Capítulo I

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Simpósio 10: Cidade e Região em perspectiva comparada
“O Império do Café e do Poder: A Zona da Mata mineira no XIX”
Luiz Fernando Saraiva
Professor Assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense
[email protected]
2
O Império do Café e do Poder: A Zona da Mata mineira no XIX
1. Do Sertão: O pequeno mundo selvagem e a civilização que o cercava
Dizem alguns historiadores que o povo da Zona da Mata de Minas Gerais é um povo
melancólico e triste, pois com o final do ouro na Zona de Mineração, foram obrigados a tornarse fazendeiros e em seu coração ficou sempre o desejo que os velhos tempos voltassem.
Mauro Luiz Senra Fernandes1
Parte integrante da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul que atravessa áreas dos atuais
estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, a Zona da Mata mineira é uma região cujo
povoamento e colonização ocorreu somente no final do século XVIII e o início do XIX, em um
momento muito específico da História do Brasil e em particular da capitania, depois província de
Minas Gerais. A despeito de movimentos anteriores que marcaram o início da colonização das
Minas e da Zona da Mata mineira em particular, podemos dizer que o processo de construção de
uma civilização na Mata mineira somente se deu a partir da expansão da cultura cafeeira em
meados do século XIX. Até então esta e diversas outras áreas da capitania, depois província das
Minas Gerais no Império, recebiam a denominação genérica de sertões, caminhos, matas ou
regiões proibidas, ou estiveram ligadas a outras regiões do país (CARRARA, 1997). A presença
de populações autóctones, de colonos marginalizados e/ou fugitivos aumentava o clima de
abandono e insegurança para aqueles que por ali deviam passar ou se estabelecerem nas
‘fronteiras’ destas áreas que hoje se constituem em regiões como o Vale do Jequitinhonha; o
Vale do Mucuri; o Triângulo Mineiro; a Região do Alto São Francisco, ou o Vale do Rio Doce
(PAULA, 2006).
A percepção contemporânea que temos do espaço geográfico das Minas Gerais é,
portanto, bem diferente da que existia para o século XVIII. Conforme percebemos no Mapa (I),
vemos a regionalização do território mineiro a partir dos documentos de autoridades e relatos
escritos (CUNHA, 2002). Desta forma entendemos que o que se considerava como a região das
Minas seria o espaço que circundava a Mineradora Central, isso traz como conseqüência para os
estudos já que as paisagens de Minas Gerais, consequentemente, oferecem diferentes leituras ao
historiador (WIRTH, 1982 p. 43).
Mapa I: Capitania das Minas Gerais regionalização para o século XVIII
1
SENRA, Mauro Luiz Fernandes. Famílias que povoaram a Zona da Mata Mineira. Vol. I, 2ª ed. (revisada), s/e.,
Além Paraíba, 2004, p. 13.
3
Fonte: Adaptado de CUNHA, 2002
O nosso objeto espacial de estudo, a Zona da Mata mineira, não era, portanto, parte
integrante das Minas Gerais até o momento em que viveu um processo de colonização acelerada
como se pode perceber pelo ritmo de ocupação de seu espaço. O mapa abaixo (II) demonstra as
áreas de ocupação da bacia do Vale do Rio Paraíba do Sul, onde a Zona da Mata mineira faz
parte de sua extensão natural. A fundação das principais cidades ocorreu a partir da expansão da
cafeicultura em um processo análogo ao que estava ocorrendo do ‘lado fluminense’ do Vale,
como se percebe nos casos de Resende - 1801; Cantagalo - 1814; Valença - 1822; Vassouras 1833; Paraíba do Sul - 1833; Barra Mansa - 1857; Carmo - 1881 e Barra do Piraí - 1890 (STEIN,
1982).
Na Mata mineira este processo se fez com certo atraso, principalmente pós-1850, como
nos casos de Juiz de Fora - 1850; Mar de Hespanha - 1851; Leopoldina - 1854; Muriaé - 1855;
Ubá - 1871; Cataguazes - 1875; Carangola - 1878; São João Nepomuceno - 1880 e Santos
Dumont – 1889 (MERCADANTE, 1973). Há que se considerar ainda que a ‘parte paulista’ do
Vale foi de colonização mais antiga, ligada às bandeiras e bandeirantes, como foi os casos
Taubaté - 1650; Guaratinguetá - 1651; Jacareí - 1653; São José dos Campos - 1767 e Lorena 1788, ligada à expansão da produção de açúcar, a criação de animais e produção de alimentos
para a capitania. Somente com a expansão da cafeicultura que a região adquiriu grande
importância para o país (MARCONDES, 1998).
4
MAPA II: Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul
Fonte: Adaptado da Agência Nacional de Águas – Núcleo de Gestão da Informação
Nos estudos que visam entender o povoamento do Vale da Paraíba ainda no século XVIII
a palavra sertão foi utilizada por dezenas de autores com significados também variados. 2 No
Vocabulário Português e Latino do Padre Raphael Bluteau (1712 – 1727), o termo sertão é
entendido como: Região apartada do mar e por todas as partes, metida entre terras.3 Esta
denominação de sertão como interior chamou a atenção de Luís Câmara Cascudo que disse ser
uma das poucas uniformes em suas múltiplas acepções. Entre os outros significados possíveis
associou-a principalmente as regiões norte e nordeste, também ligou-se à criação de gado e a
permanência maior de costumes e tradições arcaicas (CASCUDO, 1969, p. 620).4
Erivaldo Fagundes Neves resgata ainda as controvérsias que dividem os filólogos donde a
origem da palavra viria da língua bunda (de Angola) Mulcetão como visto por Gustavo Barroso,
ou ainda do latim Desertanu conforme preconiza Houassis. Para este autor a palavra traz
múltiplos significados, mas, concordando com Cascudo, se generalizou em nossa época para as
regiões norte e nordeste, associando-se indelevelmente à categoria de Semi-árido e Pecuária.
2
Entre os autores que se referem ao Vale do Paraíba e, particularmente à Zona da Mata mineira em seus primórdios
como Sertão, cf. STEIN, 1982 também FRIDMAN, 2005, MERCADANTE, 1973, CARRARA, 1993 e 1997.
3
BLUTEAU, R., S. J. Vocabulário Português e Latino. Coimbra: Real Collegio das Artes da
Companhia de Jesus, 1712 – 1727, vol 7 p. 613.
4
CASCUDO, Luís Câmara. Dicionário Etnográfico Brasileiro. São Paulo: Livraria José Olympio 1969, p 620
5
Ao trabalhar com o conceito de sertão para Minas Gerais no século XVIII Ângelo
Carrara o define como região pouco povoada, tendo como origem o étimo Sartãa originário da
colonização portuguesa no momento das Navegações na África e Ásia relacionado ainda à
conquista de áreas ocupadas por gentios (CARRARA, 1997, p. 47). A transposição do termo se
fez então por analogia ao que ocorrera desde os primeiros desbravamentos realizados do litoral
em direção ao interior, notadamente pelos paulistas.
Em nosso caso, as generalizações modernas que associam o termo a regiões ou atividades
específicas não servem e não definem o seu uso para a expansão cafeeira ocorrida na bacia
hidrográfica do rio Paraíba. Ao trabalhar o povoamento da região sudeste no século XIX Fania
Fridman definiu sertão como o de áreas no interior, afastadas do litoral (civilizado e dominado
pelos brancos) e habitadas por índios selvagens e animais bravios (FRIDMAN, 2005). O
processo de ocupação da região do Vale do Paraíba fluminense, que tinha se iniciado ainda no
século XVIII, somente se acelerou quando da expansão da cafeicultura na 1ª metade do XIX. O
sertão para a região sudeste se constituiu, então, diferentemente do nordeste, num entre-lugares,
entre o porto do Rio de Janeiro e a região aurífera, ou as Minas Gerais do século XVIII,
fortemente povoada e urbanizada.
Buscando assim um conceito de sertão que nos ajude a entender o caso do povoamento
da Zona da Mata mineira, vamos ver em Minhas Recordações de Francisco de Paula Ferreira de
Rezende, uma descrição que se aproxima bastante daquilo que entendemos como particular e
específico para nosso objeto de pesquisa (ou a Mata mineira). Nascido em Campanha da
Princesa, filho do Cel Velério Ribeiro de Resende, Bacharel em Direito pela Faculdade de São
Paulo, teve como colegas de turma Evaristo da Veiga e Paulino Soares de Souza (Visconde do
Urguai), o autor, promotor na sua cidade natal (1855) e Juiz Municipal e de Órfãos em Queluz
(1861), tornou-se fazendeiro em Feijão Cru (mais tarde Leopoldina) cujo povoamento inicial não
distava mais de 30 anos. O ritmo da expansão econômica vivida pela região permitiu que
Francisco de Paula Ferreira de Resende virasse num próspero cafeicultor e, ao analisar a
colonização de Minas Gerais disse que:
(...) e desprezou completamente a parte hoje mais rica de toda a província, isto é, aquela
que hoje se denomina a mata. Ora, desta circunstância veio a resultar um fato que, se
não é talvez singular, não deixa entretanto, de ser bastante curioso, e esse fato vem a ser
o seguinte – o de ter-se conservado no Brasil durante perto de século e meio, e de mais a
mais, a uma distância da costa que não chegava a dezenas de léguas, um verdadeiro
pequeno mundo selvagem que, independente e inteiramente segregado, vivia, por assim
dizer, no meio da civilização que o cercava. (REZENDE, 1988, p. 346)
O sertão do Vale do Paraíba e, mais particularmente a Zona da Mata mineira, estava no
meio da civilização que o cercava. Já destacamos que a expansão da cafeicultura garantiu o
povoamento destas regiões, entretanto, a forma da expansão é o que nos interessa.
6
Diferentemente da conquista das regiões do semi-árido nordestino, no sudeste cafeeiro essa
expansão esteve atrelada com a abertura de caminhos, doações de sesmarias, criação de cidades e
uma intensa articulação comercial, ou seja,
o modelo de ocupação adotado no período constituiu uma rede urbana (associada à sua
rede de comunicações) e distintas regiões, antes autônomas, agora integradas econômica
e socialmente pelas oligarquias que, desta forma, re-inventaram o território fluminense.
Esta integração ocorreu a partir da exportação de capital das casas comissárias e dos
traficantes de escravos da cidade para o campo, transformando a relação cidade-campo
para cidade-região. (FRIDMAN, 2005)
Tal articulação também ocorreu nas Minas Gerais onde a participação de potentados,
homens-livres agregados, escravos, índios e a Igreja irão se antecipar à chegada do Estado e a
constituição da Rede de Cidades como visto em Fânia Fridman. Sertão nesse sentido é o entrelugares onde o convívio com elementos civilizado/selvagem durou ao menos 1 século até a
completa absorção da região pelo Estado e Sociedade Imperial. Jair Lessa escreveu a respeito
dessa relação dizendo que o Rio enviava à Minas sal, civilização, cobradores de impostos e
soldados para esfriarem seus patriotas esquentados.(LESSA, 1985, p. 18)
Para entender esse processo faz-se necessário integrá-lo inicialmente dentro de uma teoria
geral para a sociedade e a economia brasileira do Oitocentos, que é o nosso esforço a partir desse
ponto. Como já foi dito, o período do final do século XVIII e início do XIX marca uma grande
transformação na história das antigas capitanias portuguesas na América e, em particular para a
região Centro-Sul. Nos dizeres de Caio Prado Júnior percebe-se uma aceleração da colonização,
onde o ritmo de crescimento das atividades e do povoamento se expande em consonância com as
mudanças políticas e econômicas que atingiam o conjunto do velho e do novo mundo
(CARDOSO DE MELO, 1995)
Este crescimento e diversificação das várias atividades econômicas, que João Fragoso e
Manolo Florentino denominaram de Período Colonial Tardio(FRAGOSO e MANOLO, 1995),
já está bastante disseminado em novos estudos, o que nos permite questionar as palavras de
Celso Furtado quando afirmou que no final do setecentos era natural que, com o declínio da
produção do ouro, viesse uma rápida e geral decadência (FURTADO, 2000, p. 89) e, que se
desdobrava sobre a primeira metade do XIX. No dizer de Furtado, o pequeno consumo do país
estava em declínio com a decadência da mineração, e espalhava-se pelas distintas províncias
exigindo uma complexa organização comercial (Idem, p. 111).
Percebe-se que para Celso Furtado o crescimento do comércio surgiu como reação a essa
decadência e não, como atualmente tem se tratado, como um dos principais motores do
crescimento dos vários conjuntos da economia brasileira. Uma série de estudos vem
7
demonstrando a importância da diversificação do comércio e do abastecimento para
determinadas regiões, e a decadência tem sido substituída por uma dinâmica interna.
Para compreendermos a dimensão das mudanças que ocorriam no conjunto da economia
brasileira e entendermos o impacto que se teve para a Zona da Mata mineira, podemos, de
maneira relativamente superficial, analisar alguns dados que nos dão conta dessa expansão.
Assim, no gráfico I vemos que o ritmo de crescimento da população brasileira para o período em
questão foi ascendente. Tal fato se explica não somente pelas mudanças políticas (como as
guerras européias, revoluções e a transmigração da família real em 1808), mas também, pela
diversificação e crescimento das atividades econômicas na colônia. Para o período de 1785 até
1830 a população cresce de 2.666.000 para 5.340.000 habitantes, com uma taxa média de 3,64%
ao ano. Tal crescimento populacional se contrapõe a uma idéia de estagnação ou mesmo de
“involução” econômica como tantas vezes foi colocado para o país.
Gráfico I:
População Estimada do Brasil (1550 - 1850)
8.000.000
7.000.000
habitantes
6.000.000
5.000.000
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
15
50
15
83
16
60
17
00
17
76
17
85
17
95
18
00
18
08
18
15
18
19
18
23
18
27
18
34
18
40
18
50
0
anos
Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro. IBGE, 2000
Da mesma forma, se observa a importação global de escravos para o período tal como
demonstram os dados do gráfico II. Mesmo com problemas na precisão dos dados, assistimos ao
recrudescimento desta atividade que pode demonstrar de maneira mais qualificada o crescimento
da economia para o período, afinal, não se importavam escravos sem recursos previamente
acumulados. A despeito da queda no tráfico de escravos ocorrida entre 1780 – 1790 (tanto por
fatores internos quanto externos)5 e da proibição do tráfico de 1831, tornado-o ilegal, podemos
perceber que no período final de 75 anos (de 1780 até 1855) o Brasil importou 2.113.900
5
Os dados mais precisos sobre o tráfico estão em ELTIS, David & RICHARDSON, David. Voyages: The TransAtlantic Slave Trade Database. (Cd)
8
escravos ou mais que os 1.895.500 dos 250 anos anteriores (111,52% a mais). Também já é fato
consolidado que a grande maioria desses escravos desembarcou nos portos da região centro-sul,
num total de 1.314.900 escravos o que corresponde a cerca de 62% do total de cativos
desembarcados no período. Desses desembarcados, uma grande parcela foi para a capitania,
depois província de Minas Gerais, que na primeira metade do século XIX constituiu-se na
principal região escravista do Brasil (MARTINS, 1982).
Gráfico II:
Desem barque estim ado de africanos no Brasil Séculos XVIXIX – Períodos 1531-1575 a 1851-55
300.000
250.000
habitantes
200.000
150.000
100.000
50.000
15
31
16 -15
01 7 5
16 16
51 2 5
17 16
01 7 0
17 -17
21 1 0
17 17
41 3 0
17 -17
61 5 0
17 17
81 7 0
17 17
91 8 5
18 -17
01 9 5
18 18
11 0 5
18 -18
21 1 5
18 18
31 2 5
18 18
41 3 5
18 -18
51 4 5
-1
85
5
0
anos
Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro. IBGE, 2000
Paralelo as tais mudanças econômicas, transformações sociais e políticas se fizeram
sentir, principalmente a partir da chegada da família real no início do XIX. O conjunto dessas
transformações se acelerou com a chegada da Corte no Rio de Janeiro, e que para muitos autores
marcam a gêneses da constituição do Estado Brasileiro.6 Alcir Lenharo, no seu trabalho sobre as
tropas e o comércio de abastecimento do sul de Minas Gerais, demonstrou como essas mudanças
econômicas e políticas ocorreram principalmente na região do entorno do Rio de Janeiro, como
foi o caso do Sul de Minas Gerais (LENHARO, 1993).
Segundo este autor a construção de estradas se deu em conjunto com a expansão da
cafeicultura que, por sua vez conviveu com a grande produção de alimentos voltados para o
abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. Este processo levou a eliminação física das
populações nativas e a incorporação violenta dos homens livres pobres que viviam na região, o
que foi parcialmente demonstrado por Célia Maria Loureiro Muniz para a região de Valença ao
6
Com toda diferença de leitura, 1808 foi um marco para os trabalhos de Cf. COSTA, 1990; DIAS, 1986.
9
estudar os processos que os posseiros moveram contra os grandes fazendeiros que se
apropriaram destas terras. (MUNIZ, 2002). Ainda de acordo com Lenharo, o processo de
interiorização da metrópole intensificou a formação de uma classe de Proprietários de Terras no
sul de Minas que, através de alianças políticas e matrimoniais locais e inter-regionais, tiveram
grande influência no Rio de Janeiro.
Dentro da expansão da cafeicultura, a despeito de uma produção existente na região
norte-nordeste, a bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul rapidamente se tornou na principal
região produtora do país. Conforme podemos perceber na tabela abaixo acerca dos principais
produtos de exportação do país:
Tabela I: Participação dos sete principais produtos de exportação na receita das
Exportações (%)
Datas
Café
Açúcar
Algodão
Borracha
Couros
e Peles
Fumo
Cacau
Outros*
Total
1821-1830
19,2
27,8
21,0
0,0
13,8
2,6
0,5
15,1
100,0
1831-1840
43,8
24,4
10,6
0,4
7,9
1,8
0,5
10,6
100,0
1841-1850
42,6
26,3
7,4
0,5
8,6
1,9
0,9
11,8
100,0
1851-1860
51,7
19,5
5,8
2,3
7,2
2,6
1,0
9,8
100,0
1861-1870
44,3
12,7
19,1
3,6
5,9
3,0
0,9
10,5
100,0
1871-1880
56,8
11,8
8,4
5,5
5,3
3,4
1,3
7,5
100,0
1881-1890
62,2
9,8
4,4
7,8
3,2
2,7
1,6
8,3
100,0
* Outros consistia em produtos como erva-mate, diamantes, ouro, castanhas do Pará, madeiras, farinha de mandioca, aguardente
e outros produtos, sobre os quais não se dispões de informações estatísticas confiáveis.
Fonte: NOGUEIRA, 1988. p. 342.
Os dados acima possibilitam relacionar a expansão cafeeira e a consolidação política e
econômica do Centro-Sul no novo país.7 A bacia hidrográfica do vale do Rio Paraíba do Sul
concentrou a maior parte da produção cafeeira nacional, percebemos a importância do porto do
Rio de Janeiro em meados do século XIX, sendo responsável pela maior parte das rendas
oriundas das exportações. A alfândega do Rio de Janeiro respondia por mais de 20% destas
rendas, embora parte dessa renda fosse oriunda da produção das Minas Gerais e São Paulo
(STEIN, 1985).
Analisando os dados sobre as exportações mineiras Tabela II e relacionando-os com a
Tabela I, podemos perceber a importância da região da Mata no conjunto da economia mineira e,
depois de 1870, nacional. Tais conjuntos de dados nos indicam que a cafeicultura assumiu para o
conjunto da economia brasileira e, particularmente para Minas Gerais, um significado maior que
justificaria a ocupação e civilização dos vastos sertões.
Tabela II: Produtos de Exportação de Minas Gerais (%)
Ano /
Produtos
7
Café
Produtos
do Tabaco
Açúcar e subprodutos
Produtos
Pastoris
Algodão e
Têxteis
Outros
Embora a região Centro-Sul se destacava desde a segunda metade do século XVIII, somente no Século XIX, que a
hegemonia se consolidou.
10
1867/68
1868/69
1869/70
1870/71
1871/72
1872/73
1873/74
1874/75
1875/76
1876/77
1877/78
1878/79
1879/80
1880/81
1881/82
1882/83
59,9
62,9
48,0
65,2
39,1
58,9
46,8
69,4
60,6
67,2
64,1
73,2
64,7
78,6
78,1
79,1
7,9
6,2
9,2
5,3
10,2
7,3
7,5
4,8
5,5
3,4
7,4
5,4
6,4
3,9
3,8
3,1
0,3
0,4
1,3
0,4
0,2
0,1
0,3
0,1
0,1
0,1
0,2
0,1
0,2
0,1
0,1
0,1
Fonte: BERGARD, 2004
28,1
27,1
36,8
26,5
45,0
29,6
37,9
22,8
30,03
26,04
24,1
19,2
25,8
16,2
16,4
16,6
3,3
3,0
4,0
2,3
4,6
2,1
2,7
1,3
0,8
0,3
0,4
0,1
0,2
0,2
0,1
0,1
0,6
0,4
0,8
0,5
0,8
1,8
4,9
1,6
2,8
2,6
3,8
1,9
2,7
1,1
1,4
1,1
Tentando aplicar esses raciocínios ao processo de colonização da Mata mineira, e na sua
afirmação no interior da Província, nos deparamos com as dificuldades colocadas pelas fontes.
Apesar da abundância dos estudos dos ‘memorialistas’ sobre os ‘pioneiros’, poucos trabalhos
abordaram a formação econômica e social da Mata mineira nesta primeira metade do Oitocentos.
O trabalho de Mônica Ribeiro de Oliveira constituiu-se num dos primeiros em abordar de forma
sistemática as origens da cafeicultura na região, demonstrando como as relações de parentesco
entre as principais famílias da região Central e da Mantiqueira foram o ‘motor’ desta expansão,
ao menos para os municípios de Juiz de Fora, Mar de Espanha e Leopoldina e que se
constituíram na chamada Mata Sul (OLIVEIRA, 1999). Peter Blasenhein demonstrou de outra
forma como esse povoamento também se deu a partir da expansão do café sul-fluminense, com
várias famílias abastadas da região de Valença e Vassouras que se mudaram para a Mata mineira
a partir do início do XIX (BLASENHEIN, 1987). Esta aparente ‘contradição’ nos fluxos de
povoamento obviamente não são excludentes, somente apontam a necessidade de análises mais
detalhadas sobre os primeiros povoadores da região.
Rômulo Garcia Andrade, em seu estudo sobre a formação de São Paulo do Muriaé (na
região conhecida como Mata Leste), mostrou como a colonização desta micro-região estava
atrelada aos herbanários vindos da região de campos dos Goytacazes (ANDRADE, 1995). Por
fim Ângelo Carrara teve oportunidade de demonstrar como a colonização do chamado Centro da
Mata mineira (Ubá, Rio Branco, Rio Pomba, etc) foi efetivada por mineradores e aventureiros
que vieram em busca de terras nos últimos anos do dezoito criando através de uma outra via de
comunicação entre o centro minerador e as matas proibidas (CARRARA, 1993).
A obra de Ilmar Mattos trabalha com a formação de uma classe senhorial partindo da
expansão do café no Rio de Janeiro, São Paulo e em direção a Zona da Mata mineira onde os
11
municípios da Zona da Mata e os do Sul de Minas constituíam uma espécie de extensão da seção
fluminense do Vale (MATTOS, 1989, p. 59). Entretanto, apesar da obra citada analisar as origens
sociais e familiares dos vários grupos de cafeicultores fluminenses e paulistas, as relações
familiares e políticas destes com os cafeicultores da Mata é praticamente inexistente no trabalho
de Ilmar (Idem, p. 51 e seguintes).
Certa incompreensão sobre Minas Gerais (e sobre a própria Zona da Mata mineira)
acabou por provocar outras contradições nos estudos que acompanharam a economia brasileira
no início do século XIX. Como exemplo temos Lenharo trabalhando com a formação de uma
elite política que irá tender a conciliação durante o II Reinado. O autor enfatiza com a idéia do
‘sul’ das Minas Gerais, aglutinando sub-regiões mineiras bastante distantes e distintas entre si,
como a Região das Vertentes-Mantiqueira (onde se localiza Barbacena e São João Del Rei), do
Sul de Minas (com as cidades de Campanha e Aiuruoca) e a própria Zona da Mata mineira (com
Juiz de Fora, Mar de Espanha, Leopoldina).
É importante destacar que a quase totalidade dos autores aceitam e trabalham com a Zona
da Mata mineira como uma região ‘fechada’, ou seja, dotada de características próprias e
especificidades que a particularizavam e lhe conferiam unidade. Se, podemos entender fluxos
distintos em seu povoamento (conforme afirmado anteriormente) vamos entender que será o
fluxo de expansão do café que dará à Zona da Mata mineira a identidade comum e experiências
sociais semelhantes. Essa região será, de fato, a mais rica de Minas Gerais na 2ª metade do
século XIX, responsável por mais de 70% das rendas provinciais e que irá assistir ainda um
vigoroso processo de modernização dos transportes, comércio e produção, tanto que um
contemporâneo à época, assim se expressava acerca de Juiz de Fora no final do XIX:
Sendo o amor ao torrão natal, unido ao espírito de iniciativa, tão peculiar aos filhos de
Juiz de Fora, concorrem também (é justo dize-lo) para dar à cidade o aspecto ‘sui
generis’ que ela oferece a quem pela primeira vez a visita e fica extasiado diante seus
belos edifícios, das suas ruas largas e compridas, que mais parecem avenidas, das suas
fábricas soberbas, dos seus estabelecimentos comerciais ou industriais, dignos todos de
figurarem numa capital de primeira ordem.
Quem visita Juiz de Fora e Ouro Preto, na mesma ocasião, sofre, sem dúvida, uma
grande, uma enorme decepção ao chegar nesta última cidade. (JORNAL DO
COMÉRCIO, 1897)
Outro que visitou Juiz de Fora em março de 1889 foi o jornalista e escritor Arthur
Azevedo que, após assistir a uma peça de teatro escreveu que (...) em terra alguma haverá tantos
barões como em Juiz de Fora (apud NOBREGA, 1997, p. 67). Ainda segundo o autor, de seis a
oito camarotes estariam ocupados por barões e suas famílias.
Entre os prováveis nobres que poderiam estar nesta ocasião – visto que o maior jornal
local O Pharol não noticiou o evento – a lista é relativamente abundante, viviam na cidade ou
possuíam residências, amigos e interesses naqueles momentos finais do Império Brasileiro,
12
figuras como o Barão de Santa Helena; o Barão das Três Ilhas e o irmão deste Barão de São José
del Rey; o Barão de Santa Mafalda; o Barão e depois Visconde de Itatiaia; o Barão de Louriçal;
de São Geraldo; de Avellar Resende; de Santa Clara; de Monteiro de Barros; do Alto Muriahe;
da Conceição; de Santa Justa; o Barão e também Visconde de Monte Mário; o Barão de
Guaraciaba; de Além Paraíba; de Rio Pomba; de Santa Bárbara; de São Marcelino; de Monte
Alto e, por fim, o Barão e também Visconde com grandeza de Rio Novo.
Segundo José Procópio Filho, quase todos foram líderes na cafeicultura local e apenas
mostraram grande apreço e mesmo amor, ao grande vulto político e humano que foi D. Pedro II
(PROCÓPIO, 1979, p. 331). De fato, a maioria destes nobres foram cafeicultores de grande
expressão no Império Brasileiro, suas fortunas ascenderam à vários milhares de contos de réis,
sendo que vários ainda exerceram cargos públicos como oficiais da Guarda Nacional, juízes,
delegados, a vereança o senado e mesmo a presidência de províncias. Desta forma, pode-se fazer
uma associação entre o poderio econômico e o político que a Mata mineira deteria nesse
momento. Tal relação já foi feita por grande parte dos historiadores que abordaram em seus
estudos a Zona da Mata mineira, como forma de dinamismo e importância política da mesma
(GENOVÊS, 1996).
1. Da Mata mineira e o poder no XIX
O que pretendemos trabalhar nesta última sessão, é que este grande número de nobres não
necessariamente expressava um grande poder político da Zona da Mata mineira em relação à
Província ou mesmo ao Império brasileiro, embora indicasse o processo de construção do
mesmo. Acreditamos que esta construção desta civilização atingiu a Mata mineira a partir do
final do século XVIII, conforme visto, se completando na 2ª metade do XIX.
Anderson Pires, analisando a montagem do sistema financeiro gerado na Zona da Mata
no final do Império e na República Velha, destaca a idéia de uma Assimetria para justificar
grande parte das especificidades de um complexo agroexportador periférico (PIRES, 2004, p.
12). Segundo este autor a Zona da Mata teve um desenvolvimento marcado por uma série de
Assimetrias tanto em relação à cafeicultura do Vale do Paraíba Fluminense e Paulista –
Assimetrias temporais e espaciais – quanto em relação à própria província de Minas Gerais –
Assimetrias de fluxos de recursos e de informação. Segundo o autor foram essas Assimetrias que
garantiram à região um comportamento ascendente, enquanto outras regiões do vale do Paraíba
entrariam em decadência no final do XIX e, ao mesmo tempo, impediram um maior crescimento
posterior pela ‘perda’ da capital para a região central de Minas – fato que também é comentado
por DULCI, 2004.
13
A Assimetria Política, ou um ‘descompasso’ entre o poder econômico adquirido pela
Zona da Mata mineira a partir do café e o poder político de uma fração da classe dominante
senhorial – a nobreza da região – exerceu na Província e também no Império, pode ser percebida
pela presença relativamente pequena dessa nobreza nas esferas de atuação – embora, obviamente
não no nível local. Esta pequena participação política se traduz no número relativamente baixo
de deputados, senadores, juízes, ministros, presidentes de província e conselheiros de estado
como se verá à frente. Tal Assimetria também pode ser vista nas disputas que irão resultar na
criação de Belo Horizonte em fins deste mesmo século, por fim acreditamos que esta assimetria
foi fruto ainda da construção de uma ‘identidade mineira’, diferente e específica dos ‘velhos
mineradores’ que fora forjada ainda no século XVIII.
Para definirmos melhor o porquê da escolha da Nobreza como objeto privilegiado de
análise desse capítulo, e não do conjunto dos políticos mineiros recorremos mais uma vez a
definição de Bluteau que diz que é Nobre. Aquele que por sangue, ou por alvará do Príncipe se
diferença em honras, e estimação dos plebeus, e mecânicos. É importante destacar que para este
autor e, para o século XVIII, a definição de Nobres comportava várias diferenças, assim, além de
Nobre, existia Nobre por sangue que significava nascido de pais ilustres em nobreza e ainda Ser
Nobre. Habere tria nomini.[Ter três nomes] Ufavam [-se] os romanos dessa frase, porque entre
eles os nobres tomavam três nomes (...).
No século XIX o dicionário de Antônio de Morais Silva (1813) traz como definição de
nobreza aquele que é conhecido e distinto pela distinção, que a lei lhe dá dos populares, e
plebeus, ou mecânicos, e entre os fidalgos por avoengos, ou ilustres méritos. Vemos que a
definição continua em grande parte derivada da de Bluteau e para Maria Beatriz Nizza da Silva
em Ser Nobre na Colônia haveria então uma origem hereditária (avoengos) e uma pela
prestação de serviços (ilustres méritos).8
Para o século XIX vemos algumas mutações na categoria da nobreza da terra, a vinda da
família real vai interiorizar a metrópole, segundo a feliz expressão de Maria Odila e
redimensionar no espaço da antiga colônia o termo nobre. Maria Beatriz Nizza da Silva nos
mostra como junto com príncipe regente D. João um significativo número de nobres irá aportar
no Brasil, ao mesmo tempo em que, uma nova nobreza irá se formar com farta distribuição de
títulos que, inicialmente restrita aos portugueses que participaram da transmigração irá atingir os
diversos grupos que atuavam na colônia.
Acreditamos que a partir da definição de Bluteau e das discussões acima tratadas são três
conceitos principais que definem a nobreza: 1) uma situação peculiar e natural (nascimento,
8
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser Nobre na Colônia. São Paulo: Ed. da UNESP, 2005 p. 16.
14
dotes da natureza), 2) as ações ou comportamentos (primores da arte, dignas de estimação) e 3) a
vontade régia (alvará do príncipe). Para o Brasil do século XIX, acreditamos que estes conceitos
continuassem valer e, para se ‘fazer um nobre’ existia a necessidade de uma origem –
relativamente digna; atuação política – em um sentido mais amplo, envolvendo desde obras de
caridade às atividades e pesquisas científica, passando mesmo pela política em sentido strictu e,
a vontade do governante. Para o Brasil do século XIX, podemos pensar que estes conceitos
continuavam a valer e, para se ‘fazer um nobre’ existia a necessidade de uma origem –
relativamente digna; atuação política – em um sentido mais amplo, envolvendo desde a
conquista de territórios para a ‘civilização’, obras de caridade, atividades e pesquisas científica
e/ou acadêmicas, passando mesmo pela política em sentido strictu e, a vontade do governante,
e que seria definida pela conjunção dos dois fatores anteriores. Nesse ponto, Ana Maria Mauad
nos chama atenção para a negociação que envolvia com o soberano (no caso D. Pedro II) a
concessão de um título de nobreza ou as demais comendas como da Ordem de Cristo ou da Rosa
(MAUAD, 1997).
Dessa forma, achamos que a escolha pela análise da nobreza mineira justifica-se por
vários motivos: 1) Tratava-se de um grupo heterogêneo de vários grupos das frações dominantes
da sociedade, políticos, fazendeiros, mineradores, comerciantes e funcionários públicos ou como
vemos no Dicionário do Brasil Imperial: certas atividades que favoreciam a ascensão
nobiliárquica, em geral ligadas ao serviço público – civil, militar, acadêmico – e ao poder
econômico – fazendeiros, comerciantes, banqueiros; 2) A doação do título pelo Imperador
indicava uma relação de reconhecimento por parte do poder central a partir de uma atuação
regional que podia se dar em um ou vários níveis: político, científico, filantrópico, etc e, 3) Por
expressar as várias formas de atuação política, demonstra no seu conjunto o poder das regiões
mineiras frente uma às outras
Embora a concessão de títulos de nobres no Brasil seja bastante controverso,9 variando de
1.116 títulos concedidos no Brasil no século XIX como mostrado em Vicente de Tapajós,
passando por 1.211 títulos (TAPAJÓS, 1985), indicado por Tostes (1996) até chegarmos no
número de 1.439 Schwarcz (1999, p. 143) – que une os titulados durante o período joanino aos
do período Imperial (I e II Reinado), temos um consenso quanto a importância dos mesmos no
processo de construção do Estado Brasileiro no Oitocentos. Para estes autores, apesar de exótica,
a nobreza cumpriria aqui um papel de reconhecimento público da autoridade do monarca e do
modelo de governo estabelecido no país.
9
Existiram nobres no Brasil que receberam títulos de nobreza de outros Reinos ou do Vaticano, como foi o caso do
Conde de Cedofeita em Juiz de Fora (título de origem lusa) ou o Barão de Studart (título dado pelo Vaticano)
15
No tocante a Minas Gerais, em seu trabalho Titulares do Império, Carlos Grandamsson
Rheingantz (1960) dá o número de 157 nobres como tendo suas origens na província. Com base
nesses números, a província de Minas Gerais foi a 2ª maior em número de titulares, perdendo
somente para o Rio de Janeiro (corte e interior) com um total de 226 nobres. Em grande parte as
discussões sobre os nobres de Minas Gerais já foi realizado por Patrícia Falco Genovês, no
entanto, ao compilarmos os Nobres de Minas nos deparamos com algumas diferenças em relação
à autora, pois em seu trabalho são listados 212 títulos de nobreza para as elites mineira no
período de 1818 até 1889. Enquanto que em nossa pesquisa, excluindo as mulheres que foram
tituladas pelo Império (diferentemente daquelas que receberam títulos por extensão de seus
maridos) como a Baronesa de Santanna ou a Baronesa de São Mateus, * encontramos somente
135 nobres em Minas Gerais, conforme a tabela I.
A despeito destes pontos encontramos grandes dificuldades em definir a naturalidade de
alguns personagens que tiveram uma trajetória nacional, não tendo uma ‘base’ de atuação
definida. Critérios como nascimento, residência, filiação ou parentesco mais ou menos extenso
também são igualmente problemáticos, pois muitas vezes não se referem as atividades ou
interesses dos membros da nobreza, ou então são inconclusivos. De fato, para uma significativa
parcela das frações da classe dominante do Império Brasileiro o país oferecia muitas
possibilidades de deslocamento, alianças políticas e/ou matrimoniais, ou ainda interesses
diversos. A hegemonia saquarema construída em meados do século XIX criou ‘vias’ por onde
uma parcela destas frações transitava com desenvoltura. Esta prática se manteve durante toda a
2ª metade do oitocentos e adentrou nas primeiras décadas do século seguinte.10
Desta forma, entendemos que a definição quanto as origem e atuações da nobreza
brasileira no XIX é um trabalho permanentemente aberto, sem definições matematicamente
exatas, mas apenas por aproximações possíveis. Em nossas contas, a província de Minas Gerais
teria contribuído com 135 nobres (e 155 títulos dados) e não os 200 (excluído as mulheres)
encontrados por Genovêz. Ao estudarmos estas ‘discrepâncias’ acabamos por questionar alguns
*
A questão da exclusão das mulheres titulares é de ordem eminentemente prática, estamos procurando neste
momento as trajetórias política (vereadores, deputados provinciais, imperiais, senadores, ministros, etc) cargos
notoriamente vedados às mulheres, embora não a sua influencia.
10
Particularmente no caso da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul essas inter-relações se faziam sentir de
maneira mais efetiva, dada as proximidades geográficas e ao processo de conquista e povoamento a partir da
expansão da cafeicultura. Tal foi o caso do 1º barão de Cajurú ou João Gualberto de Carvalho agraciado com título
de nobreza em 1860, sua família tinha origem em São João Del Rey (portanto na região Central Mineradora), o
Barão foi um grande cafeicultor tanto em Minas Gerais quanto no Rio de Janeiro. O título de Barão foi recomendado
pelo então Visconde de Bonfim, (que depois viria a ser Conde e Marquês do mesmo nome) José Francisco de
Mesquita (Banqueiro e amigo pessoal de D. Pedro I no Rio de Janeiro) que havia enriquecido com o comércio de
carne mineira para a Corte junto com seu sócio, Domingo Custódio Guimarães (também da região de São João Del
Rey e que viria a ser Barão e depois Visconde de Rio Preto) tornando-se proprietário de mais de 14 fazendas (tanto
do lado ‘mineiro’, quanto ‘fluminense’) com uma produção estimada de 60.000 arrobas de café por ano (BUENO,
2000).
16
dos ‘nobres mineiros’ indicados. A títulos de exemplo, o 1º Barão de Ubá ou José Rodrigues
Pereira de Almeida foi considerado como pertencente às Elites Mineiras, ou segundo as palavras
da autora recebeu o título de Barão de Ubá em 1828, como homenagem ao seu local de
nascimento. Seu clã os Rodrigues Pereira, teve grande participação política na província, ao
longo do segundo reinado (...).(GENOVÊS, 2002, p.429). Somente que José Rodrigues Pereira
de Almeida era comerciante de grosso da Praça do Rio de Janeiro, de quem Irineu Evangelista
de Souza ou o visconde de Mauá foi caixeiro. De origem portuguesa após a sua falência (falência
relativa, diga-se de passagem) em 1828, recebeu o título de Barão de Ubá não pelo topônimo da
cidade de Ubá – que nem sequer existia – mas sim pela fazenda de mesmo nome que possuía na
região de Vassouras aonde vai se estabelecer, tornando-se um dos maiores cafeicultores
fluminenses. Apesar de negociante que atuava em vários negócios e ‘praças’ – Rio de Janeiro,
São Pedro do Rio Grande, Lisboa – João Rodrigues Pereira de Almeida não possuía nenhuma
relação de parentesco, aliança política ou matrimonial que o permitisse ser considerado como
mineiro (GUIMARÃES, 1995).
Além desta crítica, também entendemos que já é consenso na historiografia especializada
que a partir de 1880, D. Pedro II abusou da doação de títulos nobiliárquicos para grandes
fazendeiros de várias regiões do país numa tentativa de reforçar uma base de apoio de um
Império em crise. Ou como disse Lília Moritz Schwarcz:
Curiosamente, no período de maior popularidade do imperador, a distribuição de
concessões foi reduzida, tendo aumentado durante a sua progressiva decadência, o que
parece indicar não apenas um uso privados dos títulos como uma manipulação política
dos mesmos. Em épocas de crise a entrega de uma concessão ou de um novo título
podia funcionar em dois sentidos: compensava descontentamentos, e ajudava a
recuperar as finanças do Estado. (SCHWARCZ, 2000, p. 175)
Desta forma, discordamos, em parte, da idéia de um Espelho da Monarquia como a
trabalhado por Genovês, de uma elite que só se identificava quando reconhecida pelo Império,
mas sim, acreditamos que também o contrário; de um Estado que se achava em crise de
hegemonia do projeto Saquarema e, que procurava desesperadamente se reconhecer nos novos
setores dominantes em ascensão (SALES, 1996). A recusa que alguns fazendeiros e/ou políticos
em aceitar mesmo títulos de nobreza também pode ser indicativo desse processo como
demonstrado por Lília Moritz.
Corroborando com as idéias acima expostas, podemos perceber no gráfico abaixo que o
número de titulações para Minas Gerais variou ao longo do oitocentos, crescendo muito ao final
do Império onde, somente no ano de 1889 foram dados 32 títulos de nobreza, o maior número de
concessões para a província em um único ano durante todo o período da pesquisa.
17
Gráfico III: Titulações dos Nobres Mineiros no século XIX
36
33
30
27
no de nobres
24
21
18
15
12
9
6
3
0
1824 1828 1832 1836 1840 1844 1848 1852 1856 1860 1864 1868 1872 1876 1880 1884 1888
anos
títulos de nobreza
Na década de 1821/30 Minas Gerais recebeu 14 títulos de nobreza, já na década de
1831/40 nenhum título foi dado, pois o governo regencial foi impedido formalmente de tal
prerrogativa. Com a antecipação da maioridade de D. Pedro II vemos que na década seguinte
(1841/50), Minas Gerais recebeu 10 títulos de nobreza; no período de 1851/60 esse número sobe
para 16 caindo para 10 titulações na década de 60 (1861/70). As duas décadas finais do Império
assistem a um crescimento ‘espetacular’ pois na década de 70 (1871/80) foram dadas 34
titulações e na última década (1881/89) 71 títulos, sendo que, como já dito, somente no ano de
1889 foram 32 pessoas agraciadas. Esses 155 títulos atingiram a 135 pessoas que tiveram sua
origem, ou atuaram na província de Minas Gerais.
TABELA IV: NOBRES ORIGINADOS DA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS E QUE
TIVERAM A SUA ATUAÇÃO DEFINIDA DENTRO DA PROVÍNCIA PARA O
PERÍODO DE 1808 – 1899.
Região de Minas
Oeste
Centro
Triângulo
Zona da Mata
Sul
Norte
Total
Barões
2
30
6
31
24
14
Viscondes
1
12
1
3
3
1
Condes
Marqueses
1
6
Total
3
49
7
34
27
15
135
Percentual
2,22
36,30
5,18
25,18
20,00
11,12
100
Não foram computados os títulos nobiliárquicos dados as Mulheres, da mesma forma nobres que nasceram em Minas Gerais mas
que cedo saíram da província – ou atuaram principalmente em outras regiões foram tirados – também àqueles que receberam mais
de um título somente foi computado o mais alto.
Voltando nossa atenção para a Zona da Mata mineira vemos na tabela IV que a região
chegou a ter 34 (ou 25,18%) dos títulos de nobreza para Minas Gerais no século XIX, entretanto,
como estamos tentando demonstrar, a atuação política dos mesmos será limitada principalmente
18
em nível local – sendo a maioria destes barões que atuaram como Oficiais da Guarda Nacional,
Vereadores, Delegados, etc.
Também a temporalidade no caso dessas nomeações será extremamente importante, a
despeito da solicitação que fez Guido Thomas Marlière em 1826 do título de Barão de Rio
Verde, como recompensa de todos os seus esforços para a pacificação e colonização da região da
Mata Central, Marlière não consegui o referido título, tendo recebido apenas o grau de oficial da
Ordem da Rosa.11 O primeiro nobre nomeado na Mata mineira será o Barão de Airuoca ou
Custódio Ferreira Leite Ribeiro tendo recebido o título em virtude do caminho que abriu entre a
Zona da Mata mineira e o Porto Novo do Cunha (hoje no atual município de Além Paraíba que
faz divisa com o Rio de Janeiro). Sua nomeação saiu em 1855, 29 anos depois da solicitação de
Marlière, sendo justamente nesse período que assistimos ao grande crescimento da produção de
café na Mata mineira. Em comparação com os títulos dados à região Central Mineradora
(Gráfico IV) podemos perceber melhor essa ‘defasagem’.
Gráfico IV: Titulações dos Nobres Mineiros – Região Central e Mata mineira no século
XIX
9
8
no de nobres
7
6
5
4
3
2
1
18
24
18
28
18
32
18
36
18
40
18
44
18
48
18
52
18
56
18
60
18
64
18
68
18
72
18
76
18
80
18
84
18
88
0
anos
Zona da Mata mineira
Região Central
Entendemos também que a região central não irá sofrer uma diminuição no número de
titulações ao longo do período, ao contrário, o número de nobres nomeados que tinham suas
bases no ‘centro’ continuou relativamente constante durante todo o XIX e, a importância política
destes também se manterá efetivamente a mesma. Tendemos aqui, então, a concordar com a
análise de Sérgio Buarque de Holanda acerca do II Reinado quando diz que: Por outro lado não
11
BN, Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando a merce da Ordem de Cristo ou da Torre e
Espada e o titulo de Barao do Rio Doce, a nomeaçao de Oficial da Ordem do Cruzeiro, o posto de Alferes, para seu
filho menor Leopoldo Guido Marliere e a merce da Ordem do Cristo, tambem para seu filho, e o posto de Major de
Cavalaria, 1810 – 1826 (C-0316,013 n°001)
19
é menos certo que os barões do café, com umas poucas exceções se hão de notabilizar muito
mais pelos títulos ganhos do que pelo exercício, mesmo indireto, do poder (HOLANDA, 1973).
Somente como comparação inicial da atuação política, os nobres da região Sul e Central de
Minas Gerais tiveram uma densidade política muito maior do que os das outras regiões. Mesmo
se consideramos que a região central de Minas Gerais era de povoamento mais antigo e, portanto
com nobres desde o início do XIX, percebemos que políticos como José Rodrigues de Lima
Duarte, Visconde com Grandeza de Lima Duarte, título esse concedido em 1889, tiveram uma
trajetória muito mais expressiva na política imperial. O referido Visconde além de ter se formado
em medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, foi deputado Provincial em Minas Gerais de
1854 a 1860, e deputado Geral de 1861 a 1868 e de 1877 a 1881 – respectivamente nas 11ª, 12ª,
16ª e 17ª legislaturas. Nomeado Senador pela Província de MG em 1884, foi Ministro da
Marinha no 28º Gabinete Saraiva de 28 de março de 1880, superintendente Geral da Imigração
na Província de Minas Gerais em 1892, era ainda do Conselho de Sua Majestade.
Na Zona da Mata mineira destacamos Marcelino de Brito Ferreira de Andrade (18271905), o Barão e Visconde de Monte Mário, cujo último título também foi concedido em 1889.
Fazendeiro de café em Juiz de Fora e Coronel da Guarda Nacional, o referido visconde foi
presidente da primeira diretoria do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, do qual se exonerou
em 1892. Vereador à Câmara Municipal de Juiz de Fora (1887-1880), também foi Presidente da
Câmara Municipal de Juiz de Fora (1884 - 1890). Apesar da grande importância que o visconde
de Monte-Mário teve para a região, sua atuação ficou limitada no nível local, muito embora
tivesse articulação com o sistema financeiro do Império, o que permitiu a implementação e
expansão do Banco de Crédito Real em 1889.
Durante o Império, para demonstrarmos como se dava o ‘rateio’ do poder nas várias
regiões de Minas Gerais, optamos por fazer uma análise da participação na política imperial dos
nobres mineiros. Para tanto, faz-se necessário um estudo, mesmo que sumário, da estrutura de
poder do Estado Brasileiro no século XIX criando hierarquias de atuação política e/ou
institucional. Os critérios estabelecidos levarão em conta os cargos públicos (eletivos ou
indicados pelo Imperador e seus Conselhos) ocupados pelos nobres mineiros no período,
levando-se em conta que:
Havia uma razoável indiferenciação de esferas de influência e de focos de poder para
permitir-nos utilizar, sem muito receio de errar além do tolerável, o critério das posições
formais para definir a elite política real. É razoável supor que as decisões da política
nacional eram tomadas pelas pessoas que ocupavam os cargos do Executivo e do
Legislativo, isto é, além do Imperador, os conselheiros de Estado, os ministros, os
senadores e os deputados (CARVALHO, 1998, p. 51)
20
Segundo José Murilo a hierarquia do Estado Brasileiro durante o 2º Reinado era
constituída por um primeiro escalão formado pelo Conselho de Estado; Ministros; Senadores
(idem, p. 56). Há que se considerar ainda que a influência ‘transbordava’ para além do exercício
de posições formais de poder, o caso do Visconde de Monte Mário já comentado acima, ou de
Mariano Procópio Ferreira Lage criador da Companhia União & Indústria em 1861 e,
posteriormente diretor da Ferrovia D. Pedro II são emblemáticos nesse sentido. Vários dos
agentes envolvidos também na criação do Banco Territorial Mercantil de Minas (BTMM) e do
Banco de Crédito Real ambos no final do século XIX, expressam esta relação não direta com o
poder formal. Estes casos podem ser assinalados de forma pontual, de qualquer maneira,
procuraremos analisar aqui essa influência a partir de uma hierarquia do uso do poder político
tendo como base a trajetória destes agentes dentro do Estado.
Ampliando a discussão proposta por José Murilo de Carvalho, podemos entender que da
hierarquia proposta o Conselho de Estado efetivamente constituía-se no depositório dos antigos
segredos de Estado, da velha arte de governar.(NABUCO, apud TAPAJÓS, 1985, p. 139)
Criado inicialmente como Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil em 16
de fevereiro de 1822, foi dissolvido em 1823 por existir certa confusão entre a sua função de
representar os interesses do monarca ou o das províncias. Deu lugar em 13 de novembro de 1823
ao Conselho de Estado que foi extinguido em 1834 pelo Ato Adicional de 12 de Agosto e
somente recriado em 1841/42. Esse Conselho se estende até a proclamação da república, sendo
normalmente chamado de Terceiro Conselho de Estado.
Segundo Maria Fernanda Vieira Martins do total de 72 conselheiros que atuaram de 1842
até a dissolução do Conselho em 1889, 11 ou 15,27% dos indivíduos tinham nascido e/ou
possuíam fortes laços pessoais com a Província de Minas Gerais. Isto coloca Minas Gerais como
a 3ª província com o maior número de representantes do Império, atrás apenas do Rio de Janeiro,
com 27 membros ou 37,50% e da Bahia com 13 conselheiros ou 18,05% dos membros no
Conselho de Estado (MARTINS, 2005, p. 100). José Murilo de Carvalho reafirma a importância
do Conselho de Estado quando diz que Quase todos os conselheiros foram também ministros e
senadores. (CARVALHO, 1998, p. 58). Para Minas Gerais 13 dos conselheiros de Estado
durante todo o Império também foram nobres (e não apenas para o II Reinado como trabalha
Maria Fernanda), conforme se observa no quadro I reforçando a importância que os títulos de
nobreza possuíam para a política imperial e provincial como um todo.12
Quadro I: Nobres mineiros nomeados para o Conselho de Estado (C.E.) no Império (por
Região)
12
Temos que para o Conselho de Estado durante o 1º reinado 05 conselheiros eram mineiros.
21
Região
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Norte-leste
Oeste
Oeste
Sul
Triângulo
Conselho de Estado
Nome
Nicolau Antonio Nogueira Valle da Gama
(visconde de Nogueira da Gama)
João Severiano Maciel da Costa (marquês de
Queluz)
João Gomes da Silveira Mendonça (visconde de
Fanado e Marques de Sabará)
Estevão Ribeiro de Rezende (marquês de
Valença)
Cândido José de Araújo Vianna (marquês de
Sapucaí)
José Rodrigues de Lima Duarte (Visconde com
grandeza de Lima Duarte)
Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês do
Paraná)
Affonso Celso de Assis Figueiredo (visconde de
Ouro preto)
José Cesário de Miranda Ribeiro (visconde de
Uberaba)
Manuel Jacinto Nogueira da Gama (marquês de
Baependi)
Antonio Paulino Limpo de Abreu (visconde de
Abaeté)
José Ildefonso de Souza Ramos (visconde de
Jaraguari)
Domiciano Leite Ribeiro (visconde de Araxá)
Data da Nomeação C.E.
1823
1824
1824
1827
1839
1842
1842
1879
1844
1823
1847
1853
1866
Analisando os membros do conselho de Estado não encontramos a participação de
nenhum político da Zona da Mata mineira, mesmo entre os representantes que não foram
agraciados com títulos de nobreza – Quadro I. Conforme o referido quadro, e como já foi dito,
dos onze mineiros com assento no Conselho de Estado durante o 2º reinado, oito eram nobres.
Entre os 3 restantes temos Bernardo Pereira e Vasconcellos da região central (nasceu em Ouro
Preto em 1795) Formado em Coimbra, Bernardo Pereira foi de liberal moderado e defensor de
uma monarquia constitucional, com destacada atuação na criação do Código Criminal, até uma
das lideranças do movimento regressista e do Partido Conservador, associando a regência com a
desordem. Bernardo Pereira de Vasconcelos foi ainda o idealizador do Colégio Pedro II em
1838, ano esse em que foi escolhido senador e que passou a pertencer ao Conselho de Estado em
1842 (CARVALHO, 1994, pp. 9-34)
José Pedro Dias de Carvalho também do centro (nasceu em Mariana em 1808 e foi
deputado provincial, deputado geral, vice-presidente de província, presidente do Banco do
Brasil, ministro da Fazenda, conselheiro de Estado e senador do Império do Brasil a partir de
1858). Por último temos Lafayette Rodrigues Pereira (nascido em 1834 no distrito de Nossa
Senhora da Conceição atual Conselheiro Lafayette) também da região central, advogado,
proprietário rural e político, foi nomeado senador em 1879, já havia atuado como Ministro da
22
Justiça no Gabinete de Sinimbu e, em 1883, chefiou o Gabinete durante 01 ano em que a política
foi dominada pela questão militar.
Quanto aos Ministros de Estado percebemos que estes se constituíam em um poderoso
grupo de ‘agentes do Executivo’ responsáveis por levar a cabo a política imperial. Durante o 1º
reinado eram 05 ministros nomeados diretamente pelo Imperador: 1º do Império e Assuntos
Estrangeiros; 2º da Justiça; 3º da Fazenda; 4º da Guerra e 5º da Marinha. Após a reforma de 20
de julho de 1847 foi criado o Conselho de Estado onde o presidente ou chefe de gabinete faria às
vezes de 1º ministro e passaria a nomear os demais passando a existir então 06 ministros – este
ato foi visto por Vicente Tapajós, com certo exagero, como a implantação do Parlamentarismo
no Brasil.13 Em 1861 foi criada a 7ª pasta da Agricultura, Comércio e Obras Públicas que
perdurou até a queda do Império. Para Minas Gerais pelo menos 11 de seus nobres foram
Ministros em diversas legislaturas desde o início do Império em 1822. A indicação para Ministro
também demonstrava uma maior articulação política com os partidos do período, apesar da
indicação ser ‘consentida’ pelo Imperador, os partidos políticos tinham grande parte da
responsabilidade pela indicação. No quadro II podemos observar que a grande maioria dos
ministros eram oriundos da região central, sendo que a Zona da Mata mineira não indicou
nenhum membro do ministério (tanto entre os nobres como os não nobres).
Quadro II: Nobres mineiros nomeados para Ministros no Império (por Região)
Região
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Oeste
Sul
Triângulo
13
Ministro
Nome
Dr.José Rodrigues de Lima Duarte (Visconde de
Lima Duarte)
João Severiano Maciel da Costa (Marques de
Queluz)
João Gomes da Silveira Mendonça (Marques de
Sabará)
Affonso Celso de Assis Figueiredo (visconde de
Ouro preto)
Estevão Ribeiro de Rezende (conde de Valença)
Manuel Jacinto Nogueira da Gama (Marquês
Baependi)
Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês do
Paraná)
Cândido José de Araújo Vianna (marques de
Sapucaí)
Antonio Paulino Limpo de Abreu (visconde de
Abaeté)
José Ildefonso de Souza Ramos (visconde de
Jaraguari)
Domiciano Leite Ribeiro (visconde de Araxá)
TAPAJÓS, p. 105
Ministro
1 vez
1 vez
1 vez
2 vezes
2 vezes
3 vezes
3 vezes
3 vezes
12 vezes
3 vezes
1 vez
23
Entre os nobres originários de Minas Gerais e que possuíram uma trajetória nacional e
internacional como políticos destaca-se o Visconde de Abaeté ou Antonio Paulino Limpo de
Abreu que foi ministro cerca de 12 vezes entre o período de 1835 quando chefiou a pasta de
negócios do Império ainda durante a Regência de Feijó, até 1858 quando foi presidente do
Conselho de Ministros. Em sua trajetória Antonio Paulino chefiou as pastas da Justiça, dos
Assuntos Estrangeiros, da Marinha e da Fazenda e foi ainda presidente do Senado por 12 anos,
entre 1861 até 1873. Nascido em Portugal em 1798 e tendo vindo pouco depois da transmigração
da família real, estudou direito na Universidade de Coimbra (1815 – 20) de onde retornou ao
Brasil onde foi nomeado Juiz de Fora e depois ouvidor interino da Vila de São João Del Rey
entre 1821 até 1823. Nesse mesmo ano foi nomeado ouvidor na vila de Paracatu onde acabou se
casando com Luísa Carneiro de Mendonça nascida na mesma vila e filha do tenente-coronel de
Milícias João José Carneiro de Mendonça, fazendeiro e comerciante inicialmente na região oeste
de Minas Gerais e que depois irá se mudar para a região de Sumidouro na província do Rio de
Janeiro (SISSON, 1999, pp. 55 – 63).
O Senado do Império tinha uma grande importância para a política nacional e para a
própria reprodução do status e da ordem imperial. Diversos autores já chamaram atenção para a
importância do cargo que representava o coroamento de carreira brilhante. Para galgá-lo
necessário certa experiência política, certa maturidade nas manhas dos partidos, nas
dificuldades de administração e governo (CALOGERAS, apud, TAPAJÓS, 1985)
Dos 233 senadores do Império, 101 (ou 43,34% do total) foram nobres das várias
províncias do país como se pode perceber no Anexo II. A província de Minas Gerais possuía 18
desses senadores com títulos de nobreza (ou 17,82% dos senadores nobres) e 44 no total de
senadores, ou seja, 18,88% do total, de longe a província com maior representação do país. Entre
os senadores mineiros os dezoito nobres correspondiam a 40,90% do total de senadores pela
província. A representação do Senado não se dava por sub-regiões dentro das províncias mas tão
somente por eleições e indicações elaboradas a partir de listas tríplices, neste sentido eram
bastante relevantes como indicativos do ‘rateio’ do poder realizado pelo Imperador e da
expressão dos grupos de poder local.
Entre os dezoito nobres mineiros que foram indicados senadores – Quadro III e Mapa VI
– dez eram originários da região Central (55,55% do total de senadores com nobreza ou 22,72%
do total de senadores); dois da região Norte-leste (11,11% e 4,45% respectivamente); dois da
região Oeste; dois também da Mata mineira; um do Sul da Província e um do Triângulo (5,55% e
2,27% cada). Desta forma, a Zona da Mata mineira teve somente dois senadores e mesmo assim
nos últimos anos do Império e se, qualificarmos a nomeação e atuação destes nobres como
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senadores, a tese aqui defendida fica mais clara: O primeiro o Barão de Leopoldina José de
Rezende Monteiro que foi nomeado em 1887 e não chegou a participar de nenhuma sessão do
senado, pois passou mal no início da primeira, sendo retirado e vindo a falecer pouco depois. O
segundo senador foi José Joaquim Monteiro da Silva o Barão de Santa Helena nomeado em 1887
e que não chegou a apresentar nenhuma proposta ou projeto de lei no senado. É sintomático que
os nobres da Mata mineira somente tenham alcançado o senado ao final do Império; exatamente
quando a região atingia seu auge do ponto de vista econômico e suas articulações políticas
começavam a se consolidar dentro da lógica do sistema imperial.
Este também foi o caso de Carlos Peixoto de Melo Filho, que nomeado para o Senado em
1889, não chegou a tomar posse por causa da proclamação da República. Natural do Serro na
região Norte, advogado formado em São Paulo, mudou-se para Ubá em meados do XIX. Carlos
Peixoto teve uma trajetória ‘crescente’ na carreira política, começando como vereador, agente
executivo, deputado provincial e geral até 1889, quando foi nomeado Senador. Desempenhou um
importante papel durante a República Velha, sendo deputado federal, líder dos deputados
mineiros, presidente da Câmara, além de amigo de João Pinheiro. Faleceu em 1917.
Outro político da Mata mineira emblemático neste sentido foi o já citado José Cesário de
Faria Alvim, cafeicultor também em Ubá. Apesar de um dos líderes do partido liberal e de ter
sido deputado provincial em duas legislaturas (1864 – 1867), deputado geral por quatro vezes
(1867 – 1881 e 1886 – 1889), e ainda presidente da província do Rio de Janeiro entre 1884 e
1886, foi recusado 6 vezes na indicação para o Senado. Nomeado como presidente do Estado de
Minas Gerais em 1889, somente irá para o senado em 1890. Político em ascensão ainda no
Império será somente com a proclamação da República que irá conseguir atingir a ‘maturidade’
(CARRARA, 1993).
Quadro III: Nobres mineiros nomeados Senadores no Império (por Região)
Região
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Central
Senado
Nome
João Severiano Maciel da Costa (marquês de
Queluz)
João Gomes da Silveira Mendonça (visconde de
Fanado e Marques de Sabará)
Estevão Ribeiro de Rezende (marquês de
Valença)
Manuel Ignacio de Mello e Souza (Barão com
grandeza do Pontal)
Cândido José de Araújo Vianna (marquês de
Sapucaí)
Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês do
Paraná)
Manuel Teixeira de Souza (Barão de Camargos)
Affonso Celso de Assis Figueiredo (visconde de
Ouro preto)
Data Nomeação Senado
1824
1824
1827
1836
1839
1842
1860
1879
25
Central
Central
Mata
mineira
Mata
mineira
Norte –
Leste
Norte –
Leste
Oeste
Oeste
Sul
Triângulo
José Rodrigues de Lima Duarte (visconde de lima
Duarte)
Inácio Antônio de Assis Martins (visconde de
Assis Martins)
José de Rezende Monteiro (Barão de Leopoldina)
1884
José Joaquim Monteiro da Silva (Barão de Santa
Helena)
José Cesário de Miranda Ribeiro (visconde de
Uberaba)
Antônio Cândido da Cruz Machado (visconde de
Serro Frio)
Manuel Jacinto Nogueira da Gama (marquês de
Baependi)
Antonio Paulino Limpo de Abreu (visconde de
Abaeté)
José Ildefonso de Souza Ramos (visconde de
Jaraguari)
Domiciano Leite Ribeiro (visconde de Araxá)
1888
1884
1887
1844
1874
1823
1847
1853
1866
A análise das trajetórias dos demais senadores (cerca de 25), que não alcançaram o título
de nobreza, é bastante relevante tanto no que diz respeito à Minas Gerais, quanto à evolução da
estrutura política ao longo do século XIX. Em primeiro lugar confirmamos a predominância
absoluta dos senadores mineiros ligados à região Central. Entre os senadores dessa região que
não se tornaram nobres temos figuras importantes como Jacinto Furtado de Mendonça.
Agricultor, Capitão-mor de Vila Rica, eleito para as Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza em 19 de setembro de 1821, foi nomeado senador em 1826 e
falecido em 1834. O Eclesiástico Marcos Antônio Monteiro de Barros, nomeado em 1826,
falecido em 1852 era formado em Direito Canônico. Também do ‘centro’ foram Bernardo
Pereira de Vasconcelos já citado e seu irmão Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos que
tiveram atuação destacada em meados do XIX.
Da região central eram ainda o Conselheiro de Estado, já citado José Pedro de Carvalho
nomeado em 1857 e falecido em 1861; o médico Antônio Gonçalves Gomide nomeado em 1826
e falecido em 1835 também citado no capítulo anterior; o advogado Francisco de Paula Silveira
Lobo, nomeado senador em 1868 e falecido em 1886, originário de Mamanguape na Paraíba, foi
Juiz Municipal em Mariana, tornando-se proprietário rural no sertão do Rio Doce e lançando-se
na política como deputado provincial, geral, presidente da província de Minas Gerais (1866 –
67).
Da região Norte-leste tivemos o desembargador, intendente dos diamantes, mineralogista,
proprietário de terras e político da Região do Serro, Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá,
nomeado em 1826 e falecido em 1835; ainda dessa região era João Evangelista Faria Lobato,
26
magistrado, nomeado em 1826 e falecido em 1846.14 Também era dessa região Teófilo Benedito
Otoni, proprietário, fazendeiro, capitalista e empresário que nomeado em 1864 veio a falecer em
1879.
Os demais senadores não nobres eram essencialmente da região central mineradora ou do
sul de Minas e existiram ainda aqueles que não eram mineiros, ou tiveram poucas relações com a
província. Neste sentido temos Sebastião Luís Tinoco da Silva, que era magistrado, foi Juiz de
Alfândegas entre 1789 e 1796. Português de nascimento, Luís Tinoco atuou como Juiz de
Alfândega em Campos, Macaé e Santos. Ministro da Fazenda em 1823, foi ainda Secretário da
Justiça até 1825, nomeado senador em 1826 e faleceu em 1839.15 Nem em sua atuação, nem em
sua origem, vemos uma grande relação com a província de Minas Gerais. Esse foi o mesmo caso
de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro que não tinha origens em Minas Gerais apesar de ter
sido senador pela província em 1828. Nascido em Portugal e bacharel por Coimbra, teve
destacada atuação política, seja no período da Independência, seja posteriormente na regência e
no segundo reinado, sendo presidente de província e ministro em vários gabinetes. Fez sociedade
comercial com o Brigadeiro Luiz Antonio, um dos maiores negociante de São Paulo,16 além de
ter fazendas de café em Campinas e Limeira. Foi um dos pioneiros na introdução do trabalho
livre para o Brasil. Sua ligação com Minas vem da sedição militar de Ouro Preto em 1833, onde
assistimos sua posição tentando manter a paz neste movimento.
Para completarmos a análise do que está sendo denominado de 1º escalão, podemos
verificar a grande importância que estes nobres terão para a política imperial pois 11 desses
nobres serão nomeados como membros do Conselho de Estado e Senadores ao mesmo tempo.
Novamente vemos uma grande relação entre os Ministros de Estado, o Senado e o Conselho de
Estado, Podemos dessa forma falar de uma nobreza dentro da nobreza, ao menos enquanto
forma de atuação política, pois, amo menos 11 dos nobres mineiros acima citados estiveram em
03 das mais importantes esferas de poder do Império Brasileiro no XIX. Nenhum deles era da
Zona da Mata mineira.
O poder exercido então pela região será eminentemente local, somente no período da
República Velha veremos que: Assim o poder mudou [com o advento da proclamação da
República] para as zonas cafeeiras sem a intervenção federal ou colapso institucional e as
receitas sem precedentes de café facilitaram a transição (WIRHT, 1982, p. 175).
14
Referência na RAPM, vol 10, 1905 jan/jun Nelson Coelho de Senna, p. 172
RAPM, 28 de dezembro de 1825 correspondência com Guido Marlieré.
16
A respeito da fortuna e riqueza do Brigadeiro Luiz Antonio cf. ARAUJO, Maria Lucília. Os caminhos da
riqueza dos paulistanos na primeira metade do oitocentos. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2006.
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