Acidentes e doenças ocupacionais: implicações psíquicas

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Acidentes e doenças ocupacionais:
implicações psíquicas
Maria da Graça Jacques
Construção
Chico Buarque
“(...) dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão como um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Morreu na contramão atrapalhando o sábado”.
Alguns registros históricos
• Século V a C
• Até século XIX: morte prematura de
trabalhadores; registros na literatura – “O
Geminal”.
• Início do século XX: impacto sobre o corpo
(modelo taylorista-fordista; acidentes e
doenças graves).
Saúde/doença mental & trabalho
• Marx: conseqüências sobre o “sistema
nervoso” dos trabalhadores.
• Ford: problemas decorrentes das rotinas
laborais
• Journal of Mental Higyene (1917)
• Chaplin (1936): Tempos Modernos
• Le Guillant (1956): A neurose das
telefonistas
Legislação brasileira
• Doenças comuns sem qualquer relação com o trabalho
• *Doenças comuns modificadas no aumento da freqüência
ou na precocidade das manifestações
• *Doenças comuns nas quais se somam ou se multiplicam
condições provocadoras ou desencadeadoras em
decorrência do trabalho
• *Agravos específicos tipificados pelos acidentes e doenças
profissionais.
* Doenças relacionadas ao trabalho.
(Mendes e Dias)
Classificação de Schilling
• Grupo I: Trabalho como causa necessária –
doenças legalmente reconhecidas.
• *Grupo II: Trabalho como fator contributivo mas
não necessário.
• *Grupo III: Trabalho como fator provocador de
distúrbio latente ou agravador de doença já
estabelecida.
* Doenças não definidas a-priori como resultantes do
trabalho mas que podem ser causadas por este.
Registros oficiais
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340 251 (2001)
491 711 (2005)
2 708 óbitos (2005)
Subnotificação
Casos ilustrativos
Alguns exemplos
Fonte: Correio do Povo, 21/06/2007
“(...) às 12:30 um primeiro foco de fogo atinge o pulso de um soldador da
empresa. Pelo relato no inquérito, o soldador passa uma pomada no
pulso e segue trabalhando(...). Pouco antes das 13:30, o trabalhador A,
acompanhado de B retira válvula e gás residual de botijões quando a
faísca de uma esmereladeira próxima teria provocado chamas. É
levado para o hospital onde ficaria internado por 40 dias. B também
sofreu queimaduras, passa pomada e volta a trabalhar – ele seria uma
das vítimas fatais. (...) Por volta das 15:45, em um ambiente quente,
pouco ventilado e repleto de botijões com restos de de gás, próximo ao
pavilhão onde se usavam equipamentos elétricos, uma fonte de ignição
não identificada, provoca uma grande explosão. No dia seguinte, dos
10 feridos no incêndio, seis morreriam”.
Alguns exemplos
Fonte:Zero Hora, 04/10/2002
Pesquisa realizada sobre atendimentos de
acidentes em hospitais gaúchos, entre
novembro de 2001 e agosto de 2002.
Acidentes de trabalho típicos: 21%
Acidentes domésticos: 19,9%
Acidentes de trânsito: 18,7%
Delitos e agressões: 12,8%
Por que não causa comoção social?
Contexto sócio-cultural
Tradição judaico-cristã
• Trabalho como dor, castigo, punição.
• Tripalium
• “A terra será maldita por tua causa, tirarás
dela o sustento com os trabalhos penosos
todos os dias da tua vida” (Gen.3,17)
Contexto sócio-cultural
Ética do trabalho (Max Weber)
• Dever moral, atributo de valor.
• Movimentos alienista e higienista
• Criação de instituições totais (internação compulsória dos
improdutivos)
• Instrumento de restauração da ordem social
• Corretivo de caráter moral, castigo e punição
• Feito heróico em uma vida inglória
• Doença com visibilidade corpórea como justificativa
socialmente aceita para o não trabalho.
Individualização e culpabilização do
trabalhador
• “Propensão ao acidente”
• “Ato inseguro”
• Associado a fraqueza, falta de vontade,
preguiça, simulação
• Reproduz-se no imaginário social, nos
coletivos de trabalho, nas instituições
sociais.
Zero Hora, 29/12/98
Coluna Élio Gaspari descrição de acidente em
documento produzido pelo INSS)
Cuidado com as pedras desgovernadas
“Ao retornar de seu horário de almoço, o trabalhador
Moacir Pereira Passos não enxergou uma pedra
vindo em sua direção desgovernada e bateu em
sua cabeça.Estava voltando do almoço (logo não
trabalhando), não viu a pedra (distraído). Inocentase a pedra que estava desgovernada. Pedras
governadas são aquelas que sabem desviar da
cabeça de trabalhadores distraídos que insistem
em almoçar”.
Contribuições de Christophe Dejours
• Sofrimento como vivência intermediária entre a
doença mental descompensada e o bem-estar
psíquico.
• Sofrimento suscita estratégias coletivas de defesa,
construídas, organizadas e gerenciadas
coletivamente em nível não consciente.
• Requerem consenso, presença física dos outros e
se transformam em valor.
Conseqüências
• Evitam a descompensação psíquica
• Constituem-se em resistência a mudanças
• Colaboram para o não uso de EPI e para
comportamentos de risco
• Controlam o medo
• Medo como vivência subjetiva associada ao
risco real, residual ou suposto
Acidentes e doenças relacionadas ao trabalho:
quando os fatores psicológicos são apontados como
causas?
• Doenças com ausência de visibilidade no
corpo; diagnóstico baseado em sintomas;
etiologia multicausal.
• LER/DORT: 80% dos casos de concessão
de benefício
• Transtornos mentais e do comportamento:
3ª lugar como causa de afastamento do
trabalho.
Por que o crescimento?
• Programas de reestruturação produtiva
• Demissões por enxugamento de pessoal: ansiedade,
competitividade entre os pares, desemprego, subemprego.
• Banalização de comportamentos anti-éticos: uso constante
de palavras como luta, guerra, combate, sobrevivência.
• Flexibilização (inclusive geográfica)
• Exigência de qualificação
• Empregabilidade e responsabilização do trabalhador
Implicações psíquicas derivadas de
acidentes e doenças
• Mudanças corporais com alterações na
imagem e re-organização do esquema
corporal
• Mudanças no cotidiano de vida
• Mudanças nas funções cognitivas e motoras
• Mudanças na dinâmica familiar
• Rotinas médicas e previdenciárias
• Culpabilização e/ou suspeita de simulação
Algumas conseqüências
psíquicas da invalidez
• Impacto no traço identitário associado a
atributos de valor – eu sou aquilo que faço
• Dificuldades de inserção social
• Isolamento e marginalização
• Ausência de projeto de vida
• Contatos relacionais precários
• Responsabilização e culpabilização
Medidas de prevenção e
intervenção
• Sensibilização e conscientização dos atores
envolvidos (trabalhadores, órgãos sindicais,
Estado através dos poderes executivo, legislativo,
judiciário, sociedade em geral)
• Mudanças objetivas e nas estratégias coletivas de
defesa quando se constituem fatores de risco
• Acompanhamento psicológico (individual, grupal,
de familiares, de companheiros de trabalho, no
retorno ao trabalho.
Dificuldades
• Estabelecer o nexo causal e/ou técnico
epidemiológico (registro automático de
determinadas patologias em função de sua alta
incidência em uma determinada ocupação e/ou
determinado ambiente de trabalho)
• Principalmente quando se tratam de transtornos
mentais e do comportamento (complexidade dos
quadros clínicos, etiologia multicausal,
identificação de distúrbios latentes prévios)
• Ver caso dos agrotóxicos.
Zero Hora, 18/03/1994
“Eu consegui emprego logo que mudei de Alpestre
(443 km de Porto Alegre). O meu chefe me disse
que se eu trabalhasse direitinho receberia aumento.
Passado 9 meses resolvi pedir o aumento. Ele me
chamou de burro, mandou eu pastar capim na
beira dos valos, disse que eu nunca ia progredir na
vida e nem arranjaria outro emprego. Eu quis
chorar, um nó foi crescendo na minha garganta e
eu fique engasgado”.
- “Sofrimento mental desencadeado no local de trabalho”.
Positividade do trabalho
•
•
•
•
•
Promotor de saúde
Valor cultural e simbólico
Mediador de integração e inserção social
Fundamental no âmbito afetivo e relacional
Permite a expressão das habilidades
psíquicas
• Constitutivo nos modos de ser e de viver
Perspectivas
• Certificações não só de qualificação do produto
mas de preservação ambiental e da saúde dos
trabalhadores
• Engajamento da sociedade e do Estado
(...) na contramão atrapalhando o tráfego, na
contramão atrapalhando o sábado”.
Casos concretos
*SELIGMANN-SILVA, E. Uma história de crise de nervos: saúde mental e
trabalho. In: BUSCHINELLI,J.T.; ROCHA,L.;RIGOTTO,R. (orgs.). Isto é
trabalho de gente? Petrópolis: Vozes, 1995, cap. 29.
*ASSUNÇÃO, A; ROCHA, L. Agora... Até namorar fica difícil. In:
BUSCHINELLI,J.T.; ROCHA,L.;RIGOTTO,R. (orgs.). Isto é trabalho de
gente? Petrópolis: Vozes, 1995, p.461-493.
*LIMA, M.E.; ASSUNÇÃO, A; FRANCISCO, J.M. Aprisionado pelos
ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado no
trabalho. In: JACQUES, M.G.; CODO, W.(orgs.) Saúde mental & trabalho:
leituras. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 209-246.
*JACQUES, M.G. “Doença dos nervos”: uma expressão da relação
saúde/doença mental e trabalho. In: JACQUES, M.G.; CODO, W.(orgs.)
Saúde mental & trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 209-246.
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