287 MEGACÓLON CHAGÁSICO Dr. Mário Pantaroto O termo megacólon é utilizado para designar qualquer dilatação do colo. Diz-se megacólon idiopático, para os casos de origem desconhecida. O megacólon congênito está associado à doença de Hirschsprung e o megacólon chagásico está relacionado à doença de Chagas. Caracteriza-se o megacólon orgânico pela estase intestinal de fezes, dilatação, alongamento e hipertrofia das camadas musculares, na ausência de um obstáculo mecânico ao fluxo de esvaziamento do intestino. Ocorre em decorrência da destruição dos plexos mioentéricos em graus variáveis, sendo que a região mais acometida é a do cólon sigmóide. ETIOLOGIA/FISIOPATOGENIA Os fatores patogênicos são interpretados como seqüelas de lesões do sistema nervoso autônomo mioentético (plexos de Meissner e Auebach) onde a denervação é responsável pelas alterações funcionais. No megacólon chagásico, a destruição neural causada pela infecção pelo Trypanosoma cruzi faz com que o reto e o sigmóide passem a contrair de forma síncrona, perdendo o gradiente de pressão. Desta forma, o reto funciona como obstáculo a falta de propulsão fecal leva a estase e dilatação da alça colônica. O espessamento da parede ocorre pela hipertrofia das camadas musculares. No megacólon congênito, diferentemente, ocorre a atresia destes plexos. No megacólon idiopático a etiopatogenia é desconhecida. INCIDÊNCIA e PREVALÊNCIA O megacólon chagásico é relativamente freqüente entre nós e já foi considerada a doença cirúrgica mais comum do intestino grosso. A faixa etária de maior incidência fica entre os 20 e 60 anos, com pico entre os 40 e 50 anos. Grande parte da aquisição dessa doença se dá na área rural, em virtude do contato dos indivíduos com fezes de triatomídeos domiciliados. A doença está sob 288 controle e o quadro atual mostra uma prevalência de 0,13%, nas zonas endêmicas, dado obtido por meio de inquérito sorológico. QUADRO CLÍNICO Os portadores de megacólon experimentam dificuldade progressiva para evacuar e períodos prolongados sem evacuações. Às vezes há referência de fezes em forma de cíbalos, em pequenas quantidades. Faz parte do quadro o uso constante de laxativos, lavagens intestinais muitas vezes ineficientes, distensão abdominal e emagrecimento. O quadro clínico, a procedência do paciente (zona endêmica para Doença de Chagas), e as informações provenientes dos exames físico, laboratorial e radiológico permitem o diagnóstico sem dificuldade. EXAME FÍSICO: emagrecimento, distensão abdominal assimétrica, tumoração palpável na fossa ilíaca esquerda, tumoração perceptível ao toque retal (fecaloma) e Sinal de Gèrsuny (sensação de crepitação após compressão abdominal-conseqüente à presença de ar entre a parede da alça e massa fecal). LABORATORIAL: Sorologia positiva para Doença de Chagas (Teste de MachadoGuerreiro ou Imunofluorescência). RADIOLÓGICO: radiografia simples de abdome ou enema opaco. NOTA: O enema opaco pode causar impactação do contraste favorecendo o fecaloma, devendo ser evitado. CONDUTA DO SERVIÇO O tratamento clínico envolve cuidados com alimentação visando melhorar estado nutricional, ingerir proteínas e fibras vegetais. Usar laxativos e lavagem intestinal conforme demanda. COMPLICAÇÕES Fecaloma: É complicação mais comum. As fezes tornam-se pétreas de tão ressecadas. Curiosamente em alguns casos nota-se o aparecimento de diarréia. É a chamada diarréia paradoxal do fecaloma. Recomenda-se internar o paciente, fazer lavagens intestinais usando solução glicerinada e em seguida tentar a fragmentação digital da cabeça do fecaloma. Nos 289 pacientes com cólon muito distendido, recomenda-se utilizar clister de solução glicerinada gota-a-gota. Se o fecaloma for muito volumoso, eventualmente é necessário proceder ao esvaziamento sob bloqueio anestésico. Volvo: é a torção da alça distendida sobre o meso, (os fatores predisponentes são: alça longa com meso curto). Geralmente ocorre no sigmóide, formando obstrução em alça fechada, com distensão progressiva do segmento torcido, onde ocorre somente a entrada de gases. A torção do sigmóide sobre o seu próprio meso raramente leva a oclusão da artéria mesentérica. Nesta fase pode ocorrer, além de intensa distensão abdominal, parada de eliminação de gases, dor abdominal contínua, sudorese e piora das condições clínicas. Nestas circunstâncias há que se pensar em necrose de alça, que ocorre em conseqüência da isquemia intramural secundária à distensão e aumento da pressão intraluminal. O diagnóstico de volvo é feito pela história, exame físico e pela radiografia simples do abdome, onde se nota cólon dilatado em quase todo abdome. TRATAMENTO DO VOLVO: avaliar os seguintes aspectos: volvo simples, com fecaloma retido, com necrose parcial ou total e perfuração da parede. Pneumoperitôneo é indicativo de laparotomia de urgência por relacionar-se a perfuração de vísceras ocas. Na ausência de peritonite e pneumoperitôneo, deve-se fazer retossigmoidoscopia para distorção e drenagem. Se o examinador observar mucosa com aspecto escurecido e presença de líquido muco-sanguinolento é possível estar ocorrendo gangrena. Caso a descompressão seja efetiva, deve-se manter uma sonda na alça dilatada por até 72 horas e programar tratamento cirúrgico eletivo. Quando a descompressão não for possível com a retossigmoidoscopia, deve-se indicar laparotomia. Os procedimentos cirúrgicos são variados e dependem das condições locais e sistêmicas do paciente. Se o segmento dilatado e volvulado está viável, a simples distorção associada à uma fístula mucosa pode ser conduta de grande valia. 290 Quando o segmento volvulado apresenta sinais de inviabilidade, a ressecção primária com colostomia proximal e sepultamento do coto retal (procedimento de Hartmann) ainda pode ser conduta de eleição. O tratamento cirúrgico eletivo está indicado nos casos de dificuldades de controle clínico da obstipação e quando já ocorreram complicações (volvo e fecaloma). O preparo de cólon para a cirurgia e uso de antibioticoprofilaxia para esse tipo de cirurgia eletiva já foram padronizados em outro capítulo. Os procedimentos cirúrgicos disponíveis para o tratamento do megacólon partem do pressuposto de que o reto funciona como um obstáculo ao fluxo de esvaziamento. Portanto, é necessário que o reto seja desviado do trajeto, sendo transformado de obstáculo a reservatório de fezes. A resseção do segmento dilatado em toda sua extensão e o abaixamento retro-retal do colo, com anastomose retardada (técnica de DuhamelHaddad) é uma opção cirúrgica clássica. Atualmente, com a utilização de grampeadores mecânicos, a cirurgia de Duhamel pode ser realizada em um único tempo, com baixas taxas de morbi-mortalidade. Essa técnica também já pode ser realizada por via laparoscópica. No Brasil, a cirurgia de Duhamel é a mais utilizada para o tratamento do megacólon chagásico em adultos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Madiba TE, et al. The management of sigmoid volvulus. J R Coll Surg Edinb 2000; 45: 74 2. Werner CR, et al. Megacolon in adulthood after surgical treatment of Hirschsprung's disease in early childhood. World J Gastroenterol. 2005 Sep 28;11(36):5742-5. 3. Kamiji MM, et al. Features of Chagas' disease patients with emphasis on digestive form, in a tertiary hospital of Ribeirao Preto, SP. Rev Soc Bras Med Trop. 2005 JulAug;38(4):305-9. 4. Madrid AM, et al. Gastrointestinal motility disturbances in Chagas disease. Rev Med Chil. 2004 Aug; 132(8):939-46. Spanish. 291 RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA Admissão do paciente Sinais e sintomas sugestivos Emagrecimento Distensão abdominal Tumoração em FIE Sinal de Gérsuny positivo Procedente de zona endêmica Solicitar: Sorologia para Mal de Chagas RX simples de abdome Afastar diagnósticos diferenciais Megacólon Fecaloma Clister e fragmentação digital Programar cirurgia eletiva Duhamell-Haddad Volvo Retossigmoidoscopia descompressiva efetiva inefetiva - Laparotomia -desvolvulação com fístula mucosa -Hartmann