Conceitos de saúde Promoção da Saúde e Políticas Públicas Prof. Maria Beatriz Barreto Objetivos da aula • Apresentar o conceito de saúde em diferentes discursos de referência científica • Discutir criticamente estes discursos, a partir de seus avanços e limitações • Focalizando suas relações com as noções de doença e a prática clínica Discursos de referência científica • Sociologia funcionalista: • Antropologia médica: • Teoria do papel do doente (sick role theory) - Talcott Parsons Teoria do Rótulo - Goffman, Becker e Scheff Etnopsiquiatria clássica- Laplantine Nova psiquiatria transcultural - Kleinman e Good, Bibeau e Corin Epistemologia: Georges Canguilhem Conceito de saúde: limites • Dualismo cartesiano: precursor das concepções biomédicas contemporâneas • Visão reducionista dos fenômenos saúde e doença • Doença raramente é vista como fenômeno multidimensional • Fragmentação do objeto leva à fragmentação das abordagens • A descontinuidade entre as diferentes abordagens retarda a apreensão multidimensional do objeto Conceito de saúde: limites • Estudos conceituais no campo da saúde: enfoque na doença e seus correlatos • Carência de estudos sobre conceito de saúde • Dificuldades do paradigma dominante em abordar a saúde positivamente (Boorse, 1977) Conceito de saúde: limites • Outras fontes de influência: Indústria farmacêutica ‘Cultura de doença’ • Restrição de investimentos em pesquisa • Limites ao desenvolvimento teórico e empírico da saúde como um conceito positivo Retomada dos estudos sobre saúde Campo teórico • Divisão do corpo humano, tecnologização das práticas, fragmentação do saber e surgimento de várias especialidades médicas: desterritorialização da saúde • Década de 70: movimento que busca ‘ressuscitar’ a saúde enquanto objeto científico (Sigerist, 1990) Retomada dos estudos sobre saúde Campo das práticas e políticas de saúde • Críticas aos sistemas de saúde ocidentais: Dependência do modelo assistencialista Individualista Ênfase na dimensão curativa da doença Retomada dos estudos sobre saúde • Anos 40: surgimento do conceito de Promoção da Saúde • Promover saúde X curar doenças: vigilância de saúde, políticas públicas saudáveis, cidades saudáveis • Pensar a saúde positivamente e não como ausência de doença • Retórica e ideologia • Políticas de saúde e pesquisas de campo: privilegiam o conceito de doença SociologiaTeoria do papel social do doente • Elaborada por Talcott Parsons: principal representante do funcionalismo norte americano • Funcionalismo: Vertente do Socialismo Explicar os aspectos da sociedade em termo de funções Estabilidade social SociologiaTeoria do papel social do doente • Base para abordagens de saúde individual (papel social, performance, funcionamento, atividade e capacidade) • Centrada na categoria de doença • Doença como desvio • Enfermidade pode desviar o indivíduo do seu papel social normal • Adequação do estado patológico às normais sociais SociologiaTeoria do papel social do doente • Papel definido do doente: Isenção das responsabilidades sociais Impossibilidade de auto-cuidado Desejo de ficar bem Dever de procurar/cooperar com o tratamento médico • Enfermidade como um aspecto esperado na vida de qualquer pessoa • Saúde mental: aceitação do papel de doente como precondição para a cura Antropologia médica • Estado de saúde de uma população: associado ao seu modo de vida e ao universo social e cultural • Informações culturais: consideradas irrelevantes para as intervenções preventivas e terapêuticas na área da saúde • Informações essenciais: referentes ao diagnóstico biomédico (Kleinman, 1987; Good 1980) Antropologia médicaTeoria do rótulo • Principais representantes: Becker, Scheff e Goffman • Sistematizada nos Estados Unidos na década de 60 • Distinções entre normalidade e patologia • Psiquiatra: principal rotulador legitimado socialmente Antropologia médicaTeoria do rótulo • Diagnóstico rotulação • Goffman e a Carreira do doente mental Diagnóstico psiquiátrico: Estereótipo poderosa Ação da sociedade operação de Comportamento desviante Antropologia médicaTeoria do rótulo • Idéia central: transgressores da norma tornam-se doentes por aceitarem facilmente o rótulo imposto socialmente • Críticas: O ‘desviante’ não é um mero receptor do rótulo social Não consideração das conseqüências positivas da rotulação (sucesso dos tratamentos farmacológicos para depressão, esquizofrenia etc) Antropologia médicaEtnopsiquiatria clássica • Principal representante: Laplantine • Critérios de normalidade universalmente válidos para todas as culturas: Capacidade de comunicação simbólica Auto-estima Reconhecimento da realidade Antropologia médicaNova psiquiatria transcultural • Principais representantes: Kleinman e Good (Grupo de Harvard) • Aprofundar e enriquecer a análise dos componentes não biológicos dos fenômenos da saúde-doença • Crítica aos pressupostos de universalidade dos padrões de saúdedoença de Laplantine • Os padrões de saúde e enfermidade variam não só entre diferentes sociedades mas dentro de uma mesma sociedade • ‘A desordem é sempre interpretada pelo doente, pelo médico e pelas famílias’ (Kleinman & Good, 1985) Antropologia médicaNova psiquiatria transcultural • Elemento chave para os estudos da Nova Psiquiatria Transcultural: Disease Doença processo: Anormalidades de estrutura ou funcionamento de órgãos ou sistemas Illness - Doença experiência: Experiência subjetiva do mal-estar sentido pelo doente • A experiência da doença não é o reflexo do processo patológico • Envolve normas, valores e expectativas, tanto individuais como coletivas Antropologia médicaModelo explanatório • Kleinman (1980) elaborou o conceito de Modelo Explanatório (explanatory model) • Modelo explanatório dos profissionais • Modelo explanatório dos doentes e famílias • Veiculam crenças, normas de conduta e expectativas específicas • Conhecer os modelos explicativos dos grupos facilita a comunicação e permite a realização de intervenções compreensíveis/aceitáveis Antropologia médicaAnálise de redes semânticas • Good (1977) desenvolveu o modelo de análise de redes semânticas (semantic network analysis) • Toda prática terapêutica é eminentemente interpretativa e implica constante trabalho de tradução, decodificação e negociação entre diferentes sistemas semânticos • Não existe correspondência entre os diagnósticos profissionais (orientam os programas de saúde) e os diagnósticos populares (orientam as representações e comportamentos das comunidades) Antropologia médicaSistemas de signos, significados e práticas • Desenvolvido por Corin e Bibeau (1989) • Prolongamento dos trabalhos de Kleiman e Good • Defendem o desenvolvimento de uma nova antropologia médica • Parte dos comportamentos concretos dos indivíduos para remontar o seu universo de crenças e representações • Afirma a necessidade de considerar o contexto sócioeconômico, político e histórico do processo saúde-doença Antropologia médicaLimites • A antropologia médica interpretativa permaneceu limitada às práticas curativas e à perspectiva de saúde como ausência de enfermidade • A noção de promoção da saúde não é mencionada • A normalidade não é explicada nem problematizada Epistemologia médica • Principal representante: Georges Canguilhem: • Oposição à diferença quantitativa entre normal e patológico de Comte (Séc XIX) • Afirmou uma diferença de natureza qualitativa entre estes fenômenos • Rompe com a visão predominante no séc XIX de saúde como adequação a uma norma Epistemologia médica • Para Canguilhem, saúde é a possibilidade de se criar outras normas de vida: Normatividade • Distinção original entre normalidade e saúde: Normalidade: norma de vida, categoria mais ampla que engloba saúde e doença Saúde e doença como normas de vida distintas Doente não é o oposto de normal, mas sim de sadio Epistemologia médica • Saúde como norma de vida superior e doença como norma devida inferior • Saúde: abertura às modificações instituição de novas normas • Doença: impossibilidade de mudança e obediência irrestrita às normas e Epistemologia médica Epistemologia médica • O estado temporário da doença integra a saúde, ainda que eles difiram • Impossibilidade de ‘testar’ a saúde por outro meio que não pela doença • Excluir o estado temporário de doença do conceito de saúde: propostas eugenistas de criação de sociedades totalmente saudáveis • Saúde perfeita como nova patologia Epistemologia médica • Propõe uma reformulação prática da clínica medica: Privilegiar a perspectiva do doente • A observação do doente pode contrariar resultados de exames • A perspectiva do doente antecede o saber científico • A terapêutica deve respeitar o novo modo de vida instaurado pela doença Dimensões da Saúde • • Proposto por Almeida-Filho (1999) Críticas e considerações aos modelos precedentes Dimensões da Saúde • Almeida Filho (1999) distingue 3 níveis conceituais de saúde • Saúde primária: Indicadores considerados universais pelos distintos saberes científicos Aplica-se a todos os indivíduos Inclui o modelo biomédico de saúde • Saúde secundária: • Critérios que definem saúde e doença particulares a um dado grupo social Saúde terciária: Expressão singular, individual das novas normas instituídas pelo sujeito Dimensões da Saúde • Os 3 níveis conceituais de saúde podem ser entendidos a partir de sua definição positiva ou negativa: Positiva: Abertura às transformações (normatividade de Canguilhem) Negativa: Ausência de doença Ambas são estudadas a partir dos níveis individual e coletivo Níveis conceituais e definição de saúde Dimensões da Saúde Conclusões • Não considera uma relação de hierarquia entre as dimensões conceituais de saúde • Os contextos sócio-econômico, político, histórico e cultural encontram-se presentes em todos os níveis • Interagem de forma complexa Dimensões da Saúde • Investiga o conceito saúde sem distinguir saúde somática e psíquica • Delinear uma concepção geral de saúde • Não visa estabelecer valores e regras • Construir uma positividade do conceito de saúde: Multinível Dialético Dimensões da Saúde • Planejamento de políticas capazes de gerar bem estar e evitar riscos • Respeito às condições do contexto social e sanitário • Considerando-se a autonomia e capacidade de criação dos sujeitos históricos Referências Bibliográficas • Almeida-Filho, N. Coelho, M.T. Conceitos de saúde em discursos contemporâneos de referência científica. História, Ciência e Saúde. Vol9(2): 315-33, 2002. • Canguilhem, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro. Forense Universitáia. 4º edição, 1978. • Good, B. Medicine, Rationality and Experience. An anthropological perspective. Cambridge: University Press, 1996.