1 A Psicologia como Campo de Conhecimento Científico Prof. Me. Robson Araujo Bibliografia Figueiredo e Santi (2003): caps. 1- 3 Figueiredo (1995a): caps. 1 e 2 Conteúdo Geral O sujeito da modernidade e o nascimento das ciências Os desdobramentos sociais da modernidade: a individualização A invenção do “psicológico”: o espaço de dispersão dos saberes e éticas psicológicas Panorama das matrizes do pensamento psicológico A compreensão crítica do projeto científico da psicologia Introdução Visões sobre a História da Psicologia Visão Histórico-Descritiva Concepção historiográfica tradicional Compreensão de uma história como encadeamento linear de fatos e teorias Exemplos: Schultz, Wertheimer e Heidebreder Visão Crítico-Estrutural Busca elucidar os fundamentos epistemológicos e os determinantes histórico-sociais que levaram à criação da psicologia como campo de conhecimento científico Preocupa-se com as matrizes das diversas teorias e práticas psicológicas independente do seu encadeamento temporal Exemplos: Figueiredo, Foucault e Japiassu A Psicologia como Ciência Independente As psicologias pré-científicas Concepções psicológicas imbuídas nos sistemas filosóficos e teológicos O “marco” da psicologia científica Laboratório de psicofisiologia sensorial de Wilhelm Wundt (Leipzig, Alemanha, 1879) Necessidade de compreender a ruptura em jogo nessa passagem Não se trata apenas da passagem do conhecimento filosófico ou do senso comum para o científico mas, também, da constituição sóciohistórica do espaço das psicologias e a necessidade de um discurso científico sobre elas Nascimento das Ciências Humanas Psicologia emerge junto outros campos científicos de estudo do homem Economia, Antropologia, Biologia, Sociologia O positivismo e o paradoxo da psicologia Filosofia positivista como fundamento de todo conhecimento científico Teoria dos três estágios do conhecimento: • Teológico ou fictício • Abstrato ou metafísico • Científico ou positivo A impossibilidade da psicologia como ciência objetiva e positiva: • Superposição entre sujeito e objeto como limite epistemológico • Situada entre as ciências biológicas e sociais Paradoxo da Psicologia Um campo de saber entre o humano e o científico; entre o biológico e o social Uma disciplina científica permanentemente em crise Um espaço de dispersão sem perspectiva de unificação A Constituição do Espaço Psicológico Condições para a Criação da Psicologia Científica 1.Crença nos métodos e técnicas da ciência em obter um conhecimento rigoroso 2.Experiência muito clara da subjetividade privatizada 3.Experiência de crise dessa subjetividade A Modernidade Período histórico compreendido entre 1454 (fim da idade média) e 1789 (começo da idade contemporânea) Passagem das sociedades tradicionais para a mercantil e burguesa Marcada pelos movimentos do Renascimento e Iluminismo Período em que se origina e consolida a noção de subjetividade privada Características da Modernidade Falência do sistema medieval Abertura da Europa ao resto do mundo Perda dos lugares sociais tradicionais Destruição das ilusões míticas e teológicas O antropocentrismo e o humanismo Crença em uma razão e vontade fundantes do homem O nascimento da ciência e o problema do conhecimento verdadeiro A revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade Angústia da liberdade Sujeito Moderno O Racionalismo como marco da Modernidade A incerteza do conhecimento e a dúvida metódica como garantia de verdade O sujeito transcendental e a verdade como representação correta do mundo O dualismo entre mente e corpo na compreensão do homem Dualismo Corpo e Mente CORPO MENTE Substância extensa Substância pensante Exterior e público Interior e privada Fonte de enganos Fonte da razão Sede das paixões e afetos Sede da vontade Submetido a controles Campo de autonomia Dimensão de objeto Dimensão de sujeito Ilustração: O Cavaleiro Inexistente Romance de Italo Calvino (1993) Conto de literatura fantástica que satiriza os romances de cavalaria Apresenta uma ilustração da noção de sujeito característica da modernidade Cavaleiro Pura sem corpo razão autônoma Mantido pela vontade de servir Liberalismo e Imperialismo Período histórico compreendido entre 1789 (começo da idade contemporânea) e 1908 (primeira guerra mundial) Consolidação do Estado liberal burguês na Europa Marcado pela Revolução Industrial e suas conseqüências geopolíticas Marcado pelos movimentos do Romantismo e pela emergência do Regime Disciplinar Período em que a noção de subjetividade privada começa a declinar Emergência e Ruína do Sujeito Análise das condições epistemológicas em jogo nas teorias modernas a respeito do homem Emergência do sujeito moderno como decorrência da condição de desamparo em que se encontrava o homem europeu na passagem do Renascimento para a Idade Moderna Perda da tradição como parâmetro de verdade: o desencantamento do mundo como essência da modernidade Valorização do Homem como centro do mundo: o sujeito auto-fundado em sua vontade e razão livres para dominar a Natureza Nascimento de uma subjetividade privatizada a partir da distinção entre público e privado: a valorização do “eu” Valorização da razão como legitimadora do conhecimento: o sujeito como fundamento da verdade Os Sistemas Filosóficos e o Sujeito do Conhecimento 1° Momento (séc. XVI) – racionalismo (Descartes) e empirismo (Bacon) como métodos de obter acesso ao conhecimento verdadeiro e, assim, embasar as crenças e ações humanas. 2° Momento (séc. XVIII) – o iluminismo como aprofundamento da investigação epistemológica, conciliando racionalismo e empirismo, mas, simultaneamente, reconhecendo as limitações da hipótese de um sujeito transcendental (Hume e Kant). 3° Momento (séc. XVIII e XIX) – reação ao projeto iluminista liberal, por meio do movimento Romântico, em que a vontade, a expressividade e o retorno ao Absoluto adquirem o papel central na atividade subjetiva, levando a um aniquilamento da idéia de “eu” ou de “sujeito” (Schopenhauer e Nietzsche). 4° Momento (séc. XIX) – retomada do projeto da modernidade por meio do nascimento das ciências humanas e, em especial, da psicologia. Emergência e Ruína do Indivíduo Análise das condições sócio-econômicas que deram sustentação ao processo de individualização no ocidente moderno As concepções teóricas e filosóficas acerca do homem emergem a partir de um contexto de mudança das relações sociais e econômicas em jogo na modernidade A ruína do feudalismo e das relações tradicionais de filiação social e organização do trabalho: a perda do sentido comunitário A emergência do mercantilismo e da lógica de mercado: a sobreposição das relações econômicas sobre o social, universalizando a idéia de que o interesse particular se sobrepõe ao interesse geral A atomização do social: a idéia de indivíduo livre e dono de sua força de trabalho para vendê-la a proprietários privados, implicando a responsabilidade sobre seu próprio destino Nascimento do individualismo moderno como base de compreensão das dinâmicas sociais e econômicas Confluência de Crises A modernidade e sua crise no século XIX A ruína dos ideais de subjetivação e individualidade A destruição das utopias e a manutenção das desigualdades sociais O crescimento dos regimes disciplinares A emergência das condições de constituição do espaço do “psicológico” A constituição da subjetividade privatizada A consolidação dos métodos e técnicas da ciência A crise da subjetividade privatizada A ocupação da subjetividade pela ciência Agora como forma de tomar o psíquico como objeto de conhecimento e não seu fundamento transcendental Sujeito • • • • Ontológico e Metafísico Ético Epistemológico “Abstrato” Indivíduo • • • • Social e Histórico Político Econômico “Prático” e “Concreto” Sujeito Indivíduo XV XVI XVI I XVI II XIX XX O Espaço das Ideologias Liberalismo Sujeitos livres e iguais, dotados de razão e iniciativa Com interesses próprios, mas solidários em seus direitos Sociedade atomizada e democratizada Romantismo Sujeitos expressivos e singulares, dotados de criatividade A expressão da singularidade, por meio dos sentimentos permite a comunhão com a natureza comum Sociedade organizada em tornos de gênios Regime Disciplinar Sistemas de redução da liberdade e docilização dos indivíduos Elaboração de técnicas de controle social e individual que redundam na tecnocracia e no cientificismo utilitarista O Espaço Psicológico Romântica Liberal Disciplinar Uma tentativa de dar conta da crise da subjetividade no final do século XIX, criando um espaço de discursos e práticas sobre o “psicológico” que se orienta segundo os vértices do triângulo formado pelas polaridades das éticas romântica, liberal e disciplinar A Ocupação do Espaço Psicológico Alguns Projetos de Psicologia Duas vertentes: Teorias “Científicas” • Estruturalismo, Funcionalismo e Behaviorismo • Gestalt • Psicologia Cognitiva e Construtivismo Teorias “Compreensivas” • Fenomenologia e Existencialismo • Humanismos • Psicanálises As Psicologias Científicas Objetivam explicar os fenômenos psíquicos e comportamentais a partir de métodos experimentais Estudos sobre sensação, percepção, memória e cognição Estudos sobre a adaptação do homem ao seu ambiente de trabalho e estudo Parte da mensuração quantitativa, de teorias explicativas e pressupostos funcionalistas Encontram familiaridade com os campos biológico e físico-matemático Histórico: Estruturalismo: primeira vertente Funcionalismo e Gestalt: reações ao elementarismo Behaviorismo: comportamento observável Cognitivismo e Neurociências: modelos atuais As Psicologias Compreensivas Visam compreender os fenômenos psíquicos naquilo que expressam do sentido da vida humana Estudos sobre a singularidade, a criatividade e a originalidade da experiência humana Preocupação com o sentido do sofrimento e da felicidade Parte de experiências qualitativas, teorias compreensivas e pressupostos humanistas e existenciais Encontram familiaridade com os campos das ciências humanas e de algumas filosofias Histórico: Psicologia como ciência do espírito: primeira vertente Fenomenologia e Existencialismo: embasamento filosófico Psicologias humanistas: um amplo leque A Psicanálise e a Psiquiatria Saberes de origem médica, não psicológica, que, contudo, estão intimamente ligados a este campo Psiquiatria Uma especialidade médica que data do século XIX, junto com a criação dos manicômios Ganhou força nos anos 50 com o avanço da psicofarmacologia, que, atualmente, é seu grande referencial teórico e técnico Psicanálise Embora tenha nascido no seio da medicina, representa uma ruptura tanto com o saber médico, que considera o corpo do ponto de vista biológico, quanto o psicológico, que considera a mente apenas do ponto de vista da razão consciente Se constituiu como a primeira psicoterapia, de forma tal que a grande maioria das escolas de psicologia clínica dela derivam, de alguma maneira Algumas Polaridades Explicação e Compreensão Força e Sentido Inato e Aprendido Biológico e Comportamental Individual e Social Razão e Emoção Ciência e Arte Fronteiras com outros Campos de Saber Ciências Biológicas e da Saúde Biologia, Medicina, etc. Ciências Sociais Antropologia, Sociologia, Economia, etc. Filosofia Estética, Ética, Metafísica, Epistemologia, etc. Arte, Cultura e Política Matrizes do Pensamento Psicológico Proposta de Figueiredo (1995a) Mapeamento dos fundamentos epistemológicos das diversas teorias e práticas psicológicas Objetivo além das dicotomias tradicionais: Biológico ou Humano Científico ou Especulativo-Filosófico Explicação e Compreensão Preocupação com a estrutura e o fundamento das teorias, mais do que com a história linear de seu desenvolvimento e suas particularidades práticas e metodológicas Matrizes PósRomânticas Matrizes Cientificist as Matrizes Romântica s Matrizes Cientificistas Nomotética e Quantificadora Atomicista e Mecanicista Matrizes Românticas Funcionalista e Organicista Nativista Ambientalista Vitalista e Naturista Historicismo Idiográfico Matrizes Pós-Românticas Fenomenológica e Existencialista Estruturalismos Matrizes Cientificistas - Nomotética e Quantificadora - Atomicista e Mecanicista - Funcionalista e Organicista Matriz Nomotética e Quantificadora Define a natureza dos objetivos e procedimentos de uma prática como sendo realmente científicos Considerada uma super matriz, presente em todas as tentativas de se fazer da psicologia uma ciência natural Busca a ordem natural dos fenômenos psicológicos na forma de classificações e leis gerais com caráter preditivo Esquema geral da lógica experimental: Hipotetização – Cálculo – Mensuração Matriz Atomicista e Mecanicista Matriz muito influente no início da psicologia científica Busca de relações deterministas ou probabilísticas, segundo uma concepção linear e unidirecional de causalidade Como preliminar ao estudo da causalidade, efetua a análise dos fenômenos de forma a identificar seus elementos constituintes mínimos Subjacente a esse procedimento analítico está a concepção atomística da realidade Dessa forma, a temporalidade encontra-se reduzida a um processo mecânico de desdobramento das potencialidades de um estado inicial, segundo um encadeamento de causas e efeitos Esquema geral da causalidade mecanicista: S→ R T1→T2→T3 Matriz Funcionalista e Organicista Matriz mais influente na história da psicologia Baseada em uma noção de causalidade funcional, em que os fenômenos mantêm relação com as conseqüências e as incorporam em suas próprias definições A análise é feita de tal forma a identificar e respeitar a totalidade estruturada do organismo e seus padrões de interação funcional com o ambiente A temporalidade é pensada em termos da história do organismo, em termos de desenvolvimento e evolução A compreensão da temporalidade no esquema funcional levará a duas submatrizes: Ambientalista – desenvolvimento da função por suas conseqüências adaptativas imediatas Nativista – natureza biologicamente herdada das funções adaptativas Há um resgate do sentido, pensado em termos de processos de adaptação Esquema geral da causalidade funcional: SD→R↔S T1↔T2↔ T3 Matrizes Românticas e PósRomânticas - Vitalista e Naturista - Historicismo Idiográfico - Fenomenológica e Existencial - Estruturalismos Matriz Vitalista e Naturista Compreende aquilo que fora excluído pelas matrizes cientificistas do campo da psicologia Fundamenta-se na divisão entre a ordem natural e a ordem vital, como dois campos distintos Dentro da divisão entre razão e vida, toma o partido do qualitativo, indeterminado, criativo e espiritual, em lugar do interesse tecnológico e científico Predomina o interesse estético, contemplativo e apaixonado, em que se anulam as diferenças entre sujeito e objeto de conhecimento e a diferença entre ser e conhecer Esquema geral da ordem vital e natural: “amor, integração e harmonia” Matrizes Compreensivas As linhas compreensivas partem todas de uma problemática instaurada pelo Romantismo (cujo vitalismo-naturismo é expressão direta): a expressão. Buscam pensar a experiência humana inserida no universo cultural, estruturada e definida por ele, manifesta simbolicamente Diante dos fenômenos vitais de natureza expressiva coloca-se a exigência de compreensão, que pressupõe uma intenção comunicativa e um ato interpretativo Saídas distintas para esse problema foram encontradas pelos três movimentos: Historicismo idiográfico Estruturalismo Fenomenologia e existencialismo Historicismo Idiográfico Busca a captação da experiência tal como se constitui na vivência imediata do sujeito, com sua estrutura particular de significados e valores, irredutível a esquemas formais e generalizantes A compreensão psicológica deve individualizar o sujeito, buscando o sentido de sua história O método pressupõe categorias como a reconstrução do sentido e a simpatia, caindo, em última instância no problema do ciclo hermenêutico As limitações metodológicas e a impossibilidade de uma fundamentação rigorosa das ciências do espírito no historicismo idiográfico levaram às reações pós-românticas Estruturalismos Trata-se de uma reação anti-romântica de tendência cientificista Preocupação em elaborar métodos e técnicas de interpretação que conquistem o mesmo grau de segurança e objetividade que o obtido pelas ciências naturais Para tanto, a interpretação tenta se modelar pelos procedimentos de hipotetização, cálculo e mensuração, tentando desenvolver uma mediação metodológica que neutralize a subjetividade do pesquisador e a consciência imediata do sujeito Busca reconstruir as estruturas geradoras das mensagens, as regras que inconscientemente controlam a organização das formas simbólicas e a emissão dos discursos As estruturas geradoras possuem uma existência trans-histórica e transindividual, sendo capazes de a partir de um conjunto finito de elementos engendrar uma variedade infinita de formas Fenomenologia e Existencialismos Fenomenologia: faz um resgate da tradição filosófica racionalista e iluminista Propõe uma alternativa para a fundamentação do conhecimento, sem cair na legitimação naturalista-empirista ou subjetivista-historicista, por meio de um resgate do sujeito transcendental como estrutura apriorística da existência O fenômeno é intencionalidade: a consciência e sempre consciência de algo Sendo os eventos subjetivos atos constitutivos do mundo, a fenomenologia proporciona as normas para compreender e interpretar as modulações da consciência individual Existencialismos: tem origens comuns à fenomenologia, mas com repercussões ainda mais profundas no campo psicológico As várias correntes existencialistas têm em comum o intuito de descrever e elaborar as categorias analíticas da existência concreta Nessa perspectiva, o homem é um ser que não tem essência alguma prédefinida Compreensão como reconstrução do mundo: explicitação dos horizontes implícitos que conferem sentidos aos atos e vivências conscientes, desvelando o projeto existencial que subjaz a todas as ações. O Espaço “Psicológico” Ética Disciplinar Matrizes Românticas Matrizes Cientificistas Ética Romântica Matrizes PósRomânticas Ética Liberal Conclusão Características da Psicologia como Campo do Saber Uma compreensão multifacetada do espaço da psicologia, levando em consideração suas oposições e triangulações em todos os níveis teóricos, constituindo um espaço de dispersão sem perspectiva de unificação Desse modo, é preferível falar em uma constelação ou arquipélago das psicologias, ao invés de uma única Psicologia Reprodução no plano teórico da ambigüidade da posição de seu objeto: Sujeito: dominador e dominado Indivíduo: liberto e reprimido Sem um direcionamento epistemológico seguro, é preciso atentar para os posicionamentos éticos que demarcam as polaridades do campo