Mulheres, trabalho e família: principais desafios e perspectivas no contexto mundial Encontro das Mulheres Trabalhadoras da CSB Josandra Rupf Diretora de Gênero do Sindiupes Gênero: o que é? É um conceito/categoria das ciências sociais, elaborada no interior do pensamento feminista, que diz respeito às diferenças socialmente atribuídas ao feminino e ao masculino, cujas marcas se inscrevem, sobretudo, nos corpos das pessoas. As marcas de gênero se intersectam a outras marcas - raciais, étnicas, de classe, de idade, de orientação sexual, etc. – produzindo hierarquias, ou seja, relações sociais assimétricas e desiguais em termos de poder. Gênero “Gênero não é sinônimo de sexo (masculino ou feminino), mas corresponde ao conjunto de representações que cada sociedade constrói, através de sua História, para atribuir significados, símbolos e características para cada um dos sexos” (Auad 2008). Para Grossi (2005), Gênero é uma construção cultural, processado na educação formal e informal de homens e mulheres, contrariamente do senso comum, a qual compreende que biologicamente o sexo, por si só, determina os comportamentos masculinos e femininos. “Gênero se refere ao conjunto de relações, atributos, papéis, crenças e atitudes que definem o que significa ser mulher ou homem na vida social. Na maioria das sociedades as relações de gênero são desiguais e desequilibradas no que se refere ao poder atribuído a mulheres e homens. As relações de gênero, quando desiguais, tendem a aprofundar outras desigualdades sociais e a discriminação de classe, raça, casta, idade, orientação sexual, etnia, deficiência, língua ou religião, dentre outras. OUTROS CONCEITOS: Sexo: Expressão biológica que define um conjunto de características anatômicas e funcionais (genitais e extragenitais). Sexualidade: entendida de forma mais ampla; é expressão cultural. Inclui sentimentos, fantasias desejos, sensações e interpretações. Orientação Sexual: atração afetiva e/ou sexual que uma pessoa sente pela outra. Varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. Não é uma opção consciente que possa ser modificada por um ato de vontade. Identidade Sexual: conjunto de características sexuais que diferenciam cada pessoa e que se expressam pelas preferências sexuais, sentimentos ou atitudes em relação ao sexo. É o sentimento de masculinidade ou feminilidade que acompanha a pessoa ao longo da vida. Nem sempre está de ligado com o sexo biológico ou com a genitália da pessoa. As desigualdades de gênero foram construídas historicamente, em decorrência de um modelo de sociedade, marcadamente Patriarcal, baseado numa forte organização sexual hierárquica, partindo do domínio masculino na esfera familiar, transposta para a esfera pública. Na contraposição dessa organização social, nasce o Feminismo, tendo características de um movimento social e político, com objetivo de igualdade dos sexos. Simone de Beauvoir Trabalho: uma categoria histórica socialmente construída Trabalho pode estar associado à dor, ao sofrimento e ao castigo. De forma diferente, French (1992, p.57) ressalta que, de fato, o trabalho pode representar ao mesmo tempo, uma atividade penosa, um fardo, uma doença ou sofrimento. Por outro lado, o mesmo autor observa que o trabalho pode também ter uma conotação prazerosa, dando sentido à vida, formando uma identidade pessoal, denotando crescimento e desenvolvimento Com a ascensão da burguesia e as novas relações de produção que se estabeleceram, o trabalho passa a ser associado à possibilidade de riqueza devido ao acúmulo de capital e a liberdade. Muda-se, portanto, a lógica de compreensão sobre o trabalho, o qual passa a adquirir uma forma particular. Nesta ótica, o trabalho passa a existir em função do capital e não mais exclusivamente em função das necessidades humanas. O trabalho humano é, portanto, caracterizado como “a atividade prática material pela qual o operário transforma a natureza e faz surgir um mundo de produtos. Essas transformações presentes ou em curso, em maior ou menor escala, dependendo de inúmeras condições econômicas, sociais, políticas, culturais, étnicas, entre outras, dos diferentes contextos onde são vivenciadas, refletem diretamente na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras, acarretando mudanças no mundo do trabalho. Sem dúvida alguma, as mudanças ocorridas a partir da segunda metade do século XX foram cruciais para as transformações do modo de vida dos trabalhadores e das mulheres. Sob o manto do Estado de bem-estar social, sobretudo nos países centrais, as mulheres conquistaram enormes direitos com relação à maternidade, ao trabalho, à saúde, à educação, ao voto, configurando uma importante legislação social e também uma maior inserção na esfera econômica, cultural e política Segundo o relatório da Organização Internacional do Trabalho de 2008, o número de mulheres que trabalham aumentou em quase 200 milhões ao longo do último decênio, atingindo 1,2 bilhão em 2007, contra 1,8 milhões de homens. Este crescimento, ao lado do maior espraiamento do capitalismo pelo planeta e da consequente diversidade cultural, é um dos principais aspectos da recomposição do proletariado. Cada vez mais a classe trabalhadora tem, como observou Souza-Lobo (1991), dois sexos, além de múltiplas cores. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E RELAÇÕES DE GÊNERO Divisão sexual do trabalho refere-se à distinção das atividades que são desenvolvidas pelos homens e pelas mulheres, se constitui em uma das bases da organização econômica da sociedade e seu impacto se dá, principalmente, nas relações de gênero. MAS DE FATO A MULHER ALCANÇOU O MERCADO? As atividades consideradas femininas estão sempre associadas com a função de reprodução, em geral, são as atividades que estão relacionadas ao espaço privado da família e à produção de valores de uso para o consumo familiar. Já as atividades destinadas à produção social e que são desenvolvidas no espaço público são tidas como uma atribuição masculina, permite perceber que os papéis sexuais, os quais são socialmente construídos, condicionam a participação dos homens e das mulheres no mercado de trabalho. O TRABALHO FEMININO Historicamente a mulher brasileira, sobretudo a mulher branca, é vista como esposa obediente, recolhida e, sobretudo, passiva. Essa imagem da mulher encontra-se nos relatos de Freyre (1984), o qual retrata a família patriarcal brasileira e nela a situação da mulher no período colonial. A mulher branca é descrita como dependente e subordinada, a qual sujeita-se à dominação do pai ou do marido. A mulher desta época, portanto, sempre se dedicou ao espaço privado, o trabalho para ela só estava relacionado aos afazeres domésticos. E AS MULHERES NEGRAS? A Mulher no Mercado de Trabalho #As mulheres constituem 70% dos mais pobres no mundo, nos últimos 20 anos, o número de mulheres que vive abaixo da linha de pobreza cresceu 50%; #No Brasil, de todas as pessoas que recebem o salário mínimo, 53% são mulheres; o preço da hora de trabalho de uma mulher chega, em média, a custar 14,3% a menos do que aquela paga a um homem; #As mulheres representam a maioria dos trabalhadores em tempo parcial e do setor informal e têm uma taxa de desemprego maior que o setor masculino... Educação Ainda conforme Louro (1997), não é nenhuma novidade que currículos, metodologias de ensino, linguagens e processos de avaliação sejam campos das diferenças de gênero, de sexualidade, de etnias, de classe e que, portanto, precisam ser questionados. Deve-se observar que nos arranjos escolares estão presentes as múltiplas e complicadas combinações de gênero, sexualidade, classe, raça, etnia, e que nós mesmos/as estamos envolvidas/os nessas relações de poder, as quais teremos que questionar. DESIGUALDADE INTRAFAMILIAR A perda do poder aquisitivo do salário - o homem perde o papel de único responsável pela manutenção familiar. Apesar dos postos de trabalho ocupados pelas mulheres serem em geral, subalternos, sua incorporação ao mercado de trabalho é fundamental para garantir a sobrevivência familiar. Diante destas afirmações, verifica-se que o trabalho da mulher já não é visto somente como complemento da renda familiar, na maioria das vezes é o principal rendimento da família, mesmo diante do preconceito e a desigualdade que predominam nas relações de trabalho. DUPLA JORNADA FEMININA Esquecidas de si mesmas, acabam por postergar um debate que se faz urgente: a divisão desigual das responsabilidades da família, a injustiça de sozinha, ter de dar conta de um trabalho de que todos usufruem. Fica evidente a sobrecarga de responsabilidades das mulheres em relação aos homens. As mulheres são as principais responsáveis pelas atividades domésticas e pelo cuidado com os filhos e demais familiares, além das suas atividades econômicas. Exemplificando concretamente essa sobrecarga, observa-se que “os homens gastam nessas atividades, em média, 10,6 horas por semana e as mulheres, 27,2 horas” (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2007). As mulheres “desempenhando múltiplos papéis na esfera pública e em suas vidas cotidianas, muitas mulheres deixaram de restringir suas aspirações ao casamento e aos filhos”. A Maternidade e a escolarização das mulheres 39% das brasileiras sem filhos trabalham, mas esse número caía para menos de 27% entre as mães. Porém, quando os filhos crescem e as mães podem ser substituídas ou ajudadas pela escola, sua disponibilidade para o trabalho volta a aumentar. Cerca de 41% das mães de filhos maiores de 7 anos trabalham, superando a atividade das que não eram mães. (BRUSCHINI, 1994) Outro fator possível de ser analisado refere-se ao estado civil das mulheres, como mostra Bruschini (1994): “entre aquelas que tem filhos entre de 1 a 4 anos de instrução, 28% das solteiras e 17% das casadas trabalham” . A maternidade afeta a escolarização das mulheres meninas de 15 a 17 anos sem filhos 88,1% estão estudando, para aquelas que tem um filho somente 28,5% e 68,7% não estudam e nem completam o ensino médio, dificultando assim a entrada no mercado, Estão em sua maioria ocupando postos de empregadas domesticas e de empregos no comercio e serviços. Essa diferença, entretanto, diminuía de forma considerável entre as mais escolarizadas “no grupo das mulheres com mais de doze anos de estudo, as taxas de atividade, além de muito mais elevadas, eram semelhantes entre as casadas e as solteiras, respectivamente 69% e 74,4%”. Deste modo, constata-se que a combinação de vários fatores estaria, portanto, levando as mulheres de escolaridade e nível sócioeconômico mais elevado, bem como as economicamente ativas, a ter um número reduzido de filhos. De quem é a responsabilidade pelo cuidados com os filhos? a) até que ponto às percepções sobre o acesso das mulheres ao mercado de trabalho e sua realização profissional correspondem às percepções menos tradicionais sobre o tipo de participação masculina na vida familiar e cotidiana? b) em que medida as transformações femininas no mundo doméstico para o público correspondem às transformações masculinas no sentido inverso? As atividades femininas sempre estão associadas com a função de reprodução e que ainda persiste a ideia mulher como o sexo frágil, responsável pelo lar. as: [...] mudanças sociais, tais como o ingresso da mulher no mercado de trabalho e as novas tecnologias reprodutivas, têm impacto em termos de renegociar o significado da paternidade. Há paradoxos e tensões em torno dos significados da paternidade, que influenciam a forma como os homens se vêm a si próprios como pais e como praticam a paternidade. Em tal contexto surge o conceito do “novo pai”, mediante o qual a paternidade é considerada uma oportunidade para expressar sentimentos, participando ativamente no cuidado dos filhos, e tendo relação igualitária e fluida com a parceira, o que se expressa na divisão de tarefas. Vale ressaltar que: Pensar com “lentes de gênero” é aprender a interrogar cotidianamente sobre os efeitos de poder nas relações e práticas sociais diversas. Sendo construções sociais e arbitrárias, podem ser modificadas. Portanto, gênero é, sobretudo, um conceito político, uma ferramenta de transformação das relações sociais. Como as mulheres que militam no movimento sindical podem contribuir com o empoderamento das mulheres Trabalhadoras ? “Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre.” Pagú. Josandra Rupf Professora Advogada Especialista em Direito de Família e Gestão Pública de Gênero e Raça. [email protected] Tel: 999716565