Colaboração: Dr. Aderbal Bergo Algumas pinturas... Algumas poesias... Nem sempre as mais famosas, mas todas de respeitados autores, numa mistura de épocas e estilos... Sempre belas... Sempre atuais... Temas que nos fazem pensar... Formatação: EnA Quadros: Imagens colhidas na Internet Música: Rêverie – Claude Debussy [email protected] [email protected] Vinícius de Moraes Vicente de Carvalho Fernando Pessoa Olavo Bilac Carlos Drummond de Andrade Raul de Leoni Cecília Meireles J.G. de Araujo Jorge Clarice Lispector Chico Buarque de Holanda Francisco Otaviano Mário Quintana Manuel Bandeira Guilherme de Almeida Mário de Andrade Castro Alves Cora Coralina (Escolha o nome ou siga em seqüência) SAIR SONETO DA FIDELIDADE Vinícius de Moraes De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure! VOLTAR AOS NOMES VELHO TEMA Vicente de Carvalho Só a leve esperança, em toda a vida, Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos, Árvore milagrosa que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim mas nós não a alcançamos Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos. VOLTAR AOS NOMES Não sei quantas almas tenho Fernando Pessoa Não sei quantas almas tenho. Sou minha própria paisagem, Cada momento mudei. Assisto à minha passagem, Continuamente me estranho. Diverso, móbil e só, Nunca me vi nem achei. Não sei sentir-me onde estou. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Por isso, alheio, vou lendo Quem vê é só o que vê, Como páginas, meu ser. Quem sente não é quem é, O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Atento ao que sou e vejo, Noto à margem do que li Torno-me eles e não eu. O que julguei que senti. Cada meu sonho ou desejo Releio e digo: “Fui eu?” É do que nasce e não meu. LUÍS BADOSA Fernando Pessoa Deus sabe, porque o escreveu. O amor, quando se revela... Fernando Pessoa Ah, mas se ela adivinhasse, O amor, quando se revela, Se pudesse ouvir o olhar, Não se sabe revelar. E se um olhar lhe bastasse Sabe bem olhar p'ra ela, Pra saber que a estão a amar! Mas não lhe sabe falar. Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente! Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente Mas se isto puder contar-lhe Cala: parece esquecer O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe LUÍS BADOSA VOLTAR AOS NOMES Fernando Pessoa Porque lhe estou a falar... VELHAS ÁRVORES Olavo Bilac Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores novas, mais amigas: Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo! Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem; Na glória da alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem! VOLTAR AOS NOMES QUADRILHA Carlos Drummond de Andrade João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. VOLTAR AOS NOMES UNIDADE Raul de Leoni Deitando os olhos sobre a perspectiva Das cousas, surpreendo em cada qual Uma simples imagem fugitiva Da infinita harmonia universal Uma revelação vaga e parcial De tudo existe em cada coisa viva: Na corrente do Bem ou na do Mal Tudo tem uma vida evocativa. Nada é inútil; dos homens aos insetos Vão-se estendendo todos os aspectos Que a idéia da existência pode ter; E o que deslumbra o olhar é perceber Em todos esses seres incompletos A completa noção de um mesmo ser... VOLTAR AOS NOMES RETRATO Cecília Meireles Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: - Em que espelho ficou perdida a minha face? VOLTAR AOS NOMES E O RESTO É SILÊNCIO... J.G. de Araujo Jorge E então ficamos os dois em silêncio, tão quietos como dois pássaros na sombra, recolhidos ao mesmo ninho, como dois caminhos na noite, dois caminhos que se juntam num mesmo caminho... Já não ouso... já não coras... E o silêncio é tão nosso, e a quietude tamanha que qualquer palavra bateria estranha como um viajante, altas horas... Nada há mais a dizer, depois que as próprias mãos silenciaram seus carinhos... Estamos um no outro como se estivéssemos sozinhos... VOLTAR AOS NOMES CLARICE LISPECTOR Precisão O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição. VOLTAR AOS NOMES Gente Humilde - Chico Buarque Tem certos dias em que eu penso em minha gente E sinto assim todo o meu peito se apertar Porque parece que acontece de repente Como um desejo de eu viver sem me notar Igual a como quando eu passo num subúrbio Eu muito bem vindo de trem de algum lugar E aí me dá como uma inveja dessa gente Que vai em frente sem nem ter com quem contar São casas simples com cadeiras na calçada E na fachada escrito em cima que é um lar Pela varanda flores tristes e baldias Como a alegria que não tem onde encostar E aí me dá uma tristeza no meu peito Feito um despeito de eu não ter como lutar E eu que não creio, peço a Deus por minha gente É gente humilde, que vontade de chorar VOLTAR AOS NOMES ILUSÕES DA VIDA Francisco Otaviano Quem passou pela vida em branca nuvem E em plácido repouso adormeceu; Quem não sentiu o frio da desgraça, Quem passou pela vida e não sofreu: Foi espectro de homem, não foi homem, Só passou pela vida, não viveu. VOLTAR AOS NOMES AH! OS RELÓGIOS Mário Quintana Amigos, não consultem os relógios quando um dia eu me for de vossas vidas em seus fúteis problemas tão perdidas que até parecem mais uns necrológios... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira. Inteira, sim, porque essa vida eterna somente por si mesma é dividida: não cabe, a cada qual, uma porção. E os Anjos entreolham-se espantados quando alguém - ao voltar a si da vida acaso lhes indaga que horas são... VOLTAR AOS NOMES MADRIGAL MELANCÓLICA Manuel Bandeira O que eu adoro em ti Não é tua beleza A beleza é em nós que existe A beleza é um conceito E a beleza é triste Não é triste em si Mas pelo que há nela De fragilidade e incerteza DI CAVALCANTI Perfis O que eu adoro em ti Não é a tua inteligência Mas é o espírito sutil Tão ágil e tão luminoso Ave solta no céu matinal da montanha Nem é tua ciência Do coração dos homens e das coisas O que eu adoro em ti Não é a tua graça musical Sucessiva e renovada a cada momento Graça aérea como teu próprio momento Graça que perturba e que satisfaz O que eu adoro em ti Não é a mãe que já perdi E nem meu pai O que eu adoro em tua natureza Não é o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida Nem a tua pureza. Nem a tua impureza O que adoro em ti lastima-me e consola-me O que eu adoro em ti é A VIDA !!! VOLTAR AOS NOMES FELICIDADE Guilherme de Almeida Ela veio bater à minha porta e falou-me a sorrir, subindo a escada: “Bom dia, árvore velha e desfolhada” e eu respondi: “Bom dia, folha morta” Entrou: e nunca mais me disse nada... Até que um dia (quando pouco importa!) houve canções na ramaria torta e houve bandos de noivos pela estrada... Então chamou-me e disse:“Vou-me embora! Sou a felicidade! Vive agora da lembrança do muito que te fiz” E foi assim que em plena primavera, só quando ela partiu contou quem era... E nunca mais eu me senti feliz! VOLTAR AOS NOMES Descobrimento Mário de Andrade Abancado à escrivaninha em São Paulo Na minha casa da rua Lopes Chaves De supetão senti um friúme por dentro. Fiquei trêmulo, muito comovido Com o livro palerma olhando pra mim. Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus! muito longe de mim Na escuridão ativa da noite que caiu Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos, Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, Faz pouco se deitou, está dormindo. Esse homem é brasileiro que nem eu. VOLTAR AOS NOMES ÚLTIMO FANTASMA Castro Alves Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso, Que te elevas da noite na orvalhada? Tens a face na sombra mergulhada... Sobre as névoas te libras vaporoso... Baixas do céu num vôo harmonioso!... Quem és tu, bela e branca desposada? Da laranjeira em flor a flor nevada Cerca-te a fonte, ó ser misterioso!... Onde vimos nós?... És doutra esfera? És o ser que eu busquei do sul ao norte... Por quem meu peito em sonhos desespera?... Quem és tu? Quem és tu? _ És minha sorte! És talvez o ideal que est´alma espera! És a glória talvez! Talvez a morte!... VOLTAR AOS NOMES NÃO SEI... Cora Coralina Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura...Enquanto durar. VOLTAR AOS NOMES