Universidade Federal do Rio Grade do Sul Instituto de Filosofia e

Propaganda
Universidade Federal do Rio Grade do Sul
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Filosofia
Prova prática do concurso público para
professor de Ensino de Filosofia
Candidata: Gisele Dalva Secco
Natureza da filosofia
A questão sobre quão ampla ou quão estritamente
empregamos uma palavra não é nunca uma questão acerca
da verdade. Não se pode nunca dizer: é falso chamar isto ou
aquilo de filosofia; pode-se apenas dizer: é falso chamar isto
ou aquilo de filosofia, se o conceito de filosofia for fixado
como tal e tal. O que deve ser exigido é unicamente que se
preste contas com exatidão do modo como se emprega uma
palavra, logo, do modo pelo qual essa maneira de fixar
conceitos se relaciona com outras maneiras possíveis...
Creio que quem a suprime [a fronteira entre crenças e saberes]
passa por cima de uma decisão sem tê-la propriamente
tomado.
E. Tugendhat [1]
Plano
1) A natureza da filosofia nas
orientações oficiais
2) Eixos ou espaços conceituais da filosofia
3) Quadros sinópticos de tratamento da
questão em bibliografia recente
4) Análise de uma proposta: adequação e
possibilidades
1. A natureza da filosofia nas
orientações oficiais
• Ocem [2] abrem falando do “papel formador” e da capacidade de articular noções
“de modo bem mais duradouro que o porventura afetado pela volatilidade das
informações.” (p. 17)
• Sobre especificidade, o tema é introduzido na passagem da p. 18 (citação [I] da ficha de leitura) :
Aspectos
transversais
Aspectos
“próprios”
Seção 1. “Identidade da filosofia”
“[II] é sempre distintivo do trabalho dos filósofos sopesar os conceitos, solicitar
considerandos, mesmo diante de lugares-comuns que aceitaríamos sem
reflexão (por exemplo, o mundo existe?) ou de questões bem mais intrincadas,
como a que opõe o determinismo de nossas ações ao livre arbítrio. Com isso, a
Filosofia costuma quebrar a naturalidade com que usamos as palavras,
tornando-se reflexão.” (p. 22)
“reconstrução racional, quando o exame
analítico se volta para as condições de
possibilidade de competências
cognitivas, lingüísticas e de ação. É
nesse sentido que podem ser
entendidas as lógicas, as teorias do
conhecimento, as epistemologias e
todas as elaborações filosóficas que se
esforçam para explicar teoreticamente
um saber pré-teórico que adquirimos à
medida que nos exercitamos num dado
sistema de regras.” (p. 24, citação [III])
“a crítica, quando a reflexão se volta para os
modelos de percepção e de ação
compulsivamente restritos pelos quais, em nossos
processos de formação individual ou coletiva, nos
iludimos a nós mesmos, de sorte que, por um
esforço de análise, a reflexão consegue flagrá-los
em sua parcialidade, vale dizer, em seu caráter
propriamente ilusório. É nesse sentido que
podemos compreender as tradições de pesquisa
do tipo da crítica da ideologia, das genealogias, da
psicanálise, da crítica social e todas as
elaborações teóricas motivadas pelo desejo de
alterar os elementos determinantes de uma “falsa”
consciência e de extrair disso conseqüências
práticas.” (p. 24, [IV])
Seção 2. “Objetivos da filosofia no EM” [V]
3. “Competências e habilidades”
“[VI] De forma um tanto sumária, pode-se afirmar que se trata tanto de competências
comunicativas, que parecem solicitar da Filosofia um refinamento do uso argumentativo da
linguagem, para o qual podem contribuir conteúdos lógicos próprios da Filosofia, quanto de
competências, digamos, cívicas, que podem fixar-se igualmente à luz de conteúdos filosóficos.” (p.
30)
“Ao contrário [os conhecimentos necessários à cidadania], destacam o que, sem dúvida, é a
contribuição mais importante da Filosofia: fazer o estudante aceder a uma competência discursivofilosófica.” (loc. cit.)
2º) Investigação e
compreensão:
1º) Representação e comunicação:
• ler textos filosóficos de modo
significativo;
• ler de modo filosófico textos de
diferentes estruturas e registros;
• elaborar por escrito o que foi apropriado
de modo reflexivo;
• debater, tomando uma posição,
defendendo-a argumentativamente e
mudando de posição em face de
argumentos mais consistentes.
• articular conhecimentos
Como fazer?
filosóficos e diferentes
conteúdos e modos discursivos
nas ciências naturais e
humanas, nas artes e em
3º) Contextualização
outras produções culturais.
sociocultural:
v
• contextualizar
conhecimentos filosóficos,
tanto no plano de sua origem
específica quanto em outros
planos: o pessoal-biográfico;
o entorno sócio-político,
histórico e cultural; o
horizonte da sociedade
científico-tecnológica.
4. “Metodologias”
Após a seção “Conteúdos”, na qual são vagamente listados alguns, lê-se na
seção “Metodologias”:
“[VII] Para a realização de competências específicas, que se têm sobretudo
mediante a referência consistente à História da Filosofia, deve-se manter
a centralidade do texto filosófico (primários de preferência), […].
Certamente, no desenvolvimento do modo especificamente filosófico de
apresentar e propor soluções de problemas, o exercício de busca e
reconhecimento de problemas filosóficos em textos de outra natureza,
literários e jornalísticos, por exemplo, não deixa de ser salutar, contanto que
não se desloque, com isso, o primado do texto filosófico.” (p. 37)
2. Eixos ou espaços conceituais da filosofia
O pano de fundo
teórico que gostaria de
fornecer para a
reflexão sobre
natureza e didática da
filosofia está
desenhado a partir da
abordagem de R.
Rocha.
Desse modo, estou
considerando como
quadro de referência
uma distinção entre
três eixos da filosofia
sugerida em [7] e [8],
assim esquematizada:
(φ) Histórico:
Contempla a
relação com os
textos filosóficos da
tradição,
combinando-se (α)
através de (β)
(β)Instrumental:
Conceitos e
procedimentos
tipicamente
filosóficos para a
lida com (α)
(α) Temático:
Conceitos e
problemas do
mundo vivido, da
dimensão comum
das experiências
(dentro e for a da
escola)
3. Recente bibliografia para-didática
Marcondes & Franco indicam, no primeiro capítulo de [4], a obra de Platão como fonte de
toda concepção filosófica possível na história.
Estilos literários
Os autores tecem algumas considerações sobre o fato de que a escrita não
foi originariamente o meio de fazer filosofia antes da exposição dos seguinte
estilos:
Figuras do filósofo
Personagens arquetípicos que são apresentados logo após algumas considerações
etimológicas relativamente usuais sobre a palavra filosofia
Cinco concepções: a filosofia como...
Uma incompletude
• A abordagem contida em [4] é interessante, pois é
complementada com um capítulo sobre a história e a
periodização da filosofia, além de um quadro
cronológico e ainda um capítulo sobre a questão da
origem da filosofia – tema clássico em qualquer
introdução.
• É preciso destacar, entretanto, que o professor de
filosofia não vai encontrar ali (e nem parece que seja
intenção dos autores dar conta disso), como não
encontra nas OcemFil, sugestões práticas sobre como
lidar com tamanha polimorfia no dia-a-dia da sala de
aula. Creio, com Rocha, que a concepção de
Tugendhat, de que agora tratarei, pode ser um bom
guia nesses assuntos de didática e filosofia.
4. Uma concepção condutora: “O que é filosofia”
de E. Tugendhat
“[D]evemos conceber nosso conceito de filosofia de maneira suficientemente abrangente, de
forma a englobar todas essas diferentes concepções acerca da questão se, e até que ponto,
um saber nesse domínio é possível.” ([1], p. 24)
Dada a inevitabilidade do desacordo quanto a um conceito unitário de filosofia, recorre-se a
amostras de concepções “canônicas”, das quais são extraídas, para determinar o conceito
por semelhança de família, três notas características:
Conceito
cosmopolita
Conceito de
escola
Metáfora do mapa: delimitação de
fronteiras (a partir de Hegel)
Religião
• opera no domínio do “tomar
algo por verdadeiro”, da crença;
• saber-entre-aspas que
funciona como saber;
• difere não tanto pelos objetos
mas pela “fundamentação da
crença ” na autoridade.
Φ Filosofia
 opera no mesmo
Φ
domínio
que a religião,
mas coloca em questão o
que se toma por
verdadeiro, e mesmo a
fundamentação das
normas (morais e
jurídicas) sob as quais se
vive (apelo à noção
kantiana de menoridade
Ψ)
Para enfatizar a
relação com o
amadurecimento em
relação à cultura.
Artes
não pretende
relacionar-se com a
verdade no sentido de
formar enunciados;
não se coloca a
questão da
fundamentação;
(mostra o que as outras
duas dizem)
O “peculiar domínio intermediário”
da filosofia
Φ Filosofia
Φ
O que visa? “O todo”;
o que é comum a todos os
domínios de objetos,
Aristóteles diria: “o ente
enquanto ente e tudo o
mais que a ele pertence”;
Quanto
Kant: “as condições de
ao
possibildiade da
conteúd
experiência”.
o
• a Φ volta-se ao domínio da
crença.
Além disso, compartilha
com ele o primado da
prática.
Mas, novamente, a
diferença está na forma de
conceber as crenças, na
fundamentação.
Religião
Quanto
à forma
• a Φ aproxima-se das ciências
particulares, pois busca
fundamentação.
Mas seus métodos são o
questionamento e a dúvida,
indaga pelas razões, formula
argumentos e não
necessariamente determina
causas.
A fronteira com a ciência não
pode ser muito rígida.
Ciência
“Mundo da vida”:
a rede dos conceitos formais
“O conceito de mundo da vida de Husserl fornece-nos a
possibilidade de compreender o todo ao qual a filosofia deve se
referir de uma maneira que não é mais puramente teórica, mas
abarca a filosofia teórica e prática conjuntamente.” ([1], p. 38)
“Certas questões que, à primeira vista, nos pareciam filosoficamente abstratas adquirem
uma importância que remete ao conceito kantiano de filosofia numa intenção
cosmopolita, e isto me conduz por fim à questão se não haveria uma outra possibilidade
de compreender a referência à totalidade da filosofia, de tal sorte que essa referência se
destacasse dos domínios das demais ciências, não por uma maior abstração, mas, ao
contrário, por uma maior concretude.” ” ([1], p. 47)
“Esse conceito de filosofia teria que ser visto, de maneira ainda essencialmente mais
forte, como um empreendimento interdisciplinar do que aqueles entrecruzamentos de
problemas que mencionamos acima, levantados pelas contradições da perspectiva
interna e externa. Pois como nos orientaremos no mundo atual sem considerar o que as
ciências particulares podem nos dizer sobre isso? Por outro lado, uma ciência particular
enquanto tal está sempre apontando para o conhecimento sistemático de um domínio de
objetos. A orientação para o que é bom e mau, e para as possibilidades de ação, significa
um outro direcionamento. Por essa razão e também porque esse direcionamento deve ser
compreendido como um direcionamento para o todo de nossas vidas, compreendido de uma
maneira
determinada, o título mais adequado para esse empreendimento também parece ser o de
filosofia.”
Conceito de
mundo
Conceito de
escola
De volta ao
texto das Orientações
“A compreensão da Filosofia como disciplina reforça, sem paradoxo, sua
vocação transdisciplinar, tendo contato natural com toda ciência que
envolva
descoberta ou exercite demonstrações, solicitando boa lógica ou reflexão
epistemológica. Da mesma forma, pela própria valorização do texto
filosófico,
da palavra e do conceito, verifica-se a possibilidade de estabelecer
proveitoso
intercâmbio com a área de linguagens. Além de contribuir para a
integração dos
currículos e das outras disciplinas, a afirmação da Filosofia como
componente
curricular do ensino médio traz à tona questões inerentes à própria
Conceito
Conceito de
disciplina,
cosmopolita
escola
Referências
[1] TUGENDHAT, E. “O que é filosofia?” Trad. Maria
Clara Dias. Em: M. C. DIAS (org.). O que é
filosofia? Ouro Preto: IFAC/UFOP, 1996, p. 7-33.
[2] BRASIL. Orientações curriculares para o ensino
médio - Ciências humanas e suas tecnologias.
Brasília: Secretaria da Educação Básica, 2006.
[3] ROCHA, R. P. da. Ensino de filosofia e currículo.
Petrópolis: Vozes, 2008.
[4] MARCONDES, D. & FRANCO, Y. A filosofia: O
que é? Para quê serve? Rio de Janeiro: Zahar &
Ed. PUC-Rio, 2011.
Um exemplo – as OCEM de Geografia:
“Os conceitos cartográficos (escala, legenda, alfabeto
cartográfico) e os geográficos (localização, natureza,
sociedade, paisagem, região, território e lugar) podem
ser perfeitamente construídos a partir das práticas
cotidianas. Na realidade, trata-se de realizar a leitura
da vivência do lugar em relação a um conjunto de
conceitos que estruturam o conhecimento geográfico,
incluindo as categorias de espaço e tempo.” (p. 50)
Todos os direitos reservados.
Ao utilizar este material, não retirar os
créditos.
www.clef.com.pt
|
[email protected]
Download