O QUE É A MISSA? Alguns dão muita importância para a missa. Alguns vão apenas por hábito ou porque é uma obrigação, um mandamento da Igreja. Há pessoas que pensam que a missa e outras orações (por exemplo, o rosário; o momento de louvor, etc.) é tudo a mesma coisa. A única diferença é que, na santa missa, é padre e as outras devoções não. Então, o que é a missa? Como começou? Para que serve? Acaso qualquer oração é igual a missa? A MISSA COMEÇOU COMO UM JANTAR FESTIVO O povo de Israel que foi liberto da escravidão do Egito todos os anos recordavam este evento. A forma de lembrar-se da libertação era se reunir a família e comer um cordeiro. Essa grande festa da libertação era a festa da Páscoa. Jesus também celebrou esta festa. Esse ano ele decidiu comer junto com seus discípulos a ceia do cordeiro. A Última Ceia é o nome dado à última refeição que Jesus dividiu com seus apóstolos em Jerusalém antes de sua crucificação. Ela é a base escritural para a instituição da Eucaristia, também conhecida como "Comunhão". Durante a ceia, Jesus tomou o pão, deu graças a Deus e o distribuiu entre os seus companheiros dizendo: isto é o meu Corpo, que será entregue por vós. Em seguida, ele tomou um copo de vinho e disse: este vinho é o meu sangue que será derramado por vós. É o sangue da Nova Aliança. E acrescentou que eles fizessem isso para lembrarem-se dele. Assim nasceu a Missa: durante uma refeição, comendo juntos, recordando a grande libertação do povo. Vamos ler a Bíblia? Leituras da Bíblia: Deus convida o povo a celebrar a libertação comendo um cordeiro: Êx 12,1-11. A Ceia de Jesus foi a Ceia pascal judaica: Marcos 14,12-25; Lucas 22,7-20; João 13,1ss; I Coríntios 11,23b-25. SE A MISSA NASCEU DURANTE UMA REFEIÇÃO. Comer juntos é um sinal de amizade, de união, de festa. Aquele que come do mesmo prato é porque é da família, é amigo, companheiro leal. Durante a missa todos comemos do mesmo pão, no mesmo prato, bebemos o mesmo vinho, no mesmo copo. O pão e o vinho são Jesus, esta refeição é chamada comunhão: -União com Deus, nosso Pai. -União com os irmãos. -Sinal de igualdade. Só pode comer este pão: -Quem sabe compartilhar com o outro o que é e o que tem. -Quem está comprometido com os pobres e os fracos assim como Jesus. -Quem luta para que todos tenham justiça e liberdade. Não pode receber a comunhão: -Quem só se preocupa consigo mesmo, com seus negócios e interesses. -Quem explora a classe trabalhadora. -Quem se acha superior aos outros. -Quem persegue outros e despreza os pobres e os fracos. Leituras da Bíblia: -Para comer com Jesus se exige mudança de vida. Lc 19,1-10 -Somente os pobres aceitam os festejos: Lc 14,15-24 e Mt 22,1-10. -Na refeição do Senhor, não pode haver divisões: 1 Cor 11,17-34. -Há um juízo de Deus sobre os que comungam indignamente: 1 Cor 11,27-34. -Comer o mesmo pão significa querer formar um único corpo: 1 Cor 10,16-17. Na celebração da missa se faz sacramentalmente a memória de que Jesus morreu e está vivo. O pão e o vinho na missa são sinal, recordação e atualização da morte e ressurreição de Jesus. -O PÃO É O CORPO MORTO. -O VINHO, O SANGUE DERRAMADO. A missa torna presente Jesus ressuscitado no meio da comunidade. A ressurreição de Jesus é a grande força dos cristãos, a fonte de coragem e de esperança. É sinal e garantia de vitória e libertação. Ao comer deste pão e beber deste vinho os cristãos ficam comprometidos a lutar e viver como Jesus, sem medo de perseguição, sofrimento e até mesmo a morte para que o projeto de amor do Pai se concretize. Participar da missa é unir todo o trabalho, todo o sofrimento, cada luta, cada morte, ao sofrimento e a morte, mas também ressurreição de Jesus. A missa é a celebração da Aliança assinada com sangue. O sangue de Jesus é o sangue da nova Aliança. Aliança eterna que Deus faz com os seres humanos. Mas Deus não força as pessoas a fazer coisas, a aceitar a Aliança. Deus respeita o homem e a sua liberdade. O sangue de Jesus selou este acordo. PELO PRESENTE ACORDO DEUS: -Nunca abandona o povo. -Jesus vivo e ressuscitado acompanha o caminho do povo até o fim dos tempos. E OS SERES HUMANOS: - Devem aceitar Deus como seu único Senhor e Pai. - Devem obedecer aos seus mandamentos. - Devem viver com os outros como companheiros – irmãos e irmãs! A celebração da missa é a festa de ação de graças a Deus por esta aliança; é, por isso também, que tem o nome de Eucaristia que quer dizer: ação de graças. Todas as vezes que comemos o pão e bebemos o vinho, renovamos este acordo, que nos compromete com a comunidade, para fazer como Jesus, para dar a sua vida, para que o Reino de justiça e de amor se concretize em breve. A missa nasceu durante a festa na qual Jesus lembrou-se da libertação do povo de Israel. Por isso cada missa é a celebração da libertação porque recorda e torna presente a ressurreição de Jesus, que é o que garante a libertação das pessoas. O pão e o vinho se espalham entre todos na mesma porção. Isso é o sinal de um mundo novo, de uma sociedade nova. Quando o fruto do trabalho dos seres humanos e todos os bens da natureza irão servir todos por igual e também serão distribuídos entre todos. Este novo mundo começa aqui e agora. E vai estar pronto e acabado no novo céu e nova terra. Quando Jesus voltar para que se enxuguem todas as lágrimas, terminando com toda dor e sofrimento. Em seguida, a alegria será completa e a festa não mais se acabará. Portanto, a missa é uma refeição. Jesus escolheu para esta refeição pão e vinho, porque ela era a comida que existia em qualquer casa do seu povo, tais como o arroz, o feijão, a batata entre nós. O pão e o vinho são frutos do trabalho dos seres humanos. Com o trabalho, o homem transforma o trigo e a uva, frutos da natureza, em pão e vinho. O Espírito Santo, através da sua presença na comunidade, transforma o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Jesus. A missa é a principal oração dos cristãos é a mais importante. A diferença com outras orações é que: - Jesus fez a mesma missa e disse-nos: "Façam isso para lembrar-se de mim". -Jesus ressuscitado está presente no Pão e no vinho. A última ceia foi uma refeição, tal como o próprio nome indica. A Eucaristia é também banquete pascal. O gesto cristão fundamental para entrar em comunhão com Deus é, assim, uma refeição partilhada em memória de Jesus e que tem como alimento o próprio Cristo, na sua entrega por nós. É o próprio Jesus Cristo que convida para o banquete: “tomai e comei... tomai e bebei...”. É ainda ele que diz: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 53ss). “Receber a Eucaristia na comunhão traz consigo, como fruto principal, a união mais íntima com Cristo”, diz o Catecismo (n.º 1391). Assim como o alimento fortalece a nossa vida corporal, assim também a comunhão “conserva, aumenta e renova a vida da graça recebida no Batismo. Este crescimento da vida cristã tem de ser alimentado pela Comunhão eucarística, pão da nossa peregrinação até à hora da morte, em que nos será dado como viático” (Catecismo 1392). Porque nos une mais intimamente a Cristo, a Comunhão purifica-nos das nossas faltas veniais e fortalece-nos na luta contra o pecado. A comunhão realiza ainda a unidade no Corpo de Cristo que é a Igreja e tem em si uma exigência de caridade, de maior atenção aos mais desfavorecidos. A missa é realizada pelo conjunto da comunidade cristã – Corpo de Místico de Cristo. Cada comunidade tem o seu presidente. Na comunidade cristã o sacerdote é um presidente. Em cada Missa, o sacerdote repete as palavras de Jesus, mas eles estão todos juntos, é a comunidade que faz toda missa. A missa é para quem tem fé em Jesus e vive a fé juntamente com os outros na comunidade. A NATUREZA DA LITURGIA 1- HISTÓRIA DA SALVAÇÃO 11 O ponto de partida para compreendermos a Liturgia, segundo a renovação proposta pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), é a perspectiva da História da Salvação, isto é, Deus participa e intervém na história humana revelando-se e conduzindo sua criação segundo um projeto de Amor. 12 A História da Salvação possui três momentos: a) Tempo da Promessa Este momento consiste na preparação segundo a intervenção paciente ao longo dos séculos pelo Pai na história e na cultura do povo de Israel através dos acontecimentos e dos profetas (Hb 1,1); b) Plenitude dos Tempos É o cumprimento das promessas do Antigo Testamento e do desígnio de Amor do Pai na pessoa do Filho de Deus, Jesus Cristo. Assim, com a encarnação de Cristo, Deus vem ao encontro e se une à humanidade, divinizando-a em Cristo pelo Mistério Pascal. O Mistério Pascal é o centro da História da Salvação e o objeto principal da Liturgia da Igreja; c) Tempo da Igreja É o prolongamento da História da Salvação realizada pelo Mistério Pascal de Cristo e exercida pela Igreja através do Espírito Santo em todas as nações e povos até o fim dos tempos. 13 Um dos sentidos mais belos da palavra “salvar” é “unir-se com Deus”. Na História da Salvação o que impulsiona o agir de Deus e o que deve ficar em primeiro plano é o desígnio eterno de Amor do Pai que antecede toda a criação, e não o Pecado. É o que percebemos em São Paulo: “E nos escolheu n’Ele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante de seus olhos” (Ef 1,4). Portanto, na Liturgia da Igreja, Deus prossegue a História da Salvação, e, a cada celebração, o mistério pascal de Cristo é atualizado, e, pela força do Espírito Santo de Deus, os batizados permanecem unidos a Cristo e se tornam suas testemunhas. Isso se fundamenta no projeto original da criação narrado nos três primeiros capítulos do livro do Gênesis. A situação original do ser humano no relacionamento com Deus é a amizade, o estar juntos. Com o pecado, esta situação original foi degenerada. Após desobediência a Deus, Adão e Eva fogem, se escondem e se afastam de Deus que os procura no Jardim do Éden. 2- O QUE É LITURGIA? 14 O conceito etimológico da palavra liturgia indica uma ação em benefício do bem comum. O Catecismo da Igreja Católica apresenta a Liturgia Cristã como uma obra da Santíssima Trindade realizada por Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, através do seu Corpo Místico, que é a Igreja, em favor de toda a humanidade. Cf. Catecismo da Igreja Católica, Loyola, São Paulo, 2003, n. 1077-1109. 15 Na Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, a Liturgia é considerada como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros. Disto se segue que toda a celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote, e de Seu Corpo que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja. Cf. Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, n. 7. 16 Os cristãos reunindo-se numa assembleia litúrgica, além de manifestar o Mistério de Igreja, manifestam também o Mistério de Cristo, presente na comunidade eclesial, que age para a salvação de toda a criação. Portanto, a Igreja não é a única destinatária dos benefícios concedidos por Deus, mas toda a humanidade se beneficia quando a Igreja celebra. 17 Esta participação nos atos salvíficos de Cristo na Liturgia ocorre no exercício do sacerdócio régio concedido a todo batizado. A participação plena, consciente e ativa do cristão numa celebração litúrgica torna-se um direito e uma obrigação e deve ser respeitado e promovido pelos ministérios ordenados ou não, principalmente por meio de estudos e formações. Cf. idem, n. 14. 3- COMO A LITURGIA ACONTECE? 18 A ação salvífica na Liturgia ocorre por meio de uma linguagem chamada rito. O rito constitui-se num ordenamento de ações simbólicas, formadas por gestos e palavras, que busca a integração entre Deus e os homens. 19 O rito é uma linguagem criada por um determinado grupo de pessoas e assumida publicamente por Deus, como percebemos desde o Antigo Testamento na prescrição da Páscoa Judaica. Na celebração eucarística, constatamos que a Liturgia Cristã assume o culto judaico realizado por Jesus na última ceia com os discípulos, porém insere-se neste culto antigo a novidade redentora da morte e ressurreição de Cristo, que chamamos de Mistério Pascal. Cf. Ex 12,1-28. Este ritual é originário de uma fusão de duas antigas culturas, anteriores à formação do povo de Israel e que habitavam naquelas regiões: os povos nômades que eram pastores e os povos sedentários que trabalhavam na agricultura. Ambos celebravam na primavera do Hemisfério Norte. Para maiores aprofundamentos: SERRANO, Vicente, A Páscoa de Jesus em seu tempo e hoje, Coleção Liturgia e Participação, Paulinas, São Paulo, 1997. 20 O rito possui as seguintes finalidades: a) celebrar a Aliança eterna entre Deus e os homens realizada no Mistério Pascal; b) transmitir com fidelidade o patrimônio da fé de geração em geração (Tradição da Igreja); c) manter a unidade da Igreja segundo uma linguagem simbólica determinada (Rito Romano). 21 Com a renovação litúrgica, a compreensão das ações simbólicas fundamenta-se na tradição bíblica. Antes havia muitos tradicionalismos conservados no agir ritual da Igreja, fruto das épocas e dos povos ao longo da história da Igreja. Hoje, busca-se beber das fontes da Revelação e inculturar estas ações simbólicas na história contemporânea dos povos. 4- CELEBRAÇÃO DO MEMORIAL 22 No rito, a Igreja celebra o memorial do evento central da história da salvação que é o Mistério Pascal de Cristo. Nesta frase temos mais dois conceitos fundamentais em Liturgia: 23 - Celebrar: é uma palavra de origem latina com a mesma raiz das palavras célebre, celebridade, e significa lembrar, recordar, não deixar cair no esquecimento. No Antigo Testamento temos várias referências sobre esta dimensão da vida da fé e vemos também os danos e os sofrimentos para o Povo de Israel quando eles esqueciam da Aliança com Deus, isto é, não celebravam plenamente (fé e vida) esta aliança. A arte de celebrar está em unidade com a participação ativa e frutuosa dos fiéis. A celebração do rito, que faz memória da salvação, “garante a vida de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, sacerdócio real e nação santa”. Cf. Sl 137/136,5-6; Ex 20,8-11; Dt 8,1-6; 16,1-8. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 38. Quando celebramos o memorial do Mistério Pascal sob a força do Espírito Santo, presente nas ações da Igreja, nós estamos: a) recordando a Aliança nova e eterna entre Deus e a humanidade, selada em Jesus Cristo num momento histórico da humanidade (Plenitude dos Tempos); b) atualizando a presença e a ação de Cristo no mundo, por meio da ação sacramental da Igreja, ligada com o compromisso pessoal e comunitário na vivência e testemunho dos ensinamentos evangélicos; c) profetizando a consumação do Reino de Deus no mundo, que ainda está em construção e por vir plenamente no fim dos tempos. 24 - Memorial: A categoria de “memorial” (em hebraico “zikkaron”, em grego “anamnesis”) foi a primeira que serviu para definir o que é a Eucaristia para os cristãos. O mandato de Jesus foi “Fazei isto em minha memória” (1Cor 11,25). Para os cristãos, o memorial da Morte e Ressurreição de Cristo não é somente recordação ou comemoração, mas a convicção de que Cristo Jesus, agora Ressuscitado, atualiza e nos comunica em cada celebração a força salvadora do acontecimento da cruz. É uma recordação eficaz, uma celebração que de algum modo atualiza o que recorda, ou seja, é um “sacramento” do acontecimento passado. Além disso, o memorial visa também o futuro, pois, em cada Missa, o comer o Pão e beber o Vinho, que são o Corpo e Sangue de Cristo (presente), proclamamos a morte do Senhor (passado) até que ele venha (futuro). TEOLOGIA LITÚRGICA Jesus Cristo não deixou nada escrito. Nem sobre liturgia. Não traçou nenhum ritual de cerimônias religiosas. A grande liturgia de sua vida foi, de fato, a sua entrega, na cruz, oferecendo-se como sacrifício, ao Pai e aos homens. Os apóstolos, porém, assistidos pelo Espírito Santo, organizaram as primeiras comunidades e criaram maneiras novas para o culto das mesmas. Tudo foi sendo conforme a realidade e necessidade do povo. A Igreja vai se encarnando, se aculturando, se adaptando conforme as necessidades de cada lugar e de cada época. E isto é bem claro com relação a liturgia. No principio, os apóstolos, como os primeiros cristãos, continuam frequentando o templo para oração. A Igreja, no seu começo, não possuía um culto próprio diferente do culto do judaísmo. Mas, ao mesmo tempo em que frequentavam o templo, os cristãos iam criando formas próprias de culto, celebrando a nova aliança com morte de Cristo pela renovação da Ceia Pascal do Senhor. Era uma ação ritual sem uma sistematização muito apurada que só foi se dando com o passar dos anos pela reflexão teológica da Igreja. Falar de uma teologia da liturgia ou da liturgia como teologia é uma tarefa recente, que remonta ao Movimento Litúrgico (final do século XIX e início do XX), perpassa o Concílio Vaticano II e tem a sua continuidade na reforma litúrgica pós conciliar, naquilo que os caracterizou como a real necessidade de retorno às fontes – importante dizer: bíblicas e patrísticas. Isto implica em afirmar e acolher uma nova compreensão da liturgia como tal, superando o conceito rubricista e instrumentalista instaurado na Idade Média, ainda encontrado nos nossos tempos, mesmo que seja mascarado com sinais de avanço ou preocupação com a vida litúrgica da Igreja. Uma real aproximação do conceito de liturgia nos ajuda a romper também com duas tendências difundidas depois do Concílio Vaticano II, como formas subjetivas de lidar com a ação ritual da Igreja. A primeira forma a ser refutada é aquela que aprisiona a liturgia em uma espécie de “armadilha”, buscando responder, muitas vezes em leituras reducionistas, a questões de “pode ou não pode”. A liturgia, assim, é vista como se fosse ou dependesse de uma decisão pessoal, ditada por puras “leis”, destituindo-a da teologia que ela quer expressar, quer nos fazer acolher e experimentar no ato ritual enquanto ação divina na vida dos seus filhos e filhas. A outra tendência trata a liturgia como “objeto” pessoal, que de forma subjetiva, permite ações e opções pessoais de criatividades e liberdades, tornando-a espaço aberto, terra sem dono, num liberalismo desenfreado, descaracterizando-a de qualquer normatividade ou mesmo eclesialidade. Numa tentativa de síntese, fruto dos conceitos oriundos do Movimento Litúrgico e da Constituição Sacrosanctum Concilium, podemos dizer que Liturgia é uma ação sagrada, através da qual, por meio de ritos e preces, na Igreja e mediante a Igreja, Cristo continua agindo e realizando a sua obra salvífica (Mistério Pascal), pondo homens e mulheres em comunhão entre si, enquanto aguardam a sua volta (Cf SC 58). Para uma melhor compreensão, explicitemos esta definição, procurando ampliar os quatro conceitos que estão em sua base: Liturgia é uma ação sagrada. Antes de ser uma ação humana, a liturgia é uma ação divina, por força do Espírito Santo. É Deus quem age e continua agindo no mundo, de diversas formas, mas que, na Igreja, em particular, vive e age através das ações litúrgicas e pela força dos sacramentos, “de tal forma que quando alguém batiza, é Cristo mesmo que batiza”. Ele fala e dialoga com o seu povo, recordando a sua aliança e renovando-a no aqui e agora da história por sua Palavra, alimenta a esperança do seu povo e orienta a sua vida na construção de um mundo mais justo; oferece o seu perdão e misericórdia, reconciliando-nos e atraindo-nos a Ele; reforça e restaura as forças dos desanimados e doentes, dando-os a certeza da sua presença e do seu conforto; se dá em alimento, etc. Por ser uma ação sagrada, na liturgia, Cristo, novamente, oferece e realiza a sua obra salvífica. É na e através da liturgia que o Cristo “leva a efeito” a sua obra de salvação da humanidade. Tendo sido a salvação predita pelos profetas, Cristo deixou aos apóstolos a missão de, não apenas anunciar o Evangelho, mas também de levar a efeito a obra da salvação, que a Igreja assume, sobretudo, através das ações litúrgicas. E ao participarmos da sua ceia, anunciamos a sua morte até que ele venha (cf. 1Cor 11,26). Essa participação forma homens e mulheres para que cheguem à medida do Cristo (cf. Ef 4,13; Gl 2,19-20), e se coloquem a serviço do seu Reino – dimensão ética e libertadora da liturgia. Na liturgia a ação divina se dá através de ritos e preces. Os ritos na liturgia realizam o que proclamam: a salvação da humanidade. O valor principal dos ritos na liturgia não está em seu aspecto psicológico e emocional, mas em sua natureza sacramental: são símbolos e imagens reais daquilo que representam, ou seja, da salvação que celebramos. Eles nos colocam em contato com Cristo, para que possamos render ao Pai um culto idêntico àquele que o próprio Cristo fez. Liturgia é uma ação na Igreja e com a Igreja. Por fim, a liturgia é uma ação eclesial e não individual ou subjetiva. E mais que isso, Cristo continua agindo na Igreja e com a Igreja através da liturgia. Por isso mesmo, para a liturgia, não é possível compreender a Igreja sem a sua necessária relação e indissolúvel união com Cristo. É Ele quem age quando a Igreja realiza seus gestos simbólicos. A liturgia, portanto, antes de ser uma ação da Igreja a Deus, é a ação de Cristo na Igreja, de tal forma que a liturgia (ação de Cristo) precede à Igreja quando celebra. Esta Igreja é uma Igreja peregrina no mundo (com todos os conflitos e desafios que a sua vivência no mundo possa acarretar) que, por meio da liturgia, vive a comunhão num só corpo, antecipa profeticamente o Reino definitivo e nutre constantemente a sua esperança de, um dia, poder participar do banquete eterno na casa do Pai.