Modulo #1. Parte 2 (31) Contabilidade Emergética dos Sistemas Contabilidade emergética dos sistemas Já sabemos interpretar sistemas e desenhar seus diagramas, agora vamos estudar sua contabilidade. Para comparar coisas diferentes precisamos colocálas na mesma base. Várias metodologias podem ser usadas. Entre elas, aquela que usa como conceito de riqueza ou valor: a emergia solar equivalente (ou, simplesmente, emergia). “Emergia” se define como a energia total utilizada para produzir um recurso da Biosfera. Ao colocar todos os fluxos em emergia solar podemos conhecer o custo energético integral dos produtos e comparar processos. Porque necessitamos da visão sistêmica? Na economia convencional, o preço de um produto se calcula somando as despesas com insumos e serviços mais a margem de lucro desejada. Preço = Custo dos insumos e serviços + Lucro Este preço desconsidera custos importantes: Custo das contribuições da natureza Custo dos serviços ambientais perdidos Custo das externalidades negativas Custo de subornos, coerções e subsídios O valor dos serviços ambientais residuais Valor = Contribuição + Custo + Serviços + Lucro da natureza dos insumos Adicionais e serviços (externalidades) Insumos e serviços Matérias-primas agrícolas Externalidades negativas como serviços adicionais Contribuições ambientais Produto Processo Energia gasta (calor de baixa intensidade) Resíduos A metodologia emergética coloca todas as entradas do sistema (energia, materiais, moeda, informação) em termos de energia solar equivalente (emergia). A metodologia leva em conta o princípio básico que rege os sistemas abertos: Os sistemas na natureza se auto-organizam para aproveitar ao máximo a energia disponível através da criação de estruturas unitárias auto-catalíticas e da formação de redes que integram produtores e consumidores em cadeias de transformação de energia (hierarquias funcionais). Definições: 1. Emergia é a energia potencial disponível (exergia) que foi previamente utilizada, em forma direta ou indireta, para produzir um produto ou serviço. A emergia (exergia dissipada) fornece o valor do trabalho realizado na produção de um recurso, o que constitui seu valor. 2. A qualidade de um recurso é medida em emergia por unidade (massa, energia, dinheiro, informação, área, pessoa, país, biosfera). 3. A emergia por dólar indica a capacidade de aquisição de riqueza de uma moeda. A serie histórica deste indicador mostra a inflação. 4. A razão (emergia/dinheiro) varia com o tempo e também entre países. Ela permite converter os fluxos de emergia em fluxos de dólares emergéticos (emdólares). E também converter os serviços humanos pagos em dólares em fluxos de emergia. = = Princípio Os fluxos de energia e materiais da Biosfera constituem o potencial e o limite para o básico: desenvolvimento humano. Princípio básico: A capacidade de suporte pode aumentar temporariamente acima da capacidade sustentável se o desenvolvimento se faz com recursos não renováveis. Considerando esses princípios, podemos dizer que as políticas públicas terão sucesso se conseguem aproveitar a emergia disponível em cada etapa do sistema e prevêem os estágios futuros. Cuidado! A emergia disponível varia com o tempo, pode haver várias situações: abundância de recursos sem condições de usá-los, crescimento rápido, desaceleração devido ao esgotamento dos recursos, estancamento, declínio, tempos de grande escassez e tempos de recuperação. Cada momento exige uma política diferente que considere as etapas passadas e futuras do ciclo pois há o risco de perder a resiliência (a capacidade de recuperação do ecossistema ou da biosfera). Além disso, as políticas públicas terão sucesso • Se retribuem adequadamente o trabalho de todos os componentes da cadeia energética; • Se extraem os recursos naturais sem exceder sua capacidade de reposição pela natureza e se repõem os nutrientes extraídos para manter a fertilidade natural e a produtividade; • Se beneficiam a base natural, não somente o setor humano. O trabalho da natureza deve ser reconhecido, valorizado e reforçado. Vejam as linhas de cor roxa no seguinte diagrama Interação entre campo e cidade (Odum, 2007). Combustíveis e minerais $ Biodiversidade Natureza Sol, calor interno, marés $ Agricultura, pecuária, aqüicultura, silvicultura Extração, beneficiamento e transformação $ $ $ Cidades Informação pública Economia da Terra Energia degradada Conceitos básicos da metodologia emergética Se considerarmos que em tudo há energia, a energia pode ser usada para avaliar a riqueza. Para comparar diversos tipos de energia, temos que colocá-las “na mesma base de medida”. O conceito de emergia resolve esse problema ao reconhecer a posição de cada energia na hierarquia universal de energia e expressar isso como intensidade energética. Assim, se consegue a resposta a pergunta: Um Joule desse tipo de energia equivale a quantos Joules de energia solar? A natureza e a humanidade são partes de uma hierarquia universal de energia, estão imersos em uma rede de transformação de energia, que une os sistemas pequenos aos grandes sistemas, e estes, à sistemas ainda maiores. Para medir a qualidade (funcionalidade) de cada tipo de energia deve-se avaliar o trabalho que foi realizado na sua formação. Com essa informação é possível calcular a eficiência ecossistêmica. O valor inverso da eficiência ecossistêmica se denomina transformidade, e indica a posição do recurso na hierarquia universal de energia. A transformidade mede a conversão de energia. Cadeia alimentar da floresta (visão simples). 1000 000 1000 000 1000 000 1000 000 1000 000 Sol Chuva Produtores 10 000 9 000 Consumidores Primários 10% } } 1 000 10% } 10% 10% } 1% } 1000 000 } 0.1% ConsumiConsumi100 10 dores dores Terciários Secundários 1 990 000 Joules /ano 999 000 900 90 9 O valor energético da biomassa é diferente em cada estágio da cadeia alimentar da floresta. Joules que entram no sistema seJ Tr = ----------------------------------------------- = ------J Joules da biomassa em cada estágio Hierarquia da transformação de energia: sej/unidade de tempo (a) Fluxo de 9 energia solar: 6.10 6.109 Energia solar (6.104 J/t) 6.109 500 6.109 100 500 Sol 0 1000 10 1000 (b) 20 15 600000 20 6.109 100 00 25 6 40 0 00 (c) Cadeia de emergia com símbolos que indicam unidades agregadas; Agregados : (c) 6.109 Sol 6.107 6.106 6.105 9 Transformidade solar, sej/J (e) Transferência de energia, J/tempo 6.10 sej/tempo (d) 6.107 6.106 (a) Ocupação do território pelas unidades da rede de energia; (b) Rede de energia incluindo transformação e retroalimentação; 6.105 6.104 (d) Diagrama de barras dos fluxos de energia entre os diversos níveis da cadeia trófica; 100000 10000 1 100 0 1 1000 2 3 4 (e) Gráfico dos valores das transformidades. materiais energia externa recursos renováveis produtores fotossíntese consumidores sustentáveis cons. sus. cons. sus. decompo sitores resíduos Biosfera energia disponível para a cadeia trófica consumidor primário consumidor secundário consumidor terciário autótrofos (energia fixada) respiração dos autótrofos decompositor Cadeia trófica gerada pela energia captada na fotossíntese. recursos não renováveis materiais recursos renováveis energia externa produtores fotossíntese consumidor humano 1 cons. hum. 2 ch3 ch4 5 decompositores resíduos Biosfera energia renovável disponível para a cadeia trófica energia não renovável disponível para a cadeia trófica consumidor terciário consumidor primário consumidor secundário respiração dos autótrofos 1 2 1 2 decompositores consumidor adicional consumidor adicional consumidor adicional 3 autótrofos (energia fixada) 6 4 5 3 4 6 Cadeia trófica gerada pela energia captada dos energéticos fósseis. Sol A conversão de energia que se estabelece no oceano e a transformidade como indicador da hierarquia energética. CO2 e outros gases calor dissipado Energia transformidade do estrato 108 1 105 1000 104 10 000 103 100 000 102 1 000 000 peixes grandes 10 10 000 000 peixes muito grandes 1 fitoplâncton zooplâncton peixes pequenos peixes medianos resíduos sedimento oceânico 100 000 000 Diagrama de um sistema agroecológico completo: Biodiversidade regional Atmos-fera (N,P) Rocha do subsolo Bens e serviços Chuva $ Vento Evapotranspiração Sol Energia não incorporada Investimento inicial Água Pessoas, moradias Reservas florestais e pousio Pessoas, cultura Mercado externo Solo Biomassa $ atividade industrial Agricultura Tratamento Resíduos Energia degradada Produto para venda Considerações sobre a elaboração do diagrama; Os diagramas de energia devem mostrar os elementos importantes para o funcionamento de um sistema. Os fluxos simples, ou de menor intensidade, se colocam à esquerda, os fluxos de maior intensidade e mais complexos, à direita. A energia potencial disponível é transformada para produzir energias diferentes, em quantidade menor, esses novos recursos são aproveitados nas etapas seguintes do sistema ou em outros sistemas. A auto-organização do sistema se consegue pelos laços de retroalimentação que reforçam o funcionamento das estruturas primárias (à esquerda no diagrama), fornecendo energias de maior qualidade vindas dos elementos no topo da cadeia trófica (à direita no diagrama) e buscam o aumento da captação de energia. As energias de tipo diferente diferem em sua capacidade de fornecer trabalho útil. Este enunciado se explica a seguir: Cadeia energética que inclui uma usina termoelétrica. Nestes cálculos a contribuição dos materiais e serviços da economia humana foi desconsiderada. M+S 10 000 000 Joules solares R M+S 5 000 Joules de biomassa Produção de matéria orgânica nos ecossistemas 33 Joules de 125 Joules eletricidade de carvão Extração, Uso da energia Produção transporte e electrica para geológica conversão do produzir trabalho de carvão carvão na termo-elétrica 1 Joule de trabalho humano Biomassa Eletricidade 10 000 000 Joules seJ Tr = ---------------------------- = 2000 -----5 000 Joules J 10 000 000 Joules seJ Tr = ---------------------------- = 300 000 -----33 Joules J Carvão 10 000 000 Joules seJ Tr = ---------------------------- = 80 000 -----125 Joules J Trabalho humano 10 000 000 Joules seJ Tr = ---------------------------- = 10 000 000 -----1 Joule J M+S 10 000 000 Joules solares R M+S 5 000 Joules de biomassa Produção de matéria orgânica nos ecossistemas 33 Joules de 125 Joules eletricidade de carvão Extração, Uso da energia Produção transporte e electrica para geológica conversão do produzir trabalho de carvão carvão na termo-elétrica 1 Joule de trabalho humano Comparação de tipos de energia: 1 Joule de matéria orgânica = 2000 Joules de energia solar; 1 Joule de carvão = 80000 Joules solares; 1 Joule de eletricidade = 300000 Joules solares 1 J de trabalho humano = 10 x 106 de Joules solares. Um Joule difere em sua capacidade de fornecer trabalho útil dependendo do tipo de energia desse joule. A funcionalidade da energia depende de sua transformidade, assim como sua posição na jerarquia de energia da Biosfera. Quanto maior o espaço-tempo necessário para a produção de um recurso, maior a qualidade da energia produzida. Há menos energia, porém mais emergia por unidade, nas coisas que exigem mais etapas nas cadeias de transformação. A metodologia emergética usa como unidade a energia solar equivalente (emergia solar). Para não confundir a energia (exergia) que existe em um produto (Joules) com a exergia total empregada para fazê-lo (emergia), se especifica que as unidades da emergia são emjoules solares (sej). A “transformidade” é uma medida da eficiência, da conversão de emergia em exergia: Emergia que entra no sistema transformi dade Exergia do recurso produzido A transformidade da chuva é 1,53 x 108 joules de energia solar por quilograma de água. O petróleo tem uma transformidade de 110000 joules de energia solar por Joule de petróleo. Conhecida a transformidade de um recurso é possível calcular a emergia solar equivalente. Exergia transformi dade Emergia Transformidades dos recursos da biosfera Transformidade = Energia incorporada / Energia do recurso seJ/J formação de espécies biológicas 15 10 1014 1013 1012 1011 1010 109 108 107 106 105 104 103 102 101 100 sistemas geológicos globais conhecimento e informação da sociedade atividades humanas industriais conhecimento digital produtos metálicos atividades humanas simples animais aquaticos animais terrestres produção agroindustrial água chuva plantas vento produtos eletrônica produtos químicos fertilizantes minerais sedmentares evaporitos derivados do petróleo rochas energia fóssil matéria orgânica simples Sol Usamos transformidades solares: emergia solar por unidade de energia [emjoules solares por Joule ou (sej/J)]. Cálculo da relação [emergia utilizada/dinheiro circulante] Emdolar = [emergia/dinheiro] Minerais do ar e do solo Emergia=soma de exergia Minerais Recursos naturais e serviços ambientais de ecossistemas de outros países Energias renováveis diretas Energéticos fósseis Bens e serviços da economia externa Investimentos e créditos Estoques renováveis Ecossistemas naturais Minerais e energéticos fósseis PIB $ Produtos e serviços Emissões e resíduos Economia Agricultura País Matérias-primas Minerais Serviços ambientais Como as pessoas têm dificuldades de lidar com números grandes (como os valores em emergia solar) se recomenda o uso do emdólar. O valor do emdólar se obtêm ao fazer a análise emergética da economia local. Emdolar do país nesse ano = [emergia/dinheiro]. Essa taxa varia com o tempo e o perfil da economia da região. Essa informação nos permite converter o valor de um fluxo de emergia em fluxo de emdólares (e vice-versa). Fluxo de emdolares = dinheiro/(emergia/USD) Minerais Minerais do ar e do solo Recursos naturais e serviços ambientais globais Energéticos fósseis Estoques renováveis Ecossistemas naturais Energias renováveis diretas Agricultura PIB $ Economias periféricas e centrais Biosfera A relação emergia/dinheiro da Biosfera foi avaliada em 3.4 x 1012 seJ/dólar (Odum, 1996) . No início da década dos anos 90, 70% da riqueza global vinha de recursos não renováveis e apenas 30% de energias renováveis (Brown e Ulgiati, 1994). Pequena pausa Continuaremos em breve.