•6. Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios Gilberto Maringoni – UFABC - 2014 História das relações internacionais Antonio Carlos Lessa • As décadas de 1850 e 1860 foram o período de expressão bem sucedida das nacionalidades. • O século que se iniciou sob os escombros da Revolução Francesa viu despontar o nacionalismo e o liberalismo como idéias de forças que foram impulsionadas em movimentos revolucionários, contidas em contrarrevoluções e consolidadas na unificação. • Novas tensões surgiram dessa longa evolução, novos fatos mudaram a feição da política internacional e das relações intraeuropeias. O principal deles foi o surgimento de um poderoso Estado na Europa Central, com a unificação da Alemanha • A Era dos Impérios • Eric Hobsbawm • O período entre 1875 e 1914 pode ser chamado de Era dos Impérios não por ter criado um novo tipo de imperialismo, mas também por um motivo muito mais antiquado. Foi provavelmente o período da história mundial moderna em que chegou ao máximo o número de governantes que se autodenominavam imperadores ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse título. • Na Europa, os governantes da Alemanha, Áustria, Rússia, Turquia e (em sua qualidade de dirigentes da índia) Grã-Bretanha reivindicavam esse título de imperador. Dois deles (Alemanha e Grã-Betanha/Índia) eram inovadores dos anos 1870. Eles mais que compensaram o desaparecimento do Segundo Império de Napoleão Bonaparte III, da França. • Foi um período de ausência de conflitos entre as potências européias, o que não significa ausência de tensões. Nesse período, o mundo do Congresso de Viena foi reestruturado completamente. A principal marca do período foi a universalização da hegemonia européia por todo o planeta. • No continente, os principais eventos são o surgimento da Alemanha, a nova potência, e a Itália como países unificados, em 1870. Fora da Europa, o fator a contar foi a ascensão dos Estados Unidos no centro da cena mundial. • A base teórica do nacionalismo econômico • Georg Friedrich List (1789-1846) • Foi um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XIX. Investindo contra as postulações do livre mercado e elegendo as idéias de Adam Smith como seu alvo principal, • List construiu uma pequena, mas contundente obra, composta especialmente por seu Sistema nacional de economia política e por centenas de artigos publicados esparsamente. • O centro de suas formulações era a idéia de nação como lócus central da atividade econômica. Defensor da industrialização e entusiasta das estradas de ferro na disseminação do progresso, List batia-se pelo protecionismo estatal para a indústria infante, expressão que cunhou : • “A característica básica deste meu sistema reside na NACIONALIDADE (sic). Toda minha estrutura está baseada na natureza da nacionalidade, a qual é o interesse intermediário entre o indivíduo e a humanidade inteira”. • Ao se voltar para o passado, o economista dizia: • “Se pesquisarmos a história de Veneza, sem preconceitos, verificamos que, em seu caso, como no de grandes reinos em períodos posteriores, tanto a liberdade de comércio internacional, como as restrições impostas a tal comércio, foram benéficas ou prejudiciais para o poder e para a prosperidade do país, em épocas diferentes (...) • Assim, a História demonstra que as restrições à liberdade de comércio não são tanto invenções de mentes meramente especulativas, mas antes conseqüências naturais da diversidade de interesses e dos anseios das nações por independência ou ascendência de poder”. • List percebeu o que mais tarde viria a ser conhecido como relações desiguais de troca entre nações, ao avaliar a disparidade de valores entre a produção industrial e a agrícola. Os trechos seguintes indicam o caminho de suas idéias: • “Uma nação que só possui agricultura é um indivíduo que em sua produção material trabalha com um braço só. (...) Uma nação que troca produtos agrícolas por produtos manufaturados estrangeiros é um indivíduo com um braço só, sustentado por um braço estrangeiro”. • Um Estado puramente agrícola é uma instituição infinitamente menos perfeita que um Estado agromanufatureiro. Um Estado meramente agrícola será, do ponto de vista econômico e político, sempre dependente dos países estrangeiros, que recebem seus produtos agrícolas em troca de bens manufaturados. • Tal nação não conseguirá determinar quanto deve produzir, devendo sempre esperar e verificar quanto os outros desejarão comprar. • “Uma nação manufatureira tem centenas de oportunidades a mais de aplicar a força da maquinaria do que uma nação agrícola. Um aleijado, dirigindo um motor a vapor, pode produzir centenas de vezes mais do que um homem mais forte pode com sua força manual”. • Para sanar tais discrepâncias, List propõe uma política francamente intervencionista: • “O Estado não somente tem o direito, mas também o dever de impor certas normas e restrições ao comércio (o qual é, em si mesmo, inofensivo), na salvaguarda dos interesses superiores na nação”. • “O poder político não apenas assegura à nação o aumento de sua prosperidade por meio do comércio exterior e das colônias estrangeiras, mas também lhe garante desfrutar de prosperidade interna, e a própria existência, o que é muito mais importante do que a riqueza material”. • O que se pode extrair da formulação de um conceito liberal de nação em List é que, independente da necessidade de grandes extensões e populações para o desenvolvimento da economia nacional, a ligação entre Estado e nação se fortalece por somar-se à economia. • Mas, se as dimensões físicas do território são relevantes, a nação depende de um contínuo estado de expansão que realizar-se-ia pela união ou conquista de populações que, por si só, seriam incapazes de atingir uma extensão territorial que favorecesse o desenvolvimento de sua economia. • Hobsbawm • Não se pode negar então que, a concepção liberal de nação “realizável” era uma expressão da idéia de progresso humano defendida pelo século XIX, integrando a nação moderna ao ideário do liberalismo. • O princípio de nacionalidade submetido às categorias criadas pelo liberalismo para definir a nação não permitia sua aplicação a todos os projetos políticos nacionais, eliminando qualquer caracterização desse princípio como universal. A nação ainda continuava sendo definida em sua íntima relação com o território através de um processo político expansionista dos Estados. • Hobsbawm • “Assim, na perspectiva da ideologia liberal, a nação (isto é, a grande nação viável) representava o estágio de evolução alcançado na metade do século XIX. Como vimos, a outra face da moeda ‘nação como progresso’ foi portanto, e logicamente, a assimilação de comunidades e povos menores aos maiores”. • “No entanto, desde que o número de Estadosnações era pequeno no início do século XIX, a questão óbvia para as mentes inquiridoras era quais das numerosas populações européias classificáveis como uma ‘nacionalidade’, com alguma base, poderiam tornar-se um Estado (ou alguma forma menor com reconhecimento administrativo e político distinto) e quais dos numerosos Estados existentes estariam imbuídos do caráter de ‘nação’. A construção de listas com critérios de existência de nação potenciais ou reais servia a esse objetivo”. • A unificação da Alemanha 1871 • A construção do império alemão se constituiu numa das principais inflexões da historia das relações internacionais do último quartel do século XIX. O país dominaria as relações intereuropeias. • Fruto da engenharia política do chanceler prussiano Otto Von Bismarck, o império alemão ocupou o centro da cena política européia. • Em 1870, sua população já era maior que a da França, com o diferencial de que tinha um nível educacional mais elevado e uma boa estrutura universitária e científica.A Alemanha unificada surgira repentinamente como a maior potência da Europa continental, com um grande e bem treinado exército, forças navais em expansão e, especialmente, dotada de excelente estrutura de transportes e comunicação, além de um parque industrial moderno e em expansão. • Com isso, o equilíbrio do sistema construído no Congresso de Viena, em 1815, estava comprometido. • A partir de 1871, a Alemanha comandada por Bismarck tinha duas ambições principais. • Internamente o centro de sua ação passou a ser o crescimento econômico e o reforço à coesão do novo país, eliminando as resistências das minorias absorvidas. No processo de unificação das províncias francesas da Alsáscia e da Lorena, mas também de minorias polonesas e dinamarquesas incorporadas na guerra contra a Áustria. • No plano externo, a ação era para garantir a integridade do Império. • Guerra franco-prussiana • A Guerra franco-prussiana o (19 de julho de 1870 - 10 de maio de 1871) foi um conflito ocorrido entre França e o Reino da Prússia no final do século XIX. Foi essencial no processo de unificação alemão. • Durante o conflito, a Prússia recebeu apoio da Confederação da Alemanha do Norte, da qual fazia parte, e dos estados do Baden, Württemberg e Baviera. A vitória incontestável dos alemães marcou o último capítulo da unificação alemã sob o comando de Guilherme I da Prússia. • Também marcou a queda de Napoleão III e do sistema monárquico na França, com o fim do Segundo Império e sua substituição pela Terceira República Francesa. Também como resultado da guerra ocorreu a anexação da maior parte do território da Alsácia-Lorena pela Prússia, território que ficou em união com o Império Alemão até o fim da Primeira Guerra Mundial. • As causas da Guerra estão profundamente enraizadas nos eventos que cercam o equilíbrio de poder entre grandes potências após as Guerras Napoleônicas. França e Prússia eram inimigos durante essas guerras, com a França do lado derrotado e Napoleão I exilado para Elba. • Após a ascensão de Napoleão III e com o final da Guerra da Criméia, cria-se uma condição favorável para a unificação Alemã que, em pouco tempo, os trouxe para a guerra após a Guerra dos Ducados (1864), contra a Dinamarca e a Guerra Austro-Prussiana (1866). • O chanceler prussiano Otto Von Bismarck e seus generais estavam interessados em uma guerra contra a França, pois esse país punha empecilhos à integração dos Estados do sul da Alemanha na formação de um novo país dominado pelo Reino da Prússia - o Império Alemão. • Por outro lado, os conselheiros de Napoleão III asseguraram-lhe que o exército francês era capaz de derrotar os prussianos, o que restauraria a declinante popularidade do imperador, perdida em consequência das inúmeras derrotas diplomáticas sofridas. • A derrota da França deu-se por ser o exército prussiano maior e estar mais bem organizado para a guerra. • A França apresentou sua rendição, em Metz, no dia 27 de outubro de 1870. A capitulação oficial de Paris ocorreu em 28 de janeiro de 1871. • A população de Paris, entretanto, recusou-se a depor as armas e, em março de 1871, revoltouse, estabelecendo um breve governo revolucionário, a Comuna de Paris. • A Comuna de Paris, que se manteve por 40 dias, foi o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante à invasão alemã , durante a guerra franco-prussiana, foi considerada a primeira República Proletária da história. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13 mil revolucionários foram fuzilados e quase 50 mil deportados. • O maior triunfo de Bismarck ocorreu em 18 de janeiro de 1871, quando Guilherme I da Prússia foi proclamado imperador da Alemanha em Versalhes, o antigo palácio dos reis da França. • A onerosa obrigação francesa só foi cumprida em setembro de 1873. Naquele mesmo mês, as tropas alemãs abandonaram a França, depois de quase três anos de ocupação. • Um reino unido da Itália surgiu nos anos 185870, uma Alemanha unida em 1862-71, incidentalmente levando ao colapso o Segundo Império de Napoleão na França e a Comuna de Paris (1870-71), além de que a Áustria tinha sido excluída da Alemanha e profundamente reestruturada. • Em resumo, com a exceção da Inglaterra, todas as “potências” européias foram substancialmente – em muitos casos até territorialmente – modificadas entre 1856 e 1871, e um novo grande estado, como cedo viria a ser reconhecido, tinha sido fundado: a Itália. Antonio Gramsci A questão meridional • A unificação italiana, sonhada já de maneira embrionária por Maquiavel (1469-1527) – sua obra O Príncipe é de 1513 -, ocorre tardiamente com a criação do Reino da Itália, em 1861, sob a liderança da Casa de Savóia, a monarquia piemontesa, no bojo de largo e secular movimento histórico conhecido como o Ressurgimento. • O Piemonte, no norte da península, região na qual o capitalismo mais se desenvolve, desempenha o papel central na unificação, feita às expensas do sul, agrário, onde a burguesia prima pela ausência. • Gramsci • “O Sul da Itália pode ser definido como uma grande desagregação social. Os camponeses, que constituem a grande maioria da sua população, não têm nenhuma coesão entre si. (É evidente que ocorrem exceções: as Pulhas, a Sardenha, a Sicília, onde existem características especiais no grande quadro da estrutura meridional.)” Na Itália, enfim unificada, embora de maneira precária, dada a fragmentação nacional anterior, se consolida e cristaliza “a questão meridional”: perpetua-se o atraso do sul para subsidiar a acumulação capitalista no norte. Continuam e, de certo modo, se agudizam tensões contra a unidade italiana. • Os Estados Unidos • Na segunda metade do século XIX, os Estados Unidos aceleram sua expansão econômica, após a Guerra Civil (1861-75). • A guerra foi o instrumento decisivo na construção do Estado nacional nos EUA. As estimativas apontam para um número de 970 mil mortes, sendo que um terço era composto por civis. A população total somava 31 milhões de habitantes (22,1 milhões na Confederação – norte – e 9,1 milhões na União, sul). • Em 1861, ano do início da guerra, o país consistia em 19 estados livres, onde a escravidão era proibida, e 15 estados onde a escravidão era permitida. • Após a independência dos Estados Unidos, e até a década de 1850, as diferenças entre o Norte (cada vez mais industrializado) e o Sul agropecuário aumentavam gradativamente. Na década de 1850, os Estados Unidos já haviam se expandido até seus atuais limites territoriais na América do Norte (posteriormente, adquiriria o Alasca da Rússia, Havaí e outros territórios ultramarítimos). O país entrara em uma fase de rápida industrialização. Porém, o rápido crescimento econômico do país esteve concentrado primariamente nos Estados do Norte. • Este desenvolvimento causou o rápido crescimento populacional das cidades da região, gerando grandes avanços na área de transportes e comunicações. Apesar do Sul também ter passado por este processo, o progresso ocorreu muito mais lentamente do que no Norte. • Pouco antes das eleições presidenciais de 1860, líderes sulistas começaram a pedir pela secessão do Sul da União, caso Lincoln vencesse as eleições. Muitos sulistas aprovavam a secessão, através da ideia de que os Estados possuem direitos e poderes que o governo federal não poderia proibir através de métodos legais. • Os sulistas alegaram que os Estados Unidos por si mesmo eram uma liga de estados independentes, e que qualquer destes estados possuía o direito de tornarse independente. • A tendência mais impressionante era o movimento em direção à total liberdade de comércio. Abertamente apenas a Inglaterra havia abandonado o protecionismo de forma total, mas mesmo a Rússia (1863) e a Espanha (1868) ligaram-se de certa forma ao movimento. Apenas os Estados Unidos, cuja indústria apoiava-se grandemente num mercado interno protegido e era pobre em exportações, permaneceu um bastião do protecionismo, mas mesmo assim mostrou alguma modificação no começo da década de 1870. • A economia do sul estava baseada no latifúndio e na mão de obra escrava. Desde 1820, a escravidão ficou confinada ao sul. • O país se inserira na expansão britânica desde o início do século XIX como principal fornecedores de matérias primas, como algodão e recebia – especialmente no norte – investimentos ingleses para a modernização da estrutura produtiva. • Por volta de 1860, a produção industrial dos EUA já era maior que a da Alemanha e da Rússia. Nessa época, o país já possuía 50 mil quilômetros de ferrovias, três vezes maior que a malha ferroviária inglesa. Isso consolida a ocupação do território e a expansão interna. • Vale destacar que o EUA estava em crescente expansão territorial. Grande parte do sudoeste do continente (Califórnia, Arizona, Utah e partes do Colorado e Novo México) foi tomado do México em 1848-53, depois de uma guerra desastrosa. A Rússia vendeu o Alasca em 1867. • A maior parte do mundo, e especialmente a Europa, estava atenta aos Estados Unidos porque nesse período (1848-75) vários milhões de europeus haviam emigrado para lá e porque sua grande extensão territorial e seu extraordinário progresso fizeram-no rapidamente o milagre técnico do planeta. • O maior trunfo deste programa se deu em 1862 com o Homestead Act que oferecia a qualquer filho de família americana, maior de 21 anos, 160 acres gratuitos depois de cinco anos de residência contínua ou compra por US$ 1,25 por acre depois de seis meses, que por obvio fracassou. Nas últimas décadas do século pouco se ouvia falar do bucólico sonho de liberdade da terra. • A transformação dos EUA, portanto, aconteceu no período de 1848-75, devido a dois temas mais profundos e duradouros da história americana localizados na cultura popular: a Guerra Civil e o Oeste. Sendo que ambos estão intimamente interligados, já que foi a busca pelo Oeste que gerou a faísca para a guerra. • A referida expansão para o Oeste não era coisa nova, mas foi acelerado de forma drástica devida o surgimento das estradas de ferro. As primeiras linhas transcontinentais foram construídas simultaneamente para o Leste, a partir do Pacifico, e para o Oeste a partir do Mississippi, encontrando-se em certo ponto do Utah. • As sociedades escravistas, incluindo as do sul, estavam com os dias contados, já que elas estavam isoladas fisicamente, devido a abolição do tráfico negreiro, que era muito eficiente na década de 1850, e também isoladas moralmente, devido ao consenso geral do liberalismo burguês, que as olhava como contrarias à marcha da história, moralmente indesejáveis e economicamente ineficientes. • Mas o que levou o sul a uma situação de crise na década de 1850 foi um problema especifico: a dificuldade de coexistência com o capitalismo dinâmico no Norte e um dilúvio de migração para o Oeste. • Em termos puramente econômicos, o norte não estava muito preocupado com o sul, uma região agrária praticamente não envolvida na industrialização. Os principais empecilhos eram políticos, já que a industria dos Norte estava certamente mais preocupada com uma nação, do ponto de vista do comércio, metade livre e metade protecionista, do que metade escrava e metade livre. • Em resumo, o Norte estava numa posição de unificar o continente que o Sul não tinha, por isso se fez necessária a Guerra Civil que por quatro anos devastou o país. • O triunfo do Norte também era o triunfo do capitalismo americano e dos Estados Unidos modernos e de fato o Sul permaneceu agrário, pobre, atrasado e ressentido. O Japão • De todos os países não -europeus, apenas um conseguiu encontrar e derrotar o Ocidente no terreno inimigo, esse país foi o Japão, para a surpresa dos contemporâneos • Aos olhos do Ocidente, em meados do séc. XIX, o Japão não parecia diferente de qualquer outro país oriental, ou pelo menos afigurava-se igualmente destinado ao atraso econômico e à inferioridade militar para tornar-se vítima do capitalismo. • O Japão, embora com sua tradição cultural, era surpreendentemente análogo ao Ocidente na estrutura social. • O país possuía algo muito próximo de uma ordem feudal da Europa medieval, uma nobreza agrária hereditária, camponeses semi-servis e um corpo de mercadores-empresários e financistas cercados por um corpo incomumente ativo de artífices, todos assentados em uma crescente urbanização. • Os japoneses estavam mais dispostos a imitar os ocidentais do que muitos outros grupos não-europeus e eram também os mais capazes de fazê-lo. Como por exemplo a China que tinha capacidade, mas não queria imitar o Ocidente e os homens cultos do México que queriam imitar o capitalismo liberal tal como os EUA, caso em que a vontade era maior do que a capacidade. • Mas o Japão possuía ambas, era mais uma “nação” potencial do que um império ecumênico, possuíam a capacidade técnica e outras, além do pessoal necessário para uma economia do século XIX. • A elite japonesa possuía um aparato de Estado e uma estrutura social capazes de controlar o movimento de uma sociedade inteira. • Em 1853, os Estados Unidos da América invadiram a baía de Uraga e forçaram o Japão a abrir-se ao comércio internacional. A partir de então iniciou-se um período de turbulência que perdurou até à chamada Restauração Meiji. • A restauração Meiji (ou revolução de cima), foi uma sucessão de eventos que conduziu a uma profunda mudança nas estruturas política, econômica e social do Japão, que teve lugar em 1868, terminou com o sistema feudal de duzentos e cinquenta e seis anos dos xogunatos Tokugawa. • A unidade política do país permitiu a centralização da administração pública, e a intervenção do Estado na economia. Isso, por sua vez, possibilitou reformas econômicas que consistiram na eliminação de entraves e resquícios do modo de produção feudal, na liberação da mão-de-obra, e na assimilação da tecnologia ocidental, preparando o Japão para o capitalismo. • Os antigos feudos foram extintos e os privilégios pessoais foram eliminados através de uma reforma agrária e da reformulação da legislação do imposto territorial rural. • A Rússia • Ao final do século XIX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às demais potências européias: • 1. Atraso econômico, a economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes cidades, deste modo a burguesia russa era extremamente fraca. • 2. Atraso político o Império Russo era oficialmente uma autocracia com todos os poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas fossem bastante atuantes. • 3. Em 1861 aboliu-se a servidão e se deu ao camponês a propriedade da terra em que construíra sua casa. A reforma acentuou a crise social, uma vez que a organização social baseada no mir foi rompida, sendo transformado numa célula administrativa, pois a comunidade era coletivamente responsável pelo pagamento da dívida ao Estado: este assumira o pagamento das indenizações aos senhores da nobreza. • Impérios coloniais • Num sentido menos superficial, o período que nos ocupa é obviamente a era de um novo tipo de Império, o colonial. • A supremacia econômica e militar dos países capitalistas há muito não era seriamente ameaçada, mas não houvera nenhuma tentativa sistemática de traduzi-la em conquista formal, anexação e administração entre o final do século XVIII e o último quartel do século XIX (período este que predomina a colonização imperialista da Europa sobre países asiáticos, africanos e latino americano). • O mundo definitivamente se encontrara divido, seja administrativamente econômica, política ou social. Essa repartição do mundo foi à expressão mais espetacular da crescente divisão do planeta em fortes e fracos, em avançados e atrasados. • Os imperadores e os impérios eram antigos, mas o imperialismo era novíssimo. A palavra foi introduzida na política Grã-Betanha nos anos 1870, e ainda era considerado neologismo no fim da década. • II Revolução Industrial • No plano econômico e científico, o período foi marcado pela Segunda Revolução Industrial e por uma aguda crise econômico-financeira entre 1873 e 1896. Mesmo com a depressão e a queda da atividade econômica, a produtividade aumentou em quase todo o mundo industrializado. • A Segunda Revolução Industrial diferenciava-se da primeira especialmente porque as transformações nos processos produtivos não eram resultado de experimentos ocasionais de homens práticos, ou seja, do empirismo tecnológico, mas decorria de investimentos planejados de grandes empresas. • Foram desenvolvidos novos métodos para a produção de aço e produtos químicos em grande escala, graças à utilização sistemática de novas fontes de energia em substituição ao carvão, como a eletricidade e o petróleo. • O desenvolvimento de técnicas como a refrigeração, a pasteurização e a esterilização permitiram a conservação e o transporte de alimentos em grandes quantidades, facilitando o comércio entre regiões afastadas. • O aumento da expectativa de vida do homem comum foi um dos resultados mais impressionantes desse estado de desenvolvimento. Ela passou de 35 anos na média global em 1800 para 40 anos em 1850 e para 48 em 1900. • As relações econômicas internacionais atingiram um novo patamar de complexidade, com o crescimento exponencial dos fluxos de investimentos externos diretos em ferrovias, portos, serviços de comunicação e serviços públicos (iluminação, pavimentação etc.), por parte das maiores economias industriais (GrãBretanha, Alemanha, França e EUA). • A expansão industrial britânica – com a acumulação de capitais proporcionada pela industrialização, transformaram Londres na capital financeira do mundo. • O século XIX foi marcado pela necessidade de transformações de tal forma, que o índice de progresso de uma nação podia ser mesurado por sua capacidade de produção material, bem como do desenvolvimento de seus meios de comunicações. • A tecnologia moderna começou a ser “visível”, apresentando-se ao povo, através das locomotivas, dos telégrafos e dos navios a vapor. • Além disso, outros avanços tecnológicos permitiram a invenção das turbinas, dos motores de combustão interna, do telefone, do gramofone, da lâmpada elétrica, do automóvel, do cinematografo , da aeronáutica e da radiotelegrafia. • Vantagem comparativa • O custo de se fazer vinhos na ilha era maior que no país ibérico. • A situação se invertia no caso dos tecidos. Assim, era vantajoso para ambos usarem o excedente de suas produções de vinhos e tecidos para comercializarem entre si. • Portugal apresentava uma vantagem comparativa em relação á Inglaterra na produção de vinhos e esta apresentava a mesma característica no caso dos tecidos. Ambos teriam ganhos comerciais entre si. • A industrialização registra o resto mundo em semi-colônias, ou seja, presos na gaiola da especialização. A função dessas colônias ou semi-colônias é não fazer concorrência com as grandes potencias mundiais. • As grandes potencias eram Estados que adquiriam colônias, as pequenas nações não tinham, por assim dizer, nenhum direito, pois, padeciam da perda de terras em guerras e apropriações indevidas. As principais regiões onde havia competição pela retenção de terras ficavam na África e na Oceania. • A depressão econômica, por sua vez, acarretou queda nos salários e o acirramento dos conflitos sociais na Europa. Um novo fenômeno de massas ocorre a partir de 1870, a emigração. • Migração ultramarina • A metade do século XIX marca também o começo da maior migração de povos na História. Seus detalhes não são exatos e não capturam todos os movimentos de homens e mulheres dentro e fora dos países. • Contudo, estimativas apontam que entre 1846 e 1875 um número superior a 9 milhões de pessoas deixaram a Europa indo, em sua grande maioria, para o EUA. Trata-se de um número 4 vezes maior que a população de Londres em 1851. No meio século precedente, tal movimentação não superou o valor de 1,5 milhão de pessoas. • Por que as pessoas emigravam? Sobretudo por razões econômicas. As perseguições políticas formavam depois de 1848 apenas uma pequena fração. A fuga de seitas religiosas era menos significativa que no século precedente. As pessoas emigravam para escapar às más condições em casa ou para procurar melhores no exterior? • Os pobres apresentam tendência de emigrar mais que os ricos... Na primeira grande onda de imigração de nosso período (1845-54) foi essencialmente uma fuga de fome, sendo composta majoritariamente por Irlandeses e alemães. • Entre o final dessa década e o início dos anos 1890 o mundo assiste à retomada do protecionismo e à reversão do livre cambismo no plano internacional. • Os EUA estabelecem tarifas protecionistas em 1861 e as aprofunda em 1890. A Rússia o fez a partir de 1877, seguida da Itália e da Áustria, assim como a Alemanha, em 1879, e a França entre 1872 e 1889. • Eric Hobsbawm • A Revolução centenária • Em 1880, no centenário da Revolução Francesa, o mundo já era praticamente todo conhecido e mapeado. Tornava-se pouco a pouco global. • A sociedade burguesa européia ditava os costumes e era a responsável pelas transformações intelectuais. A cultura da elite, representada pela biblioteca e pelo museu, foi estendido a toda a população, como uma exigência do liberalismo, mas estava articulada com os interesses das classes dominantes. • Crise • A depressão econômica que marcou o período, juntamente com a rapidez e a intensidade da industrialização e a repercussão das idéias nacionalistas amplificaram as pressões sobre a ação internacional dos Estados do núcleo do sistema, incentivando políticas imperialistas e o desenvolvimento de novas formas de dominação sobre regiões menos desenvolvidas. • A ferrovia e a navegação a vapor haviam reduzido as viagens intercontinentais ou transcontinentais a uma questão de semanas, em vez de meses. Com o telégrafo elétrico, a transmissão de informação ao redor do mundo era agora uma questão de horas. • Ao mesmo tempo, o mundo era muito mais densamente povoado. As cifras demográficas são tão especulativas, sobretudo no que tange ao final do século XVIII, que a precisão numérica é inútil e perigosa; mas não deve ser muito equivocado supor que os aproximadamente 1,5 bilhões de seres humanos vivos nos anos 1880 representavam o dobro da população mundial dos anos 1780. • A tecnologia era uma das principais causas dessa defasagem, acentuando-a não só econômica como politicamente. Um século após a Revolução Francesa, tornava-se cada vez mais evidente que os países mais pobres e atrasados podiam ser facilmente vencidos e (salvo se fossem muito grandes) conquistados, devido à inferioridade técnica de seus armamentos. • Em termos de política internacional (isto é, na avaliação dos governos e ministérios das relações exteriores da Europa), o número de entidades tratadas como Estado soberanos no mundo inteiro era bastante modesto para nossos padrões. • Fora das Américas, que continham o maior conjunto de repúblicas do globo, praticamente todos esses Estados eram monarquias – na Europa as únicas exceções eram a Suíça e (a partir de 1870) a França – embora os países desenvolvidos fossem, em sua maioria, monarquias constitucionais ou que, ao menos, acenavam com iniciativas oficiais favoráveis a algum tipo de representação eleitoral. • O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e tanto a Argentina como o Brasil atraíram até 200 mil imigrantes por ano. • Será que um período com um aumento tão espetacular da produção podia ser descrito como uma “Grande Depressão”? • Como podemos sintetizar a economia mundial da Era do Império? • Em primeiro lugar, como vimos, foi uma economia cuja base geográfica era muito mais ampla do que antes. Sua parcela industrializada e em processo de industrialização aumentara. O mercado internacional dos produtos primários cresceu enormemente. • Por conseguinte, como já foi observado, a economia mundial agora era notavelmente mais pluralista que antes. A economia britânica deixou de ser a única totalmente industrializada e, na verdade, a única industrial. A era dos Impérios, como veremos, foi essencialmente caracterizada pela rivalidade entre Estados. • A Era do Império já não era monocêntrica. Esse pluralismo crescente da economia mundial ficou, até certo ponto, oculto por sua persistente e, na verdade, crescente dependência dos serviços financeiros, comerciais e da frota mercante da GrãBretanha. • A maior parte do mundo não estava numa posição de determinar seu próprio destino. Este mundo de vítimas consistia em quatro setores mais importantes: • 1) os impérios não-europeus sobreviventes ou grandes reinos independentes do mundo islâmico e da Ásia (o Império Otomano, Pérsia, China, Japão e outros menores); • 2) as antigas colônias da Espanha e Portugal nas Américas (estados nominalmente independentes); • 3) a África ao sul do Saara; • 4) as vítimas já formalmente colonizadas ou ocupadas, sobretudo na Ásia. • Os impérios coloniais das potências européias consistiam em umas poucas regiões onde uma maioria ou uma minoria de colonos brancos coexistia com uma população indígena de razoável importância. Colônias do “colono branco” viriam criar o mais intratável problema de colonialismo. • O problema das populações nativas era o de como resistir ao avanço dos colonos brancos. A escassez de brancos fez com que fosse essencial usar nativos em grande número para esta administração, pelo menos ao nível local. • Ou seja, os colonizadores precisaram criar um corpo de nativos assimilados para tomar o lugar do homem branco e também de depender das instituições tradicionais dos países. Por outro lado, os povos indígenas confrontavam o desafio da ocidentalização como algo muito mais complexo do que mera resistência. • A Índia, a maior colônia, ilustra as complexidades e paradoxos desta situação. Os ingleses esforçaram-se para inserir um processo de ocidentalização, sobretudo por causa das necessidades de mesma administração e mesma economia. Ambas destruíram a estrutura social e econômica existentes, mesmo quando não era a intenção. • Portanto, após longos debates, T.B. Macaulay (1800-59) – e sua famosa Minuta (1835) – estabeleceu um sistema de educação puramente inglês para os poucos indianos nos quais o British Raj tinha interesse oficial, ou seja, os administradores subalternos. Os ingleses recusaram-se ou fracassaram na tentativa de ocidentalização porque os indianos eram um povo dominado e por causa dos riscos políticos da excessiva interferência em práticas populares. Economia Um balanço • A economia capitalista mudou de quatro formas significativas ao longo do século XIX. Em primeiro lugar, entramos agora numa nova era tecnológica, não mais determinada pelas invenções e métodos da primeira Revolução Industrial. • Agora chegava-se a um período de novas fontes de poder (eletricidade e petróleo, turbinas e motor a explosão), de nova maquinaria baseada em novos materiais (ferro, ligas, metais não-ferrosos), de indústrias baseadas em novas ciências tais como a indústria em expansão da química orgânica. • Em segundo lugar, entramos também agora cada vez mais na economia de mercado de consumo doméstico, iniciada nos Estados Unidos, desenvolvida (na Europa ainda modestamente) pela crescente renda das massas, mas sobretudo pelo substancial aumento demográfico dos países desenvolvidos. • Em terceiro lugar, uma reviravolta paradoxal teve lugar. A era do triunfo liberal tinha sido aquela era de fato do monopólio industrial inglês, dentro do qual (com algumas notáveis exceções) os lucros eram assegurados sem muita dificuldade pela competição de pequenas e médias empresas. • A era pós-liberal caracterizava-se por uma competição internacional entre economias industriais nacionais rivais – a inglesa, a alemã, a norte-americana; uma competição acirrada pelas dificuldades que as firmas dentro de cada uma destas economias enfrentavam (no período de depressões) para fazer lucros adequados. A competição levava, portanto, à concentração econômica, controle de mercado e manipulação. • O mundo entrou no período do imperialismo. Além da rivalidade (que levou as potências a dividir o globo entre reservas formais ou informais para seus próprios negócios) entre mercados e exportações de capital, tal processo também era devido à crescente nãodisponibilidade de matérias-primas na maioria dos próprios países desenvolvidos, por razões geológicas ou climáticas. • A Conferência de Berlim e a partilha da África - Paul Kennedy • No inverno entre 1884 e 1885, o chanceler Bismarck convidou os principais líderes de 14 países a participarem de uma conferência na capital do II Reich- a Conferência de Berlim. Esta reunia chefes de Estado de grandes potências européias e Estados menores, e tinha como objetivo chegar a um acordo sobre a ocupação da África- acordos de comércio, navegação e limites no Congo e na África Ocidental- evitando choques imperialistas, o que conduziria a um conflito europeu de grande porte. • O Japão não participou da conferência por ser considerado atrasado, apesar da sua modernização, diferente dos Estados Unidos que estavam na conferência interessados nos assuntos sobre comércio e navegação. A Rússia se encontrava na conferência- mesmo que seus interesses na África não fossem muitos, estava por apoio à França contra a Inglaterra. • Na conferência acordou-se que as potências deveriam assegurar que nos territórios ocupados por elas deva existir uma autoridade capaz de fazer respeitar os direitos, como a liberdade de comércio e de trânsito. • “As Potências (...) obrigação de assegurar, nos territórios ocupados por elas (...) de fazer respeitar os direitos adquiridos, a liberdade do comércio e do trânsito nas condições em que for estipulada”. (artigo 35). • A Conferência de Berlim era a manifestação mais concreta do fato de as regiões menos desenvolvidas do mundo estarem sendo rapidamente retalhadas. • Um país com centenas de milhões de camponeses pouco representaria. Por outro lado, até mesmo um Estado moderno seria ofuscado também se não tivesse uma base produtiva industrial suficientemente grande. • “As potências bem sucedidas serão as que tiverem maior base industrial”, advertiu o imperialista britânico Leo Amery. “Os povos que tiverem o poder industrial e o poder da inovação e da ciência serão capazes de derrotar todos os outros”, completava. • O neocolonialismo europeu na África serviu ao propósito de amenizar as tensões dentro da Europa, ao exportar desentendimentos entre fronteiras para outras regiões, evitando conflitos bélicos e mantendo o equilíbrio de poder no continente, conquistado desde 1815, com as políticas do Congresso de Viena. Impedia, ainda, pretensões das recentes nações naquele território. • Novas aquisições expandiam suas áreas de influência e, desta forma, representavam uma vantagem estratégica. Do ponto de vista religioso, ou mesmo a partir do debate de raças e da crença de superioridade ariana, a colonização era uma resposta para o sentimento de incumbência de civilizar outras regiões, a qual justificava o processo de colonização e exploração imperialista. • Da formação de fronteiras artificiais, medidas e determinadas pelos interesses dos detentores do poder, resultou a proximidade de excolônias e metrópoles, a qual favoreceu determinadas nações nas relações comerciais bélicas e treinamento militar durante as guerras. • Foi também fator gerador de instabilidade política, resultado do ajuntamento de reinados e sociedades distintas sob um só poder, eleitas e administradas pelos europeus. Para conquistar e controlar seus novos territórios, as nações colonizadoras se valeram de políticas que preteriam grupos sobre outros, através da eleição de cargos públicos e de alto escalão, ou restringindo o acesso à educação. • Suas medidas estimularam as diferenças sociais e incitaram sentimentos negativos entre etnias e raças, as quais não raramente conviviam em harmonia antes da interferência europeia. • A técnica conhecida como “dividir para conquistar” foi mais um elemento que favoreceu a instabilidade política na região, a qual por sua vez foi responsável por inúmeros golpes de Estado e produziu diversos governos ditatoriais desde então. • África minha • Eduardo Galeano • No final do século XIX, as potências coloniais européias se reuniram, em Berlim, para repartir a África. Foi longa e dura a luta pelo botim colonial, as selvas, os rios, as montanhas, os solos, os subsolos, até que as novas fronteiras fossem desenhadas e no dia de hoje de 1885 foi assinada, "em nome de Deus Todo-Poderoso", a Ata Geral. • Os amos europeus tiveram o bom gosto de não mencionar o ouro, os diamantes, o marfim, o petróleo, a borracha, o estanho, o cacau, o café, e óleo de palmeira, proibiram que a escravidão fosse chamada pelo seu nome, chamara de "sociedades filantrópicas" as empresas que proporcionavam carne humana ao mercado mundial.avisaram que atuavam movidos pelo desejo de "favorecer o desenvolvimento do comércio e da Civilização", e, caso houvesse alguma dúvida, explicava, que atuavam preocupados "em aumentar o bemestar moral e material das populações indígenas". • Assim a Europa inventou o novo mapa da África. Nenhum africano compareceu, nem como enfeite, a essa reunião de cúpula. • A dominação da África • Raízes do racismo • A propalada superioridade da raça branca era parte constitutiva da idéia de “progresso”, lembra o historiador Eric Hobsbawm. • No século XIX, os maiores países europeus passam a ser, com hierarquias variadas, centros de poder imperial, conquistando colônias na África e na Ásia. • Havia um nó teórico a ser desatado: como regimes liberais, lastreados nas ideias da Revolução Francesa (1789), poderiam colonizar nações inteiras, subjugando povos e culturas a seus desígnios? • É nesse ponto que surgem as primeiras teorias racialistas para justificar a superioridade intelectual, física e moral do europeu branco. O primeiro grande formulador foi o conde francês Joseph-Arthur Gobineau (1816–1882). • Diplomata, poeta, romancista e escultor, Gobineau tornou-se conhecido após a publicação de seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1855). Se os outros povos eram inferiores, como poderiam ter os mesmos direitos dos europeus? • Ficara para trás a era dos monopólios coloniais assentados no trabalho escravo. Raça tinha outra função quando o liberalismo tornou-se hegemônico na economia internacional, na primeira metade do século XIX. • A superioridade racial passara a ser uma idéia quase que legitimadora da divisão internacional do trabalho e da ordem imperial, na qual o fornecimento ininterrupto e a bom preço de matérias primas era o combustível para o funcionamento do capitalismo. • Existia uma caracterização da metrópole como ambiente branco, adiantado, culto e refinado, em oposição às colônias do sul, habitadas por bárbaros de pele escura ou amarela, incultos, primitivos e, por isso mesmo, necessitados do impulso civilizador externo. • A noção de superioridade racial passara a ser legitimadora da ordem imperial, na qual o fornecimento ininterrupto e a bom preço de matérias primas era o combustível para o funcionamento da economia internacional. • As teorias raciais surgiram para legitimar uma concepção de mundo que pregava liberdade, igualdade e fraternidade entre brancos e que justificava a superexploração de outras etnias. • E a ideologia do racismo passou a existir dentro de cada país, mesmo dos da periferia, como explicação determinista para a dominação de classe, o desnível social e a europeização de suas camadas dominantes. • Toda uma “ciência” floresceu nas bordas desse racismo civilizante, a justificar guerras e massacres de dominação por vários continentes. • Essas idéias caíam como uma luva para a tarefa de encontrar explicação lógica da exploração predatória de recursos e populações inteiras em favor dos centros coloniais. • Ser europeu e cosmopolita equivalia a ser mais branco que os demais. • Logo, a adoção de modos de vida e hábitos de consumo dos países centrais eram características distintivas de uma camada patriarcal rural brasileira que se transformava em burguesia. • Um complemento • ERIC HOBSBAWM • Era dos Impérios – Introdução • “No verão de 1913, uma jovem se formou na escola secundária em Viena, capital do Império AustroHúngaro. Ainda era uma façanha bastante incomum entre as moças da Europa central. • Para comemorar o acontecimento, seus pais decidiram presenteá-la com uma viagem ao exterior, e como era impensável que uma moça de família de dezoito anos fosse exposta ao perigo e à tentação sozinha, procuraram um parente que conviesse. • “Felizmente, entre as várias famílias interligadas que haviam saído de várias cidades pequenas da Polônia e da Hungria nas gerações anteriores e avançado para o Oriente rumo à prosperidade e à educação, havia uma que fora mais bem-sucedida que a média. • Tio Albert construíra uma rede de lojas no Levante – Constantinopla, Esmirna, Alepo, Alexandria. No início do século XX não faltavam negócios a serem feitos no Império Otomano e no Oriente Médio, e a Áustria há muito era a janela comercial da Europa central para o Oriente”. • “O Egito era ao mesmo tempo um museu vivo, próprio para o aprimoramento cultural, e uma comunidade sofisticada da classe média cosmopolita européia, com quem era fácil se comunicar por meio da língua francesa, que a moça e suas irmãs haviam aperfeiçoado num internato nas vizinhanças de Bruxelas. • O país continha também, é claro, os árabes. O tio Albert ficou feliz em acolher sua jovem parenta, que viajou para o Egito num navio a vapor do Lloyd Triestino, saindo de Trieste, então o principal porto do Império Habsburgo e também, coincidentemente, o lugar onde residia James Joyce. A moça viria a ser mãe do autor deste livro”. • “Alguns anos antes, um rapaz também viajou para o Egito, mas de Londres. Os antecedentes de sua família eram consideravelmente mais modestos. • Seu pai, que emigrara da Polônia russa para a Grã-Bretanha na década de 1870, marceneiro profissional, ganhava seu precário sustento na zona leste da Londres e Manchester, criando, o melhor possível, uma filha de seu primeiro casamento e oito filhos do segundo, a maioria deles já nascida na Inglaterra”. • “Só um de seus filhos teve talento ou interesse pelos negócios. Apenas um dos mais novos teve acesso a uma escolaridade mais prolongada, tornandose engenheiro de minas na América do Sul, que então fazia informalmente parte do Império Britânico. • Todos, contudo, procuravam apaixonadamente dominar a língua e a cultura inglesas e se anglicizaram com entusiasmo”. • “Um foi ser ator, outro levou avante os negócios da família, um se tornou professor primário, outros dois entraram para o funcionalismo público em expansão, trabalhando nos Correios. • Acontece que a Grã-Bretanha ocupara o Egito pouco antes (1882) e, assim, um irmão acabou representando uma pequena parte do Império Britânico – os Correios e Telégrafos egípcios – no delta do Nilo”. • “Ele sugeriu que o Egito conviria a mais um de seus irmãos, cujas principais qualificações para ganhar seu sustento lhe teriam sido muitíssimo úteis se ele não se visse realmente obrigado a ganhá-lo: era inteligente, agradável, musical e um bom esportista versátil, além de pugilista peso-leve de nível de campeonato. • • Na verdade, ele era exatamente o tipo de inglês que conseguiria e manteria um cargo num escritório de navegação muito mais facilmente “nas colônias” que em qualquer outro lugar”. • Esse rapaz viria a ser o pai do autor, que conheceu, assim, sua futura esposa ali onde a economia e a política da Era dos Impérios, sem falar de sua história social, os reuniu – presumivelmente no Esporte Clube dos arredores da Alexandria, perto de onde instalariam sua primeira casa. • “É extremamente improvável que um encontro assim tivesse acontecido num lugar assim, ou que tivesse levado ao casamento entre duas pessoas assim em qualquer outro período da história anterior ao abordado neste livro. • Os leitores devem ser capazes de descobrir por quê”.