Por que Educar para os Direitos Humanos e a cidadania, Giuseppe Tosi A DECLARACÃO UNIVERSAL • A Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo primeiro artigo reza da seguinte forma: • “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. liberdade, igualdade e fraternidade. Os redatores desse artigo tiveram a clara intenção de reunir, numa única formulação, as três palavras de ordem da Revolução Francesa de 1789: Liberté, egalité e fraternité. Os direitos de liberdade • A Declaração Universal reafirma o conjunto de direitos das revoluções burguesas (direitos de liberdade, ou direitos civis e políticos) e os estende a uma série de sujeitos que anteriormente estavam deles excluídos (proíbe a escravidão, proclama os direitos das mulheres, defende os direitos dos estrangeiros, etc.); Os direitos econômicos e sociais Afirma também os direitos da tradição socialista (direitos de igualdade, ou direitos econômicos e sociais) estranhos à tradição liberal . Os direitos de solidariedade • A Declaração introduz os direitos de solidariedade internacional ,influenciados pelo cristianismo social. Três tendências • A partir da declaração, através de várias conferências, pactos, protocolos internacionais a quantidade de direitos se desenvolveu a partir de três tendências: • Universalização • Multiplicação • Especificação Universalização • Em 1948, os Estados que aderiram à Declaração Universal da ONU eram somente 48, hoje atingem quase a totalidade das nações do mundo, isto é, 184 dos 191 países membros da comunidade internacional. • Iniciou assim um processo pelo qual os indivíduos estão se transformando de cidadãos de um Estado em cidadãos do mundo; Multiplicação • Nos últimos cinqüenta anos, a ONU promoveu uma série de conferencias que aumentaram a quantidade de bens que precisavam ser defendidos: a natureza e o meio ambiente, a identidade cultural dos povos e das minorias, o direito à comunicação e a imagem, etc. E criaram uma IV geração de direitos; Diversificação ou especificação • As Nações Unidas também definiram melhor quais eram os sujeitos titulares dos direitos. • A pessoa humana não foi mais considerada de maneira abstrata e genérica, mas na sua especificidade e nas suas diferentes maneiras de ser: como mulher, criança, idoso, doente, homossexual, etc... A primeira geração • Os direitos civis e políticos: os direitos à vida, a liberdade, à propriedade, à segurança pública, a proibição da escravidão, a proibição da tortura, a igualdade perante a lei, a proibição da prisão arbitrária, o direito a um julgamento justo, o direito de habeas corpus, o direito à privacidade do lar e ao respeito de própria imagem pública, a garantia de direitos iguais entre homens e mulheres no casamento, o direito de religião e de livre expressão do pensamento, a liberdade de ir e vir dentro do país e entre os países, o direito de asilo político e de ter uma nacionalidade, a liberdade de imprensa e de informação, a liberdade de associação,a liberdade de participação política direta ou indireta, o princípio da soberania popular e regras básicas da democracia. Liberalismo • Para a tradição liberal, esses são os únicos direitos no sentido próprio da palavra, porque podem ser exigidos diante de um tribunal e, por isso, são de aplicação imediata, a diferença dos direitos de segunda geração que são considerados de aplicação progressiva. A segunda geração • Os direitos econômicos, sociais e culturais: o direito à seguridade social, o direito ao trabalho e a segurança no trabalho, ao seguro contra o desemprego, o direito a um salário justo e satisfatório, a proibição da discriminação salarial, o direito a formar sindicatos, o direito ao lazer a ao descanso remunerado, o direito à proteção do Estado do Bem-Estar-Social, a proteção especial para a maternidade e a infância, o direito à educação pública, gratuita e universal, o direito a participar da vida cultural da comunidade e a se beneficiar do progresso científico e artístico, a proteção dos direitos autorais e das patentes científicas. O socialismo • Os direitos de segunda geração foram de certa forma conquistados lutando “contra” o liberalismo, nas lutas operárias e socialistas. • A maioria dos direitos de segunda geração não podem ser exigidos diante de um tribunal, e por isso, são de aplicação “progressiva” ou “programática” e existe um debate sobre a sua “justiciabilidade”. Divergência sobre os direitos humanos • 1948: Os direitos civis e político e econômicos e sociais estão juntos na mesma declaração • 1966: durante a guerra fria foram assinados dois pactos diferentes: os países socialistas não assinaram os pactos dos direitos civis e os países capitalistas não assinaram os pactos dos direitos econômicos e sociais • 1993: a conferencia de Viena proclamou a indisociabilidade de todos os direitos A terceira geração • Os direitos a uma nova ordem internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração possam ser plenamente realizados; o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à proteção do patrimônio comum da humanidade, etc... • O fundamento destes direitos está na idéia de uma “solidariedade” ou de uma “sociedade” entre os povos. O direito internacional • Um dos problemas desta definição está na ausência de uma organização internacional com autoridade suficiente para tornar efetiva a garantia e a aplicação destes direitos. A quarta geração • E’ uma categoria nova ainda em discussão, que se refere aos direitos das gerações futuras que criariam uma obrigação para com a nossa geração, isto é, um compromisso de deixar o mundo em que vivemos, melhor, se for possível, ou menos pior, do que o recebemos, para as gerações futuras. As múltiplas dimensões dos direitos humanos Dimensão ética • Quando a Declaração afirma que “todas as pessoas nascem livres e iguais”, quer significar o caráter natural dos direitos, enquanto inerentes à natureza de cada ser humano, pelo reconhecimento de sua intrínseca dignidade. • Neste sentido, os direitos tornam-se um conjunto de valores éticos universais que estão “acima” do nível estritamente jurídico e que devem orientar a legislação dos Estados. Dimensão jurídica. • No momento em que os princípios contidos na Declaração são especificados e determinados em tratados, convenções e protocolos internacionais, eles se tornam parte do Direito Internacional. • Deixam, assim, de ser orientações éticas, ou de direito natural, para se tornarem um conjunto de direitos positivos que vinculam as relações internas e externas dos Estados. Dimensão política. • Enquanto conjunto de normas jurídicas, os direitos humanos tornam-se critérios de orientação e de implementação das políticas públicas institucionais nos vários setores. • O Estado assume o compromisso promover os direitos fundamentais, tanto do ponto de vista “negativo”, isto é, não interferindo na esfera das liberdades individuais dos cidadãos, quanto do ponto de vista “positivo”, implementando políticas que garantam a efetiva realização desses direitos para todos. Dimensão econômica. • Significa afirmar que, sem a satisfação de um mínimo de necessidades humanas básicas, isto é, sem a realização dos direitos econômicos e sociais, não é possível o exercício dos direitos civis e políticos. • O Estado, portanto, não pode se limitar à garantia dos direitos de liberdade (papel negativo), mas deve também exercer um papel ativo na implementação dos direitos de igualdade. Dimensão social. • Não cabe somente ao Estado a implementação dos direitos, também a sociedade civil tem um papel importante na luta pela efetivação dos mesmos, através dos movimentos sociais, sindicatos, associações, centros de defesa e de educação e conselhos de direitos. • É somente a luta dos movimentos sociais que vai determinar o alcance e a efetividade dos direitos no cotidiano das pessoas. Dimensão histórica e cultural. • Os direitos humanos se tornarão efetivos somente quando forem inseridos na cultura, na história, na tradição, nos costumes de um povo como parte do seu ethos coletivo, de sua identidade cultural e de sue modo de ser. • Esse é o motivo pelo qual, no Brasil, onde o processo de efetivação dos direitos humanos é relativamente recente, precisamos ainda de um certo tempo para que eles deitem raízes na cultura e no comportamento coletivo. Dimensão educativa. • O homem é um ser, ao mesmo tempo, natural e cultural, que deve ser “educado” pela sociedade. • A educação para a cidadania constitui, portanto, uma das dimensões fundamentais para a efetivação dos direitos, tanto na educação formal, quanto na educação informal ou popular. Por que educar aos direitos humanos e à cidadania? Movimento mundial • A educação para a cidadania se insere num movimento amplo de luta pelos direitos humanos no mundo inteiro. • Um grande movimento histórico real, que possui uma linguagem, uma abrangência, uma articulação, uma organização que supera as fronteiras estaduais, tanto horizontalmente (as redes) como verticalmente (do bairro às Nações Unidas). Sociedade civil global • O surgimento desta “sociedade civil” universal, que está em construção, è indispensável para a difusão dos direitos humanos no mundo. • Não podemos deixar somente nas mãos dos Estados e dos governos essa tarefa. Demanda de formação em dh no Brasil • Existe uma grande demanda de formação, que envolve vários setores da sociedade. • As ONGs do terceiro setor; • Os funcionários públicos, que se encontram despreparados, uma vez que o tema não fazia parte da sua formação profissional, mas era considerado com suspeita, desconfiança ou aberta hostilidade. • O sistema de educação formal, pública e particular, está se abrindo à educação á cidadania como um dos eixos fundamentais da proposta pedagógica. A educação em d.h. já parte do nosso sistema de educação. • Observando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as orientações para a construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP), notamos que tais documentos consideram como parte integrante do ensino público e privado tanto a formação profissional quanto a formação para a cidadania, através da inclusão, em todo o processo formativo, de conteúdos e metodologias relativas à questão da cidadania. A educação para a cidadania é interdisciplinar • O tema dos direitos humanos, por sua própria natureza, obriga à superação das tradicionais divisões em disciplinas e departamentos e estimula a adoção de uma postura interdisciplinar, permitindo um encontro a uma colaboração mais sistemática e orgânica entre várias disciplinas: direito, história, filosofia, ciências sociais, psicologia social, serviço social, educação, etc... Ética e cidadania substituem moral e cívica • Nota-se uma tendência a fazer dos direitos humanos um núcleo temático formativo obrigatório no ensino fundamental, médio e superior. • Neste sentido, “ética e cidadania” pode ser o novo nome do que antigamente se chamava de “educação moral e cívica”, tema que foi retirado dos currículos escolares, mas que deixou um vazio na formação dos alunos • Uma formação integral não pode se restringir à formação profissional, mas tem que incluir a formação à cidadania. Art.XXVI da Declaração Universal Dos direitos humanos • A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da pessoa humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. • A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações, grupos raciais e religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. Núcleos temáticos de uma educação para a cidadania Eixo histórico Tem como objetivo abordar a reconstrução da trajetória histórica do surgimento e da afirmação dos Direitos Humanos. Ele exige uma abordagem interdisciplinar, contando com a contribuição da História, da Filosofia do Direito. Eixo de fundamentação • Aborda as questões relativas à fundamentação dos direitos Humanos do ponto de vista teórico, através da contribuição do direito, da filosofia, da ciência política, da antropologia, da psicologia, e das ciências sociais em geral • Enfrenta as principais questões relativas aos direitos humanos: a universalidade, indissociabilidade, imprescritibilidade, indisponibilidade, interdependência e interrelação. Eixo Político • Discute as teorias e os sistemas políticos e sua relação com os direitos do homem. • Enfrenta temas como: as diferentes concepções da democracia e os direitos humanos; democracia e liberalismo (democracia e liberdade); democracia e socialismo (democracia e igualdade); o papel do Estado e da “nova esfera pública da cidadania” na promoção e defesa dos Direitos do homem a nível local, nacional e internacional; Direitos Humanos e Geopolítica; Direitos Humanos e Globalização. Eixo educacional ou formativo • Tem como objetivo estudar as teorias e os métodos pedagógicos mais adequados para uma educação aos direitos humanos nos vários contextos (educação formal e informal, movimentos sociais, entidades públicas), • Aborda aspetos tais como: a educação das crianças, jovens e adultos para uma nova cultura dos direitos humanos e da paz e a reflexão e sistematização da prática educativa em direitos humanos. Eixo prático/aplicativo • Destina-se ao estudo de todas as medidas e os instrumentos para a realização dos d.h. e ao estudo da eficácia social das normas de proteção aos d.h. e das ações e políticas públicas • do ponto de vista jurídico, explicitando as garantias gerais e especiais e os instrumentos jurídicos a nível internacional, federal, estadual, e municipal, destinados à promoção e defesa dos d. h.; • do ponto de vista social e político, estudando o papel da sociedade civil organizada e o dos movimentos sociais para a realização de uma eficácia histórica que possa assegurar a implementação sempre maior e mais efetiva dos d.h.. PRINCÍPIOS ETICOS DE UMA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Uma educação aos valores republicanos e democráticos São esses conjuntos de valores republicanos: respeito às leis, respeito ao bem público, sentido de responsabilidade no exercício do poder amor à igualdade e horror aos privilégios, a aceitação da vontade da maioria o respeito das minorias que constituem o ethos coletivo do Estado de Direito. Uma educação inserida na vida cotidiana Se se pretende transformar a realidade, é necessário compreender o cotidiano e a trama diária de relações, emoções, perguntas, socialização e produção do conhecimento que se cria e se recria continuamente numa perspectiva de educação libertadora como ensinava Paulo Freire Uma educação política Enquanto prática de cidadania ativa requer formar sujeitos sociais ativos, protagonistas, atores sociais capazes de viver no dia a dia, nos distintos espaços sociais, uma cidadania consciente, crítica e militante; Uma prática educativa dialógica participativa e democrática, Para superar uma cultura autoritária, presente nas diferentes relações sociais: o diálogo deve ser o eixo norteador dessa prática; A afirmação da dignidade de toda pessoa humana. O direito a uma vida digna e a ter razões para viver deve ser defendido por qualquer pessoa, independentemente de qualquer discriminação. Os direitos humanos são para todos ou não são para ninguém • Este è um principio irrenunciável e uma conquista da nossa civilização do qual não podemos abrir mão… Déficit de cidadania • Espero que esta palestra tenha mostrado como existe um campo enorme de investigação e de intervenção para todos aqueles que queiram se engajar neste amplo movimento de educação em direitos humanos, que não é uma moda passageira, mas algo que veio para ficar. • A nossa contribuição como profissionais da educação, para o desenvolvimento do nosso País está na colaboração para preencher o déficit de cidadania que è ao mesmo tempo uma causa e uma conseqüência da pobreza e da miséria social, contribuindo assim para quebrar o círculo vicioso das injustiças sociais que há tanto tempo assola o Brasil Eu-topia A promoção e a defesa dos direitos do homem não constituem certamente uma panacéia para todos os problemas da humanidade, porém apontam para um espaço de u-topia, (ou melhor, de eutopia, de bom-lugar) e funcionam como uma “idéia reguladora”, um horizonte que nunca poderá ser alcançado porque está sempre mais além, mas sem o qual não saberíamos nem sequer para onde ir.