Sistemas Fortemente Correlacionados: Supercondutividade e Magnetismo Raimundo Rocha dos Santos [email protected] Apoio: Esta apresentação pode ser obtida do site http://www.if.ufrj.br/~rrds/rrds.html seguindo o link em “Seminários, Mini-cursos, etc.” Esquema do Mini-curso I. Introdução II. Supercondutores de alta temperatura III. Problemas correntes IV. Conclusões Mecânica Quântica de um elétron: livre, numa caixa 3D 2 2 2 k x2 k y 2 k z2 H 2m 2m 2m H E Ae ik x x ik y y ik z z e e Condições de contorno periódicas (simula invariância de translação em cristais): 2nx , nx 0,1,2,... L quantização! (analogame nte para y e z ) eikx ( x L ) eikx x k x L 2 2 E (2nx 1) L 0 2 mL elétron tem spin (atributo da matéria) ½ : = ou estado de um elétron numa caixa: |k, Mecânica Quântica de um elétron: o átomo de H 2 2 e2 H Rn (r )Ym ( , ) 2m 40 r s p Densidades de probabilidade d n e- mais longe do p+ e Eligação Mecânica Quântica de dois elétrons livres na caixa 3D: distinguibilidade vs indistinguibilidade 2 k12 2 k 22 2 H ; ki kix2 kiy2 kiz2 2m 2m H (r1 , r2 ) E (r1 , r2 ) Se as partículas são distinguíveis: (r1 , r2 ) a (r1 )b (r2 ); a (ri ) eik r a Particulas indistinguíveis: férmions (S = 1/2, 3/2,…) bósons (S = 1,2,…) i a Anti-simétrica se 1 2 =0 se a=b 1 a (r1 )b (r2 ) b (r1 )a (r2 ) 2 Simétrica se 1 2 1 a (r1 )b (r2 ) b (r1 )a (r2 ) 2 Mecânica Quântica de N elétrons livres na caixa 3D Para um gás de N elétrons tem-se a combinação simetrizada: Ca (r1 )b (r2 )c (r3 )... z (rN ) Por exemplo: sejam 5 elétrons ocupando 5 estados distintos (a, b, c, d e e): a ( r1 ) b ( r1 ) ( r1 , r2 , r3 , r4 , r5 ) c ( r1 ) d ( r1 ) e ( r1 ) a ( r2 ) b ( r2 ) c ( r2 ) d ( r2 ) e ( r2 ) a ( r3 ) b ( r3 ) c ( r3 ) d ( r3 ) e ( r3 ) a ( r4 ) b ( r4 ) c ( r4 ) d ( r4 ) e ( r4 ) a ( r5 ) b ( r5 ) c ( r5 ) d ( r5 ) e ( r5 ) Princípio de exclusão de Pauli: se dois elétrons ocuparem o mesmo estado (p.ex., c=d ), a função de onda se anula Exemplo: alocando 10 elétrons nos níveis de energia de uma partícula: Nível de Fermi F -4/L -2/L 2/L 4/L Densidade de estados quânticos dN g( E )dE # de estados no intervalo dE g densidade de estados com energia E d 1 g( E ) E 2 N.B.: gás de eletrons (i.e., sem rede)! d=3 d=2 d=1 E Importância de efeitos quânticos (indistinguibilidade): Baixas densidades: não há interferência Altas densidades: efeitos de interferência Pressão do gás de elétrons a baixas densidades e/ou altas temperaturas (contato com o gás ideal usual): N N P k BT 1 0.18 V V h 2mk BT 2 3 2 2 N o V Pressão Densidade Desvio do gás ideal devido às correlações introduzidas pela estatística de Fermi O estado de cada elétron influencia os estados dos demais Elétrons (independentes) em sólidos: potencial cristalino periódico a a elétrons quase-livres [menos localizados] a limite atômico [mais localizados] dE dE Pergunta: quantos estados quânticos há num intervalo de energia dE ? Densidades de estados (elétrons quase-livres ou tight-binding) Metal Isolante ou Semicondutor Depende da magnitude do gap: •isolante se eV •semicondutor se 0.1 eV A aproximação de elétrons independentes com o modelo de bandas explica boa parte dos comportamentos observados: • metais • isolantes • semicondutores Mas, cuidado com bandas estreitas (p.ex., d e f ): maior tendência à localização elétron passa mais tempo perto do núcleo tem maior chance de encontrar outro elétron no mesmo núcleo interação repulsiva (Coulombiana) entre elétrons não pode mais ser desprezada os e se movimentam solidariamente, para minimizar a energia fortemente correlacionados Ilustração com a molécula de H2 : 1(r) 2(r) + + orb ( r1 , r2 ) ( r1 ) ( r2 ) 1 ( r1 ) 2 ( r1 ) 1 ( r2 ) 2 ( r2 ) 1 ( r1 ) 1 ( r2 ) 2 ( r1 ) 2 ( r2 ) 1 ( r1 ) 2 ( r2 ) 2 ( r1 ) 1 ( r2 ) 2 elétrons em torno de cada próton 1 e só 1 elétron em torno de cada próton Limite de forte repulsão entre os e: a presença de um e em torno de um p+ inibe completamente a presença do outro e correlação extrema Levando em conta o spin: “Interação magnética” responsável pelo ordenamento magnético: troca (exchange) = repulsão coulombiana + princípio de Pauli Molécula de H2 Spins paralelos elétrons mais afastados diminui atração dos núcleos menor energia de ligação Energia (Ry) Spins anti-paralelos elétrons mais próximos aumenta atração dos núcleos maior energia de ligação E J S1 S2 Separação intermolecular (a0) acoplamento de troca: depende do recobrimento dos orbitais atômicos (Pausa para introduzir notação) Partículas indistinguíveis não importa qual partícula está num dado estado, mas quantas partículas estão naquele estado; se férmions, só 0 ou 1; se bósons, mais de 1; assim, podemos construir um espaço com esta info relevante, na , nb , nc , nd , ne , n f , ng , nh ,... onde os a, b, c, d,...podem ser, p.ex., • k ou • orbitais “atômicos” centrados nos sítios da rede adicionand o partículas : 0,0,0,1,... cd 0,0,0,0,... cd 0 0,1,0,1,... cb 0,0,0,1,... cb cd 0 extraindo partículas : 1,1,0,1,... cc 1,1,1,1,... 0,1,0,1,... ca cc 1,1,1,1,... operador número : cb cb na nb nc nd ... nb na nb nc nd ... operador que transfere férmion de d para a : ca cd na nb nc nd ... (na 1) nd na 1 nb nc nd 1... (Fim da pausa para introduzir notação) Em resumo: um sistema é fortemente correlacionado quando o movimento de uma partícula influencia de modo fundamental o movimento das demais, e vice-versa. Conseqüência: a aproximação de partículas independentes pode falhar seriamente P.ex., pode prever um comportamento metálico para alguns isolantes Por que sistemas fortemente correlacionados são importantes? Ajuste coletivo entre carga e spin dá origem a comportamentos interessantes: • ordenamento magnético • transição metal-isolante • supercondutividade • ondas de densidade de carga • quantização da resistência (Efeito Hall Quântico Fracionário) • efeito Kondo • férmions pesados •... A explicação de vários destes comportamentos só foi possível pela introdução de novos conceitos e idéias. E muitos destes comportamentos ainda não foram explicados! O entendimento destes sistemas se beneficia da introdução de modelos simplificados: • • • • explicita mecanismos mais importantes “simplicidade” cálculos factíveis poder de previsão comparação com dados experimentais permite melhorias sistemáticas Objetivos: • determinar a natureza do estado fundamental • determinar a natureza das excitações elementares • entender sistemas inomogêneos •... Vamos ilustrar vários destes aspectos com um caso de estudo: os supercondutores de alta temperatura (HTCS) II. A Dinâmica do Método Científico: o exemplo da supercondutividade de alta temperatura Supercondutividade convencional: 1) Resistência nula Metal normal 2) Efeito Meissner Campo magnético não entra na amostra Levitação magnética filme: http://www.fys.uio.no/super/ Aplicações tecnológicas no dia-a-dia? $ 4He N2 gelo -269 -250 -200 -150 SUC’s convencionais 0 SUC’s de alta temperatura T (°C) O diagrama de fases de um supercondutor de alta Tc Diferenças fundamentais entre os SUC’s: •alta Tc •estado normal metálico ou isolante (dep de x) •proximidade de uma fase magnética Estrutura cristalina: distância entre planos de CuO2 ~ 2 distância Cu-O planos isolados bom ponto de partida Cálculos de bandas: caso não-dopado (x = 0): Metal ???? Incluindo correlação, o comportamento isolante (correto!) é obtido Ordenamento antiferromagnético: planos de CuO2 O Cu Descrição simplificada do isolante antiferromagnético dopado transfere buraco do sitio j para i H t c i i, j j i c j c c sítios de Cu Favorece o salto do buraco entre sítios (Modelo de Hubbard) U n n i i i Repulsão Coulombiana: a energia total aumenta se 2 e’s ocuparem o mesmo orbital termo de correlação S/ dopagem: energia é minimizada se colocarmos 1 buraco por sítio os buracos tendem a ficar localizados nos sítios sistema é um isolante (Mott) (para qq valor da repulsão Coulombiana) C/ dopagem: buracos adicionais são “compartilhados”, diminuindo o momento local a tendência à ordem é enfraquecida O que o modelo simplificado prevê (2 dimensões)? Teoria de Campo Médio (teoria de 1 partícula) Simulações de Monte Carlo Este exemplo ilustra que a dimensão, d, do sistema desempenha um papel crucial: d desvios do comportamento médio (flutuações) Teorias de Campo Médio podem prever comportamentos pouco realistas em d = 1 ou 2 Comportamento magnético razoavelmente bem explicado pelo modelo simplificado E como explicar a fase AFM se estender a uma dopagem não-nula? multi-orbitais, 3a. dimensão, etc Vejamos agora a fase SG: Inicialmente pensou-se tratar de uma fase de vidro de spin [spinglass], mas estudos experimentais e teóricos recentes sugerem tratar-se de uma fase listrada Fase listrada melhor observada num “primo” dos supercondutores Formação de CDW [onda de densidade de carga] novo ingrediente: ordenamento direcional dos orbitais d do Mn Ondas de densidade de carga e ondas de densidade de spin Separemos os elétrons em duas “espécies”: spin- e spin- N.B.: Em 1-D não há ordem magnética de longo alcance; a SDW é um estado quase-ordenado Se período da CDW incomensurável com a rede [i.e., r a; r racional e a parâmetro de rede] transporte de corrente é não-ômico ômico não-ômico Explicação: analogia mecânica Acredita-se que nos HTCS haja um equilíbrio entre o ordenamento de spin (AFM, nao SDW) e o ordenamento de cargas (tipo CDW) ao longo de uma direção ( na Fig.): As cargas tendem a se agrupar em regiões de menor ordem AFM Vejamos agora a Supercondutividade: Qual o mecanismo (i.e., o que torna alguns materiais) SUC? Para responder a esta pergunta, voltemos aos SUC convencionais log10 Tc Efeito isotópico: = 0.504 Tc M (M é a massa do isótopo utilizado como íon da rede) log10 M ions participam ativamente fônons Frölich (1951): Um elétron pode atrair outro, via interação com os fônons: 2 elétrons interagindo atrativamente em presença do mar de Fermi formam um estado ligado: par de Cooper (1957) Estados desocupados F Estados ocupados Gás de e `s + interação atrativa Conseqüência: abre-se um gap no espectro energia energia Para entender o papel do gap, analisemos o processo de condução em metais normais (cargas negativas): momento k i 0 j0 k i momento i 0 j0 i dens. de corrente Buraco só é espalhado ( resistência) pq há estados finais disponíveis KCM = 0 momento energia energia Condução por pares: momento Para um par “sentir” a impureza teria que ser quebrado: KCM 0 alto custo energético (gap!) Ao formarem pares, os elétrons “se vacinam” contra as fontes de resistência Teoria BCS [Bardeen, Cooper & Scrieffer] (1957): k BTc –h 1 D exp g ( ) u F escala dede energia: determinada intensidade daestados interacao viadefonon densidade no e-e nivel Fermi pelos fonons temperaturas limitadas a 30 K HTCS: ausência de efeito isotópico sugestiva de outro mecanismo eR=0 0 Tc T R=0 0 conv Tc HTCS T* T Candidato: interação (magnética) entre spins Até o momento não há teoria satisfatória para os HTCS!!! III. Problemas correntes • Física de Nanotubos • Correlações eletrônicas em super-redes • Coexistência entre supercondutividade e magnetismo • Semicondutores magnéticos diluídos • (Supercondutores desordenados) • Redes Ópticas Nanotubos metálicos de carbono Contatos de Au Nanotubo de Carbono (Pausa para falar de Nanociência e Nanotecnologia) Propriedades físicas dos Nanotubos de Carbono: • suportam tensão longitudinal ~ 100 vezes maior que aço (de mesmas dimensões), com peso bem menor; • resistência a dobras é das maiores conhecidas; • um CNT é a estrutura mais fina e dura, feita pelo homem, capaz de se apoiar a si própria e que é quimicamente inerte na atmosfera. • alguns tipos de CNT’s são bons condutores; • razão de aspecto comprimento/diâmetro é uma das maiores conhecidas: ~cm/nm = 107 Ph. Avouris, IBM Contatos de Au Nanotubo de Carbono STM = Scanning Tunnelling Microscope Nanociência: ponto de encontro da Física, Biologia e Química (Fim da pausa para falar de Nanociência e Nanotecnologia) Nanotubos de VOx, x ~ 0.24 + doping - doping FM a T ambiente Krusin-Elbaum et al., Nature 431, 672 (2004) Modelo simplificado para estudar a competição entre correlações eletrônicas e geometria (Monte Carlo Quântico; Bruno Camerano, IC) Tubo Simples Tubo Duplo Supercondutividade e magnetismo em sistemas de camadas Micro-camadas: os carbetos de Boro R = Sc, Y; Terras raras RT2B2C RTBC T = Ni, Co, Pd, Pt Coexistência entre ordens (antiferro) magnética (4f) e supercondutora em alguns compostos de uma camada... [Canfield et al., (1998)] ...mas não se consegue uma sistematização dos dados: • RT2B2C 1 camada RC T=Ni R=Sc, Y, Ce, Dy, Ho, Er, Tm, Lu, U, Th SUC coexistência SUC e MAG (exceto Lu) R= Yb Heavy fermion • RTBC 2 camadas RC T=Ni sem SUC, sem HF • T=Co 1 camada R=Lu, Tm, Er, Ho Dy, Gd, Ce sem SUC • R=La 1 camada T=Ni sem SUC; sem MAG T=Pd, Pt SUC Necessário uma teoria simples – int e-fonon + BCS OK! – que incorpore efeitos de camadas Modelo* U<0 U=0 U<0 U=0 U<0 U=0 RT2B2C RTBC U<0 U=0 U=0 U<0 U=0 U=0 T2B2 RC (sem elétrons f ) H t (ci ci 1 HC ) U i ni ni i ni i * T Paiva & RRdS [PRL (1986)] i i sítios atrativos 35 L0=2 L0=1 30 I 25 20 =5/3 C= 0 DC= 0 I 15 S 10 M 5 0 0 5 10 |U| 15 20 0 M S 5 10 15 20 |U| Bom acordo com a experiência: a presença de uma segunda camada de RC de fato desfavorece a SUC. [T Paiva, M El-Massalami, & RRdS, em andamento (2002)] Sistematização 10 SUC Co Ni Rh Pd Ir Pt 5 Y Nd Pr La RPt2B2C Y Nd Pr La RPd2B2C La RIr2B2C Lu Yb TmEr Ho Y Dy Tb Gd Eu SmCe Nd Pr La RNi2B2C La RRh2B2C Lu Yb TmEr Ho Y Dy Tb Gd Eu SmCe Nd Pr La RCo2B2C Metal 0 0 | U4 | 8 12 16 Raio atômico 20 •Fixando os dados sobre a série do Ni, determina-se a fronteira SUC-M •Adiciona-se as outras séries de metais de transição, respeitando o raio atômico •Pode-se prever, a partir daí, se determinado composto será, ou não, SUC Próximas etapas: • Incluir os momentos magnéticos (localizados) dos elétrons f para investigar coexistência entre MAG e SUC • Estudar redes em 2D e 3D Semicondutores magnéticos diluídos Mn2+ substitui Ga3+ em GaAs cede um buraco [estado p] p/ banda de valência, enquanto que elétrons na camada d contribuem com spin S = 5/2 [Grande potencial de aplicações tecnológicas (‘spintronics’)] Os spins do Mn se ordenam ferromagneticamente abaixo de Tc , cujo valor depende de x em Ga1-xMnxAs: [F Matsukura et al., PRB (1998)] Modelo simples: Interação entre um buraco e Mn é AFM, tornando FM a interação efetiva entre os Mn = Mn, S =5/2 = buraco, S =1/2 Mas, como a densidade de buracos depende da densidade de Mn? Como varia a magnetização com a densidade de Mn? 1buraco/ Mn Há um aumento na densidade de buracos ao entrar na fase metálica Quanto maior T, mais restrita é a faixa de composições onde os Mn se alinham Questão a ser investigada: natureza das transições Metal-Isolante Importante investigar mecanismos que aumentem a concentração de buracos [RRdS, L E Oliveira, & J d’A. e Castro, (2002)] Próximas etapas: • Abandonar TCM: modelo microscópico em 1D para testar o “gás de buracos” como mediador da interação entre os Mn • Simulação de aprisionamento de buracos devido a defeitos na rede IV. Conclusões • Efeitos muito interessantes, característicos de comportamentos coletivos • Desafiadores por demandarem novas idéias físicas • Em geral, os (muitos) dados experimentais disponíveis ainda aguardam explicações teóricas.