PREVALÊNCIA DA TRANSMISSÃO DO VÍRUS DA HEPATITE C (HCV) ENTRE CONTATOS DOMÉSTICOS NO MUNICÍPIO DE TUBARÃO, SANTA CATARINA Monica Figueira Scirea1; Fabiana Schuelter Trevisol2 2 1 Acadêmica do 6º. ano do curso de Medicina. Universidade do Sul de Santa Catarina. Doutoranda em Medicina (UFRGS) e Mestre em Saúde Coletiva. Professora do Curso de Medicina. Universidade do Sul de Santa Catarina. INTRODUÇÃO A hepatite C é uma doença infecciosa viral, contagiosa, causada pelo vírus da hepatite C (HCV). É um dos mais importantes problemas de saúde pública, pois afeta cerca de 1 a 5% da população mundial e ocorre em todos os países. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que 2,6% da população brasileira esteja infectada. Os dados epidemiológicos são escassos e a maioria baseia-se em doadores de sangue, com variações entre as regiões brasileiras: 0,62% no Norte; 0,55% no Nordeste; 0,28% no Centro-Oeste; 0,43% no Sudeste e 0,46% no Sul . Em Tubarão, Santa Catarina, a incidência anual é de 26,2/100.000 habitantes infectados por ano. A infecção pelo HCV é adquirida principalmente por via parenteral por meio de transfusão de sangue infectado, ruptura da continuidade da pele ou mucosas, equipamentos médicos infectados apesar de rigoroso controle higiênico, drogas intravenosas, hemodiálise ou órgãos transplantados. Transmissão por contato sexual tem sido implicada, embora possa ser modo de transmissão ineficiente. Outras infecções sexualmente transmissíveis concomitante com lesões genitais erosivas traumáticas ou por relações sexuais com abrasão da mucosa genital potencializam essa via de transmissão. Pessoas com relacionamento monogâmico de longo prazo tem menor risco de aquisição do HCV (0-0,6% ao ano) do que pessoas com múltiplos parceiros ou pessoas em situação de risco para doenças sexualmente transmissíveis (0,4-1,8% ao ano). Esta variação pode ser reflexo de diferenças nos comportamentos sexuais ou nas exposições não sexuais entre os parceiros, como o uso compartilhado de drogas ou escovas de dente. Baseados nos dados conflitantes da literatura sobre o papel dos contatos domésticos na propagação da infecção por HCV, as altas prevalências de transmissão intrafamiliar encontradas em alguns estudos e muitos casos de transmissão de HCV sem a presença de fator de risco envolvido, esse estudo teve como finalidade elucidar essa lacuna do conhecimento no município de Tubarão, Santa Catarina, objetivando determinar a prevalência de transmissão doméstica do HCV entre pacientes sabidamente portadores da infecção e seus contactantes, bem como os fatores de risco envolvidos. O tempo médio de diagnóstico do HCV (em meses) foi de 53,21, com mediana de 36 meses (desvio padrão ± 50,3), variando entre 4 e 240 meses. Nenhum dos pacientes entrevistados apresentava coinfecção por HIV ou outras hepatites virais. Dos 33 pacientes, 18 (54,5%) haviam realizado genotipagem para HCV, sendo que oito apresentavam genótipo 1, dois apresentavam genótipo 2 e oito apresentavam genótipo 3. No total, 25 (75,7%) pacientes realizaram biópsia hepática. Em relação aos contactantes domésticos, 21 (63,6%) pacientes apresentavam apenas um contactante, 9 (27,3%) pacientes apresentavam dois contactantes e 3 (9,1%) apresentavam três contactantes. Obtivemos, assim, uma amostra de 48 contactantes A média de idade entre os contactantes foi de 47,4, com mediana de 49,5 (DP ± 18,1), sendo a idade mínima 18 anos e a idade máxima 77 anos. Entre os 48 contactantes, 50% eram no gênero feminino. O tempo de contato entre os contactantes domésticos e os pacientes variou entre um mês e 55 meses (tempo de contato mínimo e máximo), com média de 21,9 meses e mediana de 21,5 (DP ± 14). MATERIAIS E MÉTODOS No período compreendido entre setembro de 2008 a agosto de 2009, foi realizado um estudo transversal, em que foram avaliados todos os pacientes positivos para HCV (anti-HCV e PCR qualitativos positivos) atendidos no Ambulatório de Medicina de Especialidades (A.M.E.) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Tubarão, Santa Catarina. Além disso, foram avaliados também contatos domiciliares desses pacientes, que tivessem realizado o exame anti-HCV e com idade superior a 18 anos. Atualmente 70 pacientes com hepatite C fazem acompanhamento regular no serviço, estimando-se cerca de 100 contactantes domésticos. Todos os pacientes e contactantes que preencheram os critérios de inclusão acima citados foram convidados a participar, sendo orientados quanto ao estudo e à técnica de obtenção de informações, que consistiu em um questionário aplicado pelos pesquisadores por telefone e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido entregue aos participantes no A.M.E. nos dias de consultas dos mesmos. Foram excluídos do estudo aqueles indivíduos que não concordaram em participar do estudo, ou que não foram encontrados em três tentativas telefônicas em dias e horários diferentes. Após tal procedimento, os participantes foram cadastrados em ficha de inclusão. Foi construído um banco de dados com o auxílio do software SPSS e a análise estatística foi realizada com o auxílio do mesmo software. As variáveis foram sumarizadas como porcentagem ou média conforme indicado. Os dados qualitativos foram apresentados em termos de valores absolutos e relativos e as variáveis quantitativas foram calculadas as médias e o desvio-padrão ou mediana, conforme o caso. Foi aplicado o teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher para se verificar a associação entre as variáveis, considerando-se o intervalo de confiança de 95%. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da UNISUL, e aprovado sob o protocolo número RESULTADOS Dos 70 pacientes portadores de HCV atendidos no Ambulatório Médico das Especialidades, 33 foram estudados. Os demais não foram localizados para participar do estudo. Isso ocorreu pelo fato de que em 11 casos os números de telefone não existiam ou estavam desligados temporariamente ou ainda não correspondiam ao paciente, em 17 casos o número estava ocupado ou não ocorria atendimento das ligações ou o paciente não se encontrava. Além disso, 5 não concordaram em participar do estudo e em 4 casos foi constatado óbito. Entre os participantes, 17 (51,5%) eram do gênero masculino. A média de idade dos pacientes foi de 49,1 com mediana de 48 (DP ± 10,1), sendo a idade mínima 22 anos e máxima 75 anos. Quanto ao estado civil, 22 (66,7%) pacientes relataram ser casados e os demais eram solteiros ou separados. Dos 48 contactantes, 21 relataram apresentar contato sexual, um relatou ter apresentado contato perinatal, dois relataram ter compartilhado seringas (ex-usuários de drogas injetáveis) e 24 negaram qualquer tipo de contato. Dos que apresentavam contato sexual, 6 não usavam preservativos durante a relação e 15 iniciaram o uso após o diagnóstico do parceiro. Sobre o compartilhamento domiciliar de utensílios cortantes, 45 não compartilhavam qualquer tipo de utensílio e 3 compartilhavam alicates de unhas. Em relação a outros fatores de risco sem relação com o contato domiciliar, 21 negaram qualquer fator de risco, um realizou transfusão sanguínea, dois realizaram endoscopia/colonoscopia, 10 realizaram cirurgia odontológica, um realizou tatuagem, um realizou cirurgia e 11 apresentaram mais de um fator de risco. Dos 48 contatos domiciliares, 19 eram maridos ou esposas dos pacientes HCV-positivos. Todos os casos de PCR qualitativo positivos foram de cônjuges desses pacientes, estabelecendo-se uma prevalência de 21% de positividade neste grupo de contactantes. Apenas 2 contactantes realizaram genotipagem para HCV e sabiam o subtipo viral, sendo que um apresentava subtipo 1 e um apresentava subtipo 3. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Os resultados deste estudo demonstram que 12,5% dos contactantes dos pacientes HVC positivos apresentaram a primeira amostra do exame anti-HCV positivos e 8,3% confirmaram a infecção pelo HCV através do exame PCR qualitativo, corroborando com os dados da literatura que demonstram valores de transmissão intrafamiliar entre 0 e 25%. Diversos estudos tentam explicar a prevalência diferenciada do HCV em contatos domiciliares de portadores crônicos do vírus. Um estudo nessa área foi realizado no Irã, com a finalidade de determinar se o número de casos de infecção pelo vírus da hepatite C aumenta com o contato intrafamiliar (considerando-se transmissão sexual e não sexual). Tratou-se de um estudo caso-controle, descritivo, com 300 contatos domiciliares de 60 casos índice e 360 controles (doadores de sangue pela primeira vez). Apenas 4 (1,33%) dos 300 casos de contactantes domésticos sem fatores de risco foram positivos para HCV enquanto os restantes 296 contatos familiares foram negativas para anti-HCV. Nesse caso, a prevalência de HCV-positivos entre os contatos domiciliares (1,33%) não foi muito maior do que no controles (1%) (P> 0,06). Os dados encontrados no estudo citado foram significantemente menores do que os encontrados em nossa pesquisa (8,3% confirmados) e em outros estudos que relatam uma soroprevalência de 16% a 20% entre os contatos de HCV positivos. O mesmo estudo, realizado no Irã, revelou uma média de idade de 28,4 anos e as prevalências de anti-HCV foram de 0,87% para pais dos casos; 3,39% para cônjuges dos casos e 0,79% para filhos dos casos. A presente pesquisa contou com uma média de idade entre os contactantes de 47,4 anos. Além disso, nossa amostra de PCR qualitativo positivo foi 100% de cônjuges, demonstrando 21% de prevalência para esse grupo de contactantes. O número mais elevado de casos entre os cônjuges foi observado também no estudo já citado, aliado ao fato de maiores índices em casais com mais tempo de casamento. Este fato pode ser explicado, possivelmente, pelo fato de que o casamento não inclui somente relações sexuais, mas outros tipos de contato físico e exposição ao mesmos fatores de risco (compartilhamento dos mesmos objetos pessoais, tais como escovas de dentes, lâminas de barbear). Outro fato a ser considerado é de que as taxas de transmissão intrafamiliar são significativamente mais elevadas entre os parceiros sexuais do que entre os outros membros da família que não têm contato sexual. Essa premissa é observada por outros estudos sobre o assunto, como o de CAVALHEIRO (2009), com vinte e quatro casais com diagnóstico clínico e laboratorial da infecção pelo HCV. Nesse estudo, os fatores de risco para aquisição de HCV foram transfusão de sangue, o uso de drogas injetáveis, o uso de drogas inalatórias, acupuntura e tatuagens. O uso compartilhado de produtos de higiene pessoal sugere a possibilidade de transmissão intrafamiliar de infecção. Esse uso inclui escovas de dentes entre seis casais (25%), lâminas de barbear, entre 16 (66,7%), cortadores de unha, entre 21 (87,5%) e alicate de manicure, entre 14 (58,3%). O elevado grau de semelhança entre o genoma do vírus da hepatite C suporta a hipótese de transmissão do vírus entre esses casais Estudo realizado no Chile mostrou anticorpos anti-HVC positivos em 12 dos 243 membros da família de pacientes com doença hepática crônica, com uma prevalência, portanto, de cerca de 5% de casos positivos nos contactantes. Os autores consideraram como rara a infecção intrafamiliar do vírus da hepatite C na população chilena Sabe-se, portanto, que a transmissão sexual e intrafamiliar do HCV não é a mais significativa via de transmissão do vírus, porém, a genotipagem do HCV nos casos índice e nos contatos pode contribuir para esclarecer se a infecção é adquirida dentro ou fora do ambiente familiar. A informação epidemiológica de HCV é essencial para a prevenção de doenças hepáticas crônica, além da cirrose hepática e do hepatocarcinoma. A identificação das variadas formas de transmissão e sua prevenção são importantes para que o controle seja adequado e eficaz. REFERÊNCIAS ANTONISHYN, N. A. et al. Rapid Genotyping of Hepatitis C Virus by Primer-Specific. Journal of Clinical Microbiology 2005 October, 5458-5163. CAVALHEIRO, N. P. et al . Hepatitis C: sexual or intrafamilial transmission? Epidemiological and phylogenetic analysis of hepatitis C virus in 24 infected couples. Rev. Soc. Bras. Med. 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