Psicologia Judiciária – Dia I Entre nós… fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: Fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer: amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: Um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga. José Luís Peixoto, in 'A Criança em Ruínas' Começo a conhecer-me. Sou o intervalo entre o que me foi dado por herança genética e empenho parental, entre o que eu desejo ser e o que os outros me fizeram, ou metade desse intervalo, porque também há vida... Sou isso, enfim, fruto de um cravo e de uma rosa, criança por condição e nome próprio, agente e sujeito do meu próprio destino, moldado por uma Justiça dos Homens que quer ser minha amiga e confidente. SOU… Uma criança, é só o que sou – a criança que quero ser. Às vezes, sou um bebé recém-nascido, outras um adolescente tardio, que teima, uma e outra vez, em recuperar o seu tempo. Vejo, quase sempre, uma torrente de imagens, cruzo-me com elas, transformo-as em palavras… outras vezes, são as palavras que escrevo que se transformam em representações, como se eu vivesse cumprindo uma pena de prisão auto-infligida, dentro de uma fotografia animada. Sim, sou uma criança – apenas a criança que quero ser. Às vezes um miúdo terrivelmente rebelde, outras apenas um menino perdido, que reclama desajeitadamente, a partir de uma posição esquecida, a sua própria orientação. O meu olhar é um grito e a minha voz não existe. Mas tem de se ouvir. O meu único movimento é a expressão das palavras silenciosas, com que violento o papel em funestas incinerações. RESPEITO PELAS OPINIÕES DA CRIANÇA E DIREITO A SER OUVIDA Artigo 12º, n.os 1 e 2 da CDC Direito a ser ouvida e a participar nas decisões que lhe dizem respeito (processos judiciais ou administrativos), de acordo com a sua idade e maturidade. • A sua linguagem roça a infantilidade, como não podia deixar de ser. • Mas é cheia de imagens e metáforas, não intelectualmente trabalhadas mas naturalmente ditadas, na medida em que a realidade nua e crua ainda não é facil e completamente percepcionada pelos seus pueris sentidos. • Elas edificam frases como estas: • • • • • • • • • • • • • • Paciência é uma coisa que mãe perde sempre. Relâmpago é um barulho rabiscando o céu. Palhaço é um homem todo pintado de piadas. Sono é saudade de dormir. Arco-íris é uma ponte de vento. Deserto é uma floresta sem árvores. Felicidade é uma palavra que tem música Rede é uma porção de buracos amarrados com fio. Vento é ar com muita pressa. Cobra é um bicho que só tem rabo. Helicóptero é um carro com ventilador em cima. Esperança é um pedaço da gente que sabe que vai dar certo. Alegria é um palhacinho no coração da gente. Avestruz é a girafa dos passarinhos Umbigo Renata, 3 anos Mãe! Eu descobri porque o umbigo se chama umbigo, porque se fossem dois seria doisbigo! Ajuda João, 5 anos • Mamã, eu vou fazer xixi. Se precisar de mim, pode chamar-me que eu prendo o meu xixi e venho-te ajudar! Tempo Mateus, 5 anos • Papá, hoje é o amanhã de ontem? Cansada Daniela, 5 anos • Ai, mãe, eu estou cansada. O meu coração não está nem respirando. ‘(…), tenho muitas saudades do meu pai, mas não posso dizer à mãe, digo a ti. O que faço? Se digo à mãe ela fica triste. Grita. Mas eu quero falar com o pai. Telefonas tu ao pai e dizes que eu gosto dele e tenho saudades? Por favor'. João, 9 anos de idade SMS enviado por um filho a uma psicóloga Vivendo a ver o desvio… Onde é que roubaste este colar tão lindo? Onde roubas os teus colares? – pergunta feita por Maria, de 5 anos, à sua educadora de infância Vivendo o lado errado da pele Extraído de «A Criança na Justiça» de Catarina Ribeiro • Nos tribunais, há uns senhores que nos defendem e também nos fazem muitas perguntas e depois contamos tudo outra vez e assim estamos sempre, sempre a lembrar das coisas más. • Sara, 9 anos • Eu contei a dois polícias e eles foram simpáticos mas depois tive de dizer no hospital e depois os polícias foram a minha casa e perguntaram outra vez e agora estou aqui… e a primeira vez que contei já foi há muito tempo… A Drª não sabe? • Mariana, 11 anos O contacto da criança com o tribunal RUTE AGULHAS Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicoterapia e Psicologia da Justiça. Perita forense. Professora assistente convidada no ISCTE-IUL. JOANA ALEXANDRE Psicóloga, especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações e Psicoterapia. Doutorada pelo ISCTE-IUL e docente na mesma instituição desde 1999. Pós-graduada em Terapias comportamentaiscognitivas (APTCC) na especialidade de crianças e adolescentes. AUDIÇÃO DA CRIANÇA • A palavra às peritas Quando eu voltar a ver-te, vou agarrar o tempo todo de uma vez só… Quando todos nos voltarmos a ver, acreditamos que alguma coisa há-de ter mudado. Aqui ou na Síria… • https://www.youtube.com/watch?v=KnkwyLx p88I Psicologia Judiciária – Dia II MANHÃ AUDIÇÃO DE ARGUIDOS E TESTEMUNHAS Alexandra Anciães Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Psicologia da Justiça. Perita na Delegação Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. Psicologia Judiciária – Dia II TARDE CONDUTA DELITUOSA EM ESTADO DE COMOÇÃO VIOLENTA Vítor Rodrigues Amorim, Pedro Rodrigues Anjos e Rafael Martinez Cláudio