Vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura Pecuária e Abastecimento / GDF Boletim do Núcleo de Agronegócio - Ano II nº 11 ESPECIAL 12/ 12 / 2005 - Fone: 340 3066 Impactos de um surto de influenza aviária na cadeia avícola Iniciado há aproximadamente seis meses, um novo surto de influenza aviária está pondo em alerta a comunidade internacional, que ainda se ressente dos assombros causados pela epidemia de SARS (pneumonia asiática) em 2003, e submete novamente um grande contingente populacional à ameaça de um vírus fatal, ainda que com características distintas, pois o contágio não se estabelece entre pessoas, mas a partir do contato com aves infectadas. Sob a perspectiva da produção mundial avícola, o que estamos presenciando é mais um capítulo do embate que vem se estabelecendo com recorrência no últimos dois anos. Anúncios de descoberta de focos de influenza, seja de alta (HPAI) ou baixa patogenicidade (LPAI), circulam com freqüência nos informes do setor produtivo internacional, no mínimo, desde a segunda metade de 2001, e os protagonistas desde então se revezam entre Europa, América do Norte e Sudeste/Leste Asiático. O frenesi, percebido na cobertura da mídia internacional, causado pela influenza no início deste ano pode até vir a se arrefecer à medida que a não ocorrência de vítimas humanas fatais indique controle sob tamanha ameaça. E de fato é o que tem se observado. Mas na esteira deste fenômeno, os reflexos econômico/produtivos seguem desordenando o circuito mundial de produção e comércio de produtos de origem avícola, e os custos decorrentes de todo este embaraço, bem como do processo de ajuste, são altíssimos, e de mensuração complicada ao considerar-se que ainda estamos em meio ao processo. O certo é que no curtíssimo prazo sobressai-se a lei das melancias que ajustam na carruagem, isto é, mercados que se fecham temporariamente são substituídos por concorrentes, de tal forma que demanda internacional seja atendida; logicamente, mesmo este processo, não se desempenha perfeitamente, mas há claramente um sistema de manutenção do fluxo comercial, do qual o Brasil, detentor no momento do status de país livre da doença, vem se favorecendo, sobretudo via preços e, em menor medida, expansão de mercado. • Brasil Os casos relatados aqui contribuirão para que possamos discutir sobre o alcance de uma eventual descoberta de focos no rebanho avícola brasileiro. Vamos estabelecer os seguintes pressupostos para uma aproximação do impacto nas exportações: • Em função das restrições impostas atualmente aos principais exportadores mundiais como Tailândia, China e Estados Unidos, consideremos que os países importadores serão mais flexíveis nas negociações com o Brasil, evitando comprometer seriamente o atendimento às suas demandas internas. Vamos considerar portanto 70% de redução nas aquisições externas do frango por seis meses (julho a dezembro, por exemplo). • Vamos projetar, para tanto, que o Brasil controle o foco em quatro semanas. Cabe avaliar quanto o Brasil exporta de carne in natura em um semestre para diferentes mercados, tendo em conta que os produtos processados continuarão a ser embarcados. Aplicamos assim uma taxa de restrição aos embarques neste período que reduziria as receitas em 70%, o eqüivaleria a um corte aproximado de U$ 500 milhões. Este valor, de 70%, pode ser entendido como uma estimativa média, tendo em conta que muito provavelmente nos dois primeiros meses as restrições poderão chegar a quase 100%, sobretudo a partir de países como Japão, e à medida que os focos forem controlados, os embarques podem ser reiniciados, ainda que em valores muito inferiores. Um atenuante que pode ser considerado é a postura do Oriente Médio, nosso principal comprador, que supõem-se seja mais prudente nas sanções impostas, pois os fornecedores asiáticos alternativos estão em meio à batalha de controle do vírus, e os Estados Unidos, que vem pronto para retomada dos espaços perdidos após o controle da influenza, não desfruta de uma relação comercial sólida no que diz respeito ao frango, pois praticamente não vende mais inteiros para esta região e participa apenas com 2% no abastecimento de cortes. Assim, fica a expectativa de tratamento diferenciado com os mercados árabes, ainda que negociar carcaças inteiras nestas circunstâncias é bastante complicado pois é um produto muito visado na imposição de medidas restritivas decorrentes do vírus da influenza. Outros fatores devem ainda ser considerados numa estimativa de impactos: • O Brasil, apesar das dimensões continentais, tem uma significativa parcela da produção concentrada no corredor oeste paranaense, oeste catarinense e vale do taquari (RS). Esta afirmação se reforça quando consideramos a produção destinada ao mercado externo. Face a isto, não é recomendável apostar na possibilidade de as restrições serem impostas por estados, como aconteceu nos Estados Unidos, favorecido pela maior dispersão da produção quando comparado com a nossa situação. • A nossa concentração de animais se assemelha ao encontrada na Holanda, que em 2003 sacrificou 24 milhões de aves para conter o surto de influenza. • Um outro aspecto importante que devemos ter presente nesta discussão é a baixa capacidade de absorção do mercado interno para escoamento da produção que deixará de ser exportada. A demanda nacional de carne de frango é inelástica, o que significa que para aumentar 1% na quantidade demandada, o preço deve cair acima deste percentual. Santana et al.(1999)1 dimensionaram a elasticidade-preço da demanda de carne em -0,332, o que significa que a queda de 10% no preço do produto aumentaria a demanda a uma taxa de 3,32%. Mas a situação a que podemos nos defrontar exigirá, numa perspectiva mais otimista, a necessidade de absorção de aproximadamente 8 a 10% da nossa produção no curto prazo, o que demandaria uma redução no preço de mais de 20%, uma possibilidade com desencadeamentos drásticos para a sustentabilidade econômica do setor. • O reflexo social deste cenário pode ser projetado a partir da dimensão do complexo avícola brasileiro, que hoje é responsável por 4 milhões de empregos diretos e indiretos. Na região Sul, onde concentra-se a maior parcela do plantel de aves no país, 45 mil empregos diretos e 800 mil indiretos no Rio Grande do Sul; 60 mil empregos diretos e 800 mil indiretos em Santa Catarina; e 60 mil diretos e 850 mil indiretos no Paraná. Estes estados concentram mais de 90% das exportações, e uma eventual ocorrência da gripe do frango geraria graves conseqüências para este contingente de trabalhadores. É necessário acrescentar que a conjuntura atual faz com que até extrapolemos estes valores pois estamos em meio à um surto exportador brasileiro, em que até empresas de médio e pequeno porte estão se capacitando à exportação, recrutando mão-de-obra, aumentando turnos de trabalhos e contribuindo para que aumente o número de trabalhadores envolvidos direta e indiretamente no suporte a este momento da avicultura nacional. Pedro Pereira Guedes, MSc. em Agronegócios Fonte: Embrapa Suínos e Aves