Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Ciências Médicas Disciplina de Farmacologia I Painel II Antibioticoterapia nas infecções multirresistentes Introdução • Terapia antimicrobiana tem se tornado cada vez mais complicada devido ao aumento das taxas de resistência aos antimicrobianos e o número crescente de pacientes com doenças graves e complexas. • As taxas de infecção hospitalar e resistência aos antibióticos são muito mais elevadas na UTI. • Até 70% das infecções hospitalares são causadas microorganismos resistentes a uma ou mais drogas. por • Fatores podem contribuir para este aumento: utilização de técnicas e procedimentos mais invasivos; má higiene das mãos; lapsos na técnica asséptica; pressão seletiva sobre os antibióticos devido à utilização inadequada; e fatores específicos relacionados ao paciente. • A resistência microbiana na doença aguda está aumentando para ambos os organismos gram-positivos, incluindo Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e espécies de Enterococcus resistentes à Vancomicina (VRE). • E para os microorganismos gram-negativos multirresistentes como Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter espécies, e espectro alargado de β-lactamase (ESBL) produtora de toxinas de Escherichia coli e Klebsiella. • Resultado: aumento da mortalidade. • Reconsideração do uso de terapias potencialmente mais tóxicas e mais antigas contra esses organismos, como a Polimixina. Fatores envolvidos na transmissão das infecções por patógenos resistentes aos antimicrobianos Transmissão cruzada: O caráter urgente dos cuidados e das condutas médicas não permitindo a devida técnica de assepsia, a lavagem correta das mãos e pela transferência de pacientes criticamente doentes, inconscientemente colonizados ou infectados com essa bactéria Sistema de defesa A infecção por patógenos resistentes aos antimicrobianos guarda relação direta com a integridade do sistema de proteção do indivíduo (proteção imunológica, a proteção das barreiras físicas),outras doenças graves associadas ou de curso subclínico, sistema imune deprimido, desnutrição, e um histórico de freqüentes internações. Uso de antimicrobianos Fator mais importante no desenvolvimento da resistência antimicrobiana. Há correlação entre antibióticos e a resistência bacteriana em nível hospitalar. Princípios gerais do uso de antibióticos na UTI • É conveniente começar com um amplo espectro e após os resultados da cultura e do antibiograma realizar um estreitamento da cobertura antibiótica. • Fatores epidemiológicos devem ser considerados. • O conhecimento do local da infecção ajuda a prever o mais provável patógeno que seria o alvo do tratamento. • O emprego de um procedimento controle (ex. drenagem de abscesso e debridamento cirúrgico) pode ser o principal tratamento para infecções com antibióticos fornecendo suporte ao tratamento. •Diminuição do tempo para o início do tratamento antibiótico adequado é importante, principalmente na prevenção de um possível choque séptico. • A duração da antibioticoterapia deve ser definida para limitar o regime do uso de antibiótico,evitando a utilização desnecessária de antibióticos. • Os princípios de farmacodinâmica e farmacocinética devem ser levados em consideração quando se projetam esquemas antimicrobianos. • Concentrações subótimas de antibióticos no local da infecção podem contribuir para a aquisição de resistência microbiana e falha no tratamento. • Utilização de terapia combinada, envolvendo dois agentes de diferentes classes para proporcionar sinergia ou efeitos aditivos é frequentemente adotado no tratamento de infecções graves e para seletos agentes patogênicos como Pseudomonas aeruginosa . • A terapia combinada, apesar de não ser associada a nenhuma redução da mortalidade, pode ser utilizada inicialmente para aumentar a chance de ter administrado uma droga com atividade contra o patógeno agressor. • Antibióticos podem ser divididos entre fármacos que são concentração-dependente e drogas que independem da concentração para matar patógeno. • Os antibióticos concetração-dependente promovem erradicação mais rápida de bactérias com altas concentrações (aminoglicosídeos, Colistina e Fluoroquinolonas). A eficácia máxima está associada frequentemente com altas doses. • Os antibióticos concentração independente apresentam eficácia máxima com a manutenção de uma concentração acima da concentração inibitória mínima dos patógenos (penicilinas, carbapenêmicos e cefalosporina) MICRO-ORGANISMOS RESISTENTES: VRE: enterococcus resistente à Vancomicina Mecanismo de resistência: a Vancomicina se liga ao peptídeo D-alanil-alanina e inibe a síntese de parede bacteriana, atuando como bactericida. As espécies resistentes à vancomicina substituem o peptideoglicano D-alanilalanina por D-alanil-lactato ou D-alanil-serina e com isso impedem a ação da vancomicina já que ela possui baixa afinidade a esses novos peptídeos. MRSA: S. aureus resistentes à oxacilina/meticilina Mecanismo de resistência: produção de uma proteína específica, a PBP 2a, codificada pelo gene mecA. Esta PBP 2a mostra baixa afinidade não só a oxacilina e a meticilina, como contra praticamente todos os antibióticos βlactâmicos. Atualmente, as infecções por MRSA, que antes eram restritas ao ambiente hospitalar, já ocorrem na comunidade (CA-MRSA). Tratamento: Vancomicina, Linezolida, Daptomicina, Quinupristina e Tigeciclina. Pseudomonas aeruginosa Mecanismos de resistência: • Hiper-expressão de bombas de efluxo • Produção de β-lactamases. • Baixa permeabilidade da membrana externa. Tratamento: cefalosporina de 4ª geração (cefepima), fluorquinolonas (cirpofloxacina), Penicilinas anti-pseudomonas de espectro estendido (piperacilina-tazobactam), carbapenens (Imipenem, Doripenem). Acinetobacter Mecanismo de resistência: • Produção de β-lactamases cromossomais ou plasmidiais (AmpC). • Produção de ESBL. • Diminuição da permeabilidade das membranas externas, alteração na afinidade das proteínas ligadoras de penicilinas (PBPs) e, raramente, pela hiper-expressão de bombas de efluxo. A expressão de metalo-β-lactamases (MBLs) a expressão de oxacilinases (OXA). Além disso, também podem expressar bombas de efluxo. Tratamento: Tigeciclina, Carbapenens (padrão ouro), Colistina. ESBL (β-lactamases de espectro ampliado) produzidas por Klebsiella e E.coli • A produção de ESBL é mediada por plasmídeos. Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae são as espécies bacterianas mais comumente encontradas produzindo ESBL. São resistentes a cefalosporinas de amplo espectro, penicilinas de amplo espectro, aminoglicosídeos e fluorquinolonas. • As ESBL hidrolizam as cefalosporinas (exceto as cefamicinas) e os monobactâmicos, não hidrolizando, os carbapenêmicos. • Produção de ESBL pode ser induzida durante a terapêutica antimicrobiana. Tratamento: Tigeciclina, Carbapenens. Agentes antibióticos específicos para patógenos Gram-positivos e sua aplicação nas infecções resistentes ♦ Vancomicina • Droga bactericida glicopeptídica que inibe a síntese da parede bacteriana. • Espectro de atividade: infecções por bactérias gram-positivas aeróbicas e anaeróbicas, incluindo MRSA, Streptococcus pneumoniae resistentes, as espécies de Enterococcus e Clostridium difficile. Também usada em graves infecções, susceptíveis à penicilina, em pacientes intolerantes à penicilina ou cefalosporina. • Mecanismo de ação: Vancomicina consegue se ligar ao D-alanil-Dalanina e inibir a síntese bacteriana. ♦ Linezolida • Bacteriostático que inibe o início da síntese da proteína do ribossomo 50S. • Espectro de atividade: organismos aeróbicos grampositivos(MRSA,espécies de Enterococcus, e Streptococcus).Também apresenta atividade contra coco grampositivos aeróbios e anaeróbios, alguns aeróbios gram-negativos, espécies de Nocardia e espécies de Mycobacteria. • Tratamento de infecções complicadas de pele, pneumonia nosocomial e no tratamento alternativo de por patógenos Vancomicina-resistente, como infecções por Enterococcus faecium Vancomicina-resistente. ♦ Daptomicina • Bactericida que se ancora a membrana bacteriana alterando-a e prejudicando a síntese de macromoleculares dependentes de potássio, o que leva a morte celular. • Espectro de atividade: maioria das infecções aeróbias grampositivas, como MRSA e VRE. É aprovado para uso em complicações na pele e bacteremia de S. aureus tendo ou não endocardite infecciosa. ♦ Quinupristina / Dalfopristina • Antibacteriano da classe das estreptograminas, é uma combinação de um estreptogramina A (Dalfopristina) e estreptogramina B (Quinupristina) • Cada componente apresenta uma atividade bacteriostática,mas a combinação sinérgica é frequentemente bactericida. • Espectro de atividade: cocos gram-positivos como S.aureus, MRSA, E. faecium, Vancomicina resistente E. faecium, S. pneumoniae, e outros streptococcus. • Tratamentos em adultos com infecções causas por Enterococcus faecium Vancomicina-resistentes, com bacteremia concomitante e para tratamento de infecções cutâneas. Agentes antibióticos específicos para patógenos Gram-negativos e sua aplicação nas infecções resistentes ♦ Colistina • Peptídeo policatiônico concentração-dependente que age como detergente pela dissolução da membrana lipopolissacarídica, resultando em injuria da célula bacteriana. • Boa atividade contra pseudomonas e do acinetobacter multiresistentes. • Espectro de atividade: vasta variedade de organismos gram negativos • Devido ao seu potencial tóxico deve ser reservado a bactérias multidroga-resistentes como Pseudomonas, Klebsiella e Acinetobacter quando há poucas opções viáveis. • Deve ser utilizada com cautela para ajudar a preservar a sua atividade enquanto possível. ♦ Tigeciclina • Glicilciclina derivada da tetraciclina. bacteriostático e inibidor da síntese protéica bacteriana pela ligação à subunidade do ribossomo 30s. • Espectro de atividade: o único que possui uma vasta cobertura tanto para organismos gram negativos(Klebsiella species produtoras de ESBL e Acinetobacter species ), quanto para gram positivos( MRSA e VRE ).E também espécies anaeróbias como Bacteroides fragilis • Não tem atividade contra Pseudomonas, Morganella e Providencia species, por isso tem funcionalidade restrita contra doenças graves relacionadas à Pseudomonas. ♦ Carbapenens: meropenem, imipenem, ertapenem, doripenem • Beta-lactâmicos que tem atividade bactericida contra uma grande variedade de gram-negativos, gram-positivos e anaeróbios incluindo a maioria de patógenos resistentes. • Ertapenem não tem cobertura para Pseudomonas e Enterococus species e, portanto, não é usual para tratamento de infecções nosocomiais quando há suspeita de agente multidroga resistente • Mecanismo de ação: similar aos outros beta-lactâmicos;a ligação à proteínas PBP e impedimento da ligação cruzada da parede celular bacteriana, desestabilizando-a. ♦ Penicilinas anti-pseudomonas de espectro estendido (piperacilina-tazobactam) • Ureído derivado semi-sintético de penicilina. • Espectro de atividade: bactericida contra muitos organismos gram-negativos comuns e gram-positivos, incluindo as espécies sensíveis à penicilina de Streptococcus, Enterococcus e os Staphylococcus, Pseudomonas, Enterobacter e Serratia sensíveis à meticilina. • Mecanismo de ação: semelhante ao de outros antibióticos beta lactâmicos. A droga se prende às proteínas de ligação da penicilina e inibe a síntese da parede celular da bactéria prevenindo a ligação cruzada de peptideoglicanos. ♦ Fluoroquinolonas: ciprofloxaxina, levoflaxina, moxifloxacina • Compostos sintéticos com atividade contra um largo espectro de patógenos e cada agente apresenta um perfil único. • As Fluoroquinolonas têm atividade limitada contra espécies de Staphylococcus • Fluoroquinolonas têm excelente penetração tecidual o que permitem o tratamento de infecções profundamente instaladas, como infecções intra-abdominais, osteomielites e infecções do trato respiratório. • A ciprofloxacina é o mais ativo contra organismos gram-negativos, incluindo Pseudomonas, mas não é eficaz contra espécies de Streptococcus ,não sendo utilizada em infecção do trato respiratório. • O principal alvo da ciprofloxacina é a DNA-girase, tendo largo espectro de atividade em gram-negativos. A levofloxacina e moxifloxacina, atuam tanto na DNA-girase quanto na topoisomerase IV, tendo amplo espectro contra gram-positivos. ♦ Cefalosporinas de quarta geração • Família de largo espectro de drogas beta lactâmicas • As drogas são classificadas em “gerações” baseadas no seu espectro de atividade e, geralmente, as drogas melhoram a cobertura de gram-negativos desde a primeira até a quarta geração. • Mecanismo de ação: liga-se às proteínas de ligação de penicilina e interferindo com a ligação cruzada da parede celular bacteriana Cefepima: Cefalosporina de quarta geração de amplo espectro de ação e possui eficácia em gram-positivos maior se comparado às cefalosporinas de terceira geração. É eficaz também sobre muitos gram-negativos, inclusive Pseudomonas e Enterobacter e com atividade contra bactérias gram-positivas, como as cepas suscetíveis à meticilina de Staphylococcus aureus. utilizável em uma variedade de infecções sérias, incluindo septicemia, pneumonia, inflamações do tecido conjuntivo, meningite, infecções intra-abdominais e neutropenia febril. Conclusão • A resistência aos antibióticos vem crescendo tão rapidamente, superando inclusive a capacidade das indústrias farmacêuticas em desenvolver e comercializar novos medicamentos. • Devido à escassez de agentes modernos para tratar infecções resistentes, os clínicos devem usar antibióticos de forma criteriosa e apropriada para limitar possíveis induções de resistência nos microorganismos. • Ao tratar infecções graves é mais apropriado que o esquema terapêutico seja de caráter abrangente. • Usam-se doses inicialmente agressivas para uma cobertura inicial adequada para agentes patogênicos resistentes. • E, ao mesmo tempo, evitar o uso desnecessário do antibiótico que poderá gerar resistência bacteriana, para isso deve-se providenciar em menor tempo possível culturas de sangue, urina, saliva ou outras fontes de suspeitas, de preferência colhidas antes da administração de qualquer antibiótico.