are equally strictly enforced. To begin with, a genuine "invention" (...) must be demonstrated "lest in the constant demand for new appliances the heavy hand of tribute be laid on each slight technological advance in an art." 40 A questão da anuência em face da Constituição Indicados os pressupostos constitucionais da concessão das patentes, vamos agora aplicálos diretamente à questão da anuência da ANVISA prevista no art. 229-c do CPI/96. O nosso argumento constitucional Como vimos, de nossa análise e com os inestimáveis aportes de Pontes de Miranda, no inventor goza de um direito subjetivo de fundo constitucional, que é o de pedir o exame dos pressupostos legais de concessão do privilégio e, uma vez declarados, obter o privilégio. Tais pressupostos têm, todos, derivação constitucional, mas se corporificam na lei ordinária. Esta, no caso a Lei 9.279/96, estabelece as hipóteses impessoais de concessão do privilégio; cada um dos pressupostos da patente tem radicação constitucional, seja do texto do art. 5º. XXIX da Carta, seja da tessitura complexa dos direitos e interesses constitucionalmente assegurados. É possível que a lei ordinária efetue equações diversas de direitos e obrigações; mas, em qualquer das formulações, ela corporifica (“...a lei assegurará...) os elementos essenciais definidos da Carta. Assim, a Constituição ampara como incondicionado e assegurado o privilégio desenhado pelo texto fundamental, e especificado pela lei ordinária. Repita-se: a situação jurídica do inventor nasce como um direito subjetivo constitucional. Não é compatível com a natureza desses direitos uma decisão discricionária da Administração, a qual, levando em conta seus interesses, e a conveniência e oportunidade do ente público, venha a conceder ou não, caso a caso, aquele privilégio que, no dizer de Pontes de Miranda, a Constituição prometeu. Pode a lei – ancorando-se na presença de interesses constitucionais relevantes – denegar a todos, isonomicamente, certas categorias de privilégios industriais. Mas não há espaço para, integrando-se o direito subjetivo constitucional com a lei ordinária que o assegura, assegurar a uns e denegar a outros, por razões de momento ou de oportunidade, a promessa constitucional. Assim, o sistema constitucional brasileiro em vigor, pelo menos desde a Carta de 1967, não acolhe a manifestação discricionária da Administração, no procedimento de concessão de patentes. O argumento constitucional contrário Não obstante a solidez de nossa convicção, cabe apreciar nesse passo os respeitáveis argumentos contrários ao entendimento expresso acima. Exemplo de tal posição é a opinião Once the patent issues: it is strictly construed, it cannot be used to secure any monopoly beyond that contained in the patent, the patentee's control over the product when it leaves his hands is sharply limited, and the patent monopoly may not be used in disregard of the antitrust laws. Finally, (...), when the patent expires the monopoly created by it expires, too, and the right to make the article - including the right to make it in precisely the shape it carried when patented - passes to the public. 41 expressa por Ana Paula Jucá da Silveira e Silva, Juliana Vieira Borges Vallini, como se lê abaixo: (...) os pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos passaram a ter sua análise obrigatória pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde a Medida Provisória 2.006, de 15/12/1999. Nesse instrumento legal foi criado o instituto da anuência prévia, consolidado pela Lei 10.196/01, no artigo 229-C. (...) O licenciamento compulsório é, inclusive, um instrumento legal de que o governo dispõe para, em caso de medicamentos patenteados e com altos custos, dar o acesso devido a sua população. Apesar de valioso, esse instrumento legal não é muito utilizado, uma vez que pressupõe a ‘‘desapropriação’’ de um direito adquirido. De forma a diminuir a necessidade de uso dessa salvaguarda, a análise criteriosa dos requisitos legais dos processos de patentes é indispensável. A análise, que sempre deve respeitar o princípio da legalidade, evita a concessão imerecida de patentes e conseqüentemente o monopólio indevido. Sendo assim, considera-se, de acordo com o artigo 2º da LPI/96, que a concessão indevida de uma patente pode significar, em última instância, prejuízo ao interesse social com possível risco à saúde pública e ao desenvolvimento tecnológico do país. Isso pode se refletir negativamente no bem-estar dos consumidores e na restrição dos benefícios advindos dos avanços tecnológicos já descritos no estado da técnica. É importante ressaltar que, desde a Constituição de 1988, o conceito de saúde sofreu grande evolução, deixando de ter o seu foco principal voltado para a questão assistencial (tratamento de doenças) e passando a dar maior ênfase ao aspecto de prevenção e promoção. Essa evolução é claramente percebida no artigo 196 da CF/88. A Constituição Federal de 1998 preceitua que a propriedade deve atender a sua função social (art. 5º, XXIII — CF/88) e que a ordem econômica deve obedecer ao princípio da função social da propriedade (art. 170,III — CF/88), como garantia dos ditames de justiça social. É o reconhecimento constitucional da supremacia do ‘‘bem comum‘‘ sobre o ‘‘direito individual a propriedade’’. Pode-se falar em existência de direitos fundamentais, como bem caracteriza o professor Paulo Gustavo Gonet Castelo Branco em texto de sua autoria denominado Aspectos da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais (verbis): ‘‘Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que este tem, em relação ao indivíduo, primeiro, deveres e, depois, direitos’’. Ressalta-se a importância do papel da indústria no desenvolvimento tecnológico desse setor. Entretanto, diante desses bens específicos, a interveniência do órgão da saúde é muito importante. Essa atuação materializa o princípio que hoje serve de fundamento para o Direito Público e que vincula a administração em suas decisões, que é o de que o interesse público, tutelado pelo Estado, tem supremacia sobre o privado. Importante notar que, diante do cenário global, essa atividade não traz grandes impactos econômicos ao setor privado e beneficia sobremaneira a população. 141 Muito embora as autoras não propugnem literalmente o exercício discricionário da Administração, denegando patentes com base no interesse manifestado pela ANVISA, fica claro do texto a indicação do art. 196 da Carta como fundamento da ação da entidade federal no procedimento de concessão de patentes. Diz tal disposição, e a que se lhe segue: 141 Ana Paula Jucá Da Silveira E Silva, Juliana Vieira Borges Vallini, Patentes farmacêuticas e a anuência prévia, Correio Braziliense, 15/03/2004 42 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Sem dúvida, é de extrema relevância a disposição constitucional; está clara a prevalência de tal interesse público, mesmo porque expressa o compromisso de ação estatal positiva para a tutela dos direitos à vida, inscritos no caput do art, 5º. da Carta. Mas, em nenhuma hipótese, tal disposição aponta para a discricionariedade da Administração na concessão de patentes. Tal se dá porque a os interesses propugnados podem se implementar sem a negativa frontal dos direitos constitucionais do titular do invento, por ação discricionária da Administração. A moderação do monopólio instrumental da patente, para prevalência do interesse público, pode se fazer sentir – por exemplo – pelo mecanismo da licença compulsória, ademais sancionado pelo consenso internacional. A atuação da Constituição, através dos critérios de razoabilidade ou proporcionalidade, exige a contenção e moderação quando se coarctam direitos privados para prestígio dos interesses público. A aplicação de dispositivos como os citados sob o plano constitucional encontrou um parâmetro de extrema relevância no julgado da Corte Constitucional Alemã em acórdão de 5-XII-1995, X ZR 26/92, discutindo a Lei Federal Alemã quanto aos requisitos da licença obrigatória: Como el otorgamiento de una licencia obligatoria implica una gran injerencia en el derecho de exclusividad del titular de la patente, protegido por la ley y la Constitución... al sopesar los intereses ha de observase el principio de proporcionalidad. Por lo tanto no se puede otorgar una licencia obligatoria por un medicamento, cuando la demanda de interés público puede ser satisfecha con otros preparados supletorios, más o menos equivalentes” 142. Tais princípios, que também decorrem da cláusula do devido processo legal incluída na Constituição Brasileira, levam a que, no equilíbrio entre dois requisitos constitucionais – a proteção da propriedade e o do interesse social – aplique-se o princípio da proporcionalidade. Ou seja, só se faça prevalecer o interesse coletivo até a proporção exata, e não mais além, necessária para satisfazer tal interesse. O mesmo princípio de proporcionalidade, ancorado no art. 5º da Carta de 1988 143, tem recebido constante apoio da jurisprudência de nossa Suprema Corte. Assim, seguidamente o STF tem entendido que quaisquer coerções aos direitos de raiz constitucional devem ser moderadas por tal princípio, para assegurar que somente as limitações necessárias sejam impostas, e assim mesmo até o indispensável para atingir as finalidades legais 144. 142 Apud Daniel R. Zuccherino/ Carlos O. Mitelman; Marcas y Patentes en el Gatt – Régimen Legal. Ed. Abeledo-Perrot 143 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 144 Um exemplo recente: HC-76060 / SC, Relator Ministro SEPULVEDA PERTENCE, 31/03/1998 - Primeira Turma. Ementa: DNA: submissão compulsória ao fornecimento de sangue para a pesquisa do DNA: estado da questão no direito comparado: precedente do STF que libera do constrangimento o réu em ação de investigação de paternidade (HC 71.373) e o dissenso dos votos vencidos: deferimento, não obstante, do HC na espécie, em que se cuida de situação atípica na qual se pretende — de resto, apenas para obter prova de reforço — submeter ao exame o pai presumido, em processo que tem por objeto a pretensão de terceiro de ver-se declarado o pai biológico da criança nascida na constância do casamento do paciente: hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se impõe evitar a afronta à 43 Entenda-se bem que minha objeção se dirige precipuamente à ação discricionária da administração, caso a caso. Nesta tipo de atuação, não só se enfrenta, em nome do interesse público, a propriedade, mas também a isonomia. Dois objetos de intensa tutela no nosso sistema constitucional. Sempre entendi, de outro lado, que sob o prisma constitucional, o balanceamento de interesses poderia levar, em sentido geral, a escolha de certos objetos como insuscetíveis de patenteamento. Por exemplo – o que é aceito geralmente, diretamente ou por via transversaa inexistência de monopólio sobre procedimentos cirúrgicos da medicina humana. Mas não por ação discricionária. Repita-se: o Direito Constitucional Brasileiro não se opõe à proteção de nenhum campo tecnológico, nem a obriga. A Carta de 1988 não limita os campos da técnica onde se deve conceder patente pela norma ordinária, nem impõe que a proteção abranja todos os campos. Assim, é na Lei 9.279/96, e não na esfera constitucional, que se vai discutir a possibilidade e conveniência de patentear cada setor da tecnologia, obedecido sempre o balanceamento constitucional de interesses. Quando se nega, geralmente, a patente, deixa-se de prestigiar completamente um campo de criação tecnológica, em favor de um interesse público. Mas se o faz em estrito respeito à isonomia. Não assim, o proposto – contra a Carta de 1988 – pelo artigo 229-C da Lei 9.279/96. Conclusão quanto à constitucionalidade da anuência da ANVISA O direito à obtenção da patente nasce, no sistema constitucional brasileiro, em sede constitucional, e cada um de seus requisitos se ancora na entretela da Carta de 1988. A lei de patentes – 9.279/96, configura o modelo constitucional, devendo realizar o balanceamento dos interesses constitucionalmente protegidos. O procedimento administrativo de concessão do privilégio essencialmente declara a existência dos pressupostos desenhados na Constituição e corporificados na legislação ordinária. Como tal, o procedimento é necessariamente vinculado, e nele não cabe qualquer medida de discricionariedade. Não pode o órgão público competente dar patentes onde – em sede constitucional – se veda tal concessão, como, por exemplo, no caso de criações abstratas, inclusive a de programas de computador em si mesmos, nem pode aplicar critérios de conveniência e oportunidade. Assim é que repugna à Constituição em vigor o disposto no Art. 229-C da Lei 9.279/96, se entendida a anuência como manifestação discricionária do interesse da Administração. Da leitura compatível com a Constituição No entanto, deve-se sempre o máximo respeito ao instrumento legislativo votado pelo Poder Legislativo da União, especialmente numa proposta gerada pelo Poder Executivo. As intenções de aperfeiçoar o processo de análise de patentes pelo aporte técnico da ANVISA só podem ser prestigiadas – em nada desfavorece a Carta da República, e em tudo a dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação na perícia substantivaria. 44 prestigia, a manifestação do juízo técnico de uma importante entidade pública, cujos técnicos são reconhecidamente do mais alto preparo, e da mais elogiável diligência. Pois se distinguem cintilantemente o aporte técnico da ANVISA, precioso e irrenunciável, e manifestação discricionária da mesma entidade. Pode certamente a lei, sem descrédito da Constituição, e antes com avanço de seus princípios, vincular a concessão da patente farmacêutica ao pronunciamento da ANVISA. Entendo mesmo que a lei possa erigir em critério de validade da patente tal pronunciamento. Cabe, assim, dar eficácia à norma em questão, entendendo “anuência” na sua acepção mais compatível com a Carta da República 145, ou seja, de que se imponha o pronunciamento técnico. Como todos os interessados, a ANVISA pode se pronunciar quanto aos requisitos de patenteabilidade; mas, no caso dela, há um poder-dever. O art. 229-c obriga a que se manifesta, e compele ao INPI que solicite tal pronunciamento. E que os considere, sem estar por eles vinculado. Em suma: há direito de ser ouvida, dever de falar por parte da ANVISA; dever de solicitar o pronunciamento, dever de considerar o aporte técnico, como a contribuição de qualquer um, pelo INPI, mas apenas limitado, na decisão de conceder a patente pelo respeito intelectual a que se deve a especialistas de um outro órgão público. Mas nem o INPI, nem a ANVISA podem recusar uma patente, se os requisitos legais, prefigurados na Carta da República estão presentes. Entendo que tal acepção não conflita com os parâmetros da verfassungskonforme auslegung 146, eis que a ação administrativa de colaboração técnica é um minus face ao querer legislativo impotente – e sua plenitude - perante a Constituição, mas de forma alguma contradita o querer legislativo. A colaboração entre as entidades federais pertinentes estava na voluntas legis, embora como gradus em face da ação discricionária; qui potest majus potest minus¸ e a razão aponta que os propósitos constitucionais e legais são valorizados pelo dispositivo interpretado de acordo com o teor da carta fundamental. . Os limites da apreciação de imprivilegiabilidadedo art. 18, I do CPI/96 145 Clèmerson Merlin Clève, A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo, Ed. RT, 2000, 2a. ed., p. 263 e ss. Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 100. Eduardo Fernando Appio, Interpretação conforme a Constituição, Curitiba, Juruá, 2002, p. 75 e ss. Lenio Luiz Sreck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002, p. 518). 146 “O principio da interpretação conforme a constituição (verfassungskonforme auslegung) é principio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse principio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF - em sua função de corte constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo poder legislativo. por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a constituição contrariar o sentido inequívoco que o poder legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o principio da interpretação conforme a constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo. - em face da natureza e das restrições da interpretação conforme a constituição, tem-se que, ainda quando ela seja aplicável, o e dentro do âmbito da representação de inconstitucionalidade, não havendo que converter-se, para isso, essa representação em representação de interpretação, por serem instrumentos que tem finalidade diversa, procedimento diferente e eficácia distinta. - no caso, não se pode aplicar a interpretação conforme a constituição por não se coadunar essa com a finalidade inequivocamente colimada pelo legislador, expressa literalmente no dispositivo em causa, e que dele ressalta pelos elementos da interpretação lógica”. Rp 1417 / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator: Min. MOREIRA ALVES Julgamento:09/12/1987, TRIBUNAL PLENO, Publicação: DJ DATA-15-04-88 PG-08397 EMENT VOL-01497-01 PG-00072 45 Embora não seja esse meu entendimento, há, no entanto, na mesma Resolução uma observação com que concordo inteiramente 4) Não devem ser considerados como atentatórios à saúde pública os pedidos de patente de invenção ou modelo de utilidade que possuam alguma finalidade benéfica, ainda que eventualmente tragam efeitos colaterais (a serem claramente informados ao consumidor, quando da comercialização do produto) ou efeitos nocivos advindos de seu mau uso. Exemplificando, o disparo indevido de uma arma de fogo não é impedimento para a patenteabilidade das inovações técnicas que nela se façam; Expressa aqui a associação a mais uniformemente aceita interpretação deste tipo de imprivilegiabilidade. Disse, anteriormente, quanto a esse dispositivo 147: A lei 9.279/96 lista como não patenteáveis, apenas: os inventos contrários à moral, à segurança e à saúde pública 148; vale dizer, os que sejam essencialmente voltados a esses objetivos anti-sociais. Veja-se que a lei em vigor já não se fala, como na interior, em inventos “de finalidade” imoral, etc. Na história da Propriedade Industrial brasileira, tais casos são virtualmente inexistentes. Não se fará, através desse dispositivo, política de preços ou de conveniência da política de saúde. Pode-se deixar de dar patente, com base no art. 18, I, da Lei 9.279/96, todas as vezes que o objeto do pedido, quando posto em prática, for contrário à saúde pública 149. Não para o que a exclusividade da patente puder resultar em ônus maior para o financiamento ou administração da saúde pelo poder público. Lógico que os interesses de limitar o monopólio instrumental da patente em prol do interesse público são relevantíssimos. Há meio de fazê-lo, que aliás tem-se demonstrado eficazes, como a licença compulsória, o escrutínio da Lei de Defesa da Concorrência pelo CADE, e, de certa maneira, o controle de preços de medicamentos vendidos ao público. Não é por aplicação do art. 18, I da Lei 9.279/96 que se pode fazer tal controle. Note-se, além disso, que o critério do art. 18, I do CPI/96 também não o mesmo que seria aplicável ao registro sanitário do produto para venda. Certo é que um produto contrário à saúde pública seria insuscetível de registro. Mas não é o fato de ainda não se ter, ou se ter negado o registro, que importará, por si só de aplicação da regra em questão. Na verdade, diz o art. 4quater da Convenção de Paris150 147 Art. 18. Não são patenteáveis: I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas; 148 O CPI 1971 ainda mencionava os cultos religiosos e sentimentos dignos de respeito e veneração. 149 Pollaud-Dulian, La Brevetabilité des Inventions, op. Cit. P. 175. O autor aponta o fato de que, nesses casos, a jurisprudência tem feito ponderação de interesses. 150 Que é, ao contrário de TRIPs, norma cogente no país, sob as eventuais limitações constitucionais. TRIPs, por sua vez, mencionando o que cada estado pode prever em sua legislação nacional, assim diz: ART.27 2 - Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a exploração é proibida por sua legislação. 46 Art. 4o quater - Não poderá ser recusada a concessão de uma patente e não poderá ser uma patente invalidada em virtude de estar a venda o produto patenteado ou obtido por um processo patenteado sujeita a restrições ou limitações resultantes da legislação nacional. Assim é que se a ANVISA entender que o objeto da patente, posto em prática, será contrário a saúde pública, deverá expressar tal opinião técnica, com os dados que suportem tal convicção, para apreciação do INPI. Mas a simples inexistência ou mesmo negativa de registro sanitário não será relevante para se conceder ou não a patente. Em resumo: Não se pode interpretar o art. 229-C da Lei 9.279/96, com a redação introduzida pela Lei 10.196, de 14.2.2001, como dando à ANVISA um poder discricionário de negar ou admitir patentes com base no juízo de conveniência e oportunidade da Administração; isso seria é incompatível com o teor do art. 5º., XXIX da Carta de 1988, o qual cria direito subjetivo constitucional ao exame dos pressupostos legais de patenteabilidade, em procedimento vinculado. Ë compatível com a Carta de 1988, e prestigia os dispositivos relativos à tutela da vida e da saúde, a interpretação do mesmo dispositivo que comete à ANVISA o poder-dever de pronunciar-se sobre a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos, tanto no tocante aos pressupostos de patenteabilidade, quanto às condições pertinentes de imprivilegiabilidade, especialmente a ofensa à saúde pública. Assim, todos os interessados têm o poder de manifestar-se perante um procedimento de patentes; mas a ANVISA, no tocante aos pedidos de patentes das áreas de sua competência, tem o dever legal de fazê-lo. E o INPI tem o dever legal de ouvir todos interessados, inclusive a ANVISA, para decidir sobre tais pedidos. E vai fazê-lo no exercício pleno de sua competência vinculada. A questão da negativa gené rica de patente de uso farmacêutico Seria simples dizer-se que, ao avisar ao público que não mais anuiria em patentes de segundo uso farmacêutico, a ANVISA estaria criando hipótese de negativa de patente, não prevista em lei. Ora, a Carta de 1988 diz que “a lei assegurará”, seguindo-se a cláusula em que cria o direito subjetivo constitucional de se pedir patente. É clara hipótese de reserva legal, em particular depois de alongar-nos, na seção anterior, em demonstrar que tal cláusula terá realização necessária na lei ordinária, com as condicionantes que resultarem da presença de outros interesses constitucionalmente tutelados. Ora, não sou daqueles que dizem que os órgãos do poder Executivo não podem criar normas. Ao contrário, em livro anterior 151, afirmei que um órgão administrativo pode criar norma vinculante. E um dos exemplos citados foi exatamente o Ato Normativo 15/1975 do INPI: A nossa excelsa corte, em longo e minucioso acórdão relatado pelo Ministro Oscar Dias Correia 152, enfrentou exatamente a insurgência de impetrante contra atos fundados no Ato 151 A Eficácia do Decreto Autônomo, (Estudos de Direito Público), Lumen Juris, 2002, 152 RTJ 106/1057, decisão de 5 de agosto de 1983 47 Normativo em questão, alegando a violação dos limites do regulamento para fiel execução. No acórdão unânime, o Supremo identificou na norma legal de regência do controle de transferência de tecnologia uma inegável atribuição de poder discricionário, sem que a diretiva de autolimitação ficasse sujeita à pecha de incompatibilidade constitucional. O que fez a Corte Suprema foi contratipar os elementos da diretiva em face dos propósitos da lei autorizativa, para sopesar a compatibilidade da expressão prescritiva e geral do poder discricionário com os fins gerais da norma do Poder Legislativo, concessiva de autorização. A razoabilidade da diretiva, em face do propósito da lei, e a óbvia mutabilidade dos critérios de atuação administrativa, insuscetíveis de regração em sede legal, são os claros motivos da decisão jurisprudencial 153. Resulta deste importantíssimo aresto a confirmação de que o nosso Direito Administrativo aceita como plausível que, no exercício da discricionariedade o titular do respectivo poder determine regras de comportamento a seus subordinados, com base na potestade hierárquica. Ocorre que, para legitimar essa ação normativa, o pressuposto é que, exatamente, haja poder discricionário: Nem se pode postular - como na verdade ninguém o fez - que o atual texto constitucional vede o exercício do poder discricionário. Nem se firmou jamais que a manifestação do poder discricionário deva ser necessariamente subjetiva, pontual, expressa em cada caso por um ato condição. A oportunidade e conveniência, objeto da avaliação do agente público, não será tão fugaz, tão individualizada, tão subjetiva, que só comporte uma manifestação única, inaugural, irredutível a um parâmetro, ainda que tentativo. Note-se, aliás, que mesmo no caso de regulamento para fiel execução, a possibilidade lógica de baixar tal regulamento presume alguma parcela de escolha discricionária entre as hipóteses do comando legal. É um truísmo a mais do Direito Administrativo 154. Conclusão quanto à possibilidade de a ANVISA proibir patentes de uso Não pode a ANVISA denegar, em geral, patentes de uso farmacêutico. A vedação de patentes só pode ser feita em lei, pela reserva que faz o art. 5º., XXIX, da Carta de 1988; e a lei ordinária, que poderia fazer tal exceção, não o faz. De outro lado, não pode a ANVISA baixar norma, auto-limitando-se na concessão de anuência previa a esse tipo de patentes, eis que não tem o poder discricionário de denegar tal concessão. O que não poderia fazer singularmente, está - a fortiori - impedida de fazer genericamente. 153 Odete Medauar, op. cit., p. 44: ‘O poder discricionário não pode ser exercido com irracionalidade: contradições entre motivos e conseqüências ”. 154 Diz Luciano Ferreira Leite, op.cit., p. 31: “Decorre a discricionariedade regulamentar, de autorização contida no comando das normas legais. Nessa hipótese, escolhem as autoridades administrativas uma ou mais, dentre uma pluralidade de soluções contempladas na lei” Idêntico entendimento tem Celso Antônio Bandeira de Mello: “A matéria do regulamento, seu objeto, é a disciplina das situações em que cabe discricionariedade administrativa no cumprimento da lei, da qual resultariam diferentes comportamentos administrativos possíveis”, Ato Administrativo e direitos dos administrados, Ed. RT, 1981, p. 91. 48 Conclusão geral do parecer Assim é que concluímos: a) Aceitas no Direito Brasileiro há pelo menos 120 anos, as reivindicações de uso não foram recusadas pela legislação vigente. Embora submetidas a certos requisitos especiais quanto à novidade, atividade inventiva e, talvez, utilidade industrial, resultantes de sua natureza específica, são plenamente manejáveis no direito pátrio. b) Não obstante tais conclusões, as reivindicações de uso merecem atenção especial do Direito, para assegurar que através delas se implemente o equilíbrio de interesses exigido pela Constituição, sem transformá-las em instrumento de extensão imerecida do privilégio, ou frustração dos interesses sociais no livre uso dos conhecimentos técnicos. c) No atual sistema legal, não existe vedação nenhuma a uma reivindicação de uso farmacêutico, primeiro ou undécimo, desde que se provada à saciedade e com toda atenção que merece a proteção à vida e a saúde, a novidade e atividade inventiva do novo uso¸ em face ao estado da técnica. d) Tal reivindicação não colide necessariamente, ademais, com a vedação aos métodos de tratamento e diagnósticos, prevista no art. 10, VIII da Lei. 9.279/96., desde que o relatório descritivo suporte uma reivindicação dirigida a um fim dotado de utilidade industrial. e) Não se pode interpretar o art. 229-C da Lei 9.279/96, com a redação introduzida pela Lei 10.196, de 14.2.2001, como dando à ANVISA um poder discricionário de negar ou admitir patentes com base no juízo de conveniência e oportunidade da Administração; isso seria é incompatível com o teor do art. 5º., XXIX da Carta de 1988, o qual cria direito subjetivo constitucional ao exame dos pressupostos legais de patenteabilidade, em procedimento vinculado. f) É compatível com a Carta de 1988, e prestigia os dispositivos relativos à tutela da vida e da saúde, a interpretação do mesmo dispositivo que comete à ANVISA o poder-dever de pronunciar-se sobre a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos, tanto no tocante aos pressupostos de patenteabilidade, quanto às condições pertinentes de imprivilegiabilidade, especialmente a ofensa à saúde pública. g) Não pode a ANVISA denegar, em geral, patentes de uso farmacêutico. A vedação de patentes só pode ser feita em lei, pela reserva que faz o art. 5º., XXIX, da Carta de 1988; e a lei ordinária, que poderia fazer tal exceção, não o faz. h) Assim, todos os interessados têm o poder de manifestar-se perante um procedimento de patentes; mas a ANVISA, no tocante aos pedidos de patentes das áreas de sua competência, tem o dever legal de fazê-lo. E o INPI tem o dever legal de ouvir todos interessados, inclusive a ANVISA, para decidir sobre tais pedidos. E vai fazê-lo no exercício pleno de sua competência vinculada, decidindo ou recusando o pedido, sem outros condicionantes senão o respeito intelectual à opiniões exaradas no processo, pelos interessados em geral, e, isonomicamente, pela ANVISA. 49 i) De outro lado, não pode a ANVISA baixar norma, auto-limitando-se na concessão de anuência previa a esse tipo de patentes, eis que não tem o poder discricionário de denegar tal concessão. O que não poderia fazer singularmente, está - a fortiori impedida de fazer genericamente. Denis Borges Barbosa OAB/RJ 23.865 50 Anexo A DisposiçõesTransitórias da Lei de propriedade Industrial Resolução da ABPI nº 2 Face à edição da medida Provisória nº 2.006, de 14 de dezembro de 1999, republicada sob nº 2.014-1, em 30 de dezembro do mesmo ano, a ABPI constituiu um Grupo de Trabalho para analisar as implicações legais dessa medida, tendo o Conselho Diretor aprovado a Resolução abaixo transcrita, que foi enviada ao presidente da República, ao presidente do Senado, ao presidente da Câmara dos Deputados, aos presidentes das diversas Comissões do congresso, ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ao Presidente do INPI e aos presidentes de CNI, Abifarma e Interfarma. Tendo examinado a Medida Provisória de nº 2.006, de 14 de dezembro de 1999, republicada, em 30 de dezembro de 1999, sob nº 2.014-1, com emendas, a ABPI, fruto das considerações feitas por Grupo de Trabalho que nomeou para esse fim, concluiu que nela há disposições contrárias a normas constitucionais e legais, pelos motivos que enumera a seguir: (...) 5. Quanto ao artigo 229-C, respeitante a pedidos pendentes, inclusive de "pipeline", produtos e processo farmacêuticos, trata-se de medida de extrema violência. Além de confundir duas ordens de coisas - o exame técnico e jurídico da patenteabilidade de um produto em si à luz da lei vigente e as condições específicas da comercialização de um produto em concreto, promovendo uma gritante invasão na competência do INPI, fixada pelo artigo 240 da Lei de Propriedade Industrial - a Medida Provisória, ao subordinar a concessão de patente à anuência prévia da ANVS, fere frontalmente o disposto no art. 4° quater da Convenção da União de Paris, que diz: "Não poderá ser recusada a concessão de uma patente e não poderá ser uma patente invalidada em virtude de estar à venda o produto patenteado ou obtido por um processo patenteado sujeita a restrições ou limitações resultantes da legislação nacional." Outrossim, ao discriminar o gozo de direitos de patente em função de setores tecnológicos distintos, a Medida Provisória 2.014/99 viola inequivocamente o disposto no art. 27.1, do Acordo TRIPs, que dispõe que "...as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto ao seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente." À vista dessas considerações, a ABPI considera a Medida Provisória em questão atentatória à Constituição Federal, nos seus artigos 5º, incisos XXXVI, LIV, LV, à Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 240, à Convenção da União de Paris, em seu artigo 4º quater e ao Acordo TRIPS, em seus artigos 27 e 65.5. Entende , ainda, que o ato governamental entra em grave colisão com os compromissos que o País firmou com a comunidade internacional, 51 já que, além dos conflitos pontuais examinados na presente Resolução, ignora especialmente a disposição e o espírito do referido artigo 65, item 5 do referido Acordo TRIPS, que não admite alterações legislativas posteriores à adesão àquele Tratado suscetíveis de reduzir o grau de consistência com as disposições nele previstas. De resto, é manifestamente incompatível com a própria interpretação do INPI quanto ao início da vigência do Acordo TRIPS, fixada no Parecer DIRPA nº 01/97. Por tudo isso, a ABPI recomenda o questionamento do ato em foco pelos remédios previstos na Constituição Federal. São Paulo, 27 de janeiro de 2000 52 Anexo B Pedidos de Patente para Produtos e processos Farmacêuticos Resolução da ABPI nº 16 O Comitê Executivo e o Conselho Diretor da ABPI aprovaram em 12 de setembro de 2001 a Resolução abaixo transcrita, a partir do estudo feito pelo Grupo de Trabalho que examinou o tema a qual foi remetida ao Presidente da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Presidente INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial Anuência Prévia da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Lei 10.196/01 ART. 229-C da Lei 9.279/96 Considerando que: a) incumbe ao INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial, nos termos do art. 2o da Lei 5.648/70 (1) , a execução das normas que regulam a propriedade industrial, notadamente a concessão dos registros de marca ou de desenho industrial e das patentes de invenção ou de modelo de utilidade previstas na Lei 9.279/96; b) a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos foi condicionada à prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em virtude da Lei 10.196/01, que introduziu na Lei 9.279/96 o art. 229-C (2); c) a Lei 10.196/01 não explicitou qual(is) o(s) aspecto(s) que devem ser examinados pela ANVISA, no tocante aos pedidos de patente para produtos ou processos farmacêuticos que lhe são encaminhados para anuência; d) o Comunicado INPI/DIRPA 02/2001 (3), expedido pela Diretoria de Patentes do INPI em 02 de Abril de 2001, deliberou encaminhar à ANVISA os pedidos de patente de produtos ou processos farmacêuticos antes de seu deferimento pelo INPI, somente publicando o despacho de deferimento após a anuência formal da ANVISA; e) estas novas disposições têm suscitado diversas dúvidas entre os operadores da área, notadamente agentes da propriedade industrial, funcionários públicos e titulares dos pedidos de patente, a ABPI - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, firma a presente resolução, concluindo e recomendando que: 1) Pela sistemática introduzida pela Lei 10.196/01, a concessão de patentes para produto ou processo farmacêutico depende de procedimentos a terem curso junto ao INPI e a ANVISA. Diante da omissão da lei em delimitar expressamente os aspectos que devem ser apreciados pela ANVISA relativamente a tais pedidos de patentes, cabe à Hermenêutica proceder a tanto, 53 no sentido de harmonizar as tarefas tradicionalmente conferidas por lei seja ao INPI, seja à ANVISA; 2) Sob hipótese alguma a ANVISA poderá apreciar ou mesmo rever os requisitos de patenteabilidade contemplados no art. 8 da Lei 9.279/96 (4) , a saber, novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. A ANVISA também não poderá examinar o cumprimento das formalidades relativas ao depósito do pedido de patente. Não há nenhum dispositivo na Lei 10.196 ou na Lei 9.782/99 que lhe atribua estas tarefas, que sempre foram desempenhadas pelo INPI; 3) Os arts. 6 e 8, § 1o, inciso I, da Lei 9.782/99 (5) conferem à ANVISA o controle sanitário de produtos farmacêuticos, inclusive no que se refere ao processo de fabricação e às tecnologias a eles relacionadas. Desta forma, a participação da ANVISA na concessão de patentes relativas a produtos ou processos farmacêuticos relaciona-se apenas e tão somente com o disposto na parte final do art. 18, inciso I, da Lei 9.279/96 (6) e no art. 27.2 do TRIPs (7) , de modo a verificar se o pedido de patente de invenção ou modelo de utilidade é em si atentatório à saúde pública; 4) Não devem ser considerados como atentatórios à saúde pública os pedidos de patente de invenção ou modelo de utilidade que possuam alguma finalidade benéfica, ainda que eventualmente tragam efeitos colaterais (a serem claramente informados ao consumidor, quando da comercialização do produto) ou efeitos nocivos advindos de seu mau uso. Exemplificando, o disparo indevido de uma arma de fogo não é impedimento para a patenteabilidade das inovações técnicas que nela se façam; 5) À luz do disposto no art. 27.2, in fine, do TRIPS e no art. 4 quater (8) da Convenção da União de Paris (9) , sob hipótese alguma a concessão de uma patente poderá ser negada pela ANVISA, ou mesmo pelo INPI, com base em meras restrições ou limitações eventualmente existentes em relação à venda de produto patenteado ou obtido por processo patenteado; 6) Toda e qualquer decisão que a ANVISA vier a proferir, relativamente aos pedidos de produto ou processo farmacêutico que lhe sejam apresentados para anuência, deve ser fundamentada, com a indicação expressa dos pressupostos de fato e de direito que lhe serviram de base, nos termos do art. 2, caput e parágrafo único, inciso VII (10), da Lei 9.784/99; 7) Como todos os despachos do INPI devem ser publicados na RPI - Revista da Propriedade Industrial (11), os novos códigos de despachos criados pelo Comunicado INPI/DIRPA 02/2001 contribuem para uma maior delonga na obtenção da patente, sujeitando-a uma fase nova (parecer favorável, seguido de deferimento após a anuência da ANVISA), que, além de não estar expressamente prevista no rito contemplado na Lei 9.279/96, acarreta a necessidade de uma publicação a mais, com os inconvenientes de tempo daí advindos; 8) O procedimento administrativo para a obtenção de patentes não deve ser desnecessariamente complicado ou oneroso (cf. art. 41.2 do TRIPs (12) ), já que a atuação do INPI deve se pautar pelo princípio da eficiência (cf. art. 2o da Lei 9.784/99 (13) ), tendo presente que a concessão de patentes é de interesse social e contribui para o desenvolvimento tecnológico do País (cf. art. 2, I, da Lei 9.279/96 (14) ). Os princípios hermenêuticos contidos nestes dispositivos devem ser aplicados na exegese da Lei 10.196/01; 9) A instituição de mais uma fase (parecer favorável) no procedimento para a obtenção de 54 patentes para produtos ou processos farmacêuticos criou uma complicação desnecessária (já que o conteúdo decisório de tal despacho equivale ao seu deferimento pelo INPI) e onerou desmesuradamente o depositante, na medida em que, ao procrastinar a obtenção da patente, dificulta a obtenção de royalties e o combate ao uso desautorizado da invenção ou modelo de utilidade. A indenização posterior contemplada no art. 44 da Lei 9.279/96 (15) raramente consegue reparar totalmente os danos causados pela contrafação, devendo-se privilegiar a rápida cessação do uso indevido (cf. Resolução Q 134 B da AIPPI - Association Internationale pour la Protection de la Propriété Intellectuelle), para o que se faz necessária a obtenção da patente: 10) A ABPI recomenda que os códigos de despacho instituídos pelo Comunicado INPI/DIRPA 002/2001 sejam alterados, de modo a prever a remessa à ANVISA dos pedidos de patente para produtos ou processos farmacêuticos após o deferimento dos mesmos pelo INPI; 11) O depositante que, após o deferimento pelo INPI do pedido de patente para produto ou processo farmacêutico, tiver efetivado o pagamento da taxa contemplada no art. 38, § 1, da Lei 9.279/96 (16) e vier a ter a anuência negada pela ANVISA, tem direito à imediata devolução desta taxa pelo INPI; 12) Como a fluência do prazo legal contido no art. 38, § 1, da Lei 9.279/96 não pode, na falta de lei expressa, ser suspensa ou ampliada por ato administrativo - cf. art. 2o da Lei de Introdução ao Cód. Civil (DL 4.657/42) (17) e art. 37 da Constituição Federal de 1.988 (18) , entre outros dispositivos - a devolução da taxa acima aludida (nas hipóteses em que isto for necessário) é a forma que melhor permite harmonizar a Lei 10.196/01 com os princípios contemplados no tópico 8 supra; 13) A ABPI reafirma o posicionamento anteriormente explicitado, no sentido de entender que a Lei 10.196/01, a exemplo das Medidas Provisórias que lhe antecederam, é passível de questionamento em juízo à luz de tratados internacionais e normas constitucionais, apontadas na Resolução nº 2 da ABPI como tendo sido violadas pela edição de tais diplomas legais. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 2001 José Antonio B.L. Faria Correa Presidente 55