Engenharia Biomédica – 3º ano, 1º semestre Mecanismos Gerais da Doença (2006/2007) Aula 4 – 11 de Outubro de 2006 Tema: Patologia Celular Professor Afonso Fernandes Aula desgravada por Jorge Beira e Marisa Oliveira A medicina durantes muitos séculos não passou de uma arte. Só se tornou ciência quando foi definida a sua unidade, o que foi feito por um alemão, Rodolph Virchow, em pleno século XIX com a publicação de um tratado sobre patologia celular em 1858. Neste tratado podemos encontrar como conclusão fundamental o que está traduzido no slide (“Todas as doenças se resumem a perturbações geradas ou sofridas por grandes grupos de unidades vivas, cuja capacidade funcional depende do estado da sua composição molecular e portanto das alterações químicas e físicas dos seus constituintes”). Como sabem, a teoria atómica e molecular de Dalton e Avogrado já tinham sido anunciadas no início do século XIX, 1804 e 1811 respectivamente e portanto Virchow já se pode socorrer desses conceitos, que foram de alguma forma inaugurais nas ciências da Química e da Física para fazer esta extrapolação e levantar esta hipótese. De facto, nesta altura, isto não passava de uma hipótese porque Virchow, em meados do século XIX, ainda estava muito longe de poder afirmar baseado no método experimental que todas as doenças eram resultantes deste tipo de alterações. Com isto nasce a patologia celular. No entanto a patologia molecular, que é a explicação directa das doenças pela alterações das moléculas, só vem a nascer muito tempo depois em 1949, com Pauling. Pauling deu um contributo muito importante para a Química e foi prémio Nobel da Química e mais tarde prémio Nobel da Paz. Nós podemos estudar as doenças a vários níveis e hoje vamos preocupar-nos com a doença da célula que, pelos vistos, pode explicar a doença do organismo como um todo. O primeiro aspecto que vamos focar é o que é que pode causar lesão celular.Com certeza que não se admiram que as causas da lesão celular se sobreponham às causas de doenças que falámos na primeira aula. As causas da lesão celular podem ser: - Agentes físicos; - Agentes químicos; - Agentes biológicos; - Alterações das células; - Desiquilíbrios nutricionais; - Alterações genéticas; - Envelhecimento; - Reacções Imunológicas; - Radicais Livres; - Isquémia e Hipóxia. 1 A isquémia e a hipóxia são das principais causas de lesão celular do mundo ocidental em que vivemos. A mortalidade ocidental ocorre predominantemente devido às doenças cardiovasculares entre as quais se inclui a doença coronária. Por outro lado, mesmo outros agentes, quando actuam sobre os tecidos acabam directa ou indirectamente, com frequência, por determinar lesões de isquémia e hipóxia porque o mecanismo pode não ser directo mas muitos destes agentes podem lesar as paredes dos vasos, podem lesar os endotélios comprometendo o fluxo circulatório causando isquémia e hipóxia. Importará ter uma ideia deste conjunto face a um estímulo que actua sobre uma célula com uma determinada susceptibilidade, é possível uma resposta funcional, a célula passa a funcionar de uma forma diferente, adaptada perante a esta situação de um estímulo ter actuado sobre ela própria - falamos então numa adaptação funcional – ou pode acontecer a lesão mas essa lesão ser reversível e portanto possibilitar à celula uma adaptação. Mas a célula pode sofrer perturbações de tal maneira que a lesão celular seja irreversível. Isso conduz à morte da célula.(Ver slide 4) A célula pode morrer por vários processos: - Necrose; - Apoptose. Quais são os alvos, na célula, dos estímulos (dos agentes, das causas) da patologia celular? 1 - membrana (que contribui até para a própria definição de célula); 2 - formação de ATP (produção de energia); 3 - síntese proteica; 4 - genoma. Quais são os mecanismos envolvidos na lesão? I - privação de oxigénio (mecanismo básico fundamental, não é entregue oxigénio às células); II - produção de espécies reactivas de oxigénio (algumas são radicais livres* - que são representados por R. – nem todas as ERO*2 são radicalares (têm o tal electrão desemparelhado)); III - mecanismo relacionado com a mitocôndria e formação de energia; IV - concentração intracelular de cálcio; V - mecanismos relacionados com a disrupção ou disfunção da membrana, com a perda de função das ATPases, a alteração dos lípidos, dos ácidos gordos polinsaturados que são susceptíveis de sofrerem peroxidação pelas espécies radicalares, antes a chamada lipoperoxidação. Neste ramo, que contempla a adaptação celular, podemos então falar de uma adaptação funcional, sem alterações morfológicas (não reconhecível morfologicamente quando submetido ao microscópio), condicionamento, hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia (que são tudo formas morfologicamente reconhecíveis de adaptação celular). Como estamos no domínio da adaptação, todas estas formas são reversíveis ao contrário da morte, da necrose e da apotose. Dedicamos agora especial atenção à isquémia. Isquémia: desiquilíbrio entre o fornecimento de oxigénio e o consumo de oxigénio. *Radical Livre é qualquer espécie molecular que tem um electrão livre desemparelhado numa orbital externa. *2 ERO - Espécies Reactivas de Oxigénio 2 O desequilíbrio pode acontecer devido a uma diminuição do fornecimento ou aumento do consumo. Isto pode conduzir a uma lesão reversível, mas pode também, ultrapassando determinados limites quer de intensidade quer no tempo, conduzir a uma morte celular (exemplo:enfarte do miocárdio). A isquémia não pode de ser entendida como sinónimo de hipóxia (sendo hipóxia como um insuficiente fornecimento de oxigénio aos tecidos). A isquémia não é só o fornecimento de menos oxigénio mas também carência de outros substratos importantes para o metabolismo da célula. Quando é interrompida a circulação (que é o que acontece na isquémia) há acumulação de produtos do metabolismo e alguns deles são lesivos para as próprias células como o peróxido de hidrogénio e o dióxido de carbono. Em relação à hipóxia vamos tentar com a ajuda do significado destes vários tipos dar exemplos de causas de hipóxia que se possam enquadrar dentro destes grandes grupos: Hipóxia Hipoxémica. Hipoxémica significa que há menos oxigénio no sangue (está relacionado com a concentração de oxigénio no sangue). Pode ser causada por: - insuficiência respiratória. Se o pulmão não é capaz de fazer as trocas gasosas, logo não é capaz de meter oxigénio no sangue. - ambientes naturais de montanha (alta altitude) em que há rarefacção do oxigénio inspirado. - shunt direito-esquerdo, que é uma mistura de sangue venoso com sangue arterial por uma anomalia anatómica. Direito/esquerdo pois as cavidades direitas do coração têm sangue venoso e as cavidades esquerdas têm sangue arterial. Se houver mistura do sangue venoso com o sangue arterial então o sangue arterial vai ter menos oxigénio. Hipóxia Anémica. Alterações quantitativas ou qualitativas da hemoglobina. Agora trata-se de problemas não na oxigenação mas sim no transportador de oxigénio, a hemoglobina. Pode ser causada por: - Intoxicação por CO. O monóxido de carbono tem uma afinidade 240 vezes superior que o oxigénio para a hemoglobina. Logo provoca uma capacidade inferior de transporte de oxigénio pois a hemoglobina está ligada ao CO. - Anemia. Que é uma menor concentração de hemoglobina, logo uma menor concentração de transporte de oxigénio. - Drepanocitose - doença em que há alteração da hemoglobina, e esta precipita nos glóbulos vermelhos devido à diferente composição em aa. Há uma mutação pontual que leva à substituição de 1 aa ácido glutâmico por valina na posição 6 da cadeia β. Trata-se de uma alteração genética. Revisão: Nem todas as doenças genéticas são hereditárias: por exemplo o cancro(que é uma doença genética adquirida). A drepanocitose tem outro nome: anemia das células falciformes. É por isso mesmo uma anemia que leva à hipóxia anémica devido à diminuição da concentração da hemoglobina. Os doentes com anemia das células falciformes têm anemia devido a um rearranjo da estrutura da molécula nomeadamente da estrutura terciária e quaternária, que leva a que determinados aa passem a estar próximos, que não estavam na molécula normal, e a que se estabeleçam ligações hidrofóbicas havendo precipitação da hemoglobina. No entanto só precipita a hemoglobina 3 desoxigenada, formando fibras longas de polímeros de moléculas de hemoglobina alterada, fibras rígidas que distorcem a forma do glóbulo levando à destruição dos glóbulos pelos macrófagos. Pode ocorrer também o entupimento da microcirculação provocando dores agudas nos doentes devido a episódios de isquémia em vários orgãos causados pelo entupimento. Um glóbulo vermelho tem cerca de 8 μm e os vasos mais finos têm cerca de 3 μm por isso o glóbulo tem de ser muito maleável. Estes doentes só começam a ter sintomas a partir dos 6 meses de idade devido à hemoglobina F (fetal) que inibe a polimerização da hemoglobina anormal (hemoglobina S). A hemoglobina normal do adulto chama-se hemoglobina A. - Hemoglobina com demasiada afinidade para o oxigénio que não liberta o oxigénio para os vasos. Hipóxia Isquémica. Pode ser causada por: - Enfarte do miocárdio. Obstrução de uma coronária por uma trombose que provoca isquémia, interrupção da circulação que provoca hipóxia. Hipóxia Histotóxica. Incapacidade da célula de aproveitar o oxigénio disponível. Há uma acção tóxica do tecido (“histo”-tóxica). O oxigénio está lá mas se a célula não tem capacidade para o aproveitar então é como se não existisse oxigénio disponível. Pode ser causada por: - Intoxicação por cianeto. Leva à hipóxia histotóxica devido à inibição da citocromoxidase pelo cianeto. Esta é uma enzima da cadeia respiratória logo a cadeira respiratória não funciona. - Choque térmico. O estado de choque circulatório relacionado com uma infecção generalizada, as células ficam incapazes de utilizar o oxigénio disponível levando a uma mortalidade muito elevada. Hipóxia por aumento da necessidade de oxigénio. - Claudicação intermitente. Claudicar é a falha por coxear e acontece a que tem aterosclerose nas artérias dos membros inferiores, estreitamento do lúmen das artérias logo incapacidade de receber tanto sangue como numa situação normal aos músculos da perna. Portanto se ando, e ando mais os músculos precisam de mais oxigénio para continuarem a contrair. Se não tenho maneira de fornecer mais oxigénio o músculo entra em sofrimento, entra em isquémia e liberta certas substâncias que vão estimular as terminações nervosas e há dor. Face a uma situação de hipoxia há maneira de compensar esta situação com mecanismos de compensação: Ventilação pulmonar. Ventilar mais vai colocar mais oxigénio no sangue compensando a situação. Débito cardíaco. Aumentando a quantidade de sangue que é enviada para os tecidos por unidade de tempo, aumenta a quantidade de oxigénio que chega aos mesmos. Redistribuição circulatória. Se houver forma de conduzir mais sangue para os tecidos que mais precisam dele, estamos a compensar a hipóxia. Produção de eritrócitos. Produzindo mais glóbulos vermelhos, temos mais hemoglobina e consequentemente mais oxigénio. Habitualmente a 4 medula óssea tem essa capacidade, responde a um estímulo para a produção de eritrócitos que depende da produção de uma hormona, a eritropoetina. Dissociação da hemoglobina. Se pudermos deslocar a curva de dissociação da hemoglobina para a direita no sentido de haver menor afinidade da hemoglobina para o oxigénio, logo vai haver maior libertação de oxigénio. Há certas variáveis que alteram esta curva, que a deslocam para a direita como o aumento da temperatura, aumento da pressão parcial de CO2, 2,3-difosfoglicerato, e o pH – quanto baixa o pH aumenta a dissociação. Quando o pH baixa aumenta a concentração de H+, isto acontece como consequência da glicólise anaeróbia em que o produto final é o ácido láctico. Este desloca a curva de dissociação da hemoglobina no sentido de dar mais oxigénio para que a glicólise seja aeróbia. Muitos destes mecanismos de compensação têm eles próprios efeitos secundários, efeitos que contrariam a compensação. Por exemplo a produção de eritrócitos pode ter como desvantagem o aumento da viscosidade sanguínea dificultando a microcirculação. Consequências para a célula da isquémia: Se não há oxigénio vai haver inibição da cadeia respiratória e inibição da fosforilação oxidativa da produção de ATP. Portanto diminui o ATP. Vai haver também aumento do cálcio intracelular. E sabe-se hoje bem que estes dois factores são decisivos para conduzir a célula para a morte por necrose, o aumento do cálcio intracelular e a diminuição do ATP. A necrose acontece sobretudo por lesão irreversível da membrana sendo o mecanismo mais significativo da morte da célula. Consequências da perda de ATP: Glicogenólise - degradação do glicogénio (molécula de reserva de glisose) – aumentando assim a glicose. Como a eficácia energética da glicose anaeróbia é inferior à da glicólise aeróbia, temos de ir buscar glicose ao glicogénio. Aumenta assim o ácido láctico e diminui o pH. Isto provoca uma destabilização das membranas lisossómicas – os lisossomas são sacos de enzimas que hidrolizam as moléculas - e isso leva à digestão celular. Inibição da síntese proteíca. Inibição da síntese de fosfolípidos. Inibição das ATPases – as ATPases são fundamentais para garantir um gradiente de concentração de iões entre o meio intracelular e o meio extracelular. Se inibirmos as ATPases vamos ter problemas na manutenção deste gradiente. Uma situação que acontece às celulas nesta situação é incharem porque entra água, dá-se um edema celular, e vê-se ao microscópio as células mais claras devido à diluição. Há também aumento do cálcio intracelular. Este aumento do cálcio no interior da célula veio a revelar-se muito importante para a causa da lesão isquémia. A concentração de Ca2+ extracelular é cerca de 10-3 molar e no interior da célula é de cerca de 10-7 molar. Isto representa uma diferença bastante significativa. Esta é a situação normal. Devido à inibição das ATPases e doutros mecanismos que não vamos falar, e porque a sequestração de 5 cálcio no retículo endoplasmático e na mitocôndrica fica inibida, aumenta muito o cálcio no citosol. Acontece então a activação de muitas proteínas na célula que vão ter um efeito muito negativo na mesma principalmente na hidrolização das macromoléculas. Aumentam as proteínas cinases, proteases que hidrolizam as proteínas, fosfolipases que hidrolizam os fosfolípidos, ATPases, endonucleases, etc. Acontecem também outras alterações que agravam ainda mais a lesão: . Inibição da síntese proteíca; . Alterações da expressão dos genes; . Libertação de neurotransmissores; . Vasoconstrição – a lesão é já por falta de sangue e o Ca2+ provoca a contracção muscular e os vasos ainda apertam mais. Mecanismos da irreversibilidade da lesão isquémica Os últimos estudos feitos indicam a lesão da membrana como o factor determinante na morte celular. Por métodos bioquímicos demonstrou-se que há uma perda de fosfolípidos na membrana celular. Ocorre pois há menos síntese, porque há menos energia. Há aumento da degradação enzimática porque há activação pelo cálcio de fosfolipases. E há aumento da degradação não enzimática pelas espécies reactivas do oxigénio, que fazem a chamada peroxidação - oxidação dos lípidos dos ácido gordos polinsaturados que constituem os fosfolípidos da membrana. Tudo isto leva a perda de fosfolípidos e acumulação de produtos tóxicos que são derivados da degradação dos mesmos; alguns têm uma função detergente da membrana como os lisofosfolípidos, outros são aldeídos que estabelecem ligações cruzadas. O próprio citoesqueleto sofre alterações. Se a célula incha, as proteínas do citoesqueleto são como que arrancadas dos locais onde têm a sua ancoragem e portanto há também lesão da membrana devido a esses aspectos mêcanicos. É portanto a lesão da membrana que leva à morte celular, à lesão irreversível. No sistema nervoso central verificou-se que havia ainda um outro mecanismo que ajudava à lesão dos neurónios – a excitotoxicidade. Existem neurotransmissores estimuladores e inibidores. O ácido glutâmico é um neuro-transmissor estimulador que tem a propriedade de provocar a abertura de canais (quando se liga a determinados receptores de membrana), através dos quais entra cálcio (é um dos mecanismos de lesão celular). Definiu-se então a excitotoxicidade: a toxicidade devida à libertação de neurotransmissores estimulantes – isto acontece na isquéma, embora ainda não se saiba muito bem porquê. As mitocôndrias também têm uma acção renovante neste contexto; Têm-na devido a poderem sofrer este tipo de alteração, que se chama transição da permeabilidade mitocondrial; isto significa que, face a determinados estímulos e agentes tóxicos (espécies radicalares, espécies reactivas de oxigénio, cálcio, fosfolipases, ceramidas que resultam da degradação de esfingolípidos), há uma degradação da membrana mitocondrial que provocam saída de cálcio das mitocôndrias que perturba s gradientes fundamentais para manter a cadeia respiratória em funcionamento; o citocrómio C também sai da mitocôndria por este processo, o que leva à menor formação de ATP, e que pode levar à lesão celular por necrose. A saída de citocrómio C pode conduzir a outro tipo de morte celular (a apoptose), que iremos falar mais à frente. A viabilidade das células depende também da sua susceptibilidade – nem todas as células são igualmente susceptíveis à falta de oxigénio (como sabemos, as células 6 nervosas sofrem com a falta de oxigénio num intervalo de tempo muito curto). As células do miocárdio resistem mais à isquémia (felizmente). Diferentes células têm diferentes susceptibilidades à lesão isquémica. O conceito de zona de penumbra é também importante: quando há um foco isquémico, há uma zona central que sofre muito e há uma zona à volta que sofre um bocadinho menos. Um dos objectivos da intervenção médica é tentar salvas as células da zona de penumbra, porque as células do foco isquémico estão geralmente “condenadas”. Vamos agora ser um pouco mais concisos na apresentação de alguns conceitos. Reperfusão – voltar a fazer chegar sangue a uma zona que esteve em isquémia. Depois deste período de isquémia (quando há reperfusão) pode haver agravamento da lesão celular. Aparentemente, é contraditório. Ainda assim, devemos tentar reperfundir a zona que sofreu lesão isquémica. Por exemplo, quando há um ataque de coração, deve fazer-se a reperfusão através de cuidados coronários; deve desobstruir-se a coronária para haver de novo fluxo de sangue nessa zona. Resumindo, a reperfusão também se acompanha de lesão celular. Temos então de desenvolver estratégias para evitar a lesão de reperfusão. Esta lesão está muito ligada à produção de espécies reactivas de oxigénio. Concretamente, em relação ao miocárdio, a reperfusão pode levar à recuperação (é o ideal), mas também pode levar ao atordoamento do miocárdio (isto é, ele funciona pior durante algum tempo), a arritmias (que podem ser mortais), lesão vascular e morte celular na zona de penumbra. Há então lesão de isquémia e lesão de reperfusão. Outro conceito importante está relacionado com a destruição das membranas das células quando estas morrem; nesse caso, o meio intracelular passa para o meio extracelular, e daí para o sangue. Portanto, podemos ter como marcador de necrose o doseamento de determinadas substâncias no sangue periférico – saem para o sangue enzimas que podemos dosear. Se por exemplo existem enzimas que existem no miocárdio, e se a sua concentração no sangue aumenta, significa que teve uma necrose do miocárdio. O mesmo acontece para outros tecidos; por exemplo, no caso do pâncreas (que produz uma enzima, a amilase), pode medir-se a amilacémia e se esta for elevada traduz uma necrose no pâncreas. Outro dos conceitos que vale a pena referir é o de condicionamento celular. Se imaginarmos uma célula no estado basal, e se a célula sofrer um primeiro ataque (pode ser um tóxico, ou um período de isquémia), ela fica num estado condicionado que vai fazer com que (durante um certo tempo), ela responda de forma diferente a um segundo ataque. Este condicionamento pode ser defensivo (há uma resisténcia melhor ao segundo ataque, havendo um período de protecção) ou destrutivo (em que a célula se torna mais vulnerável). No caso o coração, só se conhece um condicionamento protectivo. Este conceito é importante porque após o primeiro ataque (que não tem intensidade suficiente para matar a célula, ou então a história acaba), se esta estiver num período de protecção, ela pode não morrer se estiver em condicionamento mesmo que a intensidade do segundo ataque pudesse ser letal. O condicionamento permite uma maior viabilidade, uma melhor contracção, etc. Pode haver uma adaptação rápida ou lenta. Os ataques podem ser de natureza diferente. Pode haver uma isquémia ou pode submeter-se a célula a uma endotoxina (produzidas por bactérias gram negativas). Um determinado tipo de agente agressor deixa a célula condicionada para esse tipo. 7 Há proteínas (produzidas em resposta a um choque térmico) que são constitutivas (existem normalmente na célula em concentrações baixas), e outras cuja síntese é induzida, que aumentam muito quando a célula é agredida. Por exemplo a ubiquitina é uma proteína que marca as proteínas para a destruição (nos proteossomas). Isto é muito importante depois de uma lesão, pois a célula tem de se ver livre das proteínas desnaturadas para poder sobreviver. As chaperoninas são muito importantes no enrolamento (durante a síntese das proteínas). Estas também refazem as estrutura terciária e quaternária de proteínas que sofreram uma lesão (por choque térmico ou por outros factores). Outro grupo importante é o das enzimas anti-oxidantes. Há uma sobrecarga oxidante quando há formação de muitos radicais de oxigénio; estas enzimas degradam espécies reactivas de oxigénio. Exemplos: superóxido dismutase, catalase (é a enzima mais rápida do nosso organismo, que degrada o peróxido de hidrogénio em água). Mais um conceito: a morte celular. Esta pode ser acidental (necrose) ou programada (apoptose). Pode acontecer por acidente (se deixarem de receber oxigénio ou nutrientes), e dá-se a necrose – pode acontecer devido a tóxicos, a efeitos de energia cinética que esmaga a célula, a variações de temperatura, etc. As células também podem ser programadas para morrer (apoptose) ou podem ser eliminadas por células imunitárias do corpo (o que acontece também por apoptose). Por exemplo, no embrião formam-se membranas entre os dedos, que desaparecem porque as células sofrem apoptose. No caso do coração embrionário, as cavidades cardíacas estão cheias de células que sofrem apoptose e abrem a cavidade. A apoptose é então fundamental para a morfogénese. A apoptose pode ser induzida pelas células do sistema imune ou por estímulos como temperatura, radiação, etc. Assim se prova que há factores comuns à apoptose e à necrose, sendo que efeitos mais fracos provocam geralmente apoptose. Duas diferenças fundamentais entre necrose e apoptose: na necrose, a membrana rompe-se e o conteúdo da célula sai para o meio extracelular. Na apoptose, as células ficam engelhadas e formam-se corpos apoptóticos que têm membrana e que no seu interior contêm o que fazia parte da célula; estes corpos apoptóticos são depois fagocitados; assim, não se gera resposta imune em relação à apoptose, mas já há resposta à necrose. Para além disto, a necrose ocorre quando a célula não tem energia, a apoptose requer energia, e depende de enzimas proteolíticas (as caspases, enzimas específicas deste processo), de ligações cruzadas, da degradação do DNA e do reconhecimento para a fagocitose (o macrófago é responsável pelo reconhecimento de determinadas proteínas da membrana). O processo apoptótico é muito complexo. A apoptose também está implicada em vias patogénicas: a inibição da apoptose explica parcialmente determinadas doenças, como as doenças auto-imunes (há células do sistema imune que atacam as nossas próprias células, porque não conseguimos fazer com que haja apoptose destas células), e do cancro (há proliferação celular, mas se houvesse apoptose, não havia formação de uma grande massa celular – se a apoptose estiver inibida, há descompensação e grande proliferação). O excesso de apoptose também pode ser mau: no caso da SIDA, os linfócitos TD4 são destruídos; doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson) também podem ser devidas à morte celular em excesso, por apoptose descontrolada. Vários mecanismos que levam à produção de espécies reactivas de oxigénio (hipóxia, radiações ionizantes, xenobióticos) levam à lesão do DNA, das proteínas, dos lípidos, e à perda de ATP. Outros factores (como o sistema do complemento, o trauma) podem levar ao aumento da permeabilidade, que leva ao aumento do cálcio, que activa 8 proteases, que inibem bombas iónicas (tal como a perda de ATP), que levam de novo ao aumento da permeabilidade – processos cíclicos interligados que contribuem no seu conjunto para a produção de radicais livres. Resumo de conceitos/terminologia: Quando as células são submetidas a uma sobrecarga de trabalho (ou estimulações hormonais), podem adaptar-se a esta nova situação (temporariamente), sofrendo hipertrofia – aumento do volume das células em resposta aos estímulos. Estes podem, em determinadas condições, levar à proliferação celular – hiperplasia (pode ou não ser patológico). O oposto é a atrofia , por exemplo os músculos de uma pessoa acamada vão atrofiar (também muito comum no envelhecimento). A involução é a diminuição do número de células. A metaplasia é a mudança do tipo de célula (aspecto), que é determinada por alterações do ambiente em torno da célula, ou por uma irritação crónica. Por exemplo, a porção terminal do esófago é revestido por um epitélio pavimentoso estratificado (parecido com o da epiderme), e em consequência do contacto com o refluxo gastroesofágico (azia), há tendência para uma alteração do epitélio. Este muda (porque é pouco resistente ao ácido) e passa a ser parecido ao epitélio que reveste o estômago e o intestino – epitélio colunar. Há uma adaptação ao ácido. Há metaplasias que levam à formação de cancros; no entanto, metaplasia apenas significa alteração do tipo celular. Agenésia e hiperplasia aplicam-se a alterações do desenvolvimento (quem nasce sem um rim tem agenésia ou aplasia do rim; não tem uma hipoplasia – nasceu logo sem ele, não é uma adaptação. Quando há uma adaptação, devido por exemplo a uma doença, diz-se que há uma atrofia do rim. Se já nasce com o rim mal formado, diz-se que tem uma hipoplasia do rim). 9