2. A Demanda de Moeda 2.1. A Versão Clássica da Demanda de Moeda (A Teoria Quantitativa da Moeda) 2.2. A Versão Keynesiana da Demanda de Moeda (A Teoria da Preferência pela Liquidez) 2.3. O Modelo Baumol-Tobin de Demanda de Moeda 2.4. A Abordagem de Friedman 2.5.Tópicos sobre a Demanda de Moeda 2. A Demanda de Moeda A moeda é formada por uma série de ativos financeiros (incluindo dinheiro, saldos bancários, cheques de viagem e outros instrumentos) com características especiais, que os distinguem dos outros tipos de direitos financeiros. Quando uma pessoa vai ao cinema, compra legumes ou um carro, nunca vai tentar fazer a compra com títulos ou ações, mas com algum tipo de dinheiro. Esta característica - a de ser um meio de troca aceitável - é a sua função quintessencial. Um motivo importante pelo qual a moeda é um meio de troca tão útil é que, de acordo com a lei, ninguém pode recusar-se a receber um pagamento em dinheiro. Na realidade, a moeda exerce três papéis fundamentais. Em primeiro lugar, é um meio de troca, isto é, as pessoas estão dispostas a aceitá-la em troca de bens e serviços e, portanto, não há necessidade de haver coincidência mútua de desejos para que uma transação ocorra. Em segundo lugar, serve como unidade de conta, e como tal os preços são cotados em unidades monetárias e não em relação a outros bens e serviços. Nestes dois papéis a moeda facilita o processo de troca. Em terceiro lugar, a moeda é uma reserva de valor e, neste papel, é igual aos demais ativos financeiros. Quando as pessoas recebem dinheiro em troca de bens e serviços, não precisam gastá-lo imediatamente, porque ele mantém seu valor (exceto em períodos de inflação, quando deixa de ser usado como reserva de valor). Ao lado do papel exercido pela moeda na economia, é importante estudarem-se os determinantes da demanda e da oferta de moeda, tendo em vista justamente a influência da moeda em muitos e variados aspectos do comportamento da economia. Os preços, por exemplo, nada mais são que o valor dos bens em termos monetários e, portanto, a variação da oferta e demanda por moeda é um fator fundamental na determinação do preço. Outro exemplo é a taxa de câmbio, o preço pelo qual uma moeda nacional pode ser trocada por outra, para cuja determinação é fundamental compreender-se a teoria da demanda e oferta de moeda. Um terceiro exemplo é a taxa de juros, cujo nível reflete o estado da demanda e oferta de moeda em um dado momento. Eis algumas razões porque são estudadas as teorias sobre a demanda de moeda e a oferta de moeda. A oferta de moeda é determinada pelo comportamento do público, dos bancos e do Banco Central, no âmbito de modelo que já foi objeto de estudo em Economia Monetária I. Esta parte da disciplina se preocupará com a apresentação das teorias sobre a demanda por moeda. 2.1. A Versäo Clássica da Demanda de Moeda (A Teoria Quantitativa da Moeda) A abordagem clássica é baseada na teoria quantitativa da moeda, teoria que afirma que a quantidade de moeda nominal determina o nível da renda nominal. A idéia de que a quantidade de moeda em circulação afeta o nível geral de preços é bastante antiga em análise econômica, e encontra um marco histórico notável na controvérsia entre Jean Bodin e Mallestroit sobre as causas da inflação na França de 1570. Durante cerca de três séculos, a teoria quantitativa foi aceita como lei de proporcionalidade entre a quantidade de moeda em circulação e o nível geral de preços. As versões mais refinadas datam do final do século passado e princípio do atual, devendo-se, principalmente, a Marshall, Wicksell e Fisher. (Simonsen & Cysne, p.319) A Equação de Fisher e a Velocidade de Transações da Moeda Uma primeira expressão da teoria quantitativa da moeda foi a chamada de "equação de Fisher", em homenagem a Irving Fisher (1867 - 1947), seu principal proponente. Ela é: MV = PT onde: M = moeda; T = todas as transações realizadas com moeda; P = preço médio de todos os itens incluídos em T; V = velocidade de transações e representa o número de vezes que uma unidade monetária se torna receita para alguém, ainda que não se torne renda. Assim, (T) não abrange apenas os itens incluídos no PIB, mas também os produtos intermediários, compras de artigos de 2a. mão e serviços de fatores. Chega até a incluir transações financeiras, como, por exemplo, transferências de fundos de uma conta de depósito à vista para um fundo do mercado monetário. As dificuldades de manuseio operacional desta versão da teoria quantitativa da moeda levou Fisher e outros economistas clássicos, como Marshall e Pigou, a evoluírem para o conceito da equação de trocas e da velocidade-renda da moeda. A Equação de Trocas e a Velocidade-Renda da Moeda Suponha que você queira relacionar a renda nominal (PY) à quantidade de moeda (M). A maneira mais simples seria dizer que elas são a mesma coisa e escrever: M = PY. Isto é simples, mas está errado. As notas de dinheiro ou os depósitos em conta corrente não se limitam a comprar um determinado bem ou serviço e depois morrerem. Em vez disso, quem os recebe torna a gastá-los, de modo que se tornam renda uma segunda vez, e assim por diante. O que precisa ser feito é mudar o absurdo M = PY para MV = PY, mediante o acréscimo de um termo, V, para indicar a velocidade-renda da moeda. Esse termo mede o número de vezes que uma unidade de moeda se torna renda para alguém num determinado período. V mede não o número de vezes que um dólar ou real é gasto, mas o número de vezes que ele se torna renda durante o ano. Por definição, portanto, a velocidade de circulação é a renda nominal agregada dividida pela quantidade de moeda e representa o “giro” da moeda, ou seja, o número de vezes por período que uma unidade monetária é gasta para adquirir o total de bens e serviços produzidos na economia. (Hillbrecht, 1999) MV = PY V = PY / M Equação de trocas (identidade representativa da TQM) Velocidade-renda da moeda A Hipótese da Velocidade Constante Segundo Irving Fisher, são fatores tecnológicos e institucionais que determinam a velocidade de circulação da moeda. Quanto menos moeda for demandada, maior será a velocidade-renda da moeda. Se, por exemplo, os indivíduos usam cartões de crédito para fazer compras, eles precisam manter menos moeda para efetuar determinado volume de transações e, portanto, a velocidade-renda é maior do quando dinheiro ou cheques são utilizados (que se constituem em moeda). Fisher considerou que esses fatores tecnológicos e institucionais mudam lentamente ao longo do tempo, de maneira que a velocidade de circulação da moeda poderia ser considerada constante no curto prazo. (Hillbrecht, 1999) Uma vez considerada a velocidade (V) constante, a equação quantitativa (MV=PY) pode ser considerada uma teoria do PNB nominal, que diz que a renda nominal (PY) é determinada por movimentos da oferta de moeda (M). Em outras palavras, uma variação na quantidade de moeda (M) deve provocar uma mudança proporcional no PIB nominal (PY). Isto é, a quantidade de moeda determina o valor em unidades monetárias do produto da economia. Fisher, como os economistas clássicos de sua época, acreditava que preços e salários eram perfeitamente flexíveis, de maneira que o produto real (Y), sob condições normais, estaria em seu nível de pleno emprego e poderia também ser considerado como constante no curto prazo. Portanto, pela teoria quantitativa, como V e Y são considerados constantes, todos os movimentos do nível de preços são determinados por mudanças proporcionais na quantidade de moeda. (Hillbrecht, 1999) A Equação e a Abordagem de Cambridge A hipótese central da teoria quantitativa é uma concepção dicotômica dos mercados. Como aplicação duradoura de patrimônio, a moeda se considera absolutamente indesejável, por não render juros. Mas os agentes econômicos precisam de uma reserva transitória de valor, pois os seus pagamentos e recebimentos não se sincronizam nas mesmas datas. E, como instrumento de compensação dessas defasagens entre recebimentos e pagamentos, considera-se a moeda absolutamente insubstituível. Dentro dessa concepção, a equação de Cambridge postulava que a procura de moeda era proporcional ao produto nominal (PY). (Simonsen & Cysne, p.319) A equação de Cambridge é uma formulação alternativa à equação quantitativa MV = PY, em homenagem à Universidade de Cambridge, onde foi desenvolvida por Alfred Marshall e A. C. Pigou. Ela é: Md = kPY onde k era denominada constante marshalliana. Supondo-se equilíbrio entre oferta (M) e demanda no mercado monetário, M = Md, o produto nominal ficaria determinado pela oferta de moeda, M, de acordo com a equação: M = kPY Note-se que, em qualquer das equações anteriores, M ou Md representa um estoque (unidades monetárias), e PY um fluxo (unidades monetárias por unidade de tempo). Como MV = PY e M = k.PY, então: k = 1 / V Isto é, se as pessoas mantiverem a renda de um mês em moeda, de modo que k = 1/12, então, em média, um dólar ou real de moeda entra na renda de alguém doze vezes ao ano. Quando usamos a equação quantitativa estamos supondo que a oferta de saldos monetários reais seja igual à demanda de saldos monetários reais, e esta, proporcional à renda. Um exemplo simples ilustra a idéia da teoria quantitativa. Imaginemos que, em nossa economia, as empresas concentrem os seus pagamentos aos indivíduos no último dia de cada mês, e que, durante o mês seguinte, os indivíduos gastem essa renda em parcelas diárias iguais, comprando os produtos das empresas. Os diagramas de encaixes mínimos para os indivíduos e empresas serão os indicados na figura abaixo. (a) encaixe dos indivíduos (b) encaixe das empresas PY 31dez 31jan 28fev 31mar 30abr 31dez 31jan 28fev 31mar 30abr Figura 01 - Os indivíduos procuram moeda porque os seus pagamentos são contínuos e os recebimentos descontínuos. Assim, os seus encaixes mínimos caem linearmente ao longo do mês, de PY para zero. As empresas procuram moeda pela razão oposta e os seus encaixes aumentam linearmente durante o mês, de zero a PY. A constante marshalliana é igual a 1 em termos mensais, o que equivale a 1/12 em termos anuais. Apesar de despretencioso, o exercício acima destaca um dos principais determinantes da constante marshalliana, o intervalo habitual de pagamento das rendas. Com um ciclo trimestral chegaríamos a k = ¼ em termos anuais e assim por diante. (Simonsen & Cysne, p.320) A Demanda Individual de Moeda A falta de sincronizaçäo entre recebimentos e pagamentos, aliada à imprevisibilidade de certas despesas, säo os dois motivos essenciais que, segundo os economistas clássicos, conduzem à retençäo de moeda pelos indivíduos. Para exemplificar a ocorrência de encaixe devida ao primeiro motivo, construímos a tabela seguinte, adotando um conjunto de hipóteses de desencaixes realizados por um indivíduo, durante o período de um mês, a partir de um encaixe inicial (recebimento) de $2.000,00. Intervalos de dias 1a5 6a8 9 a 12 13 a 15 16 a 21 22 a 28 29 a 31 Total Desencaixes ($) 0 180,00 550,00 310,00 560,00 200,00 200,00 2.000,00 Encaixes ($) 2.000,00 1.820,00 1.270,00 960,00 400,00 200,00 0 ---- (encaixes.dias) EM = Encaixe Médio = --------------------------------------N. total de dias (2000 x 5)+(1820 x 3)+(1270 x 4)+(960 x 3)+(400 x 6)+(200 x 7) EM = ------------------------------------------------------------------------------------- = 31 27.220 EM = --------------- = 878,07 31 878,07 k = ----------------- = 0,44 2.000,00 k = 0,44 proporçäo da renda Y retida sob a forma de moeda. O encaixe médio durante o período, para a hipótese adotada, foi, portanto, de $ 878,07. Esta foi a proporção média da renda recebida no período que o indivíduo manteve, em caixa, para atender as suas necessidades de transação. (Lopes & Rossetti, p.48) Este encaixe médio corresponde a um k = 0,44. Os Determinantes da Demanda Individual Quais os fatores que explicam a maior ou menor proporçäo de moeda retida pelo público em relaçäo a um dado nível de renda? Em outras palavras: que fatores determinam a maior ou menor magnitude da proporçäo k? Em síntese, admite-se que os principais fatores sejam: a forma como os indivíduos e as empresas distribuem, no tempo, as suas despesas; os intervalos entre os pagamentos e os recebimentos, dados por hábitos e práticas econômicas que tendem a se institucionalizar; as facilidades bancárias para a concessäo de crédito; a eficiência do sistema de compensaçäo e dos processos de comunicação, que dificultam os sistemas de débito e de crédito de ordens de pagamento, ampliando as margens de ociosidade da moeda escritural; a maior ou menor integraçäo vertical do sistema econômico, à medida que influencia o número de transações intermediárias, reduzindo-as ou ampliando-as, e, assim, exigindo maiores ou menores saldos monetários disponíveis; a existência ou näo de substitutos próximos da moeda, geralmente denominados quasemoeda, pelo seu elevado grau de liquidez e por se constituirem em reservatórios rentáveis de poder aquisitivo; o nível em que se encontra a taxa real de juros, aqui considerada como o custo de oportunidade de retençäo de moeda; a taxa de inflaçäo, à medida que provoca a diminuição da riqueza retida sob forma monetária. Como a quase totalidade desses fatores é determinada institucionalmente e, a curto prazo e sob clima näo inflacionário, se mantém inalterada, os economistas clássicos consideravam a proporçäo "k" como uma constante. Isto é, com algumas qualificações, eles consideravam irrelevantes as variações de “k” a curto prazo. (Lopes & Rossetti, p. 49-50) Particularmente, os economistas de Cambridge consideraram que a moeda tem duas propriedades importantes, que levam os indivíduos a demandá-la. Em primeiro lugar, a moeda serve como meio de trocas, que os indivíduos usam para efetuar transações. Esta parte da demanda por moeda é proporcional à renda nominal. Em segundo lugar, a moeda também pode servir como estoque de riqueza, ou seja, quanto maior fosse a riqueza dos indivíduos, maior seria o seu estoque de ativos, entre estes a moeda. Na medida em que a riqueza dos indivíduos é proporcional à renda, a demanda por moeda por este motivo também seria proporcional à renda. M = f(Y) de acordo com os economistas clássicos, a demanda por moeda é uma função da renda dos indivíduos (ou famílias). Entretanto, embora eles considerassem freqüentemente que o coeficiente de proporcionalidade k fosse constante no curto prazo, ele poderia experimentar mudanças decorrentes das decisões dos indivíduos. Por exemplo, como a moeda poderia ser demandada como estoque de riqueza, essa decisão dependeria dos retornos esperados dos outros ativos que compõem o estoque de riqueza. Se esses retornos subissem em relação ao da moeda, os indivíduos demandariam menos moeda por esse motivo. Dessa maneira, k se reduziria e a velocidade de circulação da moeda aumentaria. Portanto, a abordagem de Cambridge difere da teoria quantitativa estrita da moeda pelo fato de que a taxa de juros (por meio do retorno esperado sobre os ativos que compõem a riqueza dos indivíduos) pode afetar a velocidade de circulação da moeda, enquanto na teoria quantitativa a demanda por moeda não guarda nenhuma relação com a taxa de juros. (Hillbrecht, 1999) A Demanda Agregada de Moeda A preocupaçäo dos economistas clássicos e, por extensão, da Escola de Cambridge, estava fundamentalmente orientada para a compreensäo do comportamento individual. Para atender às necessidades do raciocínio macroeconômico, torna-se necessário generalizar o comportamento admitido para os agentes individuais. Da generalização, obtem-se a demanda agregada de moeda, que expressará a quantidade global de moeda retida por todos os agentes que interagem em dada economia, a partir de determinada renda nacional a preços correntes. Definindo, para uma economia fechada, a renda nacional, Y, como a soma das remuneraçöes pagas aos fatores de produçäo ao longo do processo produtivo de bens e serviços (salários, W; aluguéis, A; juros, J; e lucros, B), podemos expressar a demanda de moeda, em nivel agregado, da seguinte forma: (Lopes & Rossetti, p.50) L1 = k1 (W) salários L2 = k2 (A) aluguéis L3 = k3 (J) juros L4 = k4 (B) lucros --------------------------L = k.PY A demanda agregada de moeda, segundo a versäo clássica, pode entäo ser expressa por: L = k.P.Y onde: L = Somatório (L1,...,L4) k = proporçäo média dos encaixes dos agentes (indivíduos e empresas) P.Y = renda (produto) nacional a preços correntes A interaçäo Demanda-Oferta de Moeda No pensamento clássico, a oferta monetária é tratada como variável exógena, isto é, o nível de moeda disponível no sistema econômico é exclusivamente controlado pelas autoridades monetárias. Considerando esta hipótese e admitindo a demanda de moeda L, podem ocorrer as seguintes situaçöes: M>L M<L M=L inflaçäo deflaçäo estabilidade de preços Na primeira situação, a oferta de moeda, fixada pelas autoridades monetárias, é maior do que a demanda de moeda. Isto equivale a dizer que os agentes econômicos vão ter em mãos uma quantidade de moeda superior àquela que desejam, dados os níveis de preços vigentes no mercado. Nesta situação, como, de acordo com o pensamento clássico, ninguém deseja reter moeda acima dos níveis necessários para a efetivação de suas transações, os agentes econômicos procurarão livrar-se de seus excedentes monetários adquirindo maior quantidade de bens e serviços. Todavia, como o quantum da produção não varia a curto prazo, dada a ocorrência do pleno emprego dos recursos produtivos, as pressões nominais da demanda elevarão os níveis vigentes de preços. Na segunda situação, a oferta de moeda, também fixada pelas autoridades monetárias, é menor que a demanda de moeda. Os agentes econômicos, neste caso, vão ter em mãos menor quantidade de moeda do que a necessária para a efetivação de suas transações. A inviabilização das transações por insuficiência da oferta monetária provocará o nãoescoamento da produção global realizada. Nesta situação, dada a hipótese clássica da inalterabilidade do pleno emprego dos recursos, os preços sofrerão pressões de baixa. Cabe observar que a redução dos preços só é compatível com a hipótese clássica de manutenção do pleno emprego, dada a hipótese de flexibilidade para baixo dos salários. Finalmente, na terceira situação, o nível dos preços se mantém inalterado, em condição de equilíbrio. Neste caso, a quantidade de moeda que os agentes econômicos desejam reter é rigorosamente igual à oferta determinada pelas autoridades monetárias. (Lopes & Rossetti, p.52) 2.2. A Versäo Keynesiana da Demanda de Moeda (A Teoria da Preferência pela Liquidez) Na versäo Keynesiana, contrariando a versäo clássica, a moeda deixou de ser vista apenas como um instrumento de intermediaçäo de trocas, que näo afetava significativamente outras variáveis econômicas, como a taxa de juros e o volume global de emprego. Enfocando-a também como uma reserva de valor, mantida näo apenas para fins transacionais, mas também para atender a oportunidades de especulaçäo, Keynes deixou de ver a moeda como componente neutro. Em sua versäo, uma significativa parcela da demanda de moeda é afetada pelas expectativas sobre o comportamento da taxa de juros, ao mesmo tempo em que o nível do emprego e, consequentemente, outras variáveis do setor real da economia, experimentam a influência de variaçöes situadas no setor monetário. Ademais, Keynes incorporou na sua versäo da demanda de moeda a incerteza acerca das variaçöes futuras na taxa de juros, assinalando ser esta "a única explicaçäo inteligível que justifica a conservaçäo de recursos líquidos para fins de especulaçäo". (Lopes & Rossetti, p. 54) 2.2.1. Os Motivos da Demanda de Moeda em Keynes A Teoria da Preferência pela Liquidez, de John Maynard Keynes, surgiu em 1936, em seu famoso livro A Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda. Keynes rompeu com a teoria clássica ao considerar explicitamente que a demanda por moeda depende da taxa de juros. Segundo Keynes, há três motivos para a procura de moeda: as transações, a precaução e a especulação. Motivo Transaçäo Esse motivo foi desdobrado em dois. Keynes denominou-os motivos-renda e giro de negócios. Quanto à renda, trata-se da necessidade de conservar recursos líquidos para garantir a transiçäo entre os recebimentos e os desembolsos; a força deste motivo para induzir os agentes econômicos à decisão de reter ativos monetários depende, segundo Keynes, principalmente do montante da renda regularmente recebida e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e os gastos. Quanto ao giro de negócios, incluiu-se sob este motivo a moeda retida pelas empresas para garantir os pagamentos que se efetuam no intervalo entre as compras de insumos e remunerações dos fatores e as entradas de caixa resultantes da realização das vendas; a força deste motivo para induzir as empresas a manter maiores ou menores saldos líquidos em caixa depende, segundo Keynes, sobretudo do montante da produção corrente (e, portanto da renda corrente) e do número de mãos através das quais ela passa. (Lopes & Rossetti, p. 55). A procura de moeda para transações era identificada pelos economistas clássicos: o estoque necessário para compensar as defasagens entre recebimentos e pagamentos. Até aí, Keynes só inventou uma denominação. Motivo Precauçäo Enquanto o motivo transaçäo se refere ao atendimento de despesas ordinárias e certas, o motivo precauçäo decorre da necessidade de se fazer frente a despesas extraordinárias e incertas. Há, assim, motivos que levam os agentes a se precaverem quanto às contingências inesperadas. A força deste segundo motivo depende, em grande parte, ainda segundo a versão de Keynes, do custo e da segurança dos métodos para obter moeda em caso de necessidades imprevistas. No Brasil, atualmente, a concessão de limites para movimentação de contas correntes, em aberto nos bancos comerciais, franqueada aos detentores de “cheques especiais”, tende a reduzir a demanda de moeda por precaução a níveis próximos de zero. (Lopes & Rossetti, p. 56) Na boa linha clássica, Keynes admitiu que não apenas a procura de moeda por transações, mas também a por precaução, fossem proporcionais à renda nominal, na forma marshalliana kPY, sendo k uma constante. Motivo Especulaçäo Enquanto os dois motivos anteriores säo comuns aos clássicos e a Keynes, o motivo especulaçäo é especificamente Keynesiano. Quanto a este terceiro motivo, Keynes procura mostrar que, ao contrário do que pensavam os clássicos, näo é irracional manter ativos monetários para satisfazer a oportunidades especulativas, desde que os agentes econômicos tenham razöes para acreditar em mudanças a seu favor no preço dos títulos e, portanto, na taxa de juros. A expectativa sobre mudanças futuras na taxa de juros situa-se, assim, atrás do motivo especulação. Sob uma expectativa generalizada de alta na taxa de juros ou de uma queda equivalente no preço dos títulos, no futuro, a retenção de saldos monetários para fins especulativos tende a se elevar; caso contrário, a retenção de moeda devida a esse motivo tende a diminuir. (Lopes & Rossetti, p. 56) Antes de passarmos à análise da função keynesiana de demanda de moeda, cabe o observar que, rigorosamente falando, como aliás o próprio Keynes assinalou, o montante de recursos líquidos que os agentes econômicos conservam para satisfazer às exigências e oportunidades decorrentes dos motivos transaçäo e precauçäo, näo é de todo independente do que eles conservam para satisfazer o motivo especulaçäo. "...a moeda retida em decorrência de cada um desses três motivos constituem um fundo único, que os seus detentores näo dividem em três compartimentos estanques... . Portanto, é lícito considerar a demanda total de moeda, ao nível do indivíduo ou da empresa, em determinadas circunstâncias, como uma decisão única, para a qual concorrem vários motivos diferentes.” Todavia, para os fins de análise econômica, é legítimo considerar independentemente esses motivos, para que, afinal, se possa agregá-los e entäo construir uma funçäo típica da demanda de moeda, que resulte da influência dos fatores subjacentes a cada um deles. (Lopes & Rossetti, p.56) 2.2.2. A Demanda de Moeda em Keynes A partir dos três motivos que levam à retenção de ativos monetários, Keynes construiu uma funçäo de demanda de moeda constituída por dois componentes distintos. O primeiro, englobando os motivos transação e precaução, varia proporcionalmente à renda monetária. O segundo, derivado do motivo especulação, varia inversamente com a taxa de juros. L = Lt(Y) + Ls(i) ou onde: L = demanda agregada de moeda Lt(Y) = motivos transaçäo e precauçäo, que variam diretamente conforme a renda monetária Ls(i) = motivo especulaçäo, que varia de forma inversa à taxa de juros L = kPY + Ls(I) Para simplificar, admite-se que os preços säo constantes. Assim conceitos de renda real e de renda nominal se tornam iguais. Vamos focalizar separadamente cada um destes componentes. a) Demanda de Moeda para Transaçöes/Precauçäo: Näo houvesse o componente especulativo, a versäo keynesiana de demanda de moeda estaria bastante próxima da clássica, dada a similaridade do entendimento das duas versöes quanto à retençäo de ativos monetários para fins transacionais. Em ambas, essa demanda, a nível agregado, expande-se em proporçäo ao montante da renda monetária da economia. A Figura 02, que reproduz a demanda agregada pra transações na versão keynesiana, Lt, revela a proximidade das duas versões. Como ali se observa, os deslocamentos dessa demanda só ocorrem à medida em que ocorrerem deslocamentos no montante do rendimento agregado. (a) Lt (b) i Yo Y1 Y2 Y Lto L t1 L t2 Lt Figura 02 - Demanda agregada de moeda para transações, Lt, na versão keynesiana. Em (a) evidencia-se que esta demanda varia em funçäo da renda monetária. Em (b) evidencia-se que esta demanda, sendo independente da taxa de juros, desloca-se à medida que se desloca o montante da renda. Cabe, no entanto, registrar, no que se refere à versäo keynesiana, os seguintes pontos diferenciais: Em época de desemprego, tratando-se de uma economia moderna, regida por contratos, os preços e salários näo estäo livres para variar automaticamente e assim reequilibrar, de forma natural, o sistema econômico. O que na realidade ocorre, segundo Keynes, é que as quantidades produzidas se ajustam aos níveis da demanda efetiva. Isto significa que os simples ajustamentos no nível dos preços, resultantes da interação da oferta e da demanda monetárias, não são suficientes para que a economia opere em situação permanentemente próxima do pleno emprego. (Lopes & Rossetti, p. 58) Desta forma, ocorre equilíbrio, mas a economia afasta-se do pleno emprego. Na versäo keynesiana, a velocidade da moeda é considerada como variável, o que a distingue da versão dos economistas clássicos, para os quais essa velocidade era admitida como constante a curto prazo. Keynes chega a esta conclusäo pela introduçäo da demanda de moeda para especulaçäo, Ls. No âmbito dos motivos transacionais e precaucionais, Keynes insere a possibilidade de retençäo de moeda para o atendimento de determinadas despesas planejadas e näo apenas para fazer face às despesas correntes do período. Isto significa que podem ocorrer aumentos na quantidade demandada de moeda para transaçöes, seguidos de aumentos no montante da renda agregada. Neste ponto levanta-se o problema do sentido da causalidade entre moeda e atividade econômica. (Lopes & Rossetti, p.58) b) Demanda de Moeda para Especulaçäo: Este segundo componente da funçäo agregada da demanda de moeda na versäo keynesiana varia inversamente às expectativas sobre o comportamento futuro da taxa de juros. O ponto fundamental em que se apóia a versäo keynesiana está em admitir näo ser de modo algum irracional que os agentes econômicos retenham ativos monetários ociosos, esperando que os preços dos títulos se alterem ou, o que é a mesma coisa, que as taxas de juros mudem. A linha de raciocínio seguida por Keynes está fundamentada nessa relação simples entre os preços de mercado dos títulos de renda fixa e as correspondentes taxas de juros auferidas por seus detentores. Admitindo que os agentes econômicos manteriam seus excedentes de renda em relaçäo as suas necessidades de consumo (isto é, poupanças) sob a forma de ativos monetários ou de títulos adquiridos no mercado financeiro, Keynes observou que, quando os preços dos títulos estavam altos e as taxas de juros baixas, os agentes econômicos revelavam, de uma forma geral, forte propensäo a manter aqueles excedentes sob a forma de ativos monetários, na expectativa de que os preços caissem e ensejassem, se adquiridos quando então se encontrassem em queda, maiores ganhos especulativos. Inversamente, estando baixos os preços dos títulos e altas as taxas de juros, a manutenção de saldos monetários para fins especulativos tendia a se reduzir, dada a preferência que então se estabelecia por aplicações em títulos, na expectativa de que seus preços se elevassem, ensejando maiores ganhos especulativos, se vendidos quando então se encontrassem em alta. Aqui, cabe registrar que Keynes explicitamente admitiu que os substitutos para a moeda, como reserva de valor, eram os títulos de LP e renda fixa. Os bens físicos näo foram admitidos como bons substitutos para a moeda, na composiçäo do portfólio dos agentes econômicos, pelo fato de esses bens não possuirem um mercado amplo e organizado para as suas transações e, conseqüentemente, não poderem ser transformados em moeda rapidamente e sem perda substancial de valor. O reduzido grau de liquidez desse tipo de bens é que teria levado Keynes a raciocinar em termos de moeda ou títulos. Relaçöes entre preços de mercado e taxas de juros de um título de renda fixa preço de mercado do título ($) rendimento fixo mensal Taxa de juros ( i ) valor nominal = $ 100.000 ($) % 3% a.m. s/o valor nominal 100.000 3.000 3.00 105.000 3.000 2.85 110.000 3.000 2.73 120.000 3.000 2.50 redução expansão 100.000 3.000 3.00 95.000 3.000 3.15 86.000 3.000 3.53 82.000 3.000 3.66 redução expansão (Lopes & Rossetti, p.59-60) Admitindo que o preço que um agente está disposto a pagar por um título corresponda ao valor atual dos rendimentos futuros que ele espera auferir desse título e que a série desses rendimentos seja relativamente longa e constante em termos absolutos, temos: RT PT = VA = -------i onde: PT = preço do título VA = valor atual da série de rendimentos do título RT = série de rendimentos fixos do título, ao longo de um determinado período de tempo i = taxa de juros A expansäo (ou reduçäo) da taxa de juros implica a reduçäo (ou expansäo) do preço do título. Mas, para o equacionamento completo da versäo keynesiana da demanda de moeda para especulaçäo, cabe ainda explicitar como é que se formam as expectativas sobre as variações futuras dos preços dos títulos ou das taxas de juros. Quanto a esse aspecto, Keynes assumiu a hipótese de que os agentes econômicos deveriam ter em mente uma taxa de juros normal - uma espécie de média ponderada das taxas de juros passadas, experimentalmente registradas no histórico das aplicaçöes financeiras de cada agente. Quando a taxa de juros de mercado se encontrava muito afastada deste conceito individual de taxa normal, a expectativa sobre o comportamento futuro da taxa de mercado era a sua volta à situação admitida como de normalidade. Assim, se a taxa de juros de mercado estiver acima da taxa admitida como normal, o que se apresentava como mais provável, em termos de previsäo para o futuro, era uma queda na taxa de mercado e o consequente aumento dos preços dos títulos. O inverso aconteceria, segundo as expectativas individuais, quando a taxa de juros de mercado estivesse abaixo da taxa admitida como normal; neste caso, as expectativas seriam no sentido de uma alta na taxa de juros, equivalente a uma queda no preço dos títulos. Ao assumir essa linha de raciocínio, fundada em expectativas sobre comportamentos futuros, Keynes assinalou: "torna-se portanto evidente que, vista sob este ângulo, a taxa de juros resulta de componentes fortemente psicológicos". Admitindo estas hipóteses básicas, vamos então considerar o tipo de raciocínio adotado por um agente econômico que disponha de determinado excedente de renda em relação às suas necessidades de consumo. De acordo com a linha keynesiana, sua decisão será sobre a alocação desse excedente - se sob a forma de saldos monetários ou sob a forma de títulos. (Lopes & Rossetti, p. 61) Na linha de raciocínio keynesiana, suponhamos que o mercado de capitais só negocie títulos de renda fixa perpétua. Nesse caso, a cotação de um título que renda (R) unidades monetárias por período é dada por (R/i), onde (i) indica a taxa de juros corrente. Admitimos que a taxa de juros esperada para o período seguinte seja igual a (i'). Não há razão para se reter especulativamente moeda se (i'< i). Suponhamos, porém, que (i' > i), isto é, que se espera uma alta da taxa de juros. Comprando imediatamente o título, um indivíduo receberia, no início do período seguinte, uma renda, (R), mas à custa de uma perda de capital (R/i - R/i'). Valeria, pois, à pena reter moeda especulativamente, se essa perda de capital fosse superior a R, isto é: R/i - R/i' > R R/i - R > R/i’ R (1 - i)/i > R/i’ i’R (1 - i) > Ri (R - Ri)/i > R/i’ i’ > Ri/R (1 - i) ou seja, se: i i' > -------1-i Ms = (i, i') Por esta descrição, a procura especulativa de moeda se descreveria por uma equação do tipo: função decrescente da taxa de juros presente, i, e crescente da taxa de juros i', esperada para o período seguinte. A essa altura, Keynes introduz duas hipóteses complementares. Primeiro, que as expectativas quanto às taxas de juros futuras sejam extremamente rígidas, não só a curto prazo, mas também a médio prazo. Assim, na fórmula acima, i' pode ser considerado constante, o que reduz a procura especulativa por moeda à expressão: Ms = L(i) função decrescente da taxa de juros i. Segundo, Keynes admite que, para alguma taxa de juros suficientemente baixa (por ele estimada em torno de 2% a.a.), a procura especulativa de moeda se torne infinitamente elástica, diante da convicção geral de que a taxa de juros só tende a subir. Assim, a procura especulativa de moeda se descreveria por uma curva como a da figura seguinte. Ls / i < 0 i Ls ( i ) = demanda de moeda para especulação Figura 03 - Demanda agregada de moeda para especulação na versão keynesiana. Esta demanda é funçäo da taxa de juros, i, até atingir o patamar inferior, quando se torna perfeitamente elástica em relaçäo à taxa de juros. A nivel agregado, quando as taxas de juros estäo altas, a demanda de moeda para especulaçäo, Ls, é baixa, expandindo-se à medida que as taxas de juros de mercado se reduzem. No segmento perfeitamente elástico da funçäo Ls ocorre o que Keynes denominou de armadilha da liquidez. Neste segmento, os que possuem ativos monetários säo unânimes quanto à expectativa de que a taxa de juros já se encontra täo baixa, que näo seria possível baixar ainda mais. Estando a funçäo neste segmento, estabelece-se uma verdadeira armadilha para as autoridades monetárias, no sentido de que estas näo lograräo êxito se, nesse instante, desejarem baixar ainda mais a taxa de juros, via expansäo da oferta monetária. c) As Demandas para Transaçäo e Especulaçäo Reunidas: O gráfico seguinte mostra a demanda total de moeda em Keynes: Yo (a) Y1 Y2 (b) i i Yo (c) Y1 Y2 i Lt Ls L = Lt + Ls Figura 04 - A função de demanda agregada de moeda, L, na versão keynesiana (A função preferência pela Liquidez). Resulta da soma das funções das demandas agregadas para transações, Lt, e especulação, Ls. A primeira é inelástica em relação à taxa de juros; a segunda descreve uma função contínua, tornando-se perfeitamente elástica em relação à taxa de juros a partir do ponto em que esta cai a nível admitido como mínimo pelos agentes econômicos. L = Lt(Y) + Ls(i) ou L = kPY + L(i) Na figura 04 esta soma está graficamente representada em (c), enquanto em (a) e em (b) reproduzimos, respectivamente, as já vistas funçöes de demanda de moeda para fins transacionais e para especulaçäo. Note-se que, na soma das duas funçöes, quanto mais alta a taxa de juros, menor a preferência pela liquidez monetária; todavia, há um determinado montante de demanda de moeda que permanece inalterado, por maior que seja a taxa de juros. Trata-se da parcela retida para transaçöes. E, no extremo oposto da funçäo, se estabelece a armadilha da liquidez. (Lopes & Rossetti, p.65) Críticas à Teoria Monetária Keynesiana Por mais revolucionária que fosse em sua época, a teoria monetária experimenta, pelo menos, três reparos. Primeiro, a hipótese de rigidez das expectativas é pouco convincente. É difícil crer que, por anos a fio, a taxa de juros não se altere, e que ainda assim os agentes econômicos continuem apostando em sua alta num futuro próximo. Por essa razão, a procura especulativa mais parece uma anomalia episódica do que um problema permanente no mercado financeiro. (Simonsen & Cysne, p.334) Se a taxa de juros se estabilizar durante um período relativamente longo de tempo, poderá desaparecer, segundo a versão keynesiana, o componente especulativo da demanda de moeda. Dado que este componente, segundo Keynes, decorre da diferença entre as taxas correntes e as esperadas, se não houver mudanças efetivas nas taxas correntes, deixará de existir razão para o jogo especulativo. A distribuição de freqüência das taxas críticas tenderá para um único valor. (Lopes & Rossetti, p.66) Segundo, Keynes presume que o mercado financeiro só opere com títulos de renda fixa de longo prazo. Pela fórmula (i' > i / 1 - i), a procura especulativa é hipersensível a pequenos aumentos esperados na taxa de juros. Com i = 6% a.a., valeria à pena guardar moeda especulativamente, desde que se esperasse para o período seguinte i' = 6,38% a.a. Com i = 2% a.a., bastaria que a taxa esperada para o ano seguinte ultrapassasse 2,04% a.a., e ninguém mais quereria guardar títulos. Essa hipersensibilidade resulta de que a equação anterior presume que o mercado só negocie títulos de renda fixa perpétua. Diminuindo-se o prazo de resgate dos títulos, reduz-se a sensibilidade da procura especulativa à taxa de juros. Se o mercado negocia títulos de curto prazo, a procura especulativa pode até perder qualquer sentido. Para citar um exemplo, se existem certificados de depósito com seis meses de prazo, ninguém tem motivos para guardar moeda especulativamente à espera de uma aumento da taxa de juros daqui a seis meses. O aumento da taxa de juros desvaloriza os títulos que se encontram longe do vencimento, mas não os que chegaram à data do resgate. (Simonsen & Cysne, p.334) Terceiro, não fica claro por que as reservas para precaução são mantidas em moedas e não em títulos com boa liquidez. É de se suspeitar que a procura por moeda pelo motivo precaução também tenha algo a ver com a taxa de juros, mas Keynes não desenvolve este ponto. (Simonsen & Cysne, p.334) No que concerne à aplicação dos seus excedentes monetários em relação aos saldos que devem ser mantidos para fins transacionais, o comportamento dos agentes econômicos não se assemelha, de uma forma geral, à hipótese básica assumida por Keynes de retenção de moeda ou aquisição de títulos. Geralmente, o que pode ser observado é que uma decisão não exclui a outra. A maior parte das pessoas talvez prefira uma dada combinação de moeda e títulos e não simplesmente uma coisa ou outra. É plausível assumir que, dados os riscos envolvidos, um misto de ativos monetários e não-monetários é que, na realidade, maximiza a satisfação individual do agente. (Lopes & Rossetti, p.66) A Contribuição de Tobin James Tobin, em artigo publicado em 1958 (Liquidity Preference as Behavior Toward Risk), trouxe importante contribuição no sentido de solucionar estas dificuldades. Em sua chamada teoria da seleção e composição da carteira de títulos, Tobin tentou restabelecer, a nível teórico, a demanda de moeda para especulação, livre das restrições apontadas à dedução keynesiana tradicional. Os pontos básicos em que a contribuição de Tobin se assenta são os seguintes: 1. O retorno total dos títulos resulta, como em Keynes, da soma da taxa de juros mais os ganhos de capital. Estes últimos, no entanto, não se apresentam como um valor esperado único, mas como uma distribuição de probabilidades cuja média é assumida como o ganho mais provável. Tobin identificou o desvio padrão da distribuição dos ganhos prováveis de capital como o risco inerente à aquisição de títulos. Assim, quanto menos concentrada for a distribuição, menor será a probabilidade de ocorrer o valor médio esperado dos ganhos de capital e, portanto, maior o risco inerente à carteira de títulos. 2. Os agentes econômicos só estão dispostos a aceitar maiores riscos se, em troca, receberem um retorno real maior. Os ganhos são proporcionais ao montante dos títulos e estes aos riscos assumidos. No ponto inicial desta linha não há riscos, estando a totalidade dos ativos financeiros para especulação sob forma monetária; na outra extremidade é atingido o ponto máximo de risco, quando a totalidade desses ativos está convertida em títulos. Esta linha pode também ser vista como equivalente a uma restrição orçamentária, indicando o montante de recursos livres para fins especulativos. 3. Os agentes econômicos expressam suas preferências por intermédio de um conjunto de curvas de indiferença entre retornos totais e riscos assumidos. A seqüência de pontos que compõem essas curvas de indiferença correspondem às diferentes combinações de retornos e riscos que proporcionam aos agentes econômicos um mesmo grau de satisfação. 4. A maximização da satisfação dos agentes econômicos, quanto à combinação de retornos e riscos se dá no ponto em que uma de suas dadas curvas de indiferença é tangenciada pela linha equivalente à restrição orçamentária. Esses pontos básicos da contribuição de Tobin podem ser transpostos em termos gráficos, no sentido de que possa ser derivada a função da demanda de moeda para especulação. RTT I2 I1 I0 M Wo(1+i) nWo(1+i) N Wo 0 R m RA Figura 05 - Demanda de moeda para especulação, segundo a teoria da preferência pela liquidez de Tobin. Sujeito a uma dada restrição orçamentária, o agente econômico procura maximizar a sua riqueza, no ponto em que essa restrição orçamentária tangencia sua curva de indiferença entre riscos e retorno total esperado dos títulos adquiridos. No gráfico estão reproduzidas suas idéias básicas sobre as relações entre o retorno total dos títulos, RTT, e os riscos assumidos, RA. Sendo Wo o montante de recursos aplicável em títulos, o máximo de risco é dado pelo ponto M; o mínimo (risco zero, no caso) é dado pela intersecção dessa linha de trade-off com o eixo vertical. Assumindo risco zero, o montante desses recursos permanece inalterado; sua modificação implicará a liberação de uma parcela n, em termos relativos, convertida em risco, R. Dada a parcela n dos recursos Wo aplicados em títulos, o retorno total, dada a taxa de juros i de juros, pode ser expresso, como indicado no gráfico, por: n Wo(1+i). Se a totalidade desses recursos for aplicada em títulos, o retorno total será então expresso por: Wo(1+i). Admitindo-se, no entanto, a existência de curvas de indiferença entre riscos e retornos, graficamente representadas por I2, que é preferida a I1, que por sua vez é preferida a I0, e dada a curva de restrição orçamentária suposta, o agente irá compor uma carteira de títulos cujo montante absoluto será dado pelo ponto de tangência da linha de restrição com a sua mais alta curva de indiferença. Este ponto está expresso por N, conduzindo ao risco R, que corresponde ao máximo de satisfação, dados os retornos e riscos envolvidos. É intuitivo que, se a taxa de juros se expandir, a inclinação da linha de trade-off entre riscos e retornos se modificará, dado que, para iguais níveis de risco, maiores taxas de juros induzirão a maiores retornos totais. Essa mudança de inclinações está também representada na figura. E, como ali se vê claramente, a expansão da taxa de juros, mantida a restrição orçamentária e mantida também a idéia básica de maximização da sua satisfação entre retornos e riscos, implicará maiores parcelas de recursos para aplicações em títulos. A conversão desse movimento teórico em uma função de demanda agregada de moeda para especulação está mostrada na figura seguinte. Dado que a expansão da taxa de juros induz à liberação de maiores parcelas de ativos monetários para aplicação em títulos e, conseqüentemente, em maiores riscos e também em maiores retornos esperados, a função de demanda de moeda para especulação reage inversamente à taxa de juros, de forma semelhante à da versão keynesiana. Removendo as restrições à versão original de Keynes, Tobin construiu, assim, uma função contínua de demanda de moeda para especulação, cujo desenvolvimento teórico envolve todo um conjunto plausível de comportamentos individuais. i nwanW 0 i i1 i1 i0 i0 0 R0 R1 0 Ls1 Ls0 Ls Figura 06 - A função da demanda agregada de moeda para fins especulativos, Ls, na versão Tobin, é semelhante à da versão keynesiana. A despeito da manutenção simultânea de títulos e ativos monetários, a expansão da taxa de juros implica a redução dos saldos sob a forma de moeda. Estes saldos tendem a se ampliar à medida que a redução da taxa levar os agentes econômicos a reduzir os riscos assumidos com a manutenção de uma parcela de seus ativos financeiros sob formas não monetárias. (Lopes & Rossetti, p.69) Na realidade, há duas razões ponderáveis para que a procura de moeda seja função decrescente da taxa nominal de juros. Apenas essas razões não foram identificadas por Keynes. Primeiro, comparativamente aos títulos de renda fixa, a moeda tem uma desvantagem, mas também uma vantagem. A desvantagem é não render juros, e a vantagem é a absoluta liquidez. Quem dispõe de moeda pode gastá-la no momento que quiser. Já quem possui títulos e deseja aplicar o valor correspondente em algum outro bem, precisa primeiro vendê-los. Nessa venda, fora custos de transação, há o risco de perdas de capital (segundo motivo). Em suma, os títulos, embora rendam juros, apresentam o risco de oscilação de cotações antes do vencimento. Isso sem contar o fato de que os títulos dos maus emitentes podem não ser honrados no próprio vencimento. Um agente financeiro avesso ao risco pesará esses fatores e normalmente diversificará suas aplicações financeiras, mantendo-as parte em moeda, parte em títulos. Um aumento a taxa de juros geralmente induzirá o agente econômico a mudar a composição de sua carteira, aumentando a quantidade de títulos e diminuindo a de moeda. Essa explicação, essencialmente devida a Tobin, mostra, entre outras coisas, que a procura de moeda por precaução também é função da taxa de juros. (Simonsen & Cysne, p.335) Embora represente um avanço em relação à teoria monetária keynesiana, a teoria de Tobin perdeu muito de seu significado, por dois fatores. Primeiro, ela foi desenvolvida para países com perfeita previsibilidade da taxa de inflação, sem o que o rendimento real da alocação de riqueza em moeda se tornaria uma variável aleatória, e esta previsibilidade se tornou altamente questionável no mundo moderno. Segundo, porque ela pressupõe que a alternativa à retenção de moeda seja a compra de títulos que serão revertidos antes do vencimento, e que por isto introduzem um comportamento aleatório de ganhos ou perdas de capital. Ocorre que os mercados financeiros oferecem títulos de renda fixa a prazos extremamente curtos (a partir de um dia, em muitos casos). Para a existência desses mercados, a procura de moeda e a sua dependência em relação à taxa de juros só podem ser explicadas por modelos de custos de transação, como o de Baumol, que veremos a seguir. (Simonsen & Cysne, p.343) A demanda especulativa só é importante quando não há outra alternativa de ativo líquido além do dinheiro. Nas economias mais avançadas, essa teoria não é mais válida por causa da disponibilidade de ativos rentáveis a curto prazo e que não apresentam risco de perda de capital. O melhor exemplo é o título do tesouro de curto prazo, que praticamente não apresenta riscos e rende juros. Ativos como este mantêm a dominância sobre a moeda, pois o risco é baixo e o retorno é maior. (Sachs, Larrain, p.268) 2.3. O Modelo Baumol-Tobin de Demanda por Moeda A teoria mais famosa de demanda por moeda, chamada de abordagem do estoque, é baseada nos trabalhos isolados realizados por William Baumol e James Tobin em meados dos anos cinquenta (W. Baumol, "The Transactions Demanda for Cash: An Inventory Approach", QJE/1952, e J.Tobin, The Interest-Elasticity of the Transactions Demand for Cash, RES/1956). Atualmente é conhecida como modelo de Baumol-Tobin. Ambos observaram que as pessoas mantém estoques de dinheiro da mesma forma que as empresas mantém estoques de mercadorias. Num certo momento, a família tem uma parte do seu patrimônio em forma de moeda para poder fazer compras. Se mantiver grande parte do seu patrimônio em forma de moeda, sempre terá dinheiro para realizar transações; se for uma pequena parte, vai precisar obter dinheiro, por exemplo, vendendo títulos, sempre que quiser fazer uma compra. Em geral, vai haver um custo, como, por exemplo, uma taxa de corretagem, cada vez que vender um ativo remunerado para obter o dinheiro necessário para as compras. Portanto, a família precisa fazer uma escolha. Se ficar com muita riqueza em forma de moeda em seu poder, perde os juros que ganharia se mantivesse os títulos. Ao mesmo tempo, reduz o custo de transação de converter os títulos em dinheiro cada vez que quiser comprar alguma coisa. Este problema é semelhante ao da empresa que precisa definir o nível de estoques. Com um estoque grande, sempre terá insumos para produzir ou vender. Mas manter estoques tem um custo, pois eles não rendem juros e envolvem despesas de armazenagem e seguro. Portanto, a empresa deve analisar se é mais conveniente manter estoques maiores e arcar com os custos (tanto os de oportunidade quanto os diretos) ou reduzí-los. A seguir vamos ver como Baumol e Tobin formalizaram esta idéia. Os arranjos institucionais no mercado financeiro também afetam significativamente a procura de moeda. Keynes só conseguiu engordar a procura especulativa supondo que os títulos de curto prazo pouco circulassem no mercado. Uma oferta abundante de títulos de prazo curto, reduzindo o risco de oscilação de suas cotações, deve reduzir a procura de moeda a tal ponto que pode, inclusive, afetar a procura por transações. Vejamos o diagrama de encaixes triangulares: (Simonsen & Cysne, p.343) Y M/2 M moeda M/2 moeda M títulos M/2 M moeda tempo Trabalha-se, agora, com a suposição de preços constantes (PY = Y). Implicitamente, ao construirmos as curvas de procura de moeda, admitimos que indivíduos e empresas não tivessem como aplicar dinheiro em títulos de prazo inferior a um mês. Contudo, nos mercados monetários modernos, há operadores de mercado aberto que oferecem a seus clientes operações por qualquer prazo, a partir de um dia. Não é preciso, no caso, muita imaginação para dividir o mês em n partes iguais dividindo por n o estoque médio de moeda. A figura anterior mostra esta composição para um indivíduo que guarda em moeda Y/3 e aplica no mercado aberto Y/3 por 10 dias e Y/3 por 20 dias. Com isso, o seu encaixe médio ao longo do mês se reduz de M = Y/2 para M = Y/6. (Obs: Y/3 + Y/3 + Y/3 = 3Y/3 = Y). Genericamente, se decompusermos o triângulo de encaixes mensais em n subtriângulos, o encaixe médio se reduz de M = Y/2 para M = Y/2n, à custa de (n - 1) operações de mercado aberto. Até que ponto vale à pena expandir n? Deve-se admitir que cada operação de mercado aberto envolva um custo fixo real b, independente do volume transacionado (os custos variáveis se supõem deduzidos da taxa de juros). Em geral, o saldo médio de dinheiro (M/2) é a metade da quantidade de moeda transferida das aplicações de mercado aberto para a conta corrente em cada transferência (M). Alternativamente, a quantia transferida para a conta corrente é o dobro do saldo médio nesta conta. O número total de transferências é o total de consumo planejado para o mês, Y, dividido pelo valor de cada transferência (valor de cada transferência = M). O custo total das transferências é b vezes Y/M. bY/M custo total das transferências Mas o indivíduo, ao manter um saldo médio, M/2, em sua conta corrente, incorre em um custo de oportunidade no mês, que é simplesmente i.M/2. O indivíduo quer escolher seu saldo médio (M/2) de forma a minimizar o total dos dois custos. Algebricamente, quer achar M/2 que minimize o custo total: CT = bY / M + i.M/2 Este problema de minimização é resolvidao da seguinte forma: бCT/бM = - bY/M2 + i/2 bY/M2 = i/2 M2 = 2bY/i Portanto, o valor do saldo médio em conta corrente, M/2, que minimiza o custo total é: Md /P = M/2P = 1/2 2bY ------i ou Md/P = M/2P = (2bY/4i)1/2 = (bY/2i)1/2 onde: b custo fixo real de cada operação de mercado aberto Y total do consumo planejado para o mês i taxa de juros (nominal) dos títulos (custo de oportunidade de retenção de moeda) Md/P = M/2P saldo médio em conta corrente (demanda por saldos reais) Isto significa que: um aumento de juros reduz a demanda por moeda; um aumento de renda aumenta a demanda por moeda; e um aumento do custo de corretagem aumenta a demanda por moeda. Este último modelo é devido a Baumol e destaca a influência da renda real, da taxa de juros e dos custos de transação na procura de moeda. Ele deve ser considerado complementar ao de Tobin (de onde a identificação Tobin-Baumol na teoria monetária moderna). A distinção keynesiana entre procura por transações, precaução e especulação parece hoje destituída de sentido. A moeda é um ativo que, por convenção de sociedade, nada rende, mas serve para a liquidação de qualquer pagamento. Assim, a procura de moeda se explica por duas razões: pelos custos de transações na conversão de outros ativos em moeda e pelos riscos de oscilação dos preços dos demais ativos. Uma conclusão fundamental do esquema Baumol-Tobin é que a demanda por moeda é uma demanda por saldos reais. Em outras palavras, as pessoas só estão preocupadas com o poder de compra do seu dinheiro, não com seu valor nominal. Esta característica da demanda é geralmente conhecida como ausência de "ilusão monetária". Podemos ver na equação Md/P = 1/2(2bY/i)1/2 que, se o nível de preços duplicar mas todas as outras variáveis (I, Y,b) permanecerem constantes, a demanda por M também vai dobrar. Em geral, podemos concluir que uma alteração do nível de preços afeta na mesma proporção o valor da quantia que se deseja ter em poder, mas a demanda real por moeda continua inalterada. O modelo também capta efeitos importantes da renda, taxa de juros e do custo fixo b sobre a demanda de moeda. Como fica claro a partir da equação Md/P = 1/2(2bY/i)1/2 , um aumento da renda real Y aumenta o valor que se deseja manter. Em outras palavras, o aumento da renda faz com que uma família aumente suas despesas e, para suportar o volume maior de transações, ela aumenta o valor médio de dinheiro que mantém em seu poder. Podemos indicar o efeito quantitativo exato de um aumento de renda. Imagine, por exemplo, uma família de sorte cuja renda real aumenta 10% e, portanto, seu nível de Y passa a 1,10Y. Usando a expressão Md/P = (2bY/i)1/2 , podemos ver que a demanda aumenta aproximadamente 5% (mais precisamente, aumenta em 4,88). Em termos técnicos, dizemos que a elasticidade da renda real da demanda por moeda é ½, ou seja, um aumento de por cento na renda real causará um aumento de /2 no valor que se deseja manter em moeda. Isto tem uma conseqüência importante. Como a variação percentual do dinheiro é menor que a variação percentual na renda, um aumento da renda real leva a uma queda na proporção entre dinheiro e renda. Em outras palavras, as famílias economizam o valor que vão manter em seu poder quando a renda real aumenta. Usando um conceito econômico familiar, há uma economia de escala na manutenção da moeda. Um aumento na taxa de juros precipita um declínio na demanda por moeda. Este resultado é fácil de explicar intuitivamente: a taxa de juros maior eleva o custo de oportunidade de manter o dinheiro, e isso faz com que as famílias reduzam o valor mantido em seu poder. Novamente, a equação Md/P = (2bY/i)1/2 nos dá a relação exata entre Md/P e i. Um aumento de 10% na taxa de juros gera uma redução da demanda por moeda de cerca de 5%. Portanto, a elasticidade dos juros da demanda por moeda é de -(1/2). Finalmente, podemos analisar o efeito sobre a demanda por moeda de um aumento no custo fixo da retirada da conta de poupança. É fácil ver que, quando este custo aumenta, a família vai querer ir com menos freqüência ao banco e, portanto, o valor de cada retirada será maior, assim como o valor médio de dinheiro mantido num determinado período. A expressão Md/P = (2bY/i)1/2 indica que a elasticidade da demanda por moeda com relação ao custo fixo b é (1/2). Em resumo, podemos dizer que a demanda por moeda é simplesmente uma função f da taxa de juros nominal e do nível de renda, como vemos na equação seguinte: Md/P = f(i,Y). (Sachs, Larrain, p.265) A Velocidade da Moeda e o Modelo Baumol-Tobin O modelo Baumol-Tobin também pode ser usado como uma teoria da velocidade da moeda. Neste modelo, deduzimos uma expressão para Md, a equação: Md = (2bY/i)1/2 que pode ser transformada numa expressão para V: V = PY/Md = (2iY/b)1/2 Observação: MV = PY MV/P = Y V = (2iY/b)1/2 ou V = Y/(M/P) Mas, como M/P = ½(2bY/i)1/2 ou que M/P = (bY/2i)1/2, temos que: V = Y/(bY/2i)1/2 ou V2 = Y2/(bY/2i) ou V2 = 2iY/b ou V = (2iY/b)1/2 Esta equação faz várias previsões com relação ao efeito dos fatores econômicos sobre a velocidade. Em primeiro lugar, o próprio nível de preços não tem efeito sobre a velocidade. Uma duplicação do nível de preços com o mesmo nível de renda real, de custo de transação e da taxa nominal de juros não terá efeito sobre V. Em segundo lugar, as taxas de juros com certeza têm um efeito importante sobre a velocidade. À medida em que i aumenta, sabemos que as famílias vão economizar o valor em seu poder indo com mais freqüência ao banco. Portanto, para um certo Y, há uma queda em Md/P. O resultado é que taxas mais altas de juros levam a maior velocidade de circulação da moeda. Em terceiro lugar, o aumento da renda real influi sobre a velocidade. Já vimos que a elasticidade-renda da demanda por moeda é ½ no modelo Baumol-Tobin. Conforme a renda real aumenta, o mesmo ocorre com a demanda por moeda real, mas numa taxa mais lenta. Portanto, a proporção a proporção entre renda e moeda tende a aumentar, mostrando que a velocidade deve ser uma função crescente da renda real. Isto, naturalmente, confirma nossa afirmação anterior de há uma economia de escala em manter moeda. Finalmente, podemos ver que a velocidade é uma função inversa de b, o custo real de converter ativos remunerados em dinheiro. Na prática, b é muito influenciado pelas alterações tecnológicas e pela regulamentação financeira. As alterações na tecnologia bancária, como a introdução dos cartões de crédito, transferência eletrônica de depósitos e caixas eletrônicos facilitaram as transações sem exigir a ida ao banco. A equação V = PY/Md = (2iY/b)1/2 mostrou a forma específica de V no modelo BaumolTobin. Uma forma geral da velocidade-renda da moeda pode ser especificada mais simplesmente como uma função (positiva) da taxa de juros e da renda real: V = V(i, Y) ++ 2.4. A Abordagem de Friedman A versäo da demanda de moeda de Milton Friedman - que afinal acabou por se constituir numa espécie de ressurgimento, em bases teóricas mais sofisticadas, da tradicional abordagem quantitativa de Cambridge - foi desenvolvida no final da década de 50. (Lopes & Rossetti, p.83) (1956 - The Quantity Theory of Money: A Restatement - University of Chicago Press, em Studies in the Quantity Theory of Money e The demand for money: Some theoretical and empirical results, publicado em 1959). Em certo nível, os monetaristas se distinguem dos outros economistas destacando a existência de uma função estável de demanda por moeda. Em outras palavras, eles afirmam que (M/P)D é função de algumas variáveis identificáveis, e sugerem que uma implicação da estabilidade da demanda por moeda é que a melhor forma de estabilizar a economia é estabilizar a taxa de crescimento da oferta monetária em um nível baixo. A crença na estabilidade da demanda por moeda funciona, a grosso modo, da seguinte forma: supondo que o produto seja determinado por fatores externos (pelas decisões microeconômicas de oferta das famílias e das empresas), de modo que Y seja dado, a definição da velocidade implica que: P = MV/Y Se V for relativamente estável, e Y é exógeno, a equação conclui que as alterações de M se traduzem em alterações no nível de preços. Portanto, os monetaristas afirmam que as variações de M são a chave para controlar o nível de preços, pelo menos quando as alterações são consideradas num intervalo de alguns anos. Afirmam que é preciso permitir que a moeda aumente numa taxa anual constante (a assim denominada regra de x por cento, que permite que a moeda aumente numa determinada taxa anual x), para dar origem a uma taxa constante de aumento nos preços ao ano. Controlar a inflação passa a ser simplesmente uma questão de controlar M. Os não-monetaristas discordam deste ponto de vista com vários argumentos. Em primeiro lugar, afirmam que V não é uma constante, de modo que um crescimento constante de M não leva necessariamente a um aumento constante (ou estabilidade) de P, mesmo a médio prazo. Não só V é função de i e Q, como também é suscetível aos choques por alterações tecnológicas e de regulamentação. Em segundo lugar, no curto prazo, a variação de M provavelmente também vai afetar Y além de P (um ponto reconhecido por muitos monetaristas). Para os não-monetaristas, o provável efeito de mudanças em M sobre Y tem duas implicações. Primeiro, a tentativa de implantar uma política monetarista de crescimento monetário estável pode envolver uma alteração em relação às regras monetárias anteriores e provocar uma alteração indesejável em Y. Segundo, a regra do crescimento monetário fixo significa uma política monetária ativa para ajudar a estabilizar Y no curto prazo. A maioria dos monetaristas rejeita a noção de que a política monetária deve ser usada para a estabilização a curto prazo. Apesar de, geralmente, reconhecerem que a moeda afeta o produto real no curto prazo, afirmam que as relações entre moeda e produto são “longas e variáveis”, e que na realidade não são confiáveis para o propósito de estabilização a curto prazo. Portanto, argumentam que a política monetária deve visar o médio prazo e, neste caso, sugerem que um crescimento estável e baixo da moeda vai gerar uma taxa estável e baixa de inflação. (Sachs & Larrain, p.276). De certa forma, Friedman tenta restaurar o prestígio da teoria quantitativa após as intensas contestações de Keynes e pós-keynesianos. É verdade que isso obrigou o autor a desenvolver uma teoria quantitativa de tal forma modificada que, segundo os críticos mais céticos, pouco tem em comum com as versões dos neoclássicos. Contudo, o modelo de Friedman, se é analiticamente muito mais sofisticado do que a equação M = kPY, restabelece a primazia da política monetária como instrumento de combate à inflação e de ação anticíclica. Tentanto resumir a contribuição desse autor, iniciaremos pela sua abordagem dos motivos determinantes da demanda por moeda, para, em seguida, apresentarmos os resultados de suas pesquisas neste sentido, relativas à economia americana entre 1870 e 1954. O primeiro ponto a ser destacado é que, em sua nova versão, a equação MV = PY (ou M = kPY, com k = 1/V) não pretende explicar a evolução da renda nominal, da renda real, ou do nível de preços. Trata-se de uma equação de demanda por moeda, devendo ser interpretada da forma: PY Md = ----- (ou Md = kPY) V ou seja, com a quantidade de moeda demandada como variável endógena. A oferta de moeda pode ser exógena, mas a demanda é endógena. Friedman derivou a sua funçäo de demanda de moeda fazendo-a resultar da agregaçäo de duas demandas distintas: a das unidades familiares e a das empresas. Iniciemos estudando separadamente os motivos determinantes da demanda por moeda dos indivíduos (famílias) e das empresas. 2.4.1. A Demanda de Moeda pelas Famílias (indivíduos) Para explicar porque as pessoas demandam moeda, Milton Friedman usou a teoria da demanda por ativos. Ele considerou que, por ser a moeda um ativo, a demanda por moeda deve ser influenciada pelos mesmos motivos que determinam a demanda por ativos. A teoria da demanda por ativos diz que os principais determinantes da demanda por ativos são a riqueza total dos indivíduos e o retorno relativo esperado dos ativos. (Hillbrecht, 1999) Na visão Friedmaniana a moeda representa, para os indivíduos, uma das cinco formas alternativas de alocação de riqueza. As outras possibilidades seriam títulos com rendimento nominal constante, títulos com rendimento real constante (indexados), bens físicos e capital humano. Desta forma, segundo Friedman, a demanda de moeda pelas famílias é funçäo das seguintes variáveis: a – Renda permanente, que representa a riqueza total das pessoas, decorrente da soma das riquezas humana e näo humana (Yp). b - Proporçäo da riqueza humana sobre a de natureza näo humana (material) (w). c - Custo de oportunidade de retençäo de ativos monetários, dado pelos retornos de títulos de renda variável e fixa, bem como pela taxa esperada de inflaçäo (i, r, P*). d - Outros fatores econômicos e näo econômicos, de natureza institucional, decorrentes do processo de de desenvolvimento histórico das economias nacionais, ou meramente conjunturais, que interferem momentaneamente nas preferências das famílias e das empresas quanto às diferentes formas de retençäo de ativos ( ). (Lopes & Rossetti, p. 83) Numa análise equivalente à determinação da demanda por bens e serviços da teoria do consumidor, os indivíduos escolheriam a quantidade de moeda a reter pela maximização de uma função de utilidade, cujos argumentos deveriam incluir as cinco diferentes formas de alocação de riqueza. Como, numa mudança de composição de portfólio, uma unidade monetária alocada de determinada forma se troca sempre por uma mesma unidade monetária alocada de maneira alternativa, o que determinará a composição de ativos será o fluxo de rendimentos esperados associados a cada possibilidade de alocação de riqueza. Outros fatores determinantes serão, obviamente, os gostos dos indivíduos e, numa analogia à restrição orçamentária da teoria do consumidor, o total da riqueza. Após algumas ressalvas e simplificações, chega-se à seguinte função de demanda por encaixes nominais por parte dos indivíduos: Md = f (P, i, r, P*,w, PYp, ) onde: P = nível de preços i = taxa de juros nominal (ou seja, dos títulos de renda nominal constante) r = taxa de juros real (ou seja, dos títulos de renda real constante) P* = taxa de inflação esperada w = relação entre a riqueza aplicada sob a forma de capital não-humano e a riqueza alocada sob a forma de capital humano, ou, segundo Friedman, equivalentemente, a relação entre os rendimentos associados ao capital não-humano e aqueles associados ao capital humano. Yp = renda real permanente, utilizada como "proxy" para a riqueza real (riqueza total). PY p representa a renda nominal permanente. = variável relacionada aos gostos e preferências dos indivíduos. Se supusermos que a multiplicação de P e PYp por um determinada constante “c” implica numa multiplicação de Md pela mesma constante (ou seja, homogeneidade de primeiro grau da função Md anterior em relação ao nível de preços P e à renda nominal PYp), temos, tomando c= 1/P: Md --- = f (i, r, P*,w, Yp, ) P onde agora Md/P representa a demanda por encaixes reais (ou seja, medidos em termos do seu poder de aquisição de bens e serviços) desejados. Considera-se, assim, que as pessoas demandam moeda por seu poder de compra, ou seja, elas demandam encaixes reais. Passa-se agora a examinar cada uma das variáveis: a) Riqueza Total (Yp) Riqueza total: Riqueza humana (capital humano) Riqueza näo humana: Moeda Títulos de renda variável Títulos de renda fixa Bens físicos: Imóveis Outros ativos materiais Além das formas conhecidas de riqueza material, a riqueza total é também constituída pela riqueza humana, conceituada como o valor atual das rendas futuras geradas pelo capital humano. A idéia de riqueza total das famílias equivale ao máximo do montante em moeda que suas riquezas possam ser transformadas, adicionado do valor atual dos rendimentos futuros proporcionados pela aplicaçäo da riqueza humana no processo produtivo. Como a determinaçäo do valor da riqueza total envolve sérias dificuldades operacionais, Friedman sugere a adoçäo do conceito de renda permanente, dada pela média ponderada das rendas correntes e passadas das unidades detentoras de riqueza, como aproximaçäo válida do conceito de riqueza total. Assim conceituada, a riqueza total se converte numa linha de restriçäo orçamentária das famílias, cuja declividade é dada pelo preço relativo que se estabelece entre a moeda e as demais formas de riqueza alternativas, conforme é mostrado abaixo: Moeda (Lf) I (a) Moeda (Lf) (b) A2 Lf2 A A1 Lf1 Lfo W outras formas de riqueza Ao Wo Zo Z1 Z2 W1 W2 outras formas de riqueza Dada uma curva de indiferença (I) entre a moeda (Lf) e outras formas alternativas de riqueza (Z), a expansäo da riqueza total elevará näo apenas as possibilidades de aquisiçäo de Z, como também de retençäo de Lf. Em (a) estabelece-se o modelo genérico que envolve esse conjunto de variáveis. Em (b) säo evidenciados os efeitos de variaçöes no nível da riqueza total. Deste modo: Lf = f(Yp) e &Lf ---------- > 0 &Yp b) Proporçäo da Riqueza Humana sobre a Näo Humana (w) Segundo Friedman, apresentando a riqueza humana menor grau de liquidez que as demais formas de riqueza näo humana, quanto maior for a proporçäo da primeira em relaçäo ao total da segunda, tanto maior será a necessidade de retençäo de moeda. A capacidade futura de trabalho é institucionalmente vista como garantia inferior à que resulta de outras formas convencionais e imediatas de riqueza acumulada. Assim: Lf = f( w ) sendo que: onde w = proporçäo riqueza humana/riq.näo humana &Lf/& w > 0 c) Custo de Oportunidade de Retençäo de Moeda (i, r, P*) Ao decidir reter saldos monetários, as unidades familiares incorrem em custos de oportunidade representados pela taxa de retorno (r) que os ativos de renda variável (açöes) podem render e pela taxa de juros (i) que pode ser auferida com a aplicaçäo em títulos de renda fixa. Além disso, se a taxa esperada de inflaçäo (P*) for positiva, a retençäo de ativos monetários importará no custo adicional resultante da perda do seu poder real de compra. Se estes custos se elevarem, a demanda de outras formas de ativo aumentará e a de moeda declinará. Em outras palavras: Lf = f(r,i,P*) e: &Lf/&r < 0 &Lf/&i < 0 &Lf/&P* < 0 d) Outros Fatores ( ) - estrutura de distribuiçäo de renda; - regimes de mercado prevalecentes na oferta de bens e serviços e de fatores de produçäo; - graus de incerteza quanto ao futuro; - expectativas quanto à ocorrência de anormalidades, como guerras e crises econômicas agudas; - grau de estabilidade político-institucional; - variáveis localizadas no âmbito da psicologia social; - estrutura de valores sociais e éticos predominantes. Assim: Lf = f( ) Em sua abordagem, Friedman admite, dadas as dificuldades de precisäo dos efeitos dos fatores assinalados sobre a demanda de moeda, que a variável ( ) é constante, notadamente a curto prazo. Neste caso: &Lf/& = 0 Em conclusäo, reunindo novamente em uma só funçäo todas as variáveis focalizadas, a demanda de moeda pelas famílias (indivíduos), segundo a versäo de Friedman, é dada por: Md = Lf = f(P, PYp, w,r,i,P*, ) ou então, conforme já visto: Md ----- = f(i, r, P*, w, Yp, ) = Lf P onde Md/P representa a demanda das famílias por encaixes reais (ou seja, medidos em termos do seu poder de aquisição de bens e serviços) desejados. 2.4.2. A Demanda de Moeda pelas Empresas No tocante à demanda por moeda por parte das empresas, Friedman admite que a especificação: Md ----- = f(i, r, P*, w, Yp, ) P possa também ser utilizada, desde que a variável "" passe também a captar as possíveis variações tecnológicas na função de produção. Para a empresa, a moeda se constituiria numa fonte de serviços produtivos que, aliados a outros insumos de produção, seriam utilizados na produção dos bens e serviços colocados no mercado. Trata-se, como se pode perceber, de incluir a teoria de demanda por moeda na teoria de demanda por bens de capital (aos quais se associam serviços produtivos) por parte de uma empresa genérica. Assim, a funçäo da demanda de moeda pelas empresas (Le) é : Le = f(Yp,r, i, w, P*, ) 2.4.3. A Agregaçäo das Duas Demandas Na versäo de Friedman, a demanda agregada de moeda, L, é dada por: L = Lf + Le Como, porém, as duas funçöes apresentam o mesmo conjunto de variáveis explicativas, podem ser operadas simplificaçöes na funçäo de demanda agregada. 1. dado que a proporçäo entre a riqueza humana e a riqueza material e os fatores correspondentes à variável ( ) näo säo quantificáveis, podem ser removidos, para se simplificar a funçäo agregada. 2. as diferentes taxas de juros e de retornos podem ser reduzidas em uma única variável, indicadora da taxa real de retorno de todo o conjunto de ativos näo monetários disponíveis no mercado financeiro. Assim, resumidamente, a demanda agregada de moeda, segundo a versäo de Friedman, pode ser expressa por: L = f(Yp, i, P*) observando-se que: &L/&Yp > 0 &L/&I < 0 &L/&P* < 0 Finalmente, se consideramos a existência de períodos näo inflacionários, em que a variável P* se torna irrelevante, é possível simplificar ainda mais a funçäo agregada que, sob a hipótese de preços estáveis e de ausência de expectativas de mudança dessa estabilidade, é: L = f(Yp, i) Cabe por fim registrar que estudos empíricos desenvolvidos na década de 60 por Ana Schwartz e Milton Friedman (A Monetary History of the United States - 1963), para a economia norte-americana, mostraram que a elasticidade da demanda de moeda em relaçäo à taxa de juro näo é significativamente diferente de zero. Nestas condiçöes, a funçäo agregada passa a limitar-se apenas a uma variável: L = f(Y) ----> (Md/P)V = Y -------> Md/P = (1/V) Y -------> Md = k.PY Esta última expressäo [ L = f(Y) ] é, afinal, um retorno às origens. É o ressurgimento da tradicional teoria quantitativa da moeda, embora derivada por processos analíticos mais sofisticados. Sob este aspecto, Chicago, a escola de Friedman, se aproxima bastante de Cambridge, o reduto do pensamento neoclássico. Daí porque a referência a Friedman e seus seguidores como neoquantitativistas. Friedman não tenta argumentar que a velocidade-renda apresente um valor constante no curto prazo. De fato, pelo que vimos até aqui, variações nas taxas de juros implicariam em alterações no valor de V. Nem mesmo aos clássicos ele atribui tal tese, citando como contra-exemplo uma passagem de Pigou que relaciona a velocidade-renda da moeda à taxa de juros. Sua posição básica consiste em defender a estabilidade da função V (i, P*, w, Yp, u). Matematicamente, isto equivale a se admitir que a velocidade-renda (e, conseqüentemente, a demanda por moeda em termos reais) possa ser razoavelmente explicada tomando-se como base as variáveis explicitadas nesta função. A valer a teoria friedmaniana, incluindo a hipótese de estabilidade da função V(i, P*, w, Yp, u) e a controlabilidade da oferta monetária, a atividade econômica seria extremamente sensível a flutuações da política monetária - flutuações estas que se transmitiriam à renda permanente, provocando oscilações de muito maior amplitude na renda corrente. O resultado é semelhante ao da teoria clássica, mas com muito maior força de propagação. E a política monetária voltaria a ser o determinante básico do nível de atividade e dos preços. Nesta linha, os friedmanianos criticam veementemente a política monetária espasmódica aplicada em muitos países, que alterna períodos de relaxamento expansionista com fases de contração monetária. A sua recomendação para uma política de pleno emprego sem inflação é a manutenção de uma taxa de expansão dos meios de pagamento conhecida e metodicamente constante, de acordo com o crescimento do produto real e a elasticidaderenda da procura por moeda. 2.5. Tópicos sobre a Demanda de Moeda Já se sabe que as teorias da demanda por moeda reconhecem a função da moeda como reserva de valor, além da função de meio de troca e unidade de conta. Mas, como outros ativos, que são tão seguros quanto a moeda (como títulos do tesouro) pagam juros (ou mais juros), a moeda também é um “ativo dominado”. Por esse motivo, ela é mantida principalmente por causa das suas características especiais de meio de troca e unidade de conta - ou seja, para transações - e não como reserva geral de valor. Contudo, há algumas razões pelas quais é atraente como reserva de valor. Em primeiro lugar, a moeda fornece mais anonimato ao seu dono do que, por exemplo, uma conta bancária. Esta qualidade é muito valorizada pelas pessoas e empresas engajadas em atividades ilegais - como evasão de impostos, tráfico de drogas, contrabando etc. Em segundo lugar, para os habitantes de países de moeda estável, o dinheiro é dominado por outros ativos, como Títulos do Tesouro, mas a situação em outros países, às vezes, é outra. Em algumas nações que tiveram períodos de grande instabilidade e inflação, a rentabilidade de manter dólares americanos pode ser maior do que a de manter ativos financeiros nacionais. Ao mesmo tempo, os habitantes dessas nações podem ter acesso à moeda dos EUA (por meio do mercado negro), mas não a ativos remunerados em dólar, a não ser com custos de transação muito altos. Nesse caso, o dólar pode dominar os outros ativos disponíveis. Os economistas usam o termo substituição de moeda para o caso em que os habitantes de uma nação mantém parte do seu patrimônio em moeda externa. Em terceiro lugar, outra razão pela qual as famílias às vezes mantém parte da sua riqueza em moeda é a desconfiança com relação às instituições financeiras. Quando há incerteza financeira, as pessoas correm para os bancos para retirar seu dinheiro. Em quarto lugar, outra razão, já estudada anteriormente, na medida que foi abordada por Keynes na Teoria Geral e depois por Tobin e outros, que é a demanda especulativa por moeda, afirma que a demanda por moeda é positiva porque os ativos remunerados incluem um risco e pode haver perda de capital. Uma família avessa a riscos vai preferir manter parte do seu capital em dinheiro, mesmo que outro ativo traga um retorno. A demanda especulativa só é importante quando não há outra alternativa de ativo líquido além do dinheiro. No entanto, nas economias mais avançadas, esta teoria não é mais válida, por causa da disponibilidade de ativos rentáveis a curto prazo e que não apresentam risco de perda de capital, como os títulos do tesouro de curto prazo. Ativos sobre este mantém a dominância sobre a moeda, pois o risco é baixo e o retorno é maior. Os Estudos Empíricos da Demanda de Moeda Há apreciável número de hipóteses relevantes ainda sujeitas a testes empíricos. Entre elas, podem ser citadas as seguintes: A elasticidade-renda da demanda de moeda é igual 1,0, como pretendem os clássicos, fica próxima de 2,0, como se infere da versão de Friedman ou, como resulta da versão de Baumol, existem economias de escala na retenção da moeda? A taxa de juros realmente afeta a demanda de moeda, como querem os keynesianos, ou a elasticidade dessa variável não é significativamente diferente de zero, como revelaram os estudos de Friedman-Schwartz? A armadilha da liquidez realmente existe? A realizade revela, de fato, a existência de um patamar inferior da função da demanda de moeda, onde esta se torna infinitamente elástica em relação à taxa de juros? A função da demanda de moeda é estável? Qual a melhor definição de moeda para efeito de estimativas empíricas? Dos trabalhos empíricos desenvolvidos, entre outros, por Friedman, Cagan, Tobin, Latané, Meltzer e, no Brasil, especialmente por Pastore, Moura da Silva e Contador, pode-se, a propósito destas hipóteses relevantes, afirmar, embora sempre no condicional, que: Para a maior parte dos pesquisadores, a elasticidade-renda da demanda de moeda está próxima de 1,0. Apenas Friedman e alguns renitentes discípulos da escola de Chicago é que consideram a moeda um bem superior, de alta elasticidade-renda. Cabe ainda acrescentar que não existem evidências empíricas de que a demanda de moeda apresenta economias de escala, hipótese em que sua elasticidade-renda giraria em torno de 0,5, de acordo com Baumol. Para a grande maioria dos pesquisadores, a demanda de moeda responde à taxa de juros. A elasticidade estimada varia em torno de -0,5. Também aqui, apenas alguns seguidores de Chicago é que continuam em defesa da hipótese de que a elasticidade da demanda de moeda em relação aos juros está bastante próxima de zero. Não existem evidências empíricas que comprovem a existência da armadilha da liquidez. A função da demanda de moeda é relativamente estável, segundo a maioria dos estudos empíricos. Não há certeza nem consenso sobre o melhor conceito de moeda a ser utilizado. Alguns pesquisadores preferem o conceito convencional, denominado M1. Outros pesquisadores preferem o conceito de M2. E há os que preferem incluir na definição de moeda alguns haveres financeiros de alta liquidez, identificados como quase-moeda, de que são exemplos, no Brasil, os depósitos em cadernetas de poupança, os títulos da dívida pública de emissão do tesouro nacional. De qualquer forma, este problema é fundamentalmente pragmático e depende do objetivo da pesquisa e da sensibilidade do pesquisador. (Lopes & Rossetti, p.93-95) Referências Bibliográficas Simonsen, Mario Henrique e Cysne, Rubens Penha. Macroeconomia. Editora Atlas S.A. Rio de Janeiro, 1995 Lopes, Joäo do Carmo e Rossetti, José P. Economia Monetária. Editora Atlas, 6.ed., 1992. Hall, Robert E. e Taylor, John B. Macroeconomia. Teoria, Desempenho e Política. Editora Campus, 1989, Rio de Janeiro. Hillbrecht, Ronald. Economia Monetária. Editora Atlas, 1999.