INTENCIONALIDADE “Na tradição fenomenológica, essa idéia, de que consciência é sempre consciência de algo, é referida como a intencionalidade da consciência”. (Gallagher e Zahavi; The Phenomenological Mind; pág. 107) REDUCIONISMO DA CONSCIÊNCIA - propõe que todos os aspectos da consciência, inclusive a intencionalidade, podem ser compreendidos através de uma abordagem neurológica (ou por qualquer outro modelo reducionista). - a consciência seria apenas um produto, sem nenhum papel causal no comportamento ou na cognição. - esta abordagem desvaloriza a importância da experiência, da perspectiva de primeira pessoa. - trata-se de uma forma de dualismo cartesiano; onde consciência e o objeto da experiência estão separados pelo dualismo sujeito/mundo. PROPOSTA DA FENOMENOLOGIA Não é possível compreender a intencionalidade sem a dimensão da experiência, da perspectiva de primeira pessoa; bem como não é possível considerar a subjetividade e a experiência sem a intencionalidade. Experiência e intencionalidade estão intimamente conectados. INTENCIONALIDADE EM BRENTANO Todo fenômeno mental é caracterizado por ser direcionado a um objeto. Todo fenômeno mental possuí um objeto em seu interior (algo presentado, algo julgado, algo amado, algo negado...). Estas características são exclusivas dos fenômenos mentais; os fenômenos físicos não as possuem. O fenômeno mental pode ser definido pela presença de um objeto intencional no seu interior. A intencionalidade é a marca do fenômeno mental. A intencionalidade é um termo genérico que aponta para além da consciência. CRÍTICAS A BRENTANO Define o objeto intencional como uma “existência interior” (da consciência). Confere status ontológico à intencionalidade. Acaba definindo a consciência como intencionalmente direcionada a um (in)existing objeto intencional; reduz a atividade mental de direcionar-se a objetos apenas àqueles existentes na mente. Muitas têm sido as propostas de naturalizar a intencionalidade. O conceito de estado mental pode ser reduzido, por exemplo, à representação de algo. Dessa forma pode-se reduzir o estado mental a um complexo mecanismo neural de processamento de informações sediado no cérebro. As propostas de semelhança e causação estão alinhadas com tais objetivos reducionistas. OBJETIVOS DA FENOMENOLOGIA Definir a intencionalidade como uma característica decisiva da consciência. Estudar a intencionalidade a partir da perspectiva de primeira pessoa. Negar a tentativa reducionista de naturalizar a intencionalidade. Esclarecer a relação entre a mente e o mundo, e não entre a mente e o cérebro. Negar a concepção de consciência como algo que existe independentemente do mundo e que tem por função revelá-lo. A fenomenologia coloca num mesmo movimento o ato intencional (um ato mental) e o objeto intencionado; não podem ser compreendidos em separado, são interdependentes. Para Husserl não importa se o objeto existe ou não. Numa alucinação, por exemplo: um elefante rosa não existe, nem no interior da consciência e nem fora dela, mas, o ato intencional continua a existir. Husserl parece afirmar a primazia da intencionalidade em relação à percepção e a representação. A questão perspectiva parece corroborar a hipótese acima. Todo objeto é sempre presentado sob determinado ângulo e sob certo ponto de vista. Tais aspectos perspectivos variam de acordo com propriedades do objeto (luminosidade, contexto, distância...) e também do sujeito (humor, cansaço, interesse...). Os fenomenologistas encontram nessas relações intencionais a continuidade entre percepção e pensamento. Husserl não se limita a definir as funções por ele atribuídas à intencionalidade. Ele encontra diferenças qualitativas no ato intencional. Afirmar algo é diferente de negá-lo, assim como, esperar por um acontecimento difere de duvidar de sua possibilidade. Husserl nega a visão majoritária de que apenas estados sensoriais e emocionais possuem qualidades fenomênicas, as encontra também no estado de consciência. Na fenomenologia há uma intencionalidade intrínseca que caracteriza a consciência. Neste ponto o significado torna-se uma questão central, a intencionalidade pode ser entendida como uma questão de significado. Outro aspecto importante da intencionalidade, como definida pelos fenomenologistas, é que ela não se limita a ser direcionada a um objeto real. Sentimentos como dor, ansiedade, náusea... também podem ser intencionados. É porque os fenomenologistas não se limitam a entender a intencionalidade como sendo “direcionada a um objeto”, mas, como “pointbeyond”, como abertura para além do sujeito. Talvez por isso, por considerar a relação com o objeto (a experiência) mais importante do que a apreensão do objeto (sua representação na consciência?) os fenomenologistas possam afirmar que perceber um cubo de gelo é diferente de imaginá-lo. Assim, é importante saber não só como o objeto se apresenta ao sujeito, mas também, como a experiência do objeto se apresenta ao sujeito (acho que seria melhor dizer que tipo de experiência é produzida a partir da relação do sujeito com o objeto). Os objetos são dados em diferentes maneiras (percebidos, relembrados, imaginados) e sob diferentes perspectivas. Esta qualidade experiencial não pode ser atribuída apenas às características do objeto. A intencionalidade com que a consciência se dirige ao mundo fenomênico não é apenas uma “world-presenting”, mas sim, “self-involving”. A fenomenologia parece não aceitar a possibilidade de existir intencionalidade não-consciente. Parece privilegiar a consciência como a fonte de intencionalidade e significado. A fenomenologia oferece uma interessante abordagem sobre a questão acerca dos estados mentais serem compreendidos a partir de uma abordagem internalista ou externalista. Essas questões relacionam-se ao fenômeno de atribuir significado às experiências. A fenomenologia vai negar a proposta materialista cartesiana de identificação entre mente e cérebro, onde estes conceitos podem ser entendidos de forma isolada do mundo. Mas, também nega uma concepção externalista que se propõe a reduzir a intencionalidade a meros mecanismos causais. Na verdade os fenomenologistas vão se opor a qualquer tentativa dualista de separa mente e mundo. Saber se os estados mentais são produzidos através de fenômenos internos ou externos constitui uma falsa questão para uma teoria (a fenomenologia) que entende mente e mundo como entidades indistinguíveis, que as apreende no mesmo movimento. Mente e mundo coemergem no mesmo movimento experiencial. A intencionalidade, longe de ser reduzida à direção da consciência em relação ao mundo externo, é condição de possibilidade para a experiência.