22 REB Volume 4 ( 1): 22 - 32, 2011 ISSN 1983-7682 . Revista Eletrônica de Biologia _______________________________________________________________ Propagação Assexuada de Gindiroba (Fevillea Trilobata L.), uma Espécie com Potencial para Produção de Biodiesel Nonsexual Propagation of Fevillea trilobata L., a species with potential to Biodiesel production Karla Cunha1, Marlucia Cruz de Santana1, Lauro Xavier Filho2, Sheyla Alves Rodrigues2 1 Universidade Federal de Sergipe; 2Universidade Tiradentes e-mail contato: Resumo A gindiroba é uma trepadeira dióica que pertence a família da curcubitaceae, cuja semente é rica em óleo com potencial para utilização como biodiesel. A multiplicação por semente origina cerca de 95% de plantas masculinas. O presente trabalho é um estudo sobre a utilização da técnica de estaquia visando obter plantas femininas em grande escala. Plantas-matrizes de gindiroba foram cultivadas no do mini-horto do Departamento de Biologia/UFS, oriundas de sementes fornecidas pela EMBRAPACPATC. O experimento foi conduzido na estufa do Departamento de Biologia/UFS. Foram utilizadas estacas de plantas femininas. Os tratamentos utilizados foram formados pela combinação tipo de estaca (caule e caule+folha) com concentração de AIB(0; 1 e 2mgL-1), em substrato areia+solo argiloso (2:1). Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância, onde as interações significativas foram analisadas através do teste de Tukey em nível de 5% de probabilidade. Os dados foram analisados como auxilio do software GraphPad Prism, versão 4. O tratamento estaca+folha imerso em 1mgL-1 de AIB foi mais efetivo para a emissão de raízes e folhas em estacas de gindiroba. Palavras-chaves: nhandiroba, estaquia, energia renovável. Abstract The gindiroba is a dioecious clambering plant that belongs the family of the Curcubitaceae, whose seed is rich in oil with potential for use as biodiesel. The multiplication by seed originates about 95% of male plants. The actual work is a study about the use of the cutting technique seeking to obtain female plants in large scale. 23 Gindiroba mother plants were cultivated in the mini-garden of the Department of Biology/UFS, originating of seeds supplied by EMBRAPA-CPATC. The experiment was led in the greenhouse of the Department of Biology/UFS. Stakes of female plants were used. The treatments utilized were formed by the combination stake type (stem and stem + leaf) with concentration of AIB(0; 1 and 2mgL-1), in substratum sand + clay soil (2:1). The obtained results were submitted to the variance analysis, where the significant interactions were analyzed through the test of Tukey in level of 5% of probability. The data were analyzed with software GraphPad Prism, version 4 support. The treatment submerged stem + leaf in 1mgL-1 of AIB was more effective for the emission of roots and leaves in gindiroba stakes. Key-words: Nhandiroba, cutting, renewable energy Introdução A Fevillea trilobata L. é uma planta dióica, oleaginosa e perene, pertencente à família Cucurbitaceae e vulgarmente conhecida como nhandiroba ou gindiroba em Sergipe e Bahia, é encontrada no Brasil e em países ao norte da América do Sul (Correa, 1984). Típica de Mata Atlântica, seu habitat predominante são lugares sombreados e úmidos, com solo rico em matéria orgânica, de constante renovação pela ação das águas, como várzeas de rios e base de encostas (Silveira, 1949). Em Sergipe podemos encontrar a F. trilobata em suas condições ambientais naturais em resquícios de Mata Atlântica, a exemplo da cidade de Carmópolis e em cultivo no Campo Experimental da Embrapa Tabuleiros Costeiros, situado no Município de Itaporanga D’ajuda/SE, servindo assim como local de coleta das sementes para realização do trabalho em questão (Correa, 1984). Das sementes da gindiroba, a amêndoa é parte da planta com possibilidades de extração de óleo para produção de biodiesel, uma vez que o porcentual de óleo bruto extraído pode chegar a 70% do seu peso/volume. Assim, 1kg de sementes pode gerar uma até 700mL de óleo bruto (Ramos, 1985). Tupinambá et al. (2007) em estudos preliminares, demonstraram que plantas de gindiroba com um ano, produzem cerca de 13 frutos por planta, pesando por volta de 32,3 a 77,2 g por fruto o qual produz em torno de 3 a 17 sementes, gerando uma produtividade de 268,5 (kgha-1). Quanto à extração de 24 óleo das amêndoas foi constatado que de cada 1000g utilizados na extração, eram obtidos 685 mL de óleo bruto, e após a transesterificação esse volume variava de 380 a 430 mL de biodiesel. Apesar de tal vantagem em relação ao seu potencial biotecnológico, a planta apresenta uma grande dificuldade de germinação de suas sementes, e as mesmas quando germinadas, apresentam 95% de plantas do gênero masculino e apenas 5% do gênero feminino (Cunha et al, 2007). Tendo em vista que a propagação assexuada é uma técnica com grande aplicação na agricultura, além de ser uma ferramenta com alto potencial para aplicação no melhoramento vegetal (Floriano, 2004), o presente trabalho teve por finalidade, a multiplicação de plantas femininas de gindiroba no intuito obter mais frutos e sementes e consequentemente aumentar o seu potencial como produtora de biodiesel. Metodologia As estacas foram obtidas de plantas cultivadas no mini-horto do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Sergipe. Após coleta de ramos de gindiroba, foram selecionadas estacas da região mediana medindo 15cm de comprimento contendo apenas um nó por estaca. O experimento foi constituído por estacas oriundas de plantas femininas. Os tratamentos utilizados foram formados pela combinação entre o tipo de estaca (caule e caule+folha) e duas concentrações de ácido indol butírico (AIB) (1 e 2mgL-1) e controle (sem aplicação do regulador de crescimento) totalizando seis tratamentos descritos a seguir: T1- caule com folha + 0mg L-1 AIB T2- caule com folha + 1mg L-1 AIB T3- caule com folha + 2mg L-1 AIB T4- caule sem folha + 0mg L-1 AIB T5- caule sem folha + 1mg L-1 AIB T6- caule sem folha + 2mg L-1 AIB A base das estacas foi cortada em bissel e tiveram 2,0cm da sua base mergulhadas em solução de AIB por um período de 10 minutos. Em seguida, as estacas foram colocadas em copos descartáveis contendo como substrato 25 areia+solo argiloso (2:1) em condições semi-controladas. Os experimentos foram conduzidos na estufa do Departamento de Biologia/UFS, e eram regados uma vez ao dia. Para a coleta de dados foi utilizado o método destrutivo. Em intervalos de 15 dias, através de sorteio eram analisadas quatro estacas por tratamento perfazendo um total de cinco coletas. As variáveis analisadas foram: (1) massa seca das raízes; (2) presença de folhas novas; e (3) massa seca das folhas novas. Para a obtenção da massa seca das raízes e folhas novas utilizou-se estufa com ventilação forçada onde o material foi mantido por um período de 12 horas a temperatura de 50ºC, após o quê foi feito o aferimento do peso em balança analítica marca And modelo HR200. O delineamento experimental utilizado foi completamente casualizado perfazendo um total de 6 tratamentos, com 20 repetições, sendo a unidade experimental representada por duas estacas. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância, onde as interações significativas foram analisadas através do teste de Tukey em nível de 5% de probabilidade. Os dados foram analisados como auxilio do software GraphPad Prism, versão 4. Resultados e Discussão Houve uma efetiva formação de raízes nos Tratamentos 1, 2 e 3, em que as estacas tinham um par de folhas. Entretanto os valores obtidos no Tratamento 2 (1mg L-1 AIB) foram maiores e estatisticamente diferentes dos demais durante o período estudado (Figura 1). Massa seca (g) 0.2 T1 T2 T3 T4 T5 T6 0.1 0.0 15 30 45 60 75 Dias após implantação Figura 1. Influência do AIB sobre a formação de raízes em estacas de plantas femininas de Fevillea trilobata L. 26 Nos tratamentos em que as estacas não tinham folhas (T4,T5 e T6), não houve formação de raízes. Como pode ser verificado as folhas exerceram um papel fundamental sobre a formação de raízes, independente da utilização do AIB. Essses resultados concordam com Meletti & Nagai (1992) quando em estudo de estaquia em maracujazeiro amarelo e doce, verificaram que as folhas são determinantes no enraizamento. Segundo Taiz & Zeiger(2004), a biossíntese de auxina está associada aos tecidos onde ocorre uma rápida divisão celular e crescimento, especialmente nas partes aéreas. As folhas jovens são um dos principais locais de síntese do ácido indol-3-acético(AIA). A auxina tem ainda papel fundamental na formação de raízes adventícias, que podem surgir em vários tipos de tecidos a partir de células maduras que retomam sua atividade de divisão celular. Para a variável massa seca de raízes, o Tratamento 2 (Figuras 1 e 2) apresentou valores maiores e estatisticamente diferentes dos demais, desde os 30 dias após a implantação do experimento, estes dados diferem dos de Nogueira (1995) que trabalhando com enraizamento de estacas de figueira, obteve resultados na ausência de AIB, ocorrendo queda potencial de enraizamento com a aplicações de sucessivas concentrações desse fitorregulador. Esta diferença, pode estar associada ao fato de as estacas utilizadas naquela pesquisa terem sido oriundas da porção basal dos ramos de figueira, diferindo do presente trabalho em que se utilizaram estacas medianas além de diferenças outras, tais como o hábito de crescimento das plantas estudadas. Segundo Fachinello et al. (1995), a composição química dos tecidos varia ao longo do ramo, influenciando no potencial de enraizamento das estacas. 27 Figura 2. Estacas de gindiroba com folhas imersas em 1mgL-1 de AIB (tratamento 2), 30 dias após implantação do experimento. Com o aumento da concentração de auxinas de 1 para 2mg L-1 (T6), verificou-se um decréscimo na formação de raízes. A aplicação exógena de auxina promove o enraizamento de estacas em muitas espécies (Inoue & Putton, 2007; Goulart et al. 2008); no entanto, sabe-se que isso acontece até um valor máximo, ou seja, qualquer valor acima poderá ter efeito inibitório ou fitotóxico. Para os tratamentos onde foi retirada as folhas (T4, T5 e T6) não houve formação de raízes, as estacas senesceram durante o período de 75 dias. Os dados concordam com Fachinello et al., 2005 quando afirmam que o efeito estimulante de folhas no início da formação de raízes tem, em geral, sido atribuído à produção de carboidratos pela fotossíntese, auxina endógena e cofatores de enraizamento sintetizados pelas folhas e a regulação do estado hídrico na estaca (Figura 3). 28 T 4 T5 T6 Figura 3 - Estacas medianas de gindiroba com 30 dias após implantação do experimento De acordo com os resultados obtidos, a utilização de AIB foi benéfico para a formação de folhas (Figura 4). Aos 15 dias, apenas no Tratamento 6 (estaca sem folhas + 2mgL-1 de AIB) houve formação de folhas. Aos 30 dias houve formação de folhas nos Tratamentos 3 (estaca com folhas + 2mgL-1 de AIB) e Tratamento 6 (estaca sem folhas + 2mgL-1 de AIB), o que sugere uma ação da auxina exógena na formação de folhas. Decorridos 45 dias, foi observada a formação de folhas nos Tratamentos 2, 5 e 6, sem diferença significativa. Esses resultados demonstram a importância da auxina exógena na formação de folhas novas. Aos 75 dias houve formação de folhas nos Tratamentos 2 e 6, embora os valores do Tratamento 2 tenham sido mais altos, diferindo estatisticamente do Tratamento 6. Provavelmente a ausência de folhas neste tratamento tenha concorrido para a redução na formação de novas folhas, em decorrência da ausência de fotossíntese e da exaustão de reservas contidas na estaca. Comparando-se os resultados obtidos na formação de raízes e de folhas, verifica-se a existência de correlação entre o número de folhas novas e o peso seco de raízes, especialmente aos 75 dias (Figuras 1 e 4). Isto demonstra a ação sinérgica da auxina na formação da parte aérea e do sistema radicular (TAIZ & ZEIGER, 2004). 29 Nº de folhas novas 2.5 T1 T2 T3 T4 T5 T6 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 15 30 45 60 75 Dias após implantação Figura 4 – Influência do AIB sobre a formação de folhas em estacas de plantas femininas de Fevillea trilobata L. As concentrações de fitorreguladores devem variar mediante estudo aprofundado para a sensibilidade da espécie que se está trabalhando, tendo em vista os vários níveis de absorção e necessidades da planta (Hartmann et al., 2002). Pio et al. (2006) ainda ressaltam que os benefícios conseguidos com fitorreguladores tornam-se inviáveis quando observada a concentração de auxina endógena de reserva na estaca. Os resultados ilustrados na figura 3.5 mostram que as estacas do Tratamento 2 (estacas com folhas + 1mgL-1 AIB) apresentaram maior peso de folhas novas aos 75 dias após a implantação do experimento, diferindo estatisticamente dos demais tratamentos, nos quais apesar de ter havido formação de folhas (Figura 4) o crescimento em alguns casos, o vingamento das mesmas não foi observado, referentes ao peso das folhas. como pode ser verificado nestes dados 30 0.35 T1 T2 T3 T4 T5 T6 Massa seca (g) 0.30 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 15 30 45 60 75 Dias após implantação Figura 5 – Influência do AIB na massa de folhas novas em estacas de plantas em fase reprodutiva de F. trilobata L. Apesar de ter havido brotação de folhas novas nos tratamentos com AIB ao longo do período observado (Figura 4), quando os dados são comparados com a massa de folhas em cada tratamento (Figura 5), observa-se o efeito positivo da auxina na concentração de 1mgL-1 nas estacas com folha, embora tenha havido formação de folha nos tratamentos com 2mgL -1 . É provável que a falta de reservas na estaca para suprir as necessidades nutricionais das folhas em expansão, que são drenos fortes, tenha sido decisivo para o pouco crescimento das mesmas, aqui apresentado como matéria seca. 4. Conclusão Diante dos resultados obtidos nesta pesquisa, conclui-se que: 1. A técnica de estaquia é promissora para a multiplicação de gindiroba quando se objetiva um plantio comercial para produção de biodiesel, em razão das características morfofisiológicas a planta que, quando reproduzida por sementes origina cerca de 95% de plantas masculinas, o que torna a propagação gâmica inviável. 2. A utilização de estacas medianas com folhas, tratadas durante 10 minutos com 1mgL-1 de AIB, produz mudas adequadas para o cultivo. 31 5. Referências bibliográficas CORRÊA, Manuel Pio. Dicionário das plantas úteis do Brasil e exóticas cultivadas. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Instituto Brasileiro de desenvolvimento Florestal, 1984. v. 3 CUNHA, K. et al. Avaliação de diferentes tratamentos para quebra de dormência das sementes de Fevillea trilobata L. (Curcubitaceae). In: REUNIÃO NORDESTINA DE BOTÂNICA, 30., 2007, Crato. Resumos... Crato: Universidade Regional do Cariri, 2007. FACHINELLO, J. C. et al. Propagação de plantas frutíferas de clima temperado. Pelotas: UFPel, 1995. FACHINELLO, J. C.; NATCHIGAL, J. C.; HOFFMANN, A. Propagação por sementes. In: FACHINELLO, J. C.; NATCHIGAL, J. C.; HOFFMANN, A. (Ed.). Propagação de plantas frutíferas. 2. ed. Pelotas: Ed. da UFPEL, 2005. p. 5767. FLORIANO, E. P. Produção de mudas florestais por via assexuada. Santa Rosa: ANORGS, 2004. 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