TEORIA_FILOSOFIA_MODERNA_

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NOME:
:
FILOSOFIA MODERNA:
CONHECIMENTO
FERNANDO MEIRELLES
CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS
3º ANO – ENSINO MÉDIO
/
A
QUESTÃO
DO
Introdução
FILOSOFIA
/
lógico, dedutivo, o que caracterizaria a visão específica
do racionalismo moderno ou grande racionalismo.
O conhecimento como
racionalismo e empirismo
problema
filosófico:
O século XVII representa a culminação de um
processo que se subverteu a imagem do próprio ser
humano e do mundo que o cerca. A emergência do
mundo burguês e o desenvolvimento da física, que se
exprime matematicamente, constituem aspectos de
uma mesma realidade cultural em transformação. A
atividade filosófica desse período se desdobra como
reflexão cujo pano de fundo é a existência dessa
ciência.
A revolução científica ocorrida no século XVII quebra o
modelo aristotélico de explicação da realidade,
jogando por terra muitos conceitos e ideias seculares.
As novas verdades apresentadas pela ciência em
desenvolvimento provocou, nos novos pensadores, o
receio de se enganar novamente: que garantia se
poderia ter quanto à validade das novas verdades
apresentadas, se tantas dúvidas tinham sido
levantadas sobre as verdades e certezas que
vigoraram durante séculos? A procura da maneira de
evitar o erro faz surgir a principal indagação do
pensamento moderno, a saber, a questão do método.
A palavra método vem do grego methodos (meta,
“rumo”, e hodos, “caminho”) e pode ser definida como
“o caminho para chegar a um lugar desejado” ou “o
conjunto de procedimentos e regras para alcançar o
resultado almejado”.
A preocupação em encontrar um caminho seguro para
o conhecimento fará parte da mentalidade dos
filósofos do século XVII. Como boa parte deles era
composta de grandes matemáticos, buscarão aplicar o
método matemático como instrumento da razão,
conduzindo-a a um conhecimento verdadeiro.
O entusiasmo desses filósofos pelas “matemáticas”
(aritmética, álgebra e geometria) fará nascer a idéia de
que o sucesso dessa ciência se deve ao método e que
o método matemático poderá ser utilizado em todas as
outras áreas da investigação, garantindo a exatidão e
a certeza dos conhecimentos alcançados. O que se
utilizaria como método não seria a matemática em si,
os números, o cálculo, e sim o procedimento dedutivo
da geometria, isto é, o modo próprio da matemática de
encadear as razões ou afirmações segundo uma certa
ordem. Isso significa dizer, no limite, que os filósofos
do século XVII passaram a acreditar que o
conhecimento do mundo poderia ser alcançado pelo
uso exclusivo da razão, pois haveria uma
racionalidade,
uma
explicação,
nas
coisas
correspondentes à racionalidade das pessoas. Essa
racionalidade se expressaria de modo geométrico,
Disponível em: nteitaperuna.blogspot.com acesso em: 04 dezembro
2014.
A necessidade de procurar explicar o mundo dando-lhe
um sentido e descobrindo-lhe as leis ocultas é tão
antiga como o próprio homem, que tem recorrido para
isso quer ao auxílio da magia, do mito e da religião,
quer, mais recentemente, à contribuição da ciência e
da tecnologia. Para que investigar o conhecimento? O
ser humano, desde seus primórdios até nossos dias,
vive uma busca incessante por compreender a si
mesmo e o mundo à sua volta. Isso levou a que muitos
pensadores sentissem que era necessário entender
primeiro sua própria capacidade de entender, antes de
confiar plenamente na percepção e compreensão que
alcançavam das coisas.
Desde a antiguidade grega, quase todos os filósofos se
preocuparam com o problema do conhecimento.
Problema que envolve questões básicas como:



O que é conhecimento?
Qual é o fundamento do conhecimento?
É possível o conhecimento verdadeiro?
Essas questões são, implicitamente, tão velhas quanto
à filosofia. Mas, primordialmente na era moderna, a
partir do século XVII em diante - como resultado do
trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke (16321704) em associação com a emergência da ciência
moderna – é que ela tem ocupado um plano central na
filosofia. O que é, afinal, conhecer? Na concepção de
grande parte dos filósofos conhecer é representar
cuidadosamente o que é exterior à mente. É a
interpretação de que o conhecimento é representação,
isto é, uma “imagem” ou “reprodução” mental da coisa
ou objeto conhecido. Outra noção importante é a de
que, no processo de conhecimento, sempre existiria a
relação entre dois elementos básicos:

um
sujeito
conhecedor
consciência, nossa mente) e
(nossa
1

um objeto conhecido (a realidade, o
mundo, os inúmeros fenômenos).
Só haveria conhecimento se o sujeito conseguisse
apreender, a partir do uso de suas faculdades
(percepção sensorial, razão, imaginação etc.), o objeto,
isto é, conseguisse representá-lo mentalmente.
A origem
racionalista
do
conhecimento:
a
concepção
Como já vimos, segundo a tradição, o conhecimento
decorre da idéia que o sujeito tem do objeto. Mas qual
é o critério de certeza para saber se o pensamento
concorda com o objeto? As soluções apresentadas dão
origem a duas correntes filosóficas, o racionalismo e o
empirismo.
O racionalismo é uma concepção filosófica que afirma a
razão como única faculdade de propiciar o conhecimento
adequado da realidade. A razão, por iluminar o real e
perceber as conexões e relações que o constituem, é a
capacidade de apreender ou de ver as coisas em suas
articulações ou interdependência em que se encontram
umas com as outras. Ao partir do pressuposto de que o
pensamento coincide com o ser, a filosofia ocidental,
desde suas origens, percebe que há concordância entre
a estrutura da razão e a estrutura análoga do real, pois,
caso houvesse total desacordo entre a razão e a
realidade, o real seria incognoscível e nada se poderia
dizer a respeito. O racionalismo gnosiológico ou
epistemológico é inseparável do racionalismo ontológico
ou metafísico, que enfoca a questão do ser, pois o ser
está implicado no pensamento do ser.
Entendido como posição filosófica que sustenta a
racionalidade do mundo natural e do mundo humano, o
racionalismo corresponde a uma exigência fundamental
da ciência: discursos lógicos, verificáveis, que pretendem
apreender e enunciar a racionalidade ou inteligibilidade
do real. Ao postular a identidade do pensamento e do
ser, o racionalismo sustenta que a razão é a unidade não
só do pensamento consigo mesmo, mas a unidade do
mundo e do espírito, o fundamento substancial tanto da
consciência quanto do exterior e da natureza,
pressuposto que assegura a possibilidade do
conhecimento e da ação humana coerente. Para além de
seus possíveis elementos dogmáticos, a filosofia
racionalista, ao ressaltar o problema da fundamentação
do conhecimento como base da especulação filosófica,
marcou os rumos do pensamento ocidental.
Declarar que o mundo real tem esta ou aquela estrutura
implica em admitir, por parte da razão, enquanto
faculdade cognitiva do ser humano, a capacidade de
apreender o real e de revelar a sua estrutura. O
conhecimento, ao se distinguir da produção e da criação
de objetos, implica a possibilidade de reproduzir o real
no pensamento, sem alterá-lo ou modificá-lo.
Dois elementos marcariam o desenvolvimento da
filosofia racionalista clássica no século XVII. De um lado,
a confiança na capacidade do pensamento matemático,
símbolo da autonomia da razão, para interpretar
adequadamente o mundo; de outro, a necessidade de
conferir ao conhecimento racional uma fundamentação
metafísica que garantisse sua certeza. Ambas as
questões conformaram a idéia basilar do Discurso sobre
o método (1637) de Descartes, texto central do
racionalismo tanto metafísico quanto epistemológico.
Para Descartes, a realidade física coincide com o
pensamento e pode ser traduzida por fórmulas e
equações matemáticas. Descartes estava convicto
também de que todo conhecimento procede de ideias
inatas - postas na mente por Deus - que correspondem
aos fundamentos racionais da realidade. A razão
cartesiana, por julgar-se capaz de apreender a totalidade
do real mediante "longas cadeias de razões", é a razão
lógico-matemática e não a razão vital e, muito menos, a
razão histórica e dialética.
O racionalismo clássico ou metafísico, no entanto, cujos
paradigmas seriam o citado Descartes, Espinoza e
Leibniz, não se limitava a assinalar a primazia da razão
como instrumento do saber, mas entendia a totalidade
do real como estrutura racional criada por Deus, o qual
era concebido como "grande geômetra do mundo".
Spinoza é o mais radical dos cartesianos. Ao negar a
diferença entre res cogitans - substância pensante - e res
extensa - objetos corpóreos - e afirmar a existência de
uma única substância estabeleceu um sistema
metafísico aproximado do panteísmo. Reduziu as duas
substâncias, res cogitans e res extensa, a uma só - da
qual o pensamento e a extensão seriam atributos.
Principais racionalistas modernos: Descartes, Leibniz,
Pascal e Espinoza
A concepção empirista
Sob uma perspectiva contrária, os empiristas britânicos
refutaram a existência das ideias inatas e postularam
que a mente é uma tábula rasa ou página em branco,
cujo material provém da experiência. A oposição
tradicional entre racionalismo e empirismo, no entanto,
está longe de ser absoluta, pois filósofos empiristas
como John Locke e, com maior dose de ceticismo, David
Hume, embora insistissem em que todo conhecimento
deve provir de uma "sensação", não negaram o papel da
razão como organizadora dos dados dos sentidos.
Fonte: proavirtualg31.pbwiki.com/13/12/2014.
O próprio fato de haver toda esta controvérsia em torno
da problemática suscitada por Descartes revela a
importância crucial das teses racionalistas. O
racionalismo cartesiano e o empirismo inglês
desembocaram no Iluminismo do século XVIII. A razão e
a experiência de que resulta o conhecimento científico
do mundo e da sociedade bem como a possibilidade de
transformá-los são instâncias em nome das quais se
passou a criticar todos os valores do mundo medieval. A
2
nova interpretação dada à teoria do conhecimento pelo
filósofo alemão Immanuel Kant, ao desenvolver seu
idealismo crítico, representou uma tentativa de superar a
controvérsia entre as propostas racionalistas e empiristas
extremas.
As principais características do empirismo são:
1 - não há ideias inatas, nem conceitos abstratos;
2 - o conhecimento se reduz a impressões sensíveis e a
ideias definidas como cópias enfraquecidas das
impressões sensoriais;
3 - as qualidades sensíveis são subjetivas;
4 - as relações
associações;
entre
as
ideias
reduzem-se a
5 - os primeiros princípios, e em particular o da
causalidade, reduzem-se a associações de ideias
convertidas e generalizadas sob forma de associações
habituais;
6 - o conhecimento é limitado aos fenômenos e toda a
metafísica, conceituada em seus termos convencionais,
é impossível.
Principais filósofos empiristas: Francis Bacon, John
Locke, Thomas Hobbes, George Berkeley e David Hume.
RENÉ DESCARTES
fonte: faculty.uml.edu/enelson/images/Descartes.jpg/04/12/2014.
O método e suas regras
René Descartes (1596-1650) definira para si a missão
de construir um sistema filosófico completo, isto é, ele
pretendia unificar a filosofia, o que era quase uma
redundância, pois para ele a filosofia verificava “um
perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem
pode saber, tanto para a conduta de sua vida como para
a conservação de sua saúde e a invenção de todas as
artes”. Em Princípios da Filosofia, o filósofo representa a
unificação do conhecimento por meio da imagem da
“árvore do saber”, na qual as raízes são a metafísica, o
tronco é a física e os ramos são a mecânica, a medicina
e a moral. A metafísica tem, portanto, papel
fundamental: é ela a base sobre a qual se sustentam
todas as outras ciências. Por sua vez, a posição da
física na árvore do saber revela a visão mecanicista do
filósofo em relação à realidade, uma vez que a física era
o tronco do qual sairiam as demais ciências. Isso
significa que a mecânica, moral e medicina serão
explicadas tendo por base os corpos e seus
movimentos. Note-se que a teologia está fora do projeto
cartesiano, marcando definitivamente a separação entre
ciência e religião.
A possibilidade de unificar o conhecimento, isto é, de
construir uma ciência universal, dependeria de se
encontrar o fundamento comum a todas as ciências
particulares. Esse fundamento comum será a mathesis
universalis, ou matemática universal. Desde cedo
Descartes se aplicara intensamente ao estudo das
matemáticas e, entusiasmado com os resultados que
obtivera, acreditara ser possível transferir seu
instrumental a outras áreas do saber. Não foi por acaso
que isso aconteceu. Ele se utilizou da concepção da
nova física proposta por Galileu (1564-1642), que dizia
que a natureza está escrita em linguagem matemática.
Assim, Descartes construirá seu método de investigação
calcado no modelo matemático de demonstração.
E por que o modelo matemático parecia tão bom?
Descartes percebeu haver nas matemáticas aquilo que
queria encontrar no mundo: verdades absolutas e
incontestáveis. Como o filósofo justificou, em suas
correspondências
com
intelectuais,
que
as
demonstrações matemáticas eram evidentes ao
intelecto, ou seja, livres de contradição; seu poder de
persuasão “vem de uma razão tão forte que nenhuma
mais forte jamais pode abalá-la”. Por exemplo, um
triângulo sempre terá três lados e a soma de seus
ângulos internos nunca deixará de ser 180 graus. Se
alguém disser o contrário, já não estaremos mias
falando de um triângulo e sim de alguma outra coisa.
Para alcançar essa certeza que só as matemáticas têm,
Descartes adotou em seu método filosófico o mesmo
procedimento lógico-demonstrativo da geometria
analítica. Isso porque ele acreditava na existência de
uma ordem natural inerente (isto é, por natureza,
inseparavelmente ligada) à estrutura do conhecimento e
que essa ordem fosse semelhante à progressão
matemática, na qual “quando se têm os dois ou três
primeiros termos, não é difícil encontrar os outros”. Ele
recomendaria, aliás, a prática de exercícios de
geometria ou de aritmética como forma de cultivar no
espírito os princípios de seu método. Mas, se a
matemática é o fundamento comum a todas as ciências,
por que ela não faz parte da árvore do saber? Porque,
sendo apenas um meio, um exercício, ela fornecerá
apenas um método.
O método cartesiano (adjetivo que deriva de Cartesius,
forma latina do nome Descartes) encontra-se
detalhadamente apresentado em sua obra Regras para
a direção do espírito, composta de 21 regras. Em
Discurso do método, Descartes sintetiza esse método
por meio de quatro preceitos ou regras que prescreve
para si e que não devem ser jamais esquecidos na
busca do conhecimento verdadeiro:
O primeiro é o de jamais acolher coisa alguma como
verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como
tal (regra da evidência); isto é, de evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de
nada incluir em meus juízos que não se apresentasse
tão clara e tão distintamente ao meus espírito, que eu
não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que
eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e
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quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las
(regra da análise).
que é uma res cogitans, isto é, uma “coisa que pensa”,
um ser ou substância pensante.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos,
começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de
conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus,
até o conhecimento dos mais compostos, e supondo
mesmo uma ordem entre os que não se precedem
naturalmente uns aos outros (regra da síntese).
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão
completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza
de nada omitir (regra da enumeração).
Da dúvida metódica ao Cogito
O ponto de partida do racionalismo de Descartes foi,
como vimos acima, a procura de um método, isto é, uma
base ou caminho seguro que garantisse a verdade de
um raciocínio. O método escolhido por ele foi o
matemático, pois a matemática é o exemplo de
conhecimento integralmente racional.
Descartes afirmava que, para conhecer a verdade, é
preciso, de início, colocar todos os nossos
conhecimentos em dúvida. É necessário questionar tudo
e analisar, criteriosamente, se existe algo na realidade
de que possamos ter plena certeza.
Primeiro, ele coloca em dúvida tudo aquilo que se
conhece pelos sentidos, apesar desse conhecimento
parecer “o mais verdadeiro e seguro”, pois se os
sentidos já nos enganaram algumas vezes nada nos
garante que eles não estejam nos enganando de novo.
Por exemplo: um gato que, à luz do crepúsculo, vemos
como pardo, durante o dia se revela de outra cor.
Depois, destrói as certezas mais difíceis de se duvidar,
como as que temos sobre ser alguém (uma menina, um
homem, etc.), ter algo (um livro, um cachorro, etc.), estar
num lugar fazendo alguma coisa, pois podemos estar
sonhando. Quantas vezes não tivemos um sonho tão
vívido que nos parecia real?
Em seguida, para destruir as certezas matemáticas,
como a de que dois mais três é igual a cinco, Descartes
supõe que Deus, todo-poderoso, por algum motivo
queira nos enganar toda vez que realizamos essa
adição ou que tenhamos qualquer outra certeza de
mesma natureza.
Por último, reforçando o argumento do Deus enganador,
imagina a existência de um gênio maligno, que se
diverte em enganar pessoas.
Mergulhado em tantas dúvidas, Descartes tem uma
intuição: ele nota com clareza que duvida e, se duvida,
pensa. Não importa se o que ele pensa é um
pensamento verdadeiro, não importa que ele não tenha
certeza; existe, porém, a consciência de que pensa.
Então formula em latim, “Cogito, ergo sum”, que significa
“Penso, logo existo”. Trata-se da primeira certeza, do
ponto fixo procurado, momento fundamental da reflexão
cartesiana. Descartes obtém o primeiro princípio da
filosofia que procurava, e que ficou conhecido
simplesmente como Cogito. Ele percebeu com clareza e
distinção (seu critério para saber se algo é verdadeiro)
Fonte: http://tinypic.com/pnnrp/04/12/2014.
Para Descartes, esse “penso, logo existo” (o Cogito)
seria uma verdade absolutamente firme e segura que,
por isso mesmo, deveria ser adotada como princípio
básico de toda a sua filosofia. Do Cogito cartesiano,
podemos extrair uma importante consequência: o
pensamento (consciência) é algo mais certo que a
própria matéria corporal. Baseando-se neste princípio, a
filosofia de Descartes assumiu uma tendência
racionalista, ou seja, uma tendência a valorizar a
atividade do sujeito pensante em relação ao objeto
pensado. Em outras palavras, uma tendência a ressaltar
a prevalência da consciência subjetiva (razão) sobre o
ser objetivo (realidade externa ao sujeito).
Ao afirmar que o verdadeiro conhecimento das coisas
externas deveria ser conseguido através do trabalho
lógico da mente, Descartes exaltava o conhecimento
matemático, afirmando que somente os matemáticos
poderiam compreender e explicar a realidade de forma
puramente racional. De fato, o conhecimento
matemático, com suas noções de grandeza, perfeição,
infinito etc. não resultam de uma experiência sensorial;
são ideias inatas (já nascem conosco), através das
quais
podemos,
segundo
Descartes,
explicar
precisamente a realidade. Com efeito, os físicos
contemporâneos de Descartes, como Galileu e,
posteriormente, Newton, demonstravam as verdades
dos fenômenos físicos à luz dos conceitos matemáticos.
Os tipos de ideias
Para Descartes, as sensações produzem em nossas
mentes as ideias adventícias. Por exemplo, vemos um
objeto branco e, a partir desta visão, temos a idéia de
branco em nossa mente. Quando associamos as ideias
adventícias umas com as outras, podemos criar, a partir
de nossa fantasia ou imaginação, as ideias fictícias. Por
exemplo, ao associarmos a idéia de um ser humano
com as asas de um pássaro, criamos a idéia de um
anjo, ser inexistente do ponto de vista material. Para
Descartes, tanto as ideias adventícias quanto as fictícias
não são garantia para o conhecimento, pois não são
evidentes ou indubitáveis. Somente as ideias inatas são
a fonte segura do conhecimento, pois não provêm de
nossa experiência sensorial porque não há objetos
sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de
nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial
para compô-las a partir de nossa memória. As ideias
inatas são inteiramente racionais e só podem existir
porque já nascemos com elas. Por exemplo, as ideias
da perfeição e do infinito e as ideias da matemática.
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DAVID HUME
Fonte: Archivo Iconografico/ Corbis 05/12/2014.
Na análise da formação das ideias do homem, Hume
propõe que se deve primeiro decompor uma idéia
complexa nas ideias simples que a constituem
(seguindo a mesma subdivisão proposta por Locke) para
então verificar quais são as impressões simples e
complexas das quais aquelas se originam, isto é, para
verificar se essa idéia tem base na experiência. Quando
vemos, por exemplo, um pássaro, formamos na mente
uma impressão complexa, que se constitui de várias
impressões simples, com a de bico, pena e asa. Quando
pensamos num pássaro, temos a idéia complexa de
pássaro (que é cópia da impressão complexa do
pássaro que vimos), a qual, por sua vez, se decompõe
em ideias simples (que são cópias das impressões
simples de bico, pena e asa).
Impressões e ideias
Hume (1711-1776) sintetizou exemplarmente as noções
centrais do empirismo, já apresentadas, e levou às
últimas conseqüências o programa empirista de não
admitir hipóteses que não possam ser experimentadas
pelos sentidos. Para investigar a origem das ideias e
como elas se formam, Hume parte, como a maioria dos
filósofos empiristas, do cotidiano das pessoas e,
sobretudo, do ponto de vista das crianças. Isso ocorre
porque, para um empirista, não existem ideias inatas, o
que significa que as ideias vão se formando na mente
humana ao longo da vida. O ponto zero de formação
das ideias é, portanto, a mais tenra idade, e elas se
formam a partir da experiência.
Segundo Hume, tudo o que percebemos pode ser
dividido em impressões e ideias:
* Impressões - referem-se aos dados fornecidos pelos
sentidos, como, por exemplo, as impressões visuais ou
auditivas;
* Ideias - referem-se às representações mentais
(memória, imaginação etc.) derivadas das impressões. A
idéia, sendo a representação de uma percepção, pode
possuir diferentes graus de fidelidade. Alguém que
nunca teve uma impressão visual (um cego de
nascença) jamais poderia ter uma idéia de cor, ainda
que seja uma idéia não muito fiel. As ideias ocorrem
quando recordamos, imaginamos, refletimos. Não se
pode negar, por exemplo, diz o filósofo, que quando
uma pessoa sente a dor do calor excessivo e depois
recorda em sua memória essa experiência, a idéia de
dor que se forma nessa lembrança é menos viva que a
impressão de dor que a pessoa teve originalmente. Ou
seja, nossas ideias não passam de cópias que remetem
a determinados originais (as impressões, que surgem da
experiência). Mesmo quando concebo uma montanha
de ouro sem nunca ter visto uma, diz Hume, estou
apenas unindo duas ideias, montanha e ouro, cujas
impressões experimentei um dia. Assim ele afirmou em
sua obra Investigação acerca do entendimento humano:
Portanto, quando suspeitamos que um termo filosófico
está sendo empregado sem nenhum significado ou idéia
– o que é muito frequente – devemos apenas perguntar
de que impressão é derivada aquela suposta idéia?
Fonte: jeovashama.nireblog.com/13/12/2014.
Hume considera esse método importante para descobrir
noções falsas, uma vez que a mente demonstra ter
muita liberdade e não muito controle sobre as ideias,
razão pela qual muitas vezes as confunde com ideias
semelhantes, misturando-as e fazendo crer que a elas
corresponde alguma impressão, isto é, que elas existem
ou acontecem de fato. A mente forma, por exemplo, a
idéia complexa de anjo com a idéia simples de asa e a
idéia complexa de homem, da mesma maneira que
compõe a idéia complexa de sereia a partir das ideias
complexas de peixe e mulher. É assim, para Hume, que
se constroem as fantasias, as ficções e os sonhos.
Segundo o filósofo, a idéia de Deus pode sofrer a
mesma composição, isto é, ela resulta de “ideias
simples como eram as sensações precedentes”. A
maioria das pessoas tem a idéia de Deus como um ser
infinitamente inteligente, sábio e bom, porque elas já
experimentaram em si ou nos outros a inteligência, a
sabedoria e a bondade e aumentam essas qualidades
ao máximo. Por fim, reúnem essas ideias numa única
idéia complexa, Deus.
Outra idéia analisada por Hume é a de eu ou espírito.
Pela noção de eu entende-se geralmente algo
fundamental, essencial, uma espécie de núcleo que se
mantém constante numa pessoa. Para Descartes, por
exemplo, o eu é um núcleo pensante (a res cogitans).
Hume dirá que o que chamamos de eu não passa de um
feixe de percepções que variam conforme vamos
vivendo. A cada momento experimentamos novas
percepções, que se somam a esse feixe, ao mesmo
tempo em que outras percepções desaparecem. Não
somos, portanto, a unidade constante implícita na idéia
de eu, do mesmo modo que a idéia de espírito, no
sentido de substância (algo fundamental, essencial, que
não varia), não passa de uma invenção da mente.
A formação das ideias
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As associações de ideias
Os processos do entendimento são, do mesmo modo, o
resultado da associação de ideias, isto é, ocorrem
quando a mente reúne, junta, conecta mais de uma
idéia, simples ou complexa. Para Hume, existem três
tipos de associação de ideias: de semelhança, pela qual
a pessoa, quando vê um retrato, pensa no que este
retratado; de contiguidade, pela qual a idéia da neve faz
pensar no branco. Pois neve e branco são ideias
próximas ou contíguas; e de causalidade, pela qual a
idéia de ferimento leva a pensar na idéia de dor, isto é,
como uma relação de causa (ferimento) e efeito (dor).
Cavalo alado, uma associação de ideias
fonte: www.elaineborges.blogger.com.br/foto_10.jpg 13/12/2014.
De acordo com os objetos do conhecimento (números,
figuras, a natureza, o homem, etc.), Hume divide a
investigação humana em dois gêneros: um que
estabelece relações de ideias, e outro, relações de fato.
Ao primeiro gênero pertencem as ciências matemáticas
e a lógica, cujas proposições podem ser descobertas
pela “simples operação do pensamento e não
dependem de algo existente em alguma parte do
universo”. Por exemplo: “três vezes cinco é igual à
metade de trinta” é uma relação de ideias (no caso,
números), isto é, depende apenas das ideias, do
raciocínio para ser demonstrada, mantendo sempre “sua
certeza e evidencia”.
Já o conhecimento que se obtém por meio de relações
de fatos – isto é, que resulta da relação que fazemos
entre fatos, acontecimentos, coisas vividas – não tem,
para Hume, o mesmo tipo de certeza e evidencia do
conhecimento que se alcança por meio de relações de
ideias. É que ele não resulta de um encadeamento ou
princípio lógico e sim da experiência ou fatos
experimentados. Por exemplo: “o Sol nascerá amanhã”
constitui uma afirmação baseada apenas na
experiência, isto é, trata-se de um fato que observamos
repetidamente todos os dias. Do ponto de vista
estritamente
lógico,
no
entanto,
poderíamos
perfeitamente dizer “o Sol não nascerá amanhã”.
Crítica ao princípio científico da causa e do efeito: o
hábito e a crença
Um dos aspectos marcantes do empirismo de Hume, é a
crítica feita por ele ao raciocínio indutivo (ou princípio da
causalidade). As conclusões desse raciocínio são
produzidas a partir de percepções repetidas de casos
particulares, as quais, devido à regularidade
apresentada pelo fato experimentado, nos permite saltar
para uma conclusão geral, da qual não temos
experiência sensorial. Hume argumentou que a
conclusão indutiva, por maior que seja o número de
percepções repetidas do mesmo fato, não possui
fundamento lógico. E por quê?
Porque será sempre um salto do raciocínio impulsionado
pela crença ou hábito, ou seja, as repetidas percepções
de um fato nos levam a confiar em que aquilo que se
repetiu por várias vezes se repetirá. Desse modo,
devido a sua regularidade, nos habituamos em fazer
associações de causa e efeito entre um fenômeno
experimental e outro. Hume sustenta, portanto, que a
repetição de um fato não nos permite concluir, em
termos lógicos, que ele continuará a repetir-se da
mesma forma, indefinidamente.
O que Hume pretende demonstrar é que as relações de
fatos estabelecidas pela mente não se baseiam em
nenhum princípio racional, mas apenas na experiência,
ou, mais especificamente, no hábito. Por exemplo:
quando dizemos “sua dor se deve a um ferimento”,
relacionamos a idéia de “dor” à de “ferimento” (dois fatos
distintos), porque toda vez que temos um ferimento
sentimos dor, e isso nos faz acreditar que o ferimento é
a causa da dor (o efeito), quando na verdade não
passam de duas experiências que se sucedem no
tempo. Se uma pessoa nunca tivesse sofrido um
ferimento, nunca poderia associar a ele a idéia de dor,
pois na idéia de ferimento não há nada que conduza
necessária e racionalmente à idéia de dor.
Assim, para Hume, a causalidade – aquilo que diz que
todo efeito dever ter uma causa, muito utilizado por
filósofos para provar suas teorias – como princípio
racional não passaria de outra ficção racionalista, pois
“as causas e os efeitos não são descobertos pela razão,
mas pela experiência”.
Como explicar, então, a certeza que se tem sobre o
futuro, isto é, a certeza de que o Sol nascerá amanhã,
de que o ferimento trará dor, de que uma bola de bilhar,
ao se chocar com a outra, fará com que esta se mova?
Hume responde que essa certeza é na verdade uma
crença. E essa crença se deve à regularidade com que
nossas experiências se repetem, gerando o costume ou
hábito. Em resumo, a relação de causa e efeito é uma
crença baseada na experiência habitual de fatos
semelhantes.
Com efeito, ao repetir inúmeras vezes uma certa
experiência, encontrando nela uma regularidade, o
cientista induz uma verdade geral ou tese, a qual
escapa do campo da experiência sensível. Essa tese, ou
salto do campo puramente experimental para o campo
puramente teórico, fundamenta-se, segundo Hume, na
crença de que o fenômeno irá necessariamente se
repetir. Desse modo, a ciência, que se constitui de
afirmações fundamentadas em relação de fatos, não
tem bases racionais. São a crença e o hábito que
fundamentam as leis “imutáveis” da natureza.
O CRITICISMO DE IMMANUEL KANT
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calor dilata os corpos", ocorre uma síntese das
representações "calor" e "dilatação dos corpos". Essa
síntese, diz o filósofo, é feita por outra faculdade
humana: o entendimento ou faculdade de pensar ou de
julgar. Todo juízo é, portanto, uma síntese efetuada pelo
entendimento, que unifica as múltiplas representações
que aparecem na sensibilidade.
Fonte: corbis – stock photos
As formas da sensibilidade
Immanuel Kant (1724-1804) entendia, como os
empíricos, que todos os nossos conhecimentos
começam com a experiência, isto é, no momento em
que entramos em contato sensível com as coisas. Mas
ele achava que esse conhecimento não é simplesmente
dado pelas coisas, como se o sujeito que conhece
ficasse totalmente passivo no processo. Por isso, ele
buscou saber como é o sujeito puro, a priori, isto é, o
sujeito antes de qualquer experiência sensível – que se
denomina, em sua filosofia, sujeito transcendental –, e
chegou à conclusão de que o sujeito possui certas
faculdades que possibilitam e determinam a experiência
e o conhecimento.
Uma dessas faculdades é a sensibilidade. O filósofo
observou que, quando percebemos e representamos em
nossa
mente
qualquer
coisa
externa,
essa
representação é sempre feita no tempo e no espaço.
Por exemplo: quando vejo um carro andando, percebo
que esse carro se desloca por um certo espaço em um
determinado tempo; quando ouço um ruído, percebo
esse ruído como breve ou demorado e vindo de uma
determinada direção; quando assisto a uma corrida que
termina empatada, percebo esse fato como a chegada
de dois corredores a um mesmo lugar no mesmo
instante.
Kant conclui então que tempo e espaço são condições a
priori de possibilidade da experiência sensível ou
intuição empírica. Em outras palavras, tempo e espaço
não são abstrações ou algo que existe fora de nós: eles
constituem formas da sensibilidade, isto é, são
ferramentas humanas inatas e necessárias ao homem
para que ele possa construir toda a sua experiência do
mundo. Essas formas da sensibilidade atuam como
filtros ou lentes que definem como podemos perceber a
realidade, ou, para usar de outra comparação, são como
receptáculos ou vasilhas vazias que vão sendo
preenchidas com alguma matéria, isto é, os conteúdos
que compõem as sensações. Quando vejo, ouço,
presencio alguma coisa – por exemplo, um avião que
corta o céu –, todas as sensações que se produzem em
mim trazidas pelos órgãos dos sentidos são jogadas
nessas vasilhas (tempo e o espaço), que então as
ordenam na minha consciência para compor a
experiência desse fato.
As formas do entendimento
Kant observou também que, quando enunciamos um
juízo, uma afirmação qualquer, como, por exemplo, "o
Analisando os diversos juízos possíveis, Kant percebeu
que todos se articulam de acordo com certos princípios
lógicos ou regras, apresentando formas básicas ou
puras, isto é, destituídas de qualquer conteúdo e
anteriores a qualquer experiência vivida pelas pessoas.
Assim, do mesmo modo que existem formas da
sensibilidade (espaço e tempo), Kant diz que existem
formas do entendimento. A partir delas se estabelecem
conceitos puros, a priori, que existem desde sempre em
nossa consciência, como os conceitos de causa,
necessidade e substância, que são o que o filósofo
denomina categorias. São as categorias que permitem
pensar tudo aquilo que chega com a intuição ou experiência sensível.
Vejamos um exemplo de uma categoria muito
importante para as ciências da natureza e para a nossa
vida diária: o conceito de causa (ou causa e efeito).
Quando entramos numa sala aquecida pelo sol da tarde,
a partir apenas dessa intuição ou experiência sensível
podemos dizer "O sol brilha na sala" e "A sala está
quente". Se, em seguida, relacionamos essas duas
intuições, subordinando uma à outra, podemos concluir:
"O sol aquece a sala". Kant diz que fazer essa relação é
algo inerente ao entendimento humano que não
consegue deixar de empregar o princípio de que "todo
efeito tem de ter uma causa".
O mais importante e inovador é que a causa não está
nas coisas - como pensar a maioria das pessoas -, nem
tampouco uma ficção criada pelo hábito - como dissera
Hume -, pois, para Kant, a noção de causalidade é algo
que deriva do nosso entendimento, isto é, nós é que
criamos essa relação. Isso quer dizer que entender a
natureza é projetar sobre ela as nossas formas próprias
de conhecimento. A razão, assim, toma-se a grande
legisladora do conhecimento da natureza, conforme ele
explica em Crítica da razão pura:
A razão tem de ir à natureza-[...] não porém na
qualidade de um aluno que deixa ditar tudo o que o
professor quer mas na de um juiz nomeado, que obriga
as testemunhas, a responder às perguntas que lhes
propõe.
Juízos analíticos e juízos sintéticos
Um juízo é analítico quando o predicado ou os
predicados do enunciado nada mais são do que a
explicitação do conteúdo do sujeito do enunciado. Por
exemplo: quando digo que o triângulo é uma figura de
três lados, o predicado “três lados” nada mais é do que
a análise ou a explicitação do sujeito “triângulo”.
Quando, porém, entre o sujeito e o predicado se
estabelece uma relação na qual o predicado me dá
informações novas sobre o sujeito, o juízo é sintético,
isto é, formula uma síntese entre um predicado e um
sujeito. Assim, por exemplo, quando digo que o calor é a
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causa da dilatação dos corpos, o predicado “causa da
dilatação” não está analiticamente contido no sujeito
“calor”. Se eu dissesse que o calor é uma medida de
temperatura dos corpos, o juízo seria analítico, mas
quando estabeleço uma relação causal entre o sujeito e
o predicado, como no caso da relação entre “calor” e
“dilatação dos corpos”, tenho uma síntese, algo novo me
é dito sobre o sujeito através do predicado.
Para Kant, os juízos analíticos, ao contrário dos
sintéticos, não se fundam na experiência, pois para
formá-los “não preciso sair do meu conceito e por
conseguinte não me é necessário o testemunho da
experiência”. Por exemplo, “um corpo é extenso” é uma
proposição “a priori” e não um juízo da experiência (“a
posteriori”), porque, antes de dirigir-me à experiência,
tenho já em meu conceito todas as condições do juízo.
Entretanto, Kant introduz a idéia de juízos sintéticos a
priori, isto é, de juízos sintéticos cuja síntese depende
da estrutura universal e necessária de nossa razão e
não da variabilidade individual de nossas experiências.
Os juízos sintéticos a priori exprimem o modo como
necessariamente nosso pensamento relaciona e
conhece a realidade. A causalidade, por exemplo, é uma
síntese a priori que nosso entendimento formula para as
ligações universais e necessárias entre causas e efeitos,
independentemente de hábitos psíquicos associativos.
A Ética Kantiana: Inclinação e dever
O cristianismo introduz a idéia do dever para resolver
um problema ético, qual seja, oferecer um caminho
seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca,
sente-se dividida entre o bem o mal. No entanto, essa
idéia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele
que encontra em sua consciência (isto é, sua vontade,
razão ou coração) as normas da conduta virtuosa,
submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se
a poderes externos à consciência, como falar em
comportamento ético por dever? Tal comportamento
não seria o poder externo de uma vontade externa
(Deus, por exemplo), que nos domina e nos impõe leis,
forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas
de fora de nossa consciência? A idéia de dever, nesse
sentido, não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio
de nossa vontade e de nossa consciência por um poder
estranho a nós?
Diante de tal problema, Kant afirma o papel da razão na
ética. Para o pensador alemão, não existe, como
pensara Rousseau, bondade natural. Por natureza, diz
Kant, somos egoístas, ambiciosos, cruéis, ávidos de
prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos,
mentimos, roubamos. É justamente por isso que
precisamos do dever para nos tornarmos seres morais.
A exposição kantiana sobre o dever repousa na tese de
que o homem é, universalmente, um ser dotado de
razão prática e, por isso, sua ação (práxis) não é apenas
regida por necessidade causal, tal como as ações que
ocorrem no reino da natureza. Por ser racional, a ação
humana é dotada de finalidade e liberdade. Ora, se a
razão é capaz de instituir finalidades para a ação, então
ela é instauradora de normas e fins éticos. E, tendo o
poder para criar normas e fins morais, a razão prática
tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa
imposição que a razão prática faz a si mesma daquilo
que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de
ser uma imposição externa feita à nossa vontade e
nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós,
manifestação mais alta da humanidade em nós.
Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a
nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação
moral e por isso somos autônomos.
Resta, porém, uma questão: se somos racionais e livres,
por que valores, fins e leis morais não são espontâneos
em nós, mas precisam assumir a forma do dever?
Responde Kant: porque não somos seres morais
apenas. Também somos seres naturais, submetidos à
causalidade necessária da natureza. Nosso corpo e
nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e
paixões. Nossos sentimentos, emoções são a parte da
natureza em nós, exercendo domínio sobre o nosso
comportamento. Mas quem se submete a tais
sentimentos e emoções não pode possuir a autonomia
ética.
A natureza nos impele a agir por interesse ou
inclinação. Esta é a forma natural do egoísmo que nos
leva a usar coisas e pessoas como meios e
instrumentos para o que desejamos. Agir por interesse
ou inclinação é agir determinado por motivações físicas,
psíquicas, vitais, à maneira dos animais. Visto que os
apetites, impulsos, desejos, tendências costumam ser
muito mais fortes do que a razão, a razão prática e a
verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte
natural e impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem
obrigando-nos a passar das motivações do interesse ou
inclinação para o dever.
O dever, afirma Kant, não se apresenta através de um
conjunto de conteúdos fixos, que nos mostra o que fazer
ou evitar em cada circunstância. O dever é uma forma
que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa
forma é imperativa. O imperativo não admite hipóteses
nem condições que o fariam valer em certas situações e
não valer em outras, mas vale incondicionalmente e sem
exceções para todas as circunstâncias de todas as
ações morais. Por isso, o dever é um imperativo
categórico. Ordena incondicionalmente. Não é uma
motivação psicológica, mas a lei moral interior.
A atitude solidária independe de contexto ou parâmetro
cultural. Por isso, ela poderia se configurar como um
dever universal do ser humano em relação ao seu
semelhante.
O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral:
age em conformidade apenas com a máxima que
possas querer que se torne uma lei universal. Em
outras palavras, o ato moral é aquele que se realiza
como acordo entre a vontade e as leis universais que
ela dá a si mesma. Essa fórmula permita a Kant deduzir
as três morais que exprimem a incondicionalidade dos
atos realizados por dever. São elas:
1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser
erigida por tua vontade em lei universal da Natureza;
2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto
na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre
como um fim e nunca como um meio;
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3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir
de lei universal para todos os seres racionais.
vigente. Se um desses tutores se esclarecesse, também seria
vítima de seus próprios preconceitos anteriores.
O imperativo categórico não nos diz para praticarmos
esta ou aquela ação determinada, mas nos diz para
sermos éticos cumprindo o dever (as três máximas
morais). É este que determina porque uma ação moral
deverá ser sempre honesta, justa, veraz ou generosa.
Ao agir, devemos indagar se nossa ação está em
conformidade com os fins morais, isto é, com as
máximas do dever. Por que, por exemplo, mentir é
imoral? Porque o mentiroso transgride as três máximas
morais. Ao mentir, não respeita em sua pessoa e na do
outro a humanidade (consciência, racionalidade e
liberdade), pratica uma violência escondendo de um
outro ser humano uma informação verdadeira. Também
não respeita a terceira máxima, pois se a mentira
pudesse universalizar-se, o gênero humano deveria
abdicar da razão, vivendo na mais completa ignorância,
no erro e na ilusão. Por que um político corrupto é
imoral? Por que transgride as três máximas. Por que o
homicídio ou o roubo são imorais? Por que transgridem
as três máximas.
Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao
esclarecimento. Kant então conclui, de uma forma bastante
interessante, que uma revolução poderia talvez realizar a
queda do despotismo pessoal ou da opressão da ordem
vigente, porém nunca produziria a verdadeira reforma do modo
de pensar, necessária para o esclarecimento geral. Apenas
novos preconceitos servirão para conduzir a grande massa
"destituída de pensamento", constituindo uma forte crítica à
filosofia comunista-marxista.
Texto complementar
Comentário sobre o discurso de Kant: "Resposta à
pergunta: O que é esclarecimento ?"*
Kant inicia seu discurso definindo menoridade como sendo a
incapacidade do homem em fazer uso do seu entendimento
sem direção de outro indivíduo.
Depois, ele define
esclarecimento como sendo a saída do homem de sua
menoridade, da qual ele próprio é culpado, segundo Kant.
O homem é culpado de sua menoridade porque já se libertou
dos seus instintos animais (“direção estranha”), podendo fazer
uso do seu entendimento. Logo, o que o leva ao não
esclarecimento é a preguiça e a covardia, por ser mais
cômodo ser menor.
Desta forma, o homem entrega o seu esclarecimento à tutores,
que,
depois
de
embrutecerem
seus
"pupilos" e
cuidadosamente tê-los preservado a fim de não ousarem
"andar" sozinhos, mostram-lhes em seguida o perigo que os
ameaça se tentarem. "Andar" seria fazer uso do seu próprio
entendimento, revelando uma forte analogia com o mito da
caverna de Platão.
Esses "avisos" tornam o homem tímido e temeroso, sendo
difícil para ele desvencilhar-se da menoridade, que para ele já
se tornou quase uma natureza, chegando mesmo a criar amor
a ela. Esse sufocamento por parte dos tutores é feito por
preceitos e fórmulas, que são os grilhões de uma perpétua
menoridade.
Se a verdadeira liberdade fosse dada, é quase inevitável que
um público se esclareça.
Tais indivíduos, libertos da
menoridade, espalhariam ao seu redor o espírito de uma
avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada
homem em pensar por si mesmo, o espírito do esclarecimento.
Certamente, haverá obstáculo para o esclarecimento geral por
parte do próprio público, quando incitado por alguns dos seus
tutores ainda não esclarecidos, objetivando manter a ordem
Nesse momento, Kant define o uso público e o uso privado da
razão. O uso público é aquele que qualquer homem, enquanto
sábio, faz da sua razão diante do grande público do mundo
letrado. O uso privado é aquele que o sábio pode fazer de sua
razão em um certo cargo público ou função a ele confiada.
No uso privado, o sábio deve seguir as normas a que esta
subordinado pelo cargo, podendo dar conhecimento de suas
ideias ao público, mas desde que estas não entrem em conflito
com tais normas. Isso se torna um absurdo, pois o fato dos
próprios tutores do povo serem eles mesmos menores resulta
na perpetuação dos absurdos. Kant critica a censura pelo
poder e o apoio ao despotismo espiritual (pela igreja) contra os
súditos, dificultando ainda mais o esclarecimento.
O autor então dá pistas de como poderia ser uma constituição
religiosa não fixa, onde homens, na qualidade de sábios,
pudessem fazer seus reparos publicamente a possíveis
defeitos nas instituições vigentes. Essas últimas manteriam-se
intactas até o completo entendimento de tais reparos.
Kant afirma que não estamos em uma época esclarecida, mas
em uma época de esclarecimento, pois falta muito para que os
homens em conjunto sejam capazes de fazer uso público de
suas razões.
Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente
do estado de selvageria, principalmente quando o regime
vigente dá liberdade em matéria religiosa; mas esse processo
é lento e muito difícil. Kant dá ênfase à matéria religiosa como
ponto principal do esclarecimento, porque "no que se refere as
artes e ciências nossos senhores não têm interesse em
exercer tutela sobre seus súditos", além de que a menoridade
religiosa é a mais prejudicial e desonrosa.
Kant então finaliza o seu discurso, de uma forma brilhante,
lembrando o rei filósofo de Platão, e a complementaridade
entre o Antigo Testamento, da ordem e obediência, e o Novo
Testamento, da verdade e liberdade.
Ele justifica que um monarca esclarecido, chefe de um
poderoso e disciplinado exército pode dizer ao povo o que é
praticamente impossível (o que Deus diz ao homem):
"Raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que
quiserdes; apenas obedecei".
Kant argumenta que a natureza por baixo desse duro
envoltório da ordem dá espaço ao ensejo de expandir a
liberdade de espírito do povo e, pouco a pouco, o povo se
tornaria cada vez mais capaz de agir de acordo com a
liberdade, e o governo (ou regime vigente) acharia conveniente
para si próprio tratar o homem, que agora é mais que uma
simples máquina, de acordo com a sua dignidade.
* Rudini Sampaio (fonte:
http://www.ime.usp.br/~rudini/filos.kant.htm/04/12/200)
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