NOME: : FILOSOFIA MODERNA: CONHECIMENTO FERNANDO MEIRELLES CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS 3º ANO – ENSINO MÉDIO / A QUESTÃO DO Introdução FILOSOFIA / lógico, dedutivo, o que caracterizaria a visão específica do racionalismo moderno ou grande racionalismo. O conhecimento como racionalismo e empirismo problema filosófico: O século XVII representa a culminação de um processo que se subverteu a imagem do próprio ser humano e do mundo que o cerca. A emergência do mundo burguês e o desenvolvimento da física, que se exprime matematicamente, constituem aspectos de uma mesma realidade cultural em transformação. A atividade filosófica desse período se desdobra como reflexão cujo pano de fundo é a existência dessa ciência. A revolução científica ocorrida no século XVII quebra o modelo aristotélico de explicação da realidade, jogando por terra muitos conceitos e ideias seculares. As novas verdades apresentadas pela ciência em desenvolvimento provocou, nos novos pensadores, o receio de se enganar novamente: que garantia se poderia ter quanto à validade das novas verdades apresentadas, se tantas dúvidas tinham sido levantadas sobre as verdades e certezas que vigoraram durante séculos? A procura da maneira de evitar o erro faz surgir a principal indagação do pensamento moderno, a saber, a questão do método. A palavra método vem do grego methodos (meta, “rumo”, e hodos, “caminho”) e pode ser definida como “o caminho para chegar a um lugar desejado” ou “o conjunto de procedimentos e regras para alcançar o resultado almejado”. A preocupação em encontrar um caminho seguro para o conhecimento fará parte da mentalidade dos filósofos do século XVII. Como boa parte deles era composta de grandes matemáticos, buscarão aplicar o método matemático como instrumento da razão, conduzindo-a a um conhecimento verdadeiro. O entusiasmo desses filósofos pelas “matemáticas” (aritmética, álgebra e geometria) fará nascer a idéia de que o sucesso dessa ciência se deve ao método e que o método matemático poderá ser utilizado em todas as outras áreas da investigação, garantindo a exatidão e a certeza dos conhecimentos alcançados. O que se utilizaria como método não seria a matemática em si, os números, o cálculo, e sim o procedimento dedutivo da geometria, isto é, o modo próprio da matemática de encadear as razões ou afirmações segundo uma certa ordem. Isso significa dizer, no limite, que os filósofos do século XVII passaram a acreditar que o conhecimento do mundo poderia ser alcançado pelo uso exclusivo da razão, pois haveria uma racionalidade, uma explicação, nas coisas correspondentes à racionalidade das pessoas. Essa racionalidade se expressaria de modo geométrico, Disponível em: nteitaperuna.blogspot.com acesso em: 04 dezembro 2014. A necessidade de procurar explicar o mundo dando-lhe um sentido e descobrindo-lhe as leis ocultas é tão antiga como o próprio homem, que tem recorrido para isso quer ao auxílio da magia, do mito e da religião, quer, mais recentemente, à contribuição da ciência e da tecnologia. Para que investigar o conhecimento? O ser humano, desde seus primórdios até nossos dias, vive uma busca incessante por compreender a si mesmo e o mundo à sua volta. Isso levou a que muitos pensadores sentissem que era necessário entender primeiro sua própria capacidade de entender, antes de confiar plenamente na percepção e compreensão que alcançavam das coisas. Desde a antiguidade grega, quase todos os filósofos se preocuparam com o problema do conhecimento. Problema que envolve questões básicas como: O que é conhecimento? Qual é o fundamento do conhecimento? É possível o conhecimento verdadeiro? Essas questões são, implicitamente, tão velhas quanto à filosofia. Mas, primordialmente na era moderna, a partir do século XVII em diante - como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke (16321704) em associação com a emergência da ciência moderna – é que ela tem ocupado um plano central na filosofia. O que é, afinal, conhecer? Na concepção de grande parte dos filósofos conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente. É a interpretação de que o conhecimento é representação, isto é, uma “imagem” ou “reprodução” mental da coisa ou objeto conhecido. Outra noção importante é a de que, no processo de conhecimento, sempre existiria a relação entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor consciência, nossa mente) e (nossa 1 um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos). Só haveria conhecimento se o sujeito conseguisse apreender, a partir do uso de suas faculdades (percepção sensorial, razão, imaginação etc.), o objeto, isto é, conseguisse representá-lo mentalmente. A origem racionalista do conhecimento: a concepção Como já vimos, segundo a tradição, o conhecimento decorre da idéia que o sujeito tem do objeto. Mas qual é o critério de certeza para saber se o pensamento concorda com o objeto? As soluções apresentadas dão origem a duas correntes filosóficas, o racionalismo e o empirismo. O racionalismo é uma concepção filosófica que afirma a razão como única faculdade de propiciar o conhecimento adequado da realidade. A razão, por iluminar o real e perceber as conexões e relações que o constituem, é a capacidade de apreender ou de ver as coisas em suas articulações ou interdependência em que se encontram umas com as outras. Ao partir do pressuposto de que o pensamento coincide com o ser, a filosofia ocidental, desde suas origens, percebe que há concordância entre a estrutura da razão e a estrutura análoga do real, pois, caso houvesse total desacordo entre a razão e a realidade, o real seria incognoscível e nada se poderia dizer a respeito. O racionalismo gnosiológico ou epistemológico é inseparável do racionalismo ontológico ou metafísico, que enfoca a questão do ser, pois o ser está implicado no pensamento do ser. Entendido como posição filosófica que sustenta a racionalidade do mundo natural e do mundo humano, o racionalismo corresponde a uma exigência fundamental da ciência: discursos lógicos, verificáveis, que pretendem apreender e enunciar a racionalidade ou inteligibilidade do real. Ao postular a identidade do pensamento e do ser, o racionalismo sustenta que a razão é a unidade não só do pensamento consigo mesmo, mas a unidade do mundo e do espírito, o fundamento substancial tanto da consciência quanto do exterior e da natureza, pressuposto que assegura a possibilidade do conhecimento e da ação humana coerente. Para além de seus possíveis elementos dogmáticos, a filosofia racionalista, ao ressaltar o problema da fundamentação do conhecimento como base da especulação filosófica, marcou os rumos do pensamento ocidental. Declarar que o mundo real tem esta ou aquela estrutura implica em admitir, por parte da razão, enquanto faculdade cognitiva do ser humano, a capacidade de apreender o real e de revelar a sua estrutura. O conhecimento, ao se distinguir da produção e da criação de objetos, implica a possibilidade de reproduzir o real no pensamento, sem alterá-lo ou modificá-lo. Dois elementos marcariam o desenvolvimento da filosofia racionalista clássica no século XVII. De um lado, a confiança na capacidade do pensamento matemático, símbolo da autonomia da razão, para interpretar adequadamente o mundo; de outro, a necessidade de conferir ao conhecimento racional uma fundamentação metafísica que garantisse sua certeza. Ambas as questões conformaram a idéia basilar do Discurso sobre o método (1637) de Descartes, texto central do racionalismo tanto metafísico quanto epistemológico. Para Descartes, a realidade física coincide com o pensamento e pode ser traduzida por fórmulas e equações matemáticas. Descartes estava convicto também de que todo conhecimento procede de ideias inatas - postas na mente por Deus - que correspondem aos fundamentos racionais da realidade. A razão cartesiana, por julgar-se capaz de apreender a totalidade do real mediante "longas cadeias de razões", é a razão lógico-matemática e não a razão vital e, muito menos, a razão histórica e dialética. O racionalismo clássico ou metafísico, no entanto, cujos paradigmas seriam o citado Descartes, Espinoza e Leibniz, não se limitava a assinalar a primazia da razão como instrumento do saber, mas entendia a totalidade do real como estrutura racional criada por Deus, o qual era concebido como "grande geômetra do mundo". Spinoza é o mais radical dos cartesianos. Ao negar a diferença entre res cogitans - substância pensante - e res extensa - objetos corpóreos - e afirmar a existência de uma única substância estabeleceu um sistema metafísico aproximado do panteísmo. Reduziu as duas substâncias, res cogitans e res extensa, a uma só - da qual o pensamento e a extensão seriam atributos. Principais racionalistas modernos: Descartes, Leibniz, Pascal e Espinoza A concepção empirista Sob uma perspectiva contrária, os empiristas britânicos refutaram a existência das ideias inatas e postularam que a mente é uma tábula rasa ou página em branco, cujo material provém da experiência. A oposição tradicional entre racionalismo e empirismo, no entanto, está longe de ser absoluta, pois filósofos empiristas como John Locke e, com maior dose de ceticismo, David Hume, embora insistissem em que todo conhecimento deve provir de uma "sensação", não negaram o papel da razão como organizadora dos dados dos sentidos. Fonte: proavirtualg31.pbwiki.com/13/12/2014. O próprio fato de haver toda esta controvérsia em torno da problemática suscitada por Descartes revela a importância crucial das teses racionalistas. O racionalismo cartesiano e o empirismo inglês desembocaram no Iluminismo do século XVIII. A razão e a experiência de que resulta o conhecimento científico do mundo e da sociedade bem como a possibilidade de transformá-los são instâncias em nome das quais se passou a criticar todos os valores do mundo medieval. A 2 nova interpretação dada à teoria do conhecimento pelo filósofo alemão Immanuel Kant, ao desenvolver seu idealismo crítico, representou uma tentativa de superar a controvérsia entre as propostas racionalistas e empiristas extremas. As principais características do empirismo são: 1 - não há ideias inatas, nem conceitos abstratos; 2 - o conhecimento se reduz a impressões sensíveis e a ideias definidas como cópias enfraquecidas das impressões sensoriais; 3 - as qualidades sensíveis são subjetivas; 4 - as relações associações; entre as ideias reduzem-se a 5 - os primeiros princípios, e em particular o da causalidade, reduzem-se a associações de ideias convertidas e generalizadas sob forma de associações habituais; 6 - o conhecimento é limitado aos fenômenos e toda a metafísica, conceituada em seus termos convencionais, é impossível. Principais filósofos empiristas: Francis Bacon, John Locke, Thomas Hobbes, George Berkeley e David Hume. RENÉ DESCARTES fonte: faculty.uml.edu/enelson/images/Descartes.jpg/04/12/2014. O método e suas regras René Descartes (1596-1650) definira para si a missão de construir um sistema filosófico completo, isto é, ele pretendia unificar a filosofia, o que era quase uma redundância, pois para ele a filosofia verificava “um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta de sua vida como para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes”. Em Princípios da Filosofia, o filósofo representa a unificação do conhecimento por meio da imagem da “árvore do saber”, na qual as raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos são a mecânica, a medicina e a moral. A metafísica tem, portanto, papel fundamental: é ela a base sobre a qual se sustentam todas as outras ciências. Por sua vez, a posição da física na árvore do saber revela a visão mecanicista do filósofo em relação à realidade, uma vez que a física era o tronco do qual sairiam as demais ciências. Isso significa que a mecânica, moral e medicina serão explicadas tendo por base os corpos e seus movimentos. Note-se que a teologia está fora do projeto cartesiano, marcando definitivamente a separação entre ciência e religião. A possibilidade de unificar o conhecimento, isto é, de construir uma ciência universal, dependeria de se encontrar o fundamento comum a todas as ciências particulares. Esse fundamento comum será a mathesis universalis, ou matemática universal. Desde cedo Descartes se aplicara intensamente ao estudo das matemáticas e, entusiasmado com os resultados que obtivera, acreditara ser possível transferir seu instrumental a outras áreas do saber. Não foi por acaso que isso aconteceu. Ele se utilizou da concepção da nova física proposta por Galileu (1564-1642), que dizia que a natureza está escrita em linguagem matemática. Assim, Descartes construirá seu método de investigação calcado no modelo matemático de demonstração. E por que o modelo matemático parecia tão bom? Descartes percebeu haver nas matemáticas aquilo que queria encontrar no mundo: verdades absolutas e incontestáveis. Como o filósofo justificou, em suas correspondências com intelectuais, que as demonstrações matemáticas eram evidentes ao intelecto, ou seja, livres de contradição; seu poder de persuasão “vem de uma razão tão forte que nenhuma mais forte jamais pode abalá-la”. Por exemplo, um triângulo sempre terá três lados e a soma de seus ângulos internos nunca deixará de ser 180 graus. Se alguém disser o contrário, já não estaremos mias falando de um triângulo e sim de alguma outra coisa. Para alcançar essa certeza que só as matemáticas têm, Descartes adotou em seu método filosófico o mesmo procedimento lógico-demonstrativo da geometria analítica. Isso porque ele acreditava na existência de uma ordem natural inerente (isto é, por natureza, inseparavelmente ligada) à estrutura do conhecimento e que essa ordem fosse semelhante à progressão matemática, na qual “quando se têm os dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os outros”. Ele recomendaria, aliás, a prática de exercícios de geometria ou de aritmética como forma de cultivar no espírito os princípios de seu método. Mas, se a matemática é o fundamento comum a todas as ciências, por que ela não faz parte da árvore do saber? Porque, sendo apenas um meio, um exercício, ela fornecerá apenas um método. O método cartesiano (adjetivo que deriva de Cartesius, forma latina do nome Descartes) encontra-se detalhadamente apresentado em sua obra Regras para a direção do espírito, composta de 21 regras. Em Discurso do método, Descartes sintetiza esse método por meio de quatro preceitos ou regras que prescreve para si e que não devem ser jamais esquecidos na busca do conhecimento verdadeiro: O primeiro é o de jamais acolher coisa alguma como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal (regra da evidência); isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente ao meus espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e 3 quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las (regra da análise). que é uma res cogitans, isto é, uma “coisa que pensa”, um ser ou substância pensante. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros (regra da síntese). E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada omitir (regra da enumeração). Da dúvida metódica ao Cogito O ponto de partida do racionalismo de Descartes foi, como vimos acima, a procura de um método, isto é, uma base ou caminho seguro que garantisse a verdade de um raciocínio. O método escolhido por ele foi o matemático, pois a matemática é o exemplo de conhecimento integralmente racional. Descartes afirmava que, para conhecer a verdade, é preciso, de início, colocar todos os nossos conhecimentos em dúvida. É necessário questionar tudo e analisar, criteriosamente, se existe algo na realidade de que possamos ter plena certeza. Primeiro, ele coloca em dúvida tudo aquilo que se conhece pelos sentidos, apesar desse conhecimento parecer “o mais verdadeiro e seguro”, pois se os sentidos já nos enganaram algumas vezes nada nos garante que eles não estejam nos enganando de novo. Por exemplo: um gato que, à luz do crepúsculo, vemos como pardo, durante o dia se revela de outra cor. Depois, destrói as certezas mais difíceis de se duvidar, como as que temos sobre ser alguém (uma menina, um homem, etc.), ter algo (um livro, um cachorro, etc.), estar num lugar fazendo alguma coisa, pois podemos estar sonhando. Quantas vezes não tivemos um sonho tão vívido que nos parecia real? Em seguida, para destruir as certezas matemáticas, como a de que dois mais três é igual a cinco, Descartes supõe que Deus, todo-poderoso, por algum motivo queira nos enganar toda vez que realizamos essa adição ou que tenhamos qualquer outra certeza de mesma natureza. Por último, reforçando o argumento do Deus enganador, imagina a existência de um gênio maligno, que se diverte em enganar pessoas. Mergulhado em tantas dúvidas, Descartes tem uma intuição: ele nota com clareza que duvida e, se duvida, pensa. Não importa se o que ele pensa é um pensamento verdadeiro, não importa que ele não tenha certeza; existe, porém, a consciência de que pensa. Então formula em latim, “Cogito, ergo sum”, que significa “Penso, logo existo”. Trata-se da primeira certeza, do ponto fixo procurado, momento fundamental da reflexão cartesiana. Descartes obtém o primeiro princípio da filosofia que procurava, e que ficou conhecido simplesmente como Cogito. Ele percebeu com clareza e distinção (seu critério para saber se algo é verdadeiro) Fonte: http://tinypic.com/pnnrp/04/12/2014. Para Descartes, esse “penso, logo existo” (o Cogito) seria uma verdade absolutamente firme e segura que, por isso mesmo, deveria ser adotada como princípio básico de toda a sua filosofia. Do Cogito cartesiano, podemos extrair uma importante consequência: o pensamento (consciência) é algo mais certo que a própria matéria corporal. Baseando-se neste princípio, a filosofia de Descartes assumiu uma tendência racionalista, ou seja, uma tendência a valorizar a atividade do sujeito pensante em relação ao objeto pensado. Em outras palavras, uma tendência a ressaltar a prevalência da consciência subjetiva (razão) sobre o ser objetivo (realidade externa ao sujeito). Ao afirmar que o verdadeiro conhecimento das coisas externas deveria ser conseguido através do trabalho lógico da mente, Descartes exaltava o conhecimento matemático, afirmando que somente os matemáticos poderiam compreender e explicar a realidade de forma puramente racional. De fato, o conhecimento matemático, com suas noções de grandeza, perfeição, infinito etc. não resultam de uma experiência sensorial; são ideias inatas (já nascem conosco), através das quais podemos, segundo Descartes, explicar precisamente a realidade. Com efeito, os físicos contemporâneos de Descartes, como Galileu e, posteriormente, Newton, demonstravam as verdades dos fenômenos físicos à luz dos conceitos matemáticos. Os tipos de ideias Para Descartes, as sensações produzem em nossas mentes as ideias adventícias. Por exemplo, vemos um objeto branco e, a partir desta visão, temos a idéia de branco em nossa mente. Quando associamos as ideias adventícias umas com as outras, podemos criar, a partir de nossa fantasia ou imaginação, as ideias fictícias. Por exemplo, ao associarmos a idéia de um ser humano com as asas de um pássaro, criamos a idéia de um anjo, ser inexistente do ponto de vista material. Para Descartes, tanto as ideias adventícias quanto as fictícias não são garantia para o conhecimento, pois não são evidentes ou indubitáveis. Somente as ideias inatas são a fonte segura do conhecimento, pois não provêm de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória. As ideias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, as ideias da perfeição e do infinito e as ideias da matemática. 4 DAVID HUME Fonte: Archivo Iconografico/ Corbis 05/12/2014. Na análise da formação das ideias do homem, Hume propõe que se deve primeiro decompor uma idéia complexa nas ideias simples que a constituem (seguindo a mesma subdivisão proposta por Locke) para então verificar quais são as impressões simples e complexas das quais aquelas se originam, isto é, para verificar se essa idéia tem base na experiência. Quando vemos, por exemplo, um pássaro, formamos na mente uma impressão complexa, que se constitui de várias impressões simples, com a de bico, pena e asa. Quando pensamos num pássaro, temos a idéia complexa de pássaro (que é cópia da impressão complexa do pássaro que vimos), a qual, por sua vez, se decompõe em ideias simples (que são cópias das impressões simples de bico, pena e asa). Impressões e ideias Hume (1711-1776) sintetizou exemplarmente as noções centrais do empirismo, já apresentadas, e levou às últimas conseqüências o programa empirista de não admitir hipóteses que não possam ser experimentadas pelos sentidos. Para investigar a origem das ideias e como elas se formam, Hume parte, como a maioria dos filósofos empiristas, do cotidiano das pessoas e, sobretudo, do ponto de vista das crianças. Isso ocorre porque, para um empirista, não existem ideias inatas, o que significa que as ideias vão se formando na mente humana ao longo da vida. O ponto zero de formação das ideias é, portanto, a mais tenra idade, e elas se formam a partir da experiência. Segundo Hume, tudo o que percebemos pode ser dividido em impressões e ideias: * Impressões - referem-se aos dados fornecidos pelos sentidos, como, por exemplo, as impressões visuais ou auditivas; * Ideias - referem-se às representações mentais (memória, imaginação etc.) derivadas das impressões. A idéia, sendo a representação de uma percepção, pode possuir diferentes graus de fidelidade. Alguém que nunca teve uma impressão visual (um cego de nascença) jamais poderia ter uma idéia de cor, ainda que seja uma idéia não muito fiel. As ideias ocorrem quando recordamos, imaginamos, refletimos. Não se pode negar, por exemplo, diz o filósofo, que quando uma pessoa sente a dor do calor excessivo e depois recorda em sua memória essa experiência, a idéia de dor que se forma nessa lembrança é menos viva que a impressão de dor que a pessoa teve originalmente. Ou seja, nossas ideias não passam de cópias que remetem a determinados originais (as impressões, que surgem da experiência). Mesmo quando concebo uma montanha de ouro sem nunca ter visto uma, diz Hume, estou apenas unindo duas ideias, montanha e ouro, cujas impressões experimentei um dia. Assim ele afirmou em sua obra Investigação acerca do entendimento humano: Portanto, quando suspeitamos que um termo filosófico está sendo empregado sem nenhum significado ou idéia – o que é muito frequente – devemos apenas perguntar de que impressão é derivada aquela suposta idéia? Fonte: jeovashama.nireblog.com/13/12/2014. Hume considera esse método importante para descobrir noções falsas, uma vez que a mente demonstra ter muita liberdade e não muito controle sobre as ideias, razão pela qual muitas vezes as confunde com ideias semelhantes, misturando-as e fazendo crer que a elas corresponde alguma impressão, isto é, que elas existem ou acontecem de fato. A mente forma, por exemplo, a idéia complexa de anjo com a idéia simples de asa e a idéia complexa de homem, da mesma maneira que compõe a idéia complexa de sereia a partir das ideias complexas de peixe e mulher. É assim, para Hume, que se constroem as fantasias, as ficções e os sonhos. Segundo o filósofo, a idéia de Deus pode sofrer a mesma composição, isto é, ela resulta de “ideias simples como eram as sensações precedentes”. A maioria das pessoas tem a idéia de Deus como um ser infinitamente inteligente, sábio e bom, porque elas já experimentaram em si ou nos outros a inteligência, a sabedoria e a bondade e aumentam essas qualidades ao máximo. Por fim, reúnem essas ideias numa única idéia complexa, Deus. Outra idéia analisada por Hume é a de eu ou espírito. Pela noção de eu entende-se geralmente algo fundamental, essencial, uma espécie de núcleo que se mantém constante numa pessoa. Para Descartes, por exemplo, o eu é um núcleo pensante (a res cogitans). Hume dirá que o que chamamos de eu não passa de um feixe de percepções que variam conforme vamos vivendo. A cada momento experimentamos novas percepções, que se somam a esse feixe, ao mesmo tempo em que outras percepções desaparecem. Não somos, portanto, a unidade constante implícita na idéia de eu, do mesmo modo que a idéia de espírito, no sentido de substância (algo fundamental, essencial, que não varia), não passa de uma invenção da mente. A formação das ideias 5 As associações de ideias Os processos do entendimento são, do mesmo modo, o resultado da associação de ideias, isto é, ocorrem quando a mente reúne, junta, conecta mais de uma idéia, simples ou complexa. Para Hume, existem três tipos de associação de ideias: de semelhança, pela qual a pessoa, quando vê um retrato, pensa no que este retratado; de contiguidade, pela qual a idéia da neve faz pensar no branco. Pois neve e branco são ideias próximas ou contíguas; e de causalidade, pela qual a idéia de ferimento leva a pensar na idéia de dor, isto é, como uma relação de causa (ferimento) e efeito (dor). Cavalo alado, uma associação de ideias fonte: www.elaineborges.blogger.com.br/foto_10.jpg 13/12/2014. De acordo com os objetos do conhecimento (números, figuras, a natureza, o homem, etc.), Hume divide a investigação humana em dois gêneros: um que estabelece relações de ideias, e outro, relações de fato. Ao primeiro gênero pertencem as ciências matemáticas e a lógica, cujas proposições podem ser descobertas pela “simples operação do pensamento e não dependem de algo existente em alguma parte do universo”. Por exemplo: “três vezes cinco é igual à metade de trinta” é uma relação de ideias (no caso, números), isto é, depende apenas das ideias, do raciocínio para ser demonstrada, mantendo sempre “sua certeza e evidencia”. Já o conhecimento que se obtém por meio de relações de fatos – isto é, que resulta da relação que fazemos entre fatos, acontecimentos, coisas vividas – não tem, para Hume, o mesmo tipo de certeza e evidencia do conhecimento que se alcança por meio de relações de ideias. É que ele não resulta de um encadeamento ou princípio lógico e sim da experiência ou fatos experimentados. Por exemplo: “o Sol nascerá amanhã” constitui uma afirmação baseada apenas na experiência, isto é, trata-se de um fato que observamos repetidamente todos os dias. Do ponto de vista estritamente lógico, no entanto, poderíamos perfeitamente dizer “o Sol não nascerá amanhã”. Crítica ao princípio científico da causa e do efeito: o hábito e a crença Um dos aspectos marcantes do empirismo de Hume, é a crítica feita por ele ao raciocínio indutivo (ou princípio da causalidade). As conclusões desse raciocínio são produzidas a partir de percepções repetidas de casos particulares, as quais, devido à regularidade apresentada pelo fato experimentado, nos permite saltar para uma conclusão geral, da qual não temos experiência sensorial. Hume argumentou que a conclusão indutiva, por maior que seja o número de percepções repetidas do mesmo fato, não possui fundamento lógico. E por quê? Porque será sempre um salto do raciocínio impulsionado pela crença ou hábito, ou seja, as repetidas percepções de um fato nos levam a confiar em que aquilo que se repetiu por várias vezes se repetirá. Desse modo, devido a sua regularidade, nos habituamos em fazer associações de causa e efeito entre um fenômeno experimental e outro. Hume sustenta, portanto, que a repetição de um fato não nos permite concluir, em termos lógicos, que ele continuará a repetir-se da mesma forma, indefinidamente. O que Hume pretende demonstrar é que as relações de fatos estabelecidas pela mente não se baseiam em nenhum princípio racional, mas apenas na experiência, ou, mais especificamente, no hábito. Por exemplo: quando dizemos “sua dor se deve a um ferimento”, relacionamos a idéia de “dor” à de “ferimento” (dois fatos distintos), porque toda vez que temos um ferimento sentimos dor, e isso nos faz acreditar que o ferimento é a causa da dor (o efeito), quando na verdade não passam de duas experiências que se sucedem no tempo. Se uma pessoa nunca tivesse sofrido um ferimento, nunca poderia associar a ele a idéia de dor, pois na idéia de ferimento não há nada que conduza necessária e racionalmente à idéia de dor. Assim, para Hume, a causalidade – aquilo que diz que todo efeito dever ter uma causa, muito utilizado por filósofos para provar suas teorias – como princípio racional não passaria de outra ficção racionalista, pois “as causas e os efeitos não são descobertos pela razão, mas pela experiência”. Como explicar, então, a certeza que se tem sobre o futuro, isto é, a certeza de que o Sol nascerá amanhã, de que o ferimento trará dor, de que uma bola de bilhar, ao se chocar com a outra, fará com que esta se mova? Hume responde que essa certeza é na verdade uma crença. E essa crença se deve à regularidade com que nossas experiências se repetem, gerando o costume ou hábito. Em resumo, a relação de causa e efeito é uma crença baseada na experiência habitual de fatos semelhantes. Com efeito, ao repetir inúmeras vezes uma certa experiência, encontrando nela uma regularidade, o cientista induz uma verdade geral ou tese, a qual escapa do campo da experiência sensível. Essa tese, ou salto do campo puramente experimental para o campo puramente teórico, fundamenta-se, segundo Hume, na crença de que o fenômeno irá necessariamente se repetir. Desse modo, a ciência, que se constitui de afirmações fundamentadas em relação de fatos, não tem bases racionais. São a crença e o hábito que fundamentam as leis “imutáveis” da natureza. O CRITICISMO DE IMMANUEL KANT 6 calor dilata os corpos", ocorre uma síntese das representações "calor" e "dilatação dos corpos". Essa síntese, diz o filósofo, é feita por outra faculdade humana: o entendimento ou faculdade de pensar ou de julgar. Todo juízo é, portanto, uma síntese efetuada pelo entendimento, que unifica as múltiplas representações que aparecem na sensibilidade. Fonte: corbis – stock photos As formas da sensibilidade Immanuel Kant (1724-1804) entendia, como os empíricos, que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, isto é, no momento em que entramos em contato sensível com as coisas. Mas ele achava que esse conhecimento não é simplesmente dado pelas coisas, como se o sujeito que conhece ficasse totalmente passivo no processo. Por isso, ele buscou saber como é o sujeito puro, a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer experiência sensível – que se denomina, em sua filosofia, sujeito transcendental –, e chegou à conclusão de que o sujeito possui certas faculdades que possibilitam e determinam a experiência e o conhecimento. Uma dessas faculdades é a sensibilidade. O filósofo observou que, quando percebemos e representamos em nossa mente qualquer coisa externa, essa representação é sempre feita no tempo e no espaço. Por exemplo: quando vejo um carro andando, percebo que esse carro se desloca por um certo espaço em um determinado tempo; quando ouço um ruído, percebo esse ruído como breve ou demorado e vindo de uma determinada direção; quando assisto a uma corrida que termina empatada, percebo esse fato como a chegada de dois corredores a um mesmo lugar no mesmo instante. Kant conclui então que tempo e espaço são condições a priori de possibilidade da experiência sensível ou intuição empírica. Em outras palavras, tempo e espaço não são abstrações ou algo que existe fora de nós: eles constituem formas da sensibilidade, isto é, são ferramentas humanas inatas e necessárias ao homem para que ele possa construir toda a sua experiência do mundo. Essas formas da sensibilidade atuam como filtros ou lentes que definem como podemos perceber a realidade, ou, para usar de outra comparação, são como receptáculos ou vasilhas vazias que vão sendo preenchidas com alguma matéria, isto é, os conteúdos que compõem as sensações. Quando vejo, ouço, presencio alguma coisa – por exemplo, um avião que corta o céu –, todas as sensações que se produzem em mim trazidas pelos órgãos dos sentidos são jogadas nessas vasilhas (tempo e o espaço), que então as ordenam na minha consciência para compor a experiência desse fato. As formas do entendimento Kant observou também que, quando enunciamos um juízo, uma afirmação qualquer, como, por exemplo, "o Analisando os diversos juízos possíveis, Kant percebeu que todos se articulam de acordo com certos princípios lógicos ou regras, apresentando formas básicas ou puras, isto é, destituídas de qualquer conteúdo e anteriores a qualquer experiência vivida pelas pessoas. Assim, do mesmo modo que existem formas da sensibilidade (espaço e tempo), Kant diz que existem formas do entendimento. A partir delas se estabelecem conceitos puros, a priori, que existem desde sempre em nossa consciência, como os conceitos de causa, necessidade e substância, que são o que o filósofo denomina categorias. São as categorias que permitem pensar tudo aquilo que chega com a intuição ou experiência sensível. Vejamos um exemplo de uma categoria muito importante para as ciências da natureza e para a nossa vida diária: o conceito de causa (ou causa e efeito). Quando entramos numa sala aquecida pelo sol da tarde, a partir apenas dessa intuição ou experiência sensível podemos dizer "O sol brilha na sala" e "A sala está quente". Se, em seguida, relacionamos essas duas intuições, subordinando uma à outra, podemos concluir: "O sol aquece a sala". Kant diz que fazer essa relação é algo inerente ao entendimento humano que não consegue deixar de empregar o princípio de que "todo efeito tem de ter uma causa". O mais importante e inovador é que a causa não está nas coisas - como pensar a maioria das pessoas -, nem tampouco uma ficção criada pelo hábito - como dissera Hume -, pois, para Kant, a noção de causalidade é algo que deriva do nosso entendimento, isto é, nós é que criamos essa relação. Isso quer dizer que entender a natureza é projetar sobre ela as nossas formas próprias de conhecimento. A razão, assim, toma-se a grande legisladora do conhecimento da natureza, conforme ele explica em Crítica da razão pura: A razão tem de ir à natureza-[...] não porém na qualidade de um aluno que deixa ditar tudo o que o professor quer mas na de um juiz nomeado, que obriga as testemunhas, a responder às perguntas que lhes propõe. Juízos analíticos e juízos sintéticos Um juízo é analítico quando o predicado ou os predicados do enunciado nada mais são do que a explicitação do conteúdo do sujeito do enunciado. Por exemplo: quando digo que o triângulo é uma figura de três lados, o predicado “três lados” nada mais é do que a análise ou a explicitação do sujeito “triângulo”. Quando, porém, entre o sujeito e o predicado se estabelece uma relação na qual o predicado me dá informações novas sobre o sujeito, o juízo é sintético, isto é, formula uma síntese entre um predicado e um sujeito. Assim, por exemplo, quando digo que o calor é a 7 causa da dilatação dos corpos, o predicado “causa da dilatação” não está analiticamente contido no sujeito “calor”. Se eu dissesse que o calor é uma medida de temperatura dos corpos, o juízo seria analítico, mas quando estabeleço uma relação causal entre o sujeito e o predicado, como no caso da relação entre “calor” e “dilatação dos corpos”, tenho uma síntese, algo novo me é dito sobre o sujeito através do predicado. Para Kant, os juízos analíticos, ao contrário dos sintéticos, não se fundam na experiência, pois para formá-los “não preciso sair do meu conceito e por conseguinte não me é necessário o testemunho da experiência”. Por exemplo, “um corpo é extenso” é uma proposição “a priori” e não um juízo da experiência (“a posteriori”), porque, antes de dirigir-me à experiência, tenho já em meu conceito todas as condições do juízo. Entretanto, Kant introduz a idéia de juízos sintéticos a priori, isto é, de juízos sintéticos cuja síntese depende da estrutura universal e necessária de nossa razão e não da variabilidade individual de nossas experiências. Os juízos sintéticos a priori exprimem o modo como necessariamente nosso pensamento relaciona e conhece a realidade. A causalidade, por exemplo, é uma síntese a priori que nosso entendimento formula para as ligações universais e necessárias entre causas e efeitos, independentemente de hábitos psíquicos associativos. A Ética Kantiana: Inclinação e dever O cristianismo introduz a idéia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem o mal. No entanto, essa idéia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (isto é, sua vontade, razão ou coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Tal comportamento não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus, por exemplo), que nos domina e nos impõe leis, forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência? A idéia de dever, nesse sentido, não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós? Diante de tal problema, Kant afirma o papel da razão na ética. Para o pensador alemão, não existe, como pensara Rousseau, bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais. A exposição kantiana sobre o dever repousa na tese de que o homem é, universalmente, um ser dotado de razão prática e, por isso, sua ação (práxis) não é apenas regida por necessidade causal, tal como as ações que ocorrem no reino da natureza. Por ser racional, a ação humana é dotada de finalidade e liberdade. Ora, se a razão é capaz de instituir finalidades para a ação, então ela é instauradora de normas e fins éticos. E, tendo o poder para criar normas e fins morais, a razão prática tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prática faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto, longe de ser uma imposição externa feita à nossa vontade e nossa consciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por isso somos autônomos. Resta, porém, uma questão: se somos racionais e livres, por que valores, fins e leis morais não são espontâneos em nós, mas precisam assumir a forma do dever? Responde Kant: porque não somos seres morais apenas. Também somos seres naturais, submetidos à causalidade necessária da natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e paixões. Nossos sentimentos, emoções são a parte da natureza em nós, exercendo domínio sobre o nosso comportamento. Mas quem se submete a tais sentimentos e emoções não pode possuir a autonomia ética. A natureza nos impele a agir por interesse ou inclinação. Esta é a forma natural do egoísmo que nos leva a usar coisas e pessoas como meios e instrumentos para o que desejamos. Agir por interesse ou inclinação é agir determinado por motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais. Visto que os apetites, impulsos, desejos, tendências costumam ser muito mais fortes do que a razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte natural e impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem obrigando-nos a passar das motivações do interesse ou inclinação para o dever. O dever, afirma Kant, não se apresenta através de um conjunto de conteúdos fixos, que nos mostra o que fazer ou evitar em cada circunstância. O dever é uma forma que deve valer para toda e qualquer ação moral. Essa forma é imperativa. O imperativo não admite hipóteses nem condições que o fariam valer em certas situações e não valer em outras, mas vale incondicionalmente e sem exceções para todas as circunstâncias de todas as ações morais. Por isso, o dever é um imperativo categórico. Ordena incondicionalmente. Não é uma motivação psicológica, mas a lei moral interior. A atitude solidária independe de contexto ou parâmetro cultural. Por isso, ela poderia se configurar como um dever universal do ser humano em relação ao seu semelhante. O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal. Em outras palavras, o ato moral é aquele que se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma. Essa fórmula permita a Kant deduzir as três morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. São elas: 1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da Natureza; 2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio; 8 3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais. vigente. Se um desses tutores se esclarecesse, também seria vítima de seus próprios preconceitos anteriores. O imperativo categórico não nos diz para praticarmos esta ou aquela ação determinada, mas nos diz para sermos éticos cumprindo o dever (as três máximas morais). É este que determina porque uma ação moral deverá ser sempre honesta, justa, veraz ou generosa. Ao agir, devemos indagar se nossa ação está em conformidade com os fins morais, isto é, com as máximas do dever. Por que, por exemplo, mentir é imoral? Porque o mentiroso transgride as três máximas morais. Ao mentir, não respeita em sua pessoa e na do outro a humanidade (consciência, racionalidade e liberdade), pratica uma violência escondendo de um outro ser humano uma informação verdadeira. Também não respeita a terceira máxima, pois se a mentira pudesse universalizar-se, o gênero humano deveria abdicar da razão, vivendo na mais completa ignorância, no erro e na ilusão. Por que um político corrupto é imoral? Por que transgride as três máximas. Por que o homicídio ou o roubo são imorais? Por que transgridem as três máximas. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento. Kant então conclui, de uma forma bastante interessante, que uma revolução poderia talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão da ordem vigente, porém nunca produziria a verdadeira reforma do modo de pensar, necessária para o esclarecimento geral. Apenas novos preconceitos servirão para conduzir a grande massa "destituída de pensamento", constituindo uma forte crítica à filosofia comunista-marxista. Texto complementar Comentário sobre o discurso de Kant: "Resposta à pergunta: O que é esclarecimento ?"* Kant inicia seu discurso definindo menoridade como sendo a incapacidade do homem em fazer uso do seu entendimento sem direção de outro indivíduo. Depois, ele define esclarecimento como sendo a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado, segundo Kant. O homem é culpado de sua menoridade porque já se libertou dos seus instintos animais (“direção estranha”), podendo fazer uso do seu entendimento. Logo, o que o leva ao não esclarecimento é a preguiça e a covardia, por ser mais cômodo ser menor. Desta forma, o homem entrega o seu esclarecimento à tutores, que, depois de embrutecerem seus "pupilos" e cuidadosamente tê-los preservado a fim de não ousarem "andar" sozinhos, mostram-lhes em seguida o perigo que os ameaça se tentarem. "Andar" seria fazer uso do seu próprio entendimento, revelando uma forte analogia com o mito da caverna de Platão. Esses "avisos" tornam o homem tímido e temeroso, sendo difícil para ele desvencilhar-se da menoridade, que para ele já se tornou quase uma natureza, chegando mesmo a criar amor a ela. Esse sufocamento por parte dos tutores é feito por preceitos e fórmulas, que são os grilhões de uma perpétua menoridade. Se a verdadeira liberdade fosse dada, é quase inevitável que um público se esclareça. Tais indivíduos, libertos da menoridade, espalhariam ao seu redor o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo, o espírito do esclarecimento. Certamente, haverá obstáculo para o esclarecimento geral por parte do próprio público, quando incitado por alguns dos seus tutores ainda não esclarecidos, objetivando manter a ordem Nesse momento, Kant define o uso público e o uso privado da razão. O uso público é aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz da sua razão diante do grande público do mundo letrado. O uso privado é aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função a ele confiada. No uso privado, o sábio deve seguir as normas a que esta subordinado pelo cargo, podendo dar conhecimento de suas ideias ao público, mas desde que estas não entrem em conflito com tais normas. Isso se torna um absurdo, pois o fato dos próprios tutores do povo serem eles mesmos menores resulta na perpetuação dos absurdos. Kant critica a censura pelo poder e o apoio ao despotismo espiritual (pela igreja) contra os súditos, dificultando ainda mais o esclarecimento. O autor então dá pistas de como poderia ser uma constituição religiosa não fixa, onde homens, na qualidade de sábios, pudessem fazer seus reparos publicamente a possíveis defeitos nas instituições vigentes. Essas últimas manteriam-se intactas até o completo entendimento de tais reparos. Kant afirma que não estamos em uma época esclarecida, mas em uma época de esclarecimento, pois falta muito para que os homens em conjunto sejam capazes de fazer uso público de suas razões. Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente do estado de selvageria, principalmente quando o regime vigente dá liberdade em matéria religiosa; mas esse processo é lento e muito difícil. Kant dá ênfase à matéria religiosa como ponto principal do esclarecimento, porque "no que se refere as artes e ciências nossos senhores não têm interesse em exercer tutela sobre seus súditos", além de que a menoridade religiosa é a mais prejudicial e desonrosa. Kant então finaliza o seu discurso, de uma forma brilhante, lembrando o rei filósofo de Platão, e a complementaridade entre o Antigo Testamento, da ordem e obediência, e o Novo Testamento, da verdade e liberdade. Ele justifica que um monarca esclarecido, chefe de um poderoso e disciplinado exército pode dizer ao povo o que é praticamente impossível (o que Deus diz ao homem): "Raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei". Kant argumenta que a natureza por baixo desse duro envoltório da ordem dá espaço ao ensejo de expandir a liberdade de espírito do povo e, pouco a pouco, o povo se tornaria cada vez mais capaz de agir de acordo com a liberdade, e o governo (ou regime vigente) acharia conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais que uma simples máquina, de acordo com a sua dignidade. * Rudini Sampaio (fonte: http://www.ime.usp.br/~rudini/filos.kant.htm/04/12/200) 9