IPUB/UFRJ DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA E MEDICINA LEGAL PSICOPATOLOGIA ESPECIAL I Sistemas de Classificação em Psiquiatria Profa. Erotildes Maria Leal Prof. Octavio Domont de Serpa Jr. “Em uma certa enciclopédia chinesa, que se chama Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos (…) está escrito que “os animais se dividem em: a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k) l) m) n) Pertencentes ao imperador; Embalsamados; Domesticados; Leitões; Sereias; Fabulosos; Cães em liberdade; Incluídos na presente classificação; Que se agitam como loucos; Inumeráveis; Desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo; Et cetera; Que acabam de quebrar a bilha; Que de longe parecem moscas. Borges, J.L. “O idioma analítico de John Wilkins” IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria A categoria loucura nem sempre foi sinônimo de doença mental. - - A doença mental surge no Sec. XVIII/XIX com Pinel. Antes a loucura era eventualmente objeto de intervenção médica mas não havia um saber específico para lidar com este fenômeno humano. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria A categoria loucura e a sensibilidade médica na era clássica: classificações da loucura e de alguma de suas formas – Felix Plater, Lineo, Boissier de Sauvages. Algumas descrições de sintomas ( delírios alucinações) – Jean Fernel, Johann Weyer. e Abordagens terapêuticas para formas consideradas curáveis: delírio febril, frenesi, etc... Nosografia Pineliana Neuroses* Cerebrais abolição de função ou comas *Neuroses: afecção do sistema nervoso sem lesão, inflamação ou febre alienação mental perturbação da função ou vesânias sonambulismo hipocondria hidrofobia A categoria loucura e o nascimento da psiquiatria – primeiro grande sistema classificatório: 1801- Pinel publica o seu Traité Médico Philosiphique sur L’Alienation (2ª edição em 1809) mania melancolia demência idiotismo (congênito ou adquirido) IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria Características do modelo de conhecimento da psiquiatria, inaugurado por Pinel: Classificar é enumerar sintomas. Eixo da classificação - observação e descrição cuidadosa das formas de loucura. Esquirol (1772-1840) mania lipemania monomanias (intelectual, afetiva, instintiva) demência (aguda, crônica e senil) idiotia As causas da loucura: - físicas -hereditárias -morais Complicações da alienação mental A descendência de Esquirol (1820-1850) Georget e Bayle Georget (1795-1828) - delírio agudo X loucura propriamente dita - causas predisponentes e causas eficientes (morais para a loucura ppte dita e físicas para o delírio agudo) Bayle (1799-1858) Recherches sur les maladies mentales (1822): Paralisia Geral - Sintomas mentais: monomania/mania/dem ência - Sintomas motores: paralisia progressiva - Lesão orgânica: aracnoidite crônica Morel (1809-1873) e a teoria da degenerescência A classificação etiológica de Morel: causas ocasionais e causas determinantes loucuras hereditárias; loucuras por intoxicação; loucuras histérica, epiléptica e hipocondríaca; loucuras simpáticas; loucuras idiopáticas; demência O critério clínico evolutivo : Kahlbaum e Kraepelin Kahlbaum (1828-1899) e as formas de terminação parafrenia; hebefrenia; paranóia; catatonia E.Kraepelin (1856-1926) Compêndio de Psiquiatria (oito edições) Sexta edição (1899): 1)loucuras infecciosas; 2)loucuras de esgotamento 3)Intoxicações; 4) Loucuras Tireogênicas 5)Dementia Praecox; 6) Demência Paralítica; 7) Loucura das lesões cerebrais 8) Loucuras de Involução; 9) Loucura Maníaco-depressiva 10) Paranóia; 11) Neuroses Gerais; 12) Estados Psicopáticos (loucura degenerativa); 13) Suspensões do desenvolvimento psíquico Modelo evolutivo- etiológico – Kraepelin (1896) – a demencia praecox como paradigma. Modelo sintomatológico – Bleuler (1908) – demencia praecox /esquizofrenia Kurt Schneider – o sintoma patognômonico ( sintomas de 1ª e 2ª ordem) IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação na medicina e na psiquiatria –Tipos de classificação: Classificação baseada na etiologia ( pneumonia viral) Classificação baseada em patologia estrutural/anátomo-clínica (doença de Alzheimer) Classificação baseada na fisiopatologia (diabetes mellitus) Classificação baseada na apresentação sintomatológica/sindrômica Classificação dimensional – quando não há linha divisória clara entre o anormal e o normal ( ex: hipertensão arterial) IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação na medicina e na psiquiatria Função: ordena diversidade de fenômenos encontrada na prática clínica. Comunicar, Conhecer e Controlar Objetivo: através da identificação de características clínicas que ocorrem regularmente juntas, prever o desfecho clínico e a resposta ao tratamento. Existe, na história da psiquiatria, vários modos de ordenar os fenômenos encontrados na clínica. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação na medicina e na psiquiatria – Os diferentes modo de ordenar e classificar em psiquiatria indicam posturas teóricas e abordagens diversas, isto é indicam modos diversos de conceber o sofrimento mental e aquele que sofre. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação na medicina e na psiquiatria –Tipos de classificação: Classificação por hierarquia – diagnósticos tem preferência sobre outros Classificação de co-morbidades – diagnostica todas as condições que preenchem critérios diagnósticos Classificação Pluridimensional ou multiaxial -eixos: síndrome clínica, transtorno de personalidade; doença física, gravidade do estresse e incapacidade IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação na psiquiatria – Em 1959, Stengel identificava 37 sistemas oficiais e semi-oficiais de classificação. Conseqüência: 1- Baixa confiabilidade – concordância se um sintoma ou transtorno esta presente ou ausente em determinada situação clínica. 2- tentativa de unificação dos sistemas Confiabilidade (concordância) do diagnóstico em psiquiatria : 60% FONTES DE DISCORDÂNCIA : - variabilidade na obtenção de informações - variabilidade de observação e interpretação - variabilidade dos critérios diagnósticos PARA MELHORAR A CONFIABILIDADE : - afastar dois grandes obstáculos : * diversidade de técnicas de exame - desenvolvimento de escalas, de questionários de auto-avaliação, de entrevistas estruturadas e semiestruturadas * variabilidade de critérios classificatórios - desenvolvimento de critérios diagnósticos (DSM-III, DSM-III-R e DSM-IV; e CID 10) IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação Internacional das Doenças CID - 10 Classificação da OMS para todas doenças. lançada em 1993 com o propósito de se aproximar do DSM. Seção de psiquiatria disponível em três modalidades: - para prática clínica ( descrição das características dos casos típicos e critérios diagnósticos) - para atenção primária ( inclui apenas os diagnósticos mais freqüentes na atenção primária. Fornece descrição de casos e critérios diagnósticos) - para pesquisa ( critérios operacionais ) CID X Sofre influência dos conceitos e da metodologia do DSM. Apresenta esquema de codificação alfanumérico, baseado em códigos com uma letra única, seguida por dois algarismos com até três caracteres: F00 a F98. Para cada transtorno é fornecida uma descrição dos aspectos clínicos principais e aspectos associados. São fornecidas diretrizes diagnósticas, indicando o número e balanço de sintomas necessários a um diagnóstico confiável. Mostra-se como um híbrido de conceitos psicodinâmicos e comportamentais. O CID X também adotou o termo transtorno, ao invés de doença. O CID X manteve o uso do termo neurose e do termo psicogênico, para quadros com origem psicológica presumida. O CID X mantém o uso do conceito de transtornos orgânico-cerebrais. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação do DSM Classificação da Associação Americana de Psiquiatria, Washington D.C. . Revisto de 7 em 7 anos. Editado em 2013, 5a edição . Define-se como ateórico,descritivo, delineando síndromes. Este manual fornece critérios de diagnóstico para a generalidade das perturbações mentais, incluindo componentes descritivas, de diagnóstico e de tratamento. DSM O DSM é um sistema multiaxial de cinco eixos. Eixo I: transtornos psiquiátricos Eixo II: transtornos de personalidade e retardo mental Eixo III: transtornos físicos ou doença médica geral presente Eixo IV: problemas psicossociais e ambientais que contribuem para o transtorno mental (estressores psicossociais) Eixo V: escala de avaliação global do funcionamento do paciente num determinado período (último ano) IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - Conseqüências da hegemonia dos modelos de classificação da CID e do DSM – Os termos doença (disease) (porque indicava patologia física) e enfermidade (illness) (indica um estado de sofrimento subjetivo) caíram em desuso; o termo transtorno (disorder) ganha força Transtorno Mental síndrome psicológica ou comportamental clinicamente significativa associada a sofrimento ou incapacidade (prejuízo em uma ou mais área de funcionamento) ou risco significativamente aumentado de sofrimento, dor, incapacidade, morte, ou perda da liberdade. Não deve ser a resposta esperada e culturalmente sancionada a um evento particular. É a manifestação de alguma disfunção (psicológica ou biológica), mas sem fazer alusão à causa. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - Conseqüências da hegemonia dos modelos de classificação da CID e do DSM – Os termos psicose e neurose, enquanto capazes de descrever entidades nosológicas, desapareceram do sistemas classificatórias atuais. Aparecem apenas como qualificativos. Os termos neurose e psicose são mantidos para uso ocasional descritivo, sem qualquer compromisso com mecanismos psicodinâmicos de formação de sintomas IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação da CID e do DSM. Características comuns VANTAGENS Concordância entre profissionais Dados epidemiológicos Sistema internacional de referência Comunicação com opinião pública, governos, segurossaúde Desmistificação da doença mental IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação da CID e do DSM. Características comuns – categorias (unidades nosológicas) x dimensões/espectros transtornos atípicos (+ de 20% dos casos) IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação da CID e do DSM. Características comuns – estruturado versus lista ( refere-se à organização interna dos componentes das classificações) puras ‘listas, glossários,inventários parciais. Além do mais, as regras de inclusão desses inventários são heterogêneas e se originam de fontes científicas e sociais. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação da CID e do DSM. Características comuns Apresentam basicamente 06 grandes grupos de transtornos Psiquiátricos: - transtornos mentais - transtornos de ajustamento e reações ao stress - transtorno de personalidade - outros transtornos - transtornos iniciados na infância - Retardo mental IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação da CID e do DSM. Características comuns Grupo I:Transtornos mentais anormalidades de comportamento ou experiência psicológica com um início facilmente determinado após um período de funcionamento normal. Grupo II: Transtornos de ajustamento e reações ao stress condições menos graves do que os transtornos mentais e ocorrem relacionados a fatos estressantes ou mudanças de vida IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação da CID e do DSM. Características comuns Grupo III:Transtornos de personalidade inclinação para se comportar de maneira anormal, presente continuamente desde o inicio da idade adulta. Grupo IV: Outros transtornos condições que não se encaixam nos grupos anteriores ( anormalidades sexuais) Grupo V: Transtornos iniciados na infância Grupo VI: Retardo mental prejuízo da função intelectual presente continuamente desde o início da vida CATEGORIAS DIAGNÓSTICAS DO CID X F00-F09 – Transtornos mentais orgânicos, incluindo sintomáticos (demências, delirium, síndromes amnésticas e por lesão cerebral) F10-F19 – Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substância psicoativa (álcool, opióides, canabinóides, sedativos e hipnóticos, cocaína, estimulantes, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis) F20-F29 – Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes F30-F39 – Transtornos do humor (depressão, mania, transtorno bipolar) F40-F48 – Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes (transtornos de ansiedade, fóbicos, obsessivo-compulsivo, dissociativo, somatoforme, reação a estresse) F50-F59 – Síndromes comportamentais associadas com perturbações fisiológicas e fatores físicos (transtornos alimentares, de sono, disfunção sexual, associadas ao puerpério, abuso de substâncias sem dependência) F60-F69 – Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos. F70-F79 – Retardo mental. F80-F89 – Transtornos do desenvolvimento psicológico F90-F98 – Transtornos emocionais e de comportamento com início na infância e adolescência IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - Cuidados indispensáveis no uso das classificação atuais Não esquecer que essas classificações não tem instrumentos para conhecer a singularidade de cada paciente. Produzem diagnóstico padronizado. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - Cuidados indispensáveis no uso das classificação atuais Para minimizar esse problema é preciso conhecer como o paciente lida com o transtorno e com o tratamento. Todos esses aspectos influenciam o prognósticos. Produzir diagnóstico individualizado. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - Cuidados indispensáveis no uso das classificação atuais Não ignorar que os diagnósticos têm peso social( estigma). Considerar essa questão como parte do tratamento. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - Cuidados indispensáveis no uso das classificação atuais Não há uma verdade em si nessas formas de classificar, mas um modo de olhar que produz efeitos sobre o sujeito e sua relação com o mundo. IPUB/UFRJ Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal Psicopatologia Especial I Aula Sistemas de Classificação em Psiquiatria - A classificação na psiquiatria – “ A medicina não é uma atividade contemplativa, mas, sim, uma atividade modificadora; portanto, as classificações têm valor apenas na medida em que possam produzir novas informações sobre os objetos classificados. O fato de as classificações não funcionarem bem (ou seja, de se comportarem como meros instrumentos descritivos)não significa que devam ser abandonadas” Berrios, G.E. / Rev. Psiq. Clín 35 (3); 113-127, 2008