História Recente da Sociologia no Ensino Médio no Brasil Elisabeth da Fonseca Guimarães Dia 21 de Agosto de 2007 foi fixado pelo Ministério da Educação como a data limite para que as secretarias estaduais de educação providenciem a inclusão de Sociologia e Filosofia como obrigatórias em suas organizações curriculares. O prazo é contado a partir da data de publicação da Resolução CNE/CEB n0 4, de 16 de Agosto de 2006 no Diário Oficial da União. Como a dinâmica do currículo escolar não possibilita mudanças a partir da metade do período letivo, a data ficou operacionalmente transferida para o início de 2008, de modo que as escolas possam se estruturar para oferecer as disciplinas. Para entender como se deu a aprovação da obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia pelo CNE - Conselho Nacional de Educação - e a posterior homologação pelo ministério da Educação, em Agosto de 2006, é necessário recuperar os passos de um movimento que já vinha se arrastando por quase 10 anos, retomado oficialmente com a apresentação do PL 3.178/1997, de autoria do deputado Padre Roque Zimmermann, PT/PR. O veto do presidente FHC, em 08 de outubro de 2001, desapontou todos aqueles que acreditavam que a sensibilidade acadêmica de um sociólogo a frente do Estado traria de volta as duas disciplinas ao ensino médio, o que não aconteceu. A partir daquela data, a energia direcionada à aprovação do projeto do Padre Roque, e que transformou o movimento em uma maratona de resistência, foi endereçada à novas estratégias que possibilitassem reverter o quadro que se instalara com a negação. Dois anos depois, o deputado Ribamar Alves, do PSDB/MA, apresentou o PL 1.641/03, propondo a alteração do Art. 36 da LDB – Lei de Diretrizes e Bases – para tornar obrigatórias as disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio. O projeto recebeu voto favorável do relator mas, em junho do ano seguinte, um requerimento Artigo publicado na Revista Sociologia Ciência & Vida - edição 15 - página 72. Professora do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais. Doutora em Educação pela Unicamp. encabeçado por 51 deputados, barrou sua ida para o senado. A retomada desse processo só foi possível com a aprovação do Parecer CNE/CEB no 4, de 16 de agosto de 2006. Para recuperar a dinâmica das ações que desencadearam em sua aprovação é preciso partir da nova LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996. A nova LDB, Lei 9.394 e os Parâmetros Curriculares Nacionais Em 20 de dezembro de 1996, o Congresso Nacional decretou e o presidente da república sancionou as novas diretrizes e bases para a educação nacional: Lei 9.394, conhecida por todos como a Nova LBD. A partir de então, iniciaram uma série de discussões e propostas acadêmicas em direção a divulgação, ao entendimento e a implementação das determinações da nova lei na educação básica no Brasil, ou seja, educação infantil, ensino fundamental e médio. Os Parâmetros Curriculares Nacionais foi um desses documentos, elaborado por especialistas com o objetivo de orientar os professores em sua prática docente, em direção às mudanças implementadas pela nova lei. No caso do ensino médio, elaborou-se um texto específico para cada uma das disciplinas, inclusive Filosofia e Sociologia. As duas disciplinas, que na LDB aparecem como conhecimentos, na composição dos PCN recuperam o status de disciplina em igualdade de condições com os demais conteúdos, o que significa um avanço em relação ao Art. 36o da LDB. Esse tratamento disciplinar aparece no texto de Filosofia já no primeiro parágrafo, reforçado por uma interrogação: “Pra que serve esta disciplina?”, “é mesmo necessária esta disciplina ou ela é apenas para mostrar que este colégio tem mais disciplinas do que os outros?”1. Em relação a Sociologia, Antropologia e Política, a referência às sub-áreas das Ciências Sociais enfatiza o aspecto epistemológico: “(...) Ensino Médio tem como objetivo mais geral introduzir o aluno nas principais questões conceituais e metodológicas das disciplinas de 1 Parâmetros Curriculares Nacionais, Conhecimentos de Filosofia, p. 327. Sociologia, Antropologia e Política”2. A publicação dos PCN do Ensino Médio aconteceu em 1999 e o documento foi distribuído para todas as escolas do País. Na continuidade dos trabalhos, em 2004, a Secretaria da Educação Básica realizou seminários nas 5 regiões brasileiras, com o objetivo de reavaliar a organização curricular do ensino médio, refletir sobre as dificuldades da prática docente e analisar a atualidade dos PCN. Novamente, Filosofia e Sociologia fizeram parte das discussões, preservando o status de disciplina e em condições idênticas as dos demais conteúdos. Durante os seminários, os documentos ficaram expostos na página do Ministério da Educação. No final daquele mesmo ano, as sínteses das discussões, intituladas com os nomes de cada uma das disciplinas, foram reunidas em uma única publicação: “Orientações Curriculares do Ensino Médio”. O texto “Sociologia“ é de autoria dos professores doutores Amaury César Moraes(USP), Elisabeth da Fonseca Guimarães(UFU) e Nelson Dacio Tomazi(UEL). Orientações Curriculares para o Ensino Médio A etapa seguinte foi a construção de um documento que efetivamente norteasse a prática de sala de aula dos professores das diferentes disciplinas do ensino médio. A ênfase no aspecto crítico e avaliativo, que direcionou a elaboração do texto anterior, cedeu lugar à orientação do trabalho docente em seu sentido amplo. As discussões realizadas nos seminários regionais e nacional foram o ponto de partida para as propostas de cada uma das disciplinas, reunidas nas “Orientações Curriculares para o Ensino Médio”. Especificamente no texto “Conhecimentos de Sociologia”, os autores refletem sobre questões de ensino, analisam o trabalho em sala de aula, fazem sugestões de procedimentos didáticos e chamam atenções para condições que consideram fundamentais para a prática da disciplina. Apontam o estranhamento e a desnaturalização como condições determinantes para o trabalho docente, independente da metodologia de ensino ou do conteúdo ensinado. A desnaturalização é necessária à análise dos fenômenos sociais porque permite que a vida em 2 Idem, Conhecimentos de Sociologia, p. 317. sociedade seja explicada a partir de sua historicidade; questiona os argumentos que teimam em apresentar a realidade social como um processo natural, independente da ação humana. Desnaturalizar é compreender que a realidade cotidiana é resultado de decisões, de interesses particulares ou coletivos, de ideologias; não é uma tendência natural e imutável e pode ser modificada pela vontade humana. O estranhamento está diretamente ligado aos objetivos da Filosofia e das Ciências Humanas; reclama a problematização das questões sociais a partir de situações corriqueiras, comuns, triviais. Estranhar é entender a experiência social para além de sua normalidade, ou seja, é colocar em questão situações vivenciadas todos os dias e tidas como esperadas; é buscar respostas para essa expectativa de normalidade que envolve os fenômenos sociais e os torna inquestionáveis; é assumir postura investigativa frente a um mundo aparentemente conhecido e ordinário. Ainda no documento das Orientações, entre outras questões, os autores alertam para a necessidade de se compreender ciência e disciplina como práticas distintas. Tanto para a Sociologia como para outros conteúdos do ensino médio, o professor deve ter clareza de que os limites da ciência e da disciplina são diferentes. Por isso mesmo, é preciso que sejam feitas traduções e recortes, a fim de adequar a linguagem, os objetos, os temas e a própria reconstrução da história das Ciências Sociais em direção às especificidades de cada etapa de escolaridade. Um dos maiores problemas apontados no ensino de Sociologia é a transposição pura e simples dos conteúdos da graduação para o nível médio. A mediação pedagógica, necessária em qualquer etapa de ensino, muitas vezes é ignorada: ou porque o professor desconhece as metodologias capazes de tornar o trabalho de sala de aula mais produtivo, criativo e interessante; ou porque acredita que, para ensinar, basta ter domínio do conteúdo, o que transforma a prática docente na transmissão de informações mecanizadas e enfadonhas. Ao conhecimento sociológico se sobrepõe a erudição, o vocabulário complicado e as expectativas frustradas por parte de alunos e professor. De uma maneira geral, a referência ao ensino de Sociologia revela o compromisso de buscar, na História, argumentos capazes de explicar racionalmente a sociedade. No ensino médio, a disciplina enfatiza o projeto de humanização das Ciências Sociais; analisa os fenômenos da vida social e chama para si a tarefa de imprimir racionalidade a questões que envolvem valores, tradições e senso comum. As “Orientações Curriculares Para o Ensino Médio” foram publicada em 2006 pelo Ministério da Educação e distribuídas para as escolas de todo País. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias compõem os três volumes do documento que reúne textos sobre cada uma das disciplinas do currículo, resultado das discussões realizadas nos seminários. Especificamente em relação ao texto “Conhecimentos de Sociologia”, a postura de seus autores é bastante confortável em relação às reflexões que o documento é capaz de suscitar; têm consciência de que as propostas são passíveis de críticas e de que as contribuições não se encerram ali. As respostas dos professores de Sociologia do ensino médio às Orientações são esperadas como o grande avanço que um documento dessa natureza pode realizar. O Parecer favorável do CNE – Conselho Nacional de Educação O tratamento disciplinar à Filosofia e à Sociologia pelo PCN, a participação nos seminários regionais e nacional, a publicação dos textos nas “Orientações Curriculares do Ensino Médio” e a elaboração dos textos “Conhecimentos de Filosofia” e “Conhecimentos de Sociologia”, que futuramente comporiam as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio e que seriam distribuídos para todas as escolas do País, não apenas conferiram respeitabilidade acadêmica mas reforçaram a necessidade da obrigatoriedade das duas disciplinas no currículo. Em abril de 2005, contudo, um fato novo viria intervir positivamente nessa trajetória. O Departamento de Políticas de Ensino Médio do Ministério da Educação, representado pela professora Lucia Helena Lodi, solicitou aos professores Amaury César Moraes (Sociologia) e João Carlos Salles Pires da Silva (Filosofia) uma proposta de Parecer que estabelecesse as diretrizes para a obrigatoriedade das disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio. A solicitação foi uma resposta ao esforço contínuo de diferentes setores da sociedade que defendiam a reintegração das duas disciplinas. O texto do Parecer, inicialmente elaborado pelo professor Amaury César Moraes, procurou refletir sobre as diretrizes curriculares, esclarecer pontos em desacordo e propor a interpretação do artigo 36, §1o., inciso III da LDB, que trata os dois conteúdos como “conhecimentos necessários ao exercício da cidadania”. Em suas palavras, “as razões para que a Sociologia esteja presente no ensino médio no Brasil não só se mantêm como têm-se reforçado. As estruturas sociais estão ainda mais complexas, as relações de trabalho se atritam com as novas tecnologias de produção, o mundo está cada vez mais “desencantado”, isto é, cada vez mais racionalizado, administrado, dominado pelo conhecimento científico e tecnológico.” Em agosto do mesmo ano, os professores Amaury César Moraes e João Carlos Salles Pires da Silva se reuniram em Brasília para fazer uma última leitura do texto que, em seguida, foi encaminhado ao CNE como uma de contribuição do Ministério da Educação. O próximo passo foi a convocação de uma audiência pública pelo presidente do CNE, prof. César Callegari, para apresentar oficialmente o documento em defesa da obrigatoriedade da Filosofia e Sociologia no ensino médio. Uma grande mobilização liderada pelo Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, divulgou todos os passos desse processo pela internet. Foram redigidos moções de apoio de intelectuais, instituições de ensino e entidades de classe. A audiência pública aconteceu no dia 1º de fevereiro de 2006, quando diferentes setores da sociedade compareceram às dependências do CNE, em Brasília, para apoiar o Parecer. A aprovação do Parecer CNE/CEB N0 38/2006 Ainda no ano de 2006, com a mudança prevista de conselheiros do CNE, o professor Callegari passou a presidir a Câmara de Educação Básica e, juntamente com os conselheiros Murilo Hingel e Adeum Sauer, se inspirou nos argumentos já expostos para elaborar o Parecer CNE/CEB N0 38/2006, que viria consolidar oficialmente posição favorável do Conselho à obrigatoriedade das duas disciplinas no ensino médio. Em 07 de julho do mesmo ano, a Câmara de Educação Básica aprovou por unanimidade o texto dos relatores. Dia 11 de Agosto, dia do estudante, em sessão solene pública realizada no auditório do Ministério da Educação, o ministro Fernando Haddad homologou o Parecer sobre a “Inclusão obrigatória das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio”. A cerimônia foi transmitida em cadeia nacional pela Radiobrás e presenciada por professores, representantes de associações sindicais, sociedades científicas, inclusive a SBS Sociedade Brasileira de Sociologia – e a ANPOF - Associação Nacional de Pós - Graduação em Filosofia. A homologação foi publicada no Diário Oficial da União em 14 de agosto de 2006. Resolução CNE/CEB n0 4, de 16 de Agosto de 2006 A Resolução CNE/CEB n0 4, de 16 de Agosto de 2006, que alterou o artigo 10 da Resolução CNE/CEB no 3/98, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, foi publicada no Diário Oficial da União em 21 de Agosto do mesmo ano. O texto é objetivo e não deixa dúvidas: “as escolas que adotarem, no todo ou em parte, organização curricular estruturada por disciplinas, deverão ser incluídas as de Filosofia e Sociologia”. Sobre a data para a inclusão, o documento determina que “(...) os sistemas de ensino deverão, no prazo de um ano, a contar da publicação desta Resolução, fixar as medidas necessárias para a inclusão das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo das escolas de Ensino Médio3”. Dia 21 de Agosto de 2007 foi considerada a data limite para o cumprimento da Resolução que determina a inclusão de Filosofia e Sociologia nas escolas de públicas e privadas do País. O prazo é contado a partir da data de publicação. Ainda que o Conselho Nacional de Educação tenha conferido aplicação imediata à resolução e fixado o prazo máximo de um ano para que estados e municípios possam se adequar e oferecer as disciplinas, a determinação deverá ser efetivada a partir do 1o semestre de 2008. A proposta prevê que 3 Resolução CNE/CEB n0 4, de 16 de Agosto de 2006. cada escola tenha autonomia para organizar os conteúdos de acordo com a realidade dos alunos. Bibliografia BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei No 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Editora Dunya, Rio de Janeiro, 1998. BRASIL. Orientações Curriculares do Ensino Médio. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Departamento de Políticas de Ensino Médio. Brasília, DF, 2004. BRASIL, Orientações Curriculares Para O Ensino Médio, Ciências Humanas e suas tecnologias. Conhecimentos de Sociologia. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília, DF,V. 3, 2006. CÂMARA dos DEPUTADOS. Projeto de Lei No 1.641/03, que altera o Art. 36 da LDB – Lei de Diretrizes e Bases - e torna obrigatórias as disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino médio. Deputado José Ribamar Alves. PSB/MA. CÂMARA dos DEPUTADOS. Projeto de Lei No 3.178/1997. Deputado Dep. Federal Roque Zimmermann, PT/PR Brasília, DF, 1997. CÂMARA dos DEPUTADOS. COMISSÃO de EDUCAÇÃO E CULTURA. Projeto de Lei No 1.641, de 2003. Relator Deputado César Bandeira. Brasília, DF, 2003. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO/CÂMARA de EDUCAÇÂO BÁSICA. Resolução No 3/98. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 1998. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO/CÂMARA de EDUCAÇÂO BÁSICA. Resolução No 4, de 16 de Agosto de 2006. Altera o artigo 10 da Resolução CNE/CEB No 3/98 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parecer Homologado: Inclusão obrigatória das disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do Ensino Médio. Aprovado em 7/7/2006. MORAES, Amaury César. Parecer Ensino de Sociologia. São Paulo, 2005, 12 p. Apostila.