O ESTUDANTE DE MEDICINA E OS CUIDADOS BIOÉTICOS COM AS INFORMAÇÕES SIGILOSAS Ciências Médicas e da Saúde. Samuel Cargnin Cunha¹; Francisco Rosa 1Aluno 2 2 Neto ; Luissaulo 3 Cunha Bolsista (PUIC), Medicina-Tubarão Professor do Curso de Medicina do Sistema materno-infantil- UNISUL, Tubarão, Sc 3Médico Pediatra e Professor Coordenador do SMI - UNISUL, Tubarão, Sc Introdução A confidencialidade e a privacidade das informações, especialmente na área da saúde, é uma preocupação constante dos médicos e da sociedade, pois sem o sigilo não é possível o exercício adequado da medicina. As preocupações com a preservação do sigilo das informações são cada vez maiores, pois com as novas tecnologias utilizadas há maior susceptibilidade de transgressão destes preceitos bioéticos. Embora as palavras ''privacidade'' e ''confidencialidade'' são muitas vezes usadas como sinônimos, seus significados são distintos. Privacidade é o estado de estar livre de intrusos, e no contexto dos cuidados de saúde diz respeito à responsabilidade de um prestador em proteger todas as informações a respeito das pessoas, que estão em bancos de dados, prontuários ou outros documentos. Confidencialidade, em contraste, é a limitação das informações apenas àqueles para os quais é adequado. Quando os pacientes tem dúvidas quanto ao cumprimento da confidencialidade pelo seu médico, há possibilidade de que ocultem informações importantes para diagnóstico e tratamento. Fato este, que prejudica a atuação médica em benefício do paciente; por isso, o sigilo é um dos mais importantes preceitos bioéticos. Temas bioéticos são pouco estudados e o conhecimento da situação quanto a aplicação dos princípios e preceitos imprescindíveis ao bom desempenho da medicina devem ser estimulados. Assim, é importante que se obtenham informações mais aprofundadas sobre o comportamento dos estudantes da área da saúde em relação aos cuidados com as informações. Objetivos O objetivo principal do trabalho foi investigar o cumprimento dos preceitos bioéticos da confidencialidade e da privacidade pelos estudantes de medicina durante os estágios práticos. Metodologia O método abordado no estudo foi o qualitativo, tipo estudo de caso. O método qualitativo nos permite investigar com maior profundidade a partir dos sujeitos que são repletos de crenças, sentimentos, preconceitos e conceitos próprios. O estudo foi desenvolvido com estudantes de medicina da Unisul de Tubarão, em alunos do internato médico. O número de sujeitos foi considerado suficiente quando, através da análise dos dados, os pesquisadores consideraram que as respostas procuradas foram respondidas a contento. Os dados foram colhidos por meio da aplicação de um questionário semi-estruturado. Foi utilizada uma sala ou local apropriado existente em ambulatórios ou no hospital, para que a privacidade fosse mantida. Utilizamos algumas perguntas mestras como forma de guiar a entrevista, mas que não impediu a liberdade do sujeito em se expressar. Uma vez que todos os dados foram coletados e classificados em diversas categorias que emergiram, foi realizada a análise final de forma que pudemos integrar os dados permitindo a discussão do trabalho. Utilizamos como ferramenta o processo de análise-reflexão-síntese através de leitura das categorias identificadas integrando-as com a imagem do todo. Resultados Alguns fatores foram considerados como possíveis facilitadores de quebra de confidencialidade e privacidade. Citamos a seguir: Postura inadequada de professores: Em algumas situações os professores não levam em conta a pouca experiência do aluno fazendo comentários e citando nomes das pacientes em discussão de casos clínicos. No exemplo a seguir o aluno relata que o professor comenta sobre determinado paciente, citando o nome do mesmo e muitas vezes o motivo que o trouxe à consulta. Em algumas situações passa ao aluno a impressão de descaso com o paciente. “Esta pessoa (nome do paciente) já esteve em meu plantão e sempre volta com os mesmos problemas”. Como encontrado em nosso estudo, em um trabalho realizado com estudantes e professores do Curso de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, 66% dos alunos entrevistados relataram ter observado condutas antiéticas pelos professores o que se traduziu em mau exemplo. O professor, através de sua postura ética é elemento chave para a formação dos alunos. A força do exemplo é maior do que o estudo de conteúdos teóricos. Colegas e Pacientes conhecidos: O atendimento médico de pacientes conhecidos facilita a quebra de sigilo médico. Tal fato ocorre porque o atendimento de pacientes conhecidos desperta a curiosidade e o interesse de outros for a do ambiente de atendimento. Como citado a seguir: “Por colegas, sobre caso de doméstica que trabalhava em residência de estudantes de medicina. Atendida em ambulatório, foi comentado, posteriormente, ser portadora de HIV e hepatite C” Também pode ocorrer quebra de confidencialidade em quadros de doenças comuns. Alguns acham não ocorrer quebra de confidencialidade comentar com terceiros sobre casos agudos que teoricamente não causam discriminação. “Já citei nome de paciente apresentando quadro de diarréia, inclusive nome e local de trabalho” Locais de atendimento: A estrutura física em alguns locais de atendimento pode facilitar a quebra de confidencialidade. “Em atendimento ambulatorial em disciplina de gastroenterologia, por haver proximidade física entre consultório e sala de espera, pacientes ouviram atendimento e momento do toque retal em que paciente emitiu “grunhido” e riram da situação. Fato que colocou o paciente em situação constrangedora”. Falta de orientação bioética: O Aluno tem contato com as informações sigilosas à partir dos primeiros semestres em disciplinas, isto ocorre em algumas faculdades muitos semestres antes da disciplina de bioética que, em tese, daria orientações sobre o comportamento ético. “Acredito que o estudante de medicina inicia precocemente a ter acesso às informações sigilosas dos pacientes sem ter tido previamente matéria de bioética, podendo ocorrer erros”. Relatório da Comissão de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina em 1985 sugeriram que o ensino de ética médica deveria ter início antes de o estudante começar nos estágios práticos e deveria prolongar-se por todo o curso. Situações de quebra de confidencialidade e privacidade: Comentários com colegas e familiares: A relação próxima entre as pessoas, propiciaram situações de quebra de confidencialidade e privacidade como podemos exemplificar: “Procuro evitar bastante, mas já aconteceu. Principalmente com colegas, namorada. Comentei, mas sem falar nomes. Comentei com namorada sobre caso de criança em que se suspeitava de a mãe estar intoxicando a criança propositadamente.” Situações que evidenciaram cuidados bioéticos com as informações: O cuidado com as informações pode ser observado em manifestações de preocupação em não identificar os pacientes através de nomes. “Considera quebra citar nome do paciente e/ou doença. Não pode revelar nome, especificando pessoa, onde vive ou referência que ligue pessoa ao caso.” Também foi evidenciado cuidados bioéticos no trabalho de Luke Davis e col, na Vanderbilt University School of Medicine com estudantes de medicina do primeiro ano. Os alunos demonstraram cuidado na divulgação de informações de pacientes, restringindo-as a quem precisa delas para tratar dos pacientes. O cuidado também se estendeu a proteção dos registros informatizados dos pacientes. Conclusões Para o ensino de ética e bioética, é imperioso implementar modelos pedagógicos que propiciem o aprendizado, o domínio de habilidades e atitudes dos profissionais médicos que permitam reconhecer o ser humano em sua integralidade. A divisão pode ser útil para facilitar o estudo e a compreensão da medicina, mas jamais devemos deixar de conhecer o todo e compreender o ser humano de forma integral. O modelo de ensino médico baseado preponderantemente em semiologia armada em detrimento da semiotécnica subvaloriza as informações obtidas do próprio paciente que passa a ter valor secundário quando comparado com resultados de exames cada vez mais sofisticado. Recomendamos medidas preventivas especialmente com relação ao treinamento tanto de professores. A ênfase com relação a confidencialidade e privacidade deve ser dada em cada disciplina, em especial àquelas com conteúdo prático, pois neste estudo ficou evidenciado que existem vários fatores predisponentes que propiciam a quebra destes preceitos. Referências Bibliográficas 1. Cunha L. A aplicação dos princípios bioéticos da confidencialidade e da privacidade por trabalhadores de uma operadora de planos de saúde de Santa Catarina: um estudo de caso [Dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2004. 2. Cunha L, Patrício ZM. Confidencialidade e privacidade em planos de saúde. Bioética 2009;16(1):141-54. 3. Ferreira RC, da Silva RF, Zanolli MB, Varga CR. [Ethical relationship in Primary Health Care: the experience of medical students]. Cien Saude Colet 2009;14 Suppl 1:1533-40. 4. Vieira PSPG, Neves NMBC. Ética médica e bioética no curso médico sob o olhar dos docentes e discentes. O Mundo da saúde 2009;33(1):21-25. 5. GOMES J. O atual ensino da ética para profissionais de saúde. Bioética 1996;13(1):53-64. 6. Vieira PSPG, Neves NMBC. Ética médica e bioética no curso médico sob o olhar dos docentes e discentes. O Mundo da saúde 2009;33(1):21-25. Apoio – Programa UNISUL de Iniciação Científica - PUIC