Tratamento da dependência química no Brasil Roberto Martins Psiquiatra Hubert Humphrey Fellow The Johns Hopkins University Tratamento da dependência química no Brasil • A Política Nacional sobre Drogas apresenta no capítulo sobre Tratamento, Recuperação e Reinserção Social algumas diretrizes, como a que se segue: • “Promover e garantir a articulação e integração em rede nacional das intervenções para tratamento, recuperação, redução de danos, reinserção social e ocupacional (Unidade Básica de Saúde, ambulatórios, Centro de Atenção Psicossocial, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, comunidades terapêuticas, grupos de auto-ajuda e ajuda mútua, hospitais gerais e psiquiátricos, hospital-dia, serviços de emergências, corpo de bombeiros, clínicas especializadas, casas de apoio e convivência e moradias assistidas) com o Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social para o usuário e seus familiares, por meio de distribuição descentralizada e fiscalizada de recursos técnicos e financeiros.” Tratamento da dependência química no Brasil • No âmbito da Constituição Federal e do SUS, é garantido aos usuários de serviços de saúde mental – e, conseqüentemente, aos que sofrem por causa de transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras drogas – a universalidade e totalidade de acesso e direito à assistência. • Preconiza-se também a descentralização do modelo de atendimento, a exemplo de outras políticas, em consonância com a Constituição Federal e as diretrizes do SUS, quando se determina a estruturação de serviços mais próximos do convívio social de seus usuários, configurando redes assistenciais mais atentas às desigualdades existentes, ajustando de forma equânime e democrática as ações às necessidades da população Senad realizou o projeto “Mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais de atenção às questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil” em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), com a consultoria técnica do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e com o apoio financeiro da Comissão Interamericana do Controle do Abuso de Drogas, da Organização dos Estados Americanos (Cicad/OEA). O projeto do mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais de atenção às questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil se desenvolveu em três etapas. A primeira etapa consistiu no mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais que realizam atividades de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, redução de danos, e ensino e pesquisa. Foram mapeadas e cadastradas, nesta etapa, 9.503 instituições. A segunda etapa teve como meta o envio de 2.000 questionários, por correio, às instituições para conhecimento dos objetivos, atividades, rotinas de atendimento, composição e qualificação dos recursos humanos, infra-estrutura física e financeira. Foram respondidos 1.884 (94%) questionários e validados 1.642 (82%). A terceira etapa consistiu na realização de entrevistas, in loco, com os dirigentes das instituições. Foram selecionadas 10% das instituições, que responderam ao questionário ampliado e validado de cada capital. Nesta etapa, foram avaliadas qualitativamente as informações prestadas pelos dirigentes das instituições. Os objetivos do mapeamento foram: • Levantar informações que subsidiem a elaboração do diagnóstico da atuação das instituições governamentais e nãogovernamentais em relação aos seguintes aspectos: objetivos, atividades, rotinas de atendimento, composição e qualificação dos recursos humanos e infra-estrutura física e financeira. • Atualizar e ampliar o Banco de Dados disponível à população brasileira no Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID). • Disponibilizar para o Serviço VIVA VOZ informações sobre as instituições mapeadas; • Estabelecer parâmetros para a classificação das instituições pesquisadas quanto à natureza do atendimento, o público-alvo, os recursos humanos, físicos e materiais, as demandas e as estratégias de atendimento. • Identificar a situação atual do atendimento realizado pelas instituições pesquisadas, com vistas a analisar a correspondência entre os serviços prestados e os objetivos institucionais; • Possibilitar a articulação e o fortalecimento de uma rede social de atenção aos usuários e dependentes de álcool e outras drogas. Tratamento da dependência química no Brasil • No âmbito do projeto “mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais de atenção às questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas” no Brasil, foram identificadas e pesquisadas as instituições de tratamento, recuperação e reinserção social de atenção aos usuários e dependentes de álcool e outras drogas a seguir listadas: • hospitais gerais, hospitais psiquiátricos, hospitais-dia, Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad), clínicas particulares, comunidades terapêuticas, residências terapêuticas, grupos de auto ajuda, entre outras. • Identificar essas instituições e disponibilizar as informações à população constitui-se numa ação primordial 2.2. Natureza das instituições A Figura 77 mostra que a maioria das instituições de tratamento brasileiras é definida por seus dirigentes como comunidades terapêuticas. Das 1.256 instituições de tratamento, 483, ou 38,5% da amostra, classificam-se nessa categoria. Em seguida, aparecem os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPSad), com 153 (12,2%); e os grupos de auto-ajuda, com 124 (9,9%). Não resposta Clínica particular Hospital psiquiátrico Hospital geral Hospital-dia Comunidade terapêutica Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) / Núcleo de Atenção Psic. (NAPS) Residência terapêutica Grupo de auto-ajuda Instituição de redução de danos Outras Total N 28 41 76 14 11 483 153 95 50 124 32 256 1. 256 % 2,2 3,3 6,1 1,1 0,9 38,5 12,2 7,6 4 9,9 2,5 20,4 2.3. Tipos de tratamento oferecidos A Figura 78 mostra o tipo de tratamento oferecido pelas instituições. As modalidades mais freqüentemente citadas são psicoterapias individuais, 787 (62,7%); de grupo, 758 (60,4%); e familiar, 613 (48,8%). Não resposta Tratamento ambulatorial Internação em pronto-socorro Internação em hospital geral Internação em hospital psiquiátrico Internação em hospital-dia Internação em comunidade terapêutica Internação domiciliar Grupos de auto-ajuda Psicoterapia individual Psicoterapia familiar Psicoterapia de grupo Terapia comunitária Outro Total N 26 540 93 141 193 98 596 72 561 787 613 758 253 266 1 256 % 2,1 43 7,4 11,2 15,4 7,8 47,5 5,7 44,7 62,7 48,8 60,4 20,1 21,2 2.4. Participação da família no tratamento Na Tabela 41 observa-se que, do total de 1.256 instituições, 1.157 instituições prevêem a participação da família no tratamento, ou seja, 92,1% das instituições. Isso expressa a importância dada pelas instituições ao papel da família no tratamento dos usuários/dependentes. Tabela 41: Participação da família no tratamento N % Não resposta 47 3,7 Sim 1 157 92,1 Não 52 4,1 Total 1 256 100 2.7. Tipos de problemas atendidos pelas instituições Em relação ao tipo de problema atendido pela instituição, verifica-se, na Figura 81, uma maior freqüência de atendimentos relacionados com transtornos causados pelo uso/abuso/dependência de álcool, 1.119 (89,1%); e transtornos causados pelo uso/abuso/dependência de outras drogas, 1.084 (86,3%). 2.8. Requisitos para admissão ao tratamento A Figura 82 se refere aos requisitos exigidos para admissão do paciente nas instituições de tratamento. A alternativa mais citada é a concordância do paciente, 1.024 (81,5%); seguida do compromisso da família no acompanhamento do tratamento 798 (63,5%); encaminhamento formal de profissionais de outras instituições 697 (55,5%); indicação médica formal 596 (47,5%) e autorização judicial, 508 (40,4%). A opção “Não há requisitos” obteve 115 (9,2%) respostas. Não resposta Indicação médica formal Encaminhamento formal de profissionais de outras instituições Autorização judicial Concordância do paciente Compromisso da família no acompanhamento do tratamento Não há requisitos Outros Total N 46 596 697 508 1 024 798 115 222 1 256 % 3,7 47,5 55,5 40,4 81,5 63,5 9,2 17,7 2.9. Abordagens terapêuticas adotadas Na Figura 83, pode-se observar que as abordagens terapêuticas mais utilizadas para o tratamento do usuário foram: psicoterapia em grupo, 939 (74,8%); e psicoterapia individual 928 (73,9%). Não resposta Psicoterapia individual Psicoterapia em grupo Psicoterapia familiar Assistência médica clínica Assistência médica farmacológica Assistência médica psiquiátrica Método Minessota - 12 passos Grupo de prevenção da recaída Aconselhamento motivacional Terapia ocupacional / oficinas terapêuticas Terapia comunitária Redução de danos Outras Total 40 928 939 720 603 464 637 442 553 751 823 290 308 185 1 256 3,2 73,9 74,8 57,3 48 36,9 50,7 35,2 44 59,8 65,5 23,1 24,5 14,7 2.11. Encaminhamentos visando a reinserção social Como mostra a Figura 85, 763 (60,7%) instituições realizam encaminhamentos visando a reinserção social dos pacientes. Não resposta Sim Não Total N 122 763 371 1 256 % 9,7 60,7 29,5 100 Tratamento álcool e drogas no Brasil • Espirito Santo 250 instituições avaliadas entre 2004 e 2005 • Instituições não governamentais 22,8% • Grupos de mutua ajuda 59,6 % • Instituições governamentais 17,6 % • Ausência do poder público liderando as politicas de provisão de cuidados a essa população COMENTARIOS • O Brasil oferece cerca de 32,7 mil leitos para internação de doentes mentais. Porém, se o país tivesse que cumprir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de manter um número de vagas na área de saúde mental suficiente para internar 0,5% da população do país, seriam necessários 950 mil leitos. • Números do próprio MS reforçam que são necessários mais leitos no Brasil: “3% da população brasileira têm transtornos mentais severos e persistentes, mais de 6% têm transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas e 12% necessitam de algum atendimento em saúde mental, contínuo ou eventual”. • Com o número atual de leitos no Brasil, de um para cada grupo de cerca de 5,8 mil pessoas, a possibilidade de dar tratamento a quem precisa de cuidados de saúde mental é quase nula. E para os dependentes químicos esse cenário é pior. COMENTÁRIOS • Dos 32,7 mil leitos, estão disponíveis apenas 11,5 mil leitos para os dependentes químicos: 2,5 mil leitos nos hospitais gerais e 9 mil leitos nos Caps, hospitais psiquiátricos e prontos-socorros gerais e psiquiátricos. • “Há insuficiência de estrutura para tratamento. Temos apenas 258 unidades de Caps AD, para 190 milhões de habitantes”, constata a senadora Ana Amélia (PP-RS). • Diante desses dados, a sociedade vem encontrando saída, para o tratamento de dependentes químicos no Brasil, na esmagadora maioria dos casos, apenas no tratamento oferecido por comunidades terapêuticas, muitas delas sem qualquer regulação ou fiscalização do Estado. COMENTÁRIOS • O governo tenta responder ao aumento do número de dependentes e à complexidade do tratamento que a doença exige por meio da Política Nacional de Saúde Mental, que prevê a formação de uma rede aberta de atendimento para oferecer tanto tratamento quanto apoio à reinserção social. • No papel, as intenções das normas são muito claras. • Porém, na realidade, o que se verifica é uma rede de atendimento limitada, quando existente. • Tratamento para dependentes químicos indisponível • Às dificuldades do tratamento para dependentes químicos em si, intensificadas muitas vezes pela falta de apoio de famílias desarticuladas, soma-se um sistema público de saúde particularmente desaparelhado para tratar a dependência química e as doenças mentais. • Parte da explicação se deve ao país estar atravessando uma fase de transição para um novo modelo de tratamento, inaugurado com a reforma psiquiátrica de 2001. • Os médicos, no entanto, acusam a desarticulação do modelo anterior, sem que nada seja oferecido em seu lugar. De acordo com parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil oferece 0,34% dos leitos que seriam necessários para sua população. • Outro problema detectado é a falta de preparo dos médicos para lidar com o dependente químico. • Para suprir essa carência, as comunidades terapêuticas, instituições privadas disseminadas por todo o mundo que oferecem especialmente tratamento para dependentes químicos, estão abrigando a maior parte dos pacientes em tratamento. • O problema, nesse caso, é a falta de regulamentação dessa atividade e, também, de apoio público às entidades que realizam um trabalho em acordo com as mínimas diretrizes e padrões legais. COMENTÁRIOS • Apesar de os dados demonstrarem uma carência extrema de leitos na rede de atendimento à saúde mental no Brasil, os mecanismos atuais não conseguem fazer com que a rede de atendimento pública se expanda rapidamente. • Pelo modelo construído há mais de nove anos pelo Ministério da Saúde, os municípios têm que arcar com todo o custo do planejamento e cumprir diversos passos burocráticos para conseguir a liberação de recursos, considerados insuficientes, para montar a infraestrutura. • Pelo sistema atual, é dos municípios a responsabilidade de criar e gerir a rede de atendimento aos dependentes químicos. COMENTÁRIOS • As prefeituras devem organizar a demanda e mapear os leitos e outros tipos de atendimento disponíveis em sua região para encaminhamento dos dependentes químicos. Como se não bastassem esses esforços, há ainda outras condições que precisam ser cumpridas para os municípios criarem suas redes de saúde mental com ajuda do governo federal. • Houve “a municipalização do transtorno mental”. • Prefeituras, por conta de todas as etapas exigidas, não conseguem estruturar rapidamente a rede de atendimento necessária aos dependentes químicos. • Consequentemente, o país pode demorar muito e até não conseguir enfrentar o problema. • “se tenho um montante de 2 milhões para serem atendidos [número estimado de dependentes], e a única ferramenta que o Brasil tem são os Caps AD, há um déficit de 1,99 milhão de vagas”. CAPS • O sistema público de saúde completa a rede de atendimento aos dependentes químicos e deve oferecer serviços de saúde mental e leitos para internação. O Ministério da Saúde estabeleceu que “a internação deve ser de curta duração, em hospital geral da rede pública, com vistas à desintoxicação associada aos cuidados emergenciais das complicações orgânicas ou à presença de algum tipo de comorbidade desenvolvida com o uso”. • De acordo com o MS, os Caps devem “oferecer atendimento individual (medicamentos, psicoterapia, orientação etc.), em grupos (psicoterapia, atividade de suporte social), oficinas terapêuticas, visitas e atendimentos domiciliares, atendimento à família e atividades comunitárias para a integração do dependente químico na comunidade e sua inserção familiar e social”. Tratamento da dependência química no Brasil • 230 caps estado de Sao Paulo avaliados 85 Caps de todas as modalidades CAPS I , II , III , infantil e AD • 42 % sem retaguarda de internação psiquiátrica • 66,7 % sem atendimento médico clínico • 69,4% falta de profissionais • 45,2 % não realizam capacitação • 64,3 % sem supervisão técnica • 30 % dos CAPS III não acatam a atenção continuada de 24 H • Em 10 CAPS havia apenas 1 psiquiatra • 16,7 % sem responsável médico • 66,2 % sem registro no CREMESP Tratamento da dependência química no Brasil • Se ainda há muito a aprender sobre como tratar o dependente químico, psiquiatras da Unifesp têm claro o que não funciona: • Deixar de investigar e tratar todas as dependências além do crack ou cocaína. • Excluir o tratamento psiquiátrico ao optar por terapias alternativas. Acupuntura, técnicas de relaxamento e medicina oriental podem melhorar a qualidade de vida, mas não tratam a dependência. • Propor a substituição do crack ou cocaína por maconha – além dos prejuízos causados pela maconha, isso manterá o dependente em contato com o ambiente das drogas. • Dispensar o suporte de grupos ou comunidades como Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos. Além de acompanhar o dependente, elas ainda têm custo zero. Tratamento da dependência química no Brasil • Dispensar o uso de equipe multiprofissional, já que, em geral, um só profissional não consegue atender a todas as demandas do paciente, desde deixar de usar a droga até se reorganizar por completo. • Deixar de levar em conta as recaídas, que podem acontecer várias vezes antes de uma recuperação definitiva. O tratamento e a prescrição de medicamentos não podem causar danos ainda maiores caso o dependente volte a usar a droga. Pontos Chave • O recurso humano ( com profissional motivado e capacitado) é o grande diferencial de qualquer servico de dependência química que se deseje organizar • O dependente químico necessita de uma ampla rede de cuidados, considerando-se a complexidade de cada caso, incluindo internação psiquiátrica • A combinação de terapêuticas de reconhecida evidência científica deve ser o norteador das estratégias • A reavaliação periódica do serviço é essencial para pautar os erros e acertos do programa Diehl, Cordeiro, larangeira & cols O caminho a seguir... • Política pública nacional assistencial desenvolvimento de protocolos e diretrizes para que todos os serviços de categorias semelhantes possam se orientar e uniformizar as estratégias de tratamento. • Brasil mais razoável que cada Estado assuma a política assistencial melhor adequada a sua localidade • Cada Estado poderia gerenciar o financiamento da implantação e da avaliação de uma rede de serviços e a Federação Nacional , por meio do SUS, forneceria os recursos necessários e os orçamentos específicos para o tratamento dessa dependência .