História das Relações Internacionais Gilberto Maringoni UFABC – 1º. Semestre 2014 10 de março a 30 de maio 1. Apresentação do curso, do programa e da metodologia • Ementa • Examinar a historia das Relações Internacionais (RI) a partir do desenvolvimento das relações políticas e econômicas entre os diferentes povos e continentes. Análise da formação do sistema mundial, dos impérios coloniais mercantilistas e dos sucessivos ciclos de hegemonia vinculados à expansão européia. Formação e desenvolvimento da diplomacia. • A construção das Relações Internacionais na Idade Moderna confunde-se com a história da formação dos Estados nacionais europeus e da difusão do modo de produção capitalista em escala global. A partir das expedições ultramarinas, lideradas inicialmente por Portugal e Espanha, a Europa tornou-se universal. • O sociólogo mexicano Enrique Dussel[1] assinala, no ensaio Europa, modernidade e eurocentrismo que, empiricamente, “nunca houve uma historia mundial até 1492 – data de início da operação do ‘Sistema-mundo’. Antes dessa data, os impérios ou sistemas culturais coexistiam entre si. Apenas com a expansão portuguesa (...) todo o planeta se torna o ‘lugar’ de uma só ‘História mundial’”. • [1] DUSSEL, Enrique.”Europa, modernidade e eurocentrismo”, in A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina, 2005. pgs.55-70 • O foco principal do curso é tratar o desenvolvimento das RI como caudatário da dinâmica de formação dos Estados nacionais e do desenvolvimento do capitalismo. Assim, as esferas da política, da economia – finanças, investimento, comércio e circulação de capitais -, da sociedade e da cultura serão examinadas a partir de sua articulação com aqueles processos. Sobre a escolha do Estado como tema central do curso, vai aqui uma observação de Perry Anderson, em Linhagens do Estado absolutista: • “Hoje, quando a “Historia a partir de baixo” tornou-se reconhecida tanto em círculos marxistas como não-marxistas e produziu já importantes benefícios para nossa compreensão do passado, é apesar de tudo necessário relembrar um dos axiomas básicos do materialismo histórico: que a luta secular entre as classes resolve-se em última instância no nível político da sociedade – e não no plano econômico ou cultural. Em outras palavras, é a construção ou destruição dos Estados que sela as modificações básicas nas relações de produção, enquanto subsistirem as classes”. Carl Polanyi, A grande transformação: • “A ação deliberada do Estado nos séculos XV e XVI impingiu o sistema mercantil às cidades e municipalidades ferrenhamente protecionistas. O mercantilismo destruiu o particularismo desgastado do comércio local e intermunicipal, eliminando as barreiras que separavam esses dois tipos de comércio não-competitivo e, assim, abrindo caminho para o mercado nacional que passou a ignorar, cada vez mais, a distinção entre cidade e campo, assim como as que existiam entre as várias cidades e províncias”. Luiz Augusto Estrella Faria (UFRGS) Capitalismo, espaço e tempo: • A relação mercantil na história humana apresentou sempre uma dimensão espacial. • De seus primórdios, o ato da troca resultou do encontro de homens que vinham de lugares diferentes e proporcionou-lhes a possibilidade de ter acesso a valores de uso produzidos além de seu espaço econômico próprio. • Nesse sentido, a troca foi sempre uma ampliação do espaço econômico, cuja dimensão possível esteve sempre condicionada pelo desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação. • Antes do advento do capitalismo, entretanto, o espaço da troca era dado pelos processos de deslocamento e pela expansão territorial das sociedades. • A ampliação do espaço estava, então, sujeita a uma lógica de acumulação de poder proporcionada pela conquista de mais território, como mostra Giovanni Arrighi. • A própria noção de geografia econômica não fazia sentido mais que descritivo do espaço das atividades produtivas, pois os limites geográficos eram as fronteiras do poder político, e a expansão econômica — a acumulação de riquezas — surgia como resultante da expansão territorial. • O capitalismo modifica essa situação; sob sua égide, a ampliação do espaço vai ser resultado do desenvolvimento do mercado, de seu crescimento. • No volume de sua obra intitulado O Tempo do Mundo, Fernand Braudel traça um percurso da relação entre o desenvolvimento das relações mercantis e a diferenciação dos espaços econômicos. • No livro, ele mostra como o espaço vai-se ampliando na medida em que os mercados locais vão desaparecendo, fundindo-se na formação do mercado capitalista. • Fernand Braudel também mostra o papel da evolução dos meios de transporte e comunicação nesse processo. • Desse passo, nasce o mercado capitalista, e uma nova dimensão de espaço econômico é constituída. • O desdobramento dessa ampliação do espaço resulta de uma dialética de unidade e contradição entre o Estado, de um lado, o lugar do poder, e a zona urbana, de outro, o lugar da riqueza. • Num primeiro momento, surgem em lugares diferentes, pois, nos séculos XV e XVI, quando nascem os primeiros Estados modernos (Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Escandinávia), as zonas urbanas, onde se concentra a acumulação da riqueza, estão no eixo Itália-Alemanha, que só vai presenciar a formação de Estados nacionais muito tardiamente. • "Será necessário o novo impulso econômico do século XVIII para que o ferrolho se solte e a economia se ponha sob o controle dos Estados e dos mercados nacionais", aponta Fernand Braudel. • O encontro desses dois lugares forma uma díade em que as cidades são submetidas ao poder central do Estado. • Ao longo dos séculos seguintes, o advento das democracias representativas e dos padrões de política de governo liberais faz a balança de poder voltar a pender para o lado dos donos da riqueza. • Ou seja, é através da criação de um espaço público de disputas políticas – o Estado – que o sistema interestatal, próprio das Relações Internacionais, pode surgir. É esta a pedra angular de nosso curso, sem deixar de lado outras esferas dessa dinâmica. Programa 1. Apresentação do curso, do programa e da metodologia; 2. Primeiros Estados nacionais europeus. A onda dos descobrimentos; 3. 1648-1789: Paz de Westfalia e conceito de soberania; 4. A Revolução Francesa e a Época Napoleônica; 5. 1815-1848 - Restauração e revolução; 6. O século britânico: indústria, armada e comércio; 7. Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios. A “questão oriental”; 8. I Guerra Mundial, Revolução Russa e crise sistêmica; 9. Saídas da crise e a II Guerra. Hegemonia dos EUA; 10. A descolonização e a emergência do 3º. Mundo. ONU, organismos multilaterais, bipolarização e Guerra Fria; Programa por aula • 10 de março: Apresentação do curso, do programa e da metodologia; • 14 de março: Primeiros Estados nacionais europeus. A onda dos descobrimentos; FIORI, José Luís, No princípio era Portugal (http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/No-principio-era-Portugal/26869 ) SILVA FILHO, Constituição, estrutura e atuação dos poderes locais na comarca de Vila Rica, págs. 29 a 48 (file:///C:/Documents%20and%20Settings/Gilberto.GILBERTOD05DB0/Meus%20documentos/Downloads/GERALDO_SILVA_FILHO.pdf ) • • 17 de março: 1648-1789: A Paz de Westfalia e o conceito de soberania; ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996, pags. 27 a 46 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 39 a 82 BREMER, Juan José, Tiempos de guerra y paz, Editorial Taurus, Cidade do México, 2012, págs. 23 a 33 http://www.editorialtaurus.com/uploads/ficheros/libro/primeraspaginas/201201/primeras-paginas-tiempos-guerra-paz.pdf RODRIGUES, Alessandra, CARVALHO, David, DINIZ, Luciano, Uma abordagem sobre a compreensão da soberania no decurso da história http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/alessandra_mahe_cos ta_rodrigues.pdf • • 24 de março : A Revolução Francesa e a Época Napoleônica; HOBSBAWM, Eric J., A era das revoluções, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1977, pags. 23 a 116 (Caps. 1 a 4) KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 119 a 140 ANDERSON, Perry, Internacionalismo, um breviário, Anos 90, Porto Alegre, 2005, p.13-42 • 28 de março : 1815-1848 - Restauração e revolução; KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 143 a 189 HOBSBAWM, Eric J., A era das revoluções, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1977, pags. 321 a 332 HOBSBAWM, Eric J., A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982, pags. 21 a 46 • 31 de março e 4 de abril: O século britânico: indústria, armada e comércio; POLANYI, Karl, A grande transformação, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000, pags. 15 a 35 HOBSBAWM, Eric J., A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982, pags. 49 a 86 • • 7 de abril: Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios. A “questão oriental”; HOBSBAWM, Eric J., A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982, pags. 101 a 134 (Caps. 5 e 6) HOBSBAWM, Eric J., A era dos impérios, 1875-1914, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2003, págs. 87 a 124 e 203 a 232 ANDERSON, Perry, Internationalism, a breviary, New Left Review, Londres, março/abril de 2002 (http://newleftreview.org/II/14/perry-andersoninternationalism-a-breviary) • 11 de abril - PROVA • 14 de abril: Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios. A “questão oriental” (Parte II); • • 25 de abril: I Guerra Mundial e Revolução Russa POLANYI, Karl, A grande transformação, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000, pags. 36 a 47 HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 29 a 89 • 28 de abril – Devolução das provas/ Crise sistêmica PARKER, Selwyn, O crash de 1929, Editora Globo, São Paulo, 2009, pags. 21 a 52 5 e 9 de maio: Saídas da crise e a II Guerra Mundial. Hegemonia dos EUA; HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 223 a 252 e 253 a 281 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 331 a 356 • • 12 e 16 de maio: A descolonização e a emergência do 3º. Mundo. ONU, organismos multilaterais,; ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996, pags. 247 a 334 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 356 a 415 • 19 de maio: A Guerra Fria e o mundo bipolar; ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996, pags. 337 a 371 HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 537 a 562 HOBSBAWM, Eric, “Porque a hegemonia dos EUA difere da do Império britânico”, in Globalização, democracia e terrorismo, Companhia das Letras, São Paulo, 2008, págs. 54 a 86 • • 23 de maio: PROVA • 30 de maio: Devolução e debate sobre as provas/ Avaliação da disciplina 26 de maio: Exibição do filme ‘Dr. Fantástico’ (Stanley Kubrick) • Metodologia • Aulas expositivas, discussão de textos e pesquisas bibliográficas. • Avaliação • Duas provas dissertativas/ Lista de presença • Horário das aulas • BH1335 - História das Relações Internacionais A- Matutino (São Bernardo) – Segunda-feira das 10:00 às 12:00, sala A2-S111-SB, semanal - Sexta-feira das 08:00 às 10:00, sala A2-S111-SB, semanal • BH1335 - História das Relações Internacionais A- Noturno (São Bernardo) - Segunda-feira das 21:00 às 23:00, sala A1-S103-SB, semanal - Sexta-feira das 19:00 às 21:00, sala A1-S103-SB, semanal • 42 horas/aula Bibliografia básica: • KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989 • LESSA, Antonio Carlos, História das relações internacionais – a Pax Britannica e o mundo do século XIX, Editora Vozes, Petrópolis, 2005 • WATSON, Adam, A evolução da sociedade internacional: Uma análise histórica comparativa, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 2004 Bibliografia complementar • • • • • • • • • • • • • • • • • • ANDERSON , Perry, Linhagens do Estado absolutista, Editora Brasiliense, São Paulo, 2004 ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996 BOBBIO, Norberto et alli, Dicionário de política, LGE Editora/ Editora UNB, Brasília, 2004 (http://bibliotecasolidaria.blogspot.com.br/2009/11/diccionario-de-politica-de-norberto.html) FIORI, José Luís, O poder global, Boitempo Editorial, São Paulo, 2007 HOBSBAWM, Eric J., A era das revoluções, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1977 __________________, A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982 __________________, A era dos impérios, 1875-1914, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2003 __________________, A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996 __________________, Nações e nacionalismo desde 1780, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1990 KRIPPENDORF, Ekkehart, História das relações internacionais, Antídoto, Lisboa, 1979 LYRIO, Maurício Carvalho, Ascensão da China como potência: Fundamentos políticos internos, Fundação Alexandre Gusmão, Brasília, 2010 (http://www.funag.gov.br/biblioteca/index.php?option=com_docman&task=search_result&Itemid=41) NOVAIS, Fernando, Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial, Editora Brasiliense, 1993 PARKER, Selwyn, O crash de 1929, Editora Globo, São Paulo, 2009 PECEQUILO, Cristina, A política externa dos Estados Unidos, EdUFRGS, Porto Alegre, 2003 POLANYI, Karl, A grande transformação, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000 SARAIVA, José Flávio Sombra (org.), História das Relações Internacionais Contemporâneas – da sociedade internacional do século XIX à era da globalização, Editora Saraiva. São Paulo, 2007 (http://books.google.com.br/books?id=DKewvkeGn_gC&printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary_r&cad=0# v=onepage&q&f=false) SIGRILLO, Ângelo, O fim da URSS e a nova Rússia - De Gorbachev ao pós-Yeltsin, Editora Vozes, Petrópolis, 2000 SOUSA, Fernando, Dicionário de relações internacionais, Edições Afrontamento, Porto, 2005 (http://www.aeflup.com/ficheiros/Dicionario%20de%20Relacoes%20Internacionais.pdf) Artigos • ANDERSON, Perry, Nation-States and National Identity (http://www.lrb.co.uk/v13/n09/perry-anderson/nationstates-and-national-identity) • ________________, Internationalism, a breviary (http://newleftreview.org/II/14/perry-andersoninternationalism-a-breviary) • FIORI, José Luís, No princípio era Portugal (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar. cfm?coluna_id=5787) • Faria, Luiz Augusto Estrella, Capitalismo, espaço e tempo (http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view File/1946/2322) 2. Primeiros Estados nacionais europeus. A onda dos descobrimentos • No princípio era Portugal • José Luís Fiori • O sistema mundial em que vivemos – interestatal e capitalista - surgiu na Europa, e só na Europa, entre 1150 e 1450, de um longo conflito sistêmico entre “feudos” e “centros imperiais” de poder, que conseguiram transformar suas “economias naturais” em economias capitalistas mais poderosas do que a dos seus rivais. • Neste período, a Península Ibérica cumpriu um papel decisivo, na formação do próprio sistema e no início da sua expansão para fora da Europa. • Os reinos de Castela, Leon e Aragão, que se transformaram no núcleo político do Império Habsburgo, que dominou a Europa, durante o século XVI, sob a batuta de Carlos V e Felipe II. • Mas antes dos espanhóis, foi o reino de Portugal que se estruturou primeiro, como estado nacional, e foi ele também que liderou o primeiro século da expansão mundial da Europa, depois da sua conquista de Ceuta, em 1415. • Ceuta, hoje um enclave espanhol no Marrocos, na entrada do estreito de Gibraltar, era ponto estratégico na passagem do Atlântico para o mar Mediterrâneo. • Portugal nasceu de um pequeno “feudo” - situado entre os rios Minho e Douro que se rebelou contra Leon e Castela, em 1143, e depois travou uma guerra expansiva de mais de dois séculos, em duas frentes: contra os muçulmanos, ao sul, e contra os espanhóis, ao leste. • • Foi neste período de guerra quase contínua com os “mouros” e os “castelhanos” que se formou o estado português, depois da “reconquista” de Lisboa, em 1147, e da expulsão definitiva dos árabes, do Algarve, em 1249; e depois da assinatura do Tratado de Paz, de 1432, referendando a separação e o reconhecimento mútuo entre Portugal e Castela, algumas décadas após a Revolução de Avis, de 1385. • Mas foi só no século seguinte à expulsão mulçumana de 1249, que Portugal criou as estruturas legais, tributárias e administrativas do seu estado moderno. • V. pags. 41/43 • O mesmo Estado que seguiu se expandindo, durante mais um século e meio, depois da paz com os castelhanos, até construir o primeiro grande império marítimo da história moderna. • O impulso inicial desta expansão “para fora” não parece ter tido um objetivo nem um sucesso mercantil imediato, e só promoveu a ocupação e a colonização dos territórios conquistados, depois de 1450, na Ilha da Madeira. • Além disto, o empreendimento português contou com ajuda externa, mas se financiou sobretudo através da capacidade tributária do novo estado, e da riqueza de suas Ordens Militares religiosas – em particular, os Templários, sucedidos pela Ordem de Cristo, depois do seu fechamento em 1312 – que forjaram em conjunto uma verdadeira máquina de guerra, conquista e tributação. • Na altura de 1147, a economia portuguesa era local, e o seu comércio era feito em espécie. • Mas depois de 1249, houve um aumento constante da circulação nacional de mercadorias, a partir da reforma monetária e do tabelamento de preços, promovido por D. Afonso III, na década de 1250. • Em 1293, D. Diniz criou a primeira Bolsa de Mercadorias do país, com um sistema de seguros para os navios e cargas portuguesas, e durante toda a segunda metade do século XIII, foram criadas mais de 40 feiras comerciais, responsáveis pela ativação de um incipiente mercado nacional. • Até o século XVI, o Estado português foi o maior proprietário de terras do país, e atuou como uma espécie de “banco de financiamento” das atividades econômicas públicas e privadas. • Foi só em 1500, que o governo português conseguiu criar o seu sistema de títulos da divida pública consolidada, e só foi depois de 1540 que esta espécie primitiva de “capitalismo de Estado” foi cedendo lugar ao desenvolvimento de um capitalismo privado de grandes companhias mercantis. • Entretanto, este processo foi interrompido em 1580, pela incorporação de Portugal pelo império espanhol de Felipe II, e depois, pela submissão diplomática, financeira e comercial definitiva de Portugal, à Holanda e à Inglaterra, a partir de 1640. Esta história pioneira de Portugal deixou algumas lições sobre a formação do sistema inter-estatal e do próprio capitalismo: • i. O primeiro estado nacional europeu já nasceu dentro de um sistema de poderes competitivos; ii. Suas fronteiras territoriais, sua unidade política, e sua identidade nacional foram construídas por duas guerras que duraram mais de 200 anos; iii. Estas guerras “nacionais” se prolongaram imediatamente, num movimento de expansão “para fora”, na direção da África, Ásia e América, que durou mais um século e meio; • iv. Estas guerras e conquistas não tiveram inicialmente um objetivo prioritariamente mercantil, mas assim mesmo, no longo prazo, tiveram um papel decisivo na criação e expansão de uma economia de mercado e de um capitalismo nacional incipiente; • v. Neste período, esta economia nacional de forte cunho estatal, não alcançou a se “privatizar”, nem chegou a criar um sistema nacional de bancos e crédito capaz de mobilizar o capital financeiro português, o segredo do sucesso posterior da Holanda e da Inglaterra; vi. Por fim, se pode dizer que Portugal teve um papel decisivo no “big-bang” do “sistema interestatal capitalista”, que está vivendo uma nova explosão expansiva neste início do século XXI. Rompendo vínculos • O processo de formação da monarquia – e do Estado unificado português - iniciou-se por volta de 1139. Nesse ano, Afonso Henriques, fundador da dinastia dos Borgonha, rompeu os vínculos de subordinação política com o reino de Castela, declarando-se rei em uma extensão de terras situadas entre as regiões dos rios Minho e Douro. • A partir daí, o reino expandiu-se para os territórios situados na porção meridional da península, conquistando territórios mouros, até incorporarem, no século XIII, o reino muçulmano do Algarve. Portugal define suas fronteiras históricas. • De forma pioneira na Europa, tem seguimento um processo de unificação e construção do Estado português, com fisionomia e aparência de instituição pública e organismo político com administração impessoal, reconhecida pela nobreza e pelas oligarquias comerciais. • Consolida-se um corpo legislativo e montase um aparelho judiciário baseado no direito romano. A administração pública passou a se basear na economia das cidades e não mais dos feudos. • O advento da dinastia de Avis consolida e aprofunda essa tendência, especialmente a partir de 1383, nas guerras contra Castela. • O Estado passa a ter instrumentos fiscais centralizados e um corpo bélico unificado de defesa e do monopólio do comércio. Geraldo Silva Filho Constituição, estrutura e atuação dos poderes locais na comarca de Vila Rica (1711-1750) • Portugal do final da Idade Média firmou-se como um Estado de guerra, o que exigia finanças sólidas e capacidade de mobilização de vastos contingentes de soldados e militares, impossível de ser obtido no âmbito da organização feudal. Com polítiocas fiscais rígidas e a possibilidade de ter soberania sobre a moeda e um corpo parlamentar representativo das diversas oligarquias locais, o Estado moderno toma foco. • Entre 1385 e 1490 – as cortes portuguesas reuniramse 55 vezes. Isso quer dizer que a Coroa realizava com certa regularidade um processo de consulta com seus segmentos sociais dominantes – nobreza, clero e comerciantes – para participar de decisões importantes do Estado. O surgimento dos primeiros Estados nacionais no final da Idade Média e do feudalismo resultaram da combinação de duas condições históricas determinantes: • 1. O alargamento de suas bases territoriais e demográficas; • 2. Com o desaparecimento do escravismo e de uma crescente e gradual complexidade da vida urbana abre espaço para a consolidação de uma classe burguesa. Protagonismo português Fatores principais • Inúmeros foram os fatores que colaboraram com o protagonismo português no processo das grandes navegações, entre eles, destaca-se a centralização política de Portugal. Isso porque, já no século XIV o Estado português passou por um processo de unificação política, por meio da Dinastia de Avis (1385-1582), que facilitou a organização de sistema de arrecadação de impostos e estrutura administrativa centralizada. • Em segundo lugar, está uma burguesia mercantil, que, na ausência de investimentos efetivos do Estado, que não vislumbrava inicialmente resultados positivos nessas ações, abriu espaço para que a iniciativa privada o fizesse. • Salienta-se, também, como fator favorável, a posição geográfica portuguesa, banhada pelo mar Mediterrâneo e pelo oceano Atlântico, verdadeiramente debruçado sobre a África, o que a colocava numa situação de contato direto com as possibilidades de navegação pelas vias marítimas. Formação do Estado português • O surgimento da monarquia nacional portuguesa, assim como a espanhola, está estreitamente associada às guerras de expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica que ficaram conhecidas como Guerras de Reconquista. • Desde a expansão islâmica, ocorrida no século VIII, povos árabes dominavam boa parte da Península Ibérica. Os reinos cristãos de Leão, Castela, Navarra e Aragão limitavam-se a uma pequena porção ao norte da península. • A partir do século XI, no contexto das Cruzadas e da expansão do cristianismo, esses reinos cristãos iniciam uma guerra contra os muçulmanos. Na luta contra os árabes, esses reinos contaram com o apoio do nobre francês Henrique de Borgonha. • A formação do Estado português está associada justamente à doação, feita pelo soberano de Leão, Afonso VI. Além de receber o condado Portucalense, Henrique casou-se com a filha ilegítima do rei, Dona Teresa. • A independência do condado em relação ao reino de Leão foi conseguida pelo filho de Henrique e Teresa, D. Afonso Henriques, após muita luta e a expulsão de Dona Teresa em 1139 para garantir a independência, porque ela defendia a sujeição do condado ao reino dos pais. • D. Afonso Henriques, então, inicia a dinastia de Borgonha, e dá prosseguimento à guerra contra os muçulmanos, expandindo as fronteiras do novo reino para o sul da península. • O novo monarca doava terras à nobreza guerreira, porém, sem o direito a hereditariedade, o que impediu a formação de uma nobreza proprietária autônoma, mantendo a hegemonia da autoridade real. • Além de se expandir, o novo reino enriquecia graças à posição privilegiada de entreposto comercial entre as rotas do mar mediterrâneo e do norte da Europa. • O setor mercantil lusitano tornou-se mais forte a partir do século XIV graças ao advento da peste negra e das guerras no continente, que tornavam as rotas por terra mais inseguras. • Em 1383, o último rei da Dinastia de Borgonha morre sem deixar herdeiros diretos, desencadeando uma acirrada disputa sucessória, sendo que parte da nobreza apoiava a entrega da coroa de Portugal ao rei de Castela, genro de Fernando I, último soberano da casa de Borgonha. • Porém os comerciantes aliados a setores populares conseguem impor no trono D.João, Mestre de Avis, derrotando os exércitos castelhanos e setores da nobreza na batalha de Aljubarrota. • Esse episódio da história de Portugal ficou conhecido como Revolução de Avis. A consequência desse episódio foi o início da dinastia de Avis, que se aproximou da burguesia mercantil, e que fez Portugal largar na frente nas Grandes Navegações e nos “Descobrimentos”. • A Guerra dos 80 anos ou Revolta Holandesa de 1568 a 1648, foi o conflito de secessão na qual o território englobando aquilo que é hoje os Países Baixos se tornou um país independente frente à Espanha. • Durante esta guerra, a República Holandesa tornou-se uma potência mundial por um curto período, com grande poder naval, e beneficiou de um crescimento econômico, científico e cultural sem precedentes. • Entre 1580 e 1640, Portugal foi anexado à Holanda. Herdou a guerra contra Espanha. • Depois, até 1689, o reino guerreou contra os dois. Portugal converteu suas colônias em centros militares e geradores de receita para a coroa. • Ao contrário dos holandeses, ingleses e venezianos, os portugueses não concederam aos mercadores autorização para organizarem um governo colonial. Embora o sistema gerasse um cipoal de corrupção e negócios clandestinos, pode alimentar a coroa por um bom tempo. • Os espanhóis só investiram depois na conquista ultramarina, a partir de 1492, conquistando qase toda a América Central e a do Sul. • Por essa época, entraram em cena as Companhias da Índias Ocidentais e Orientais, dirigidas por holandeses e ingleses. No século XVII a supremacia dos mares seria ds holandeses. • A supremacia lusitana estendeu-se até fins do século XVIII. Final do século XVI • Estados unitários: Espanha, França, Ingaterra tendem a formar unidades econômicas num mundo medieval em que essas unidades são as grandes cidades. • Diplomacia: invenção veneziena, pela necessidade de contatos permanentes entre aliados (1495) • Portugueses e espanhóis fundam impérios ultramarinos e dividem o Novo Mundo pelo tratado de Tordesilhas (1494) e de Saragoça, no pacífico. Paul Kennedy Ascensão e queda das grandes potências O advento da modernidade • Ao redor do ano de 1500 situa-se a divisão de mundo entre a época pré-moderna e a moderna. A queda de Constantnopla (1453), pelas mãos dos turcos otomanos acontecera meio século antes. • Os tempos marcam também a supremacia econômica das cidades-estado italianas, centradas em Veneza, Genova, Florença e Milão, verdadeiros enclaves capitalistas num mundo feudal. • Elas anteciparam em pelos menos dois séculos várias das características do sistema interoestatal moderno. Essas características se deram especialmente na gestão do Estado e da guerra. • O período assistiu a hegemonia econômico-financeira de dois Estados, primeiramente Veneza e depois Amsterdam. Estado e guerra • Nas relações inter estatais, a principal característica dos Estados capitalistas é a busca do equilíbrio de poderes, que reduz custos de defesa, Assim, pode se desenvolver um sistema de diplomacia que serviria de modelo para estados 200 anos depois. • O conhecimento do mundo que os europeus tinham era escasso e fragmentado. Pouco ou nada sabiam das civilizações orientais e menos ainda do que existia nas Américas. • O período coincide, na Europa, com a formação do Estado-nação, em meio ao mundo feudal. Novas classes sociais afloram no cenário político e social, como a burguesia. Melhores meios de comunicação também ao o tom. • Mas era a guerra e suas conseqüências que criavam uma pressão contínua no sentido da formação da nação. Isso não apenas por apelos patrióticos, mas especialmente pela organização e custeio dos exércitos engendrar novas políticas tributárias, delimitadas geograficamente, visando financiar o aparato bélico. • Uma conseqüência dessas foi a extensão do envolvimento dos estados em atividades não militares. Crescimento para fora • Em meados do século XV, as potências européias começaram a criar impérios fora do continente. A partir de 1415, com a captura de Ceuta, na costa marroquina, os portugueses dão início a uma expansão de ultramar que duraria dois séculos. • Em 1460, os portugueses haviam se apossado da costa ocidental da África e de madeira e Açores, no meio do Atlântico. Em aliança com empresários genoveses, começaram a viabilizar comercialmente as novas colônias. • No fim do século, Vasco da Gama havia estendido a influência portuguesa ao Índico e ao pacífico. • Tentaram quebrar o monopólio muçulmano-veneziamno do acesso às especiarias e mercadorias de luxo na África. Quase conseguiram. Giovanni Arrighi O longo século XX • O aspecto crucial do surgimento do moderno sistema interestatal foi a oposição constante entre as lógicas capitalista e territorialista do poder, bem como a recorrente resolução de suas contradições através da reorganização do espaço político-econômico mundial pelo principal Estado capitalista de cada época. • Essa dialética entre capitalismo e territorialismo é anterior ao estabelecimento, no século XVII, de um sistema interestatal pan-europeu. • Inicialmente, o subsistema regional de cidades-Estados capitalistas que emergiu na Itália setentrional não foi mais do que um dos “enclaves anômalos”que se multiplicaram no espaço político do sistema de poder medieval. • Italia • Mas à medida que se acelerou a decadência do sistema de governo medieval, o enclave capitalista da Itália setentrional organizou-se num subsistema de jurisdições políticas separadas e independentes, unidas pelo princípio do equilíbrio do poder e por densas e vastas redes de diplomacia com sedes permanentes. • De variadas formas, esse subsistema de cidades-Estado – centrado em Veneza, Genova, Florença e Milão – antecipou em pelo menos dois séculos muitas das principais características do moderno sistema interestatal. Esse subsistema, um enclave capitalista em pleno mundo medieval, tinha pelo menos quatro características essenciais ao desenvolvimento do posterior sistema interestatal: 1. Era um sistema predominantemente capitalista 2. Era baseado num “equilíbrio de poder”, que conseguiu preservar suas principais características políticas e econômicas, impedindo que a lógica territorialista suplantasse a dinâmica capitalista; 3. Por força da dinâmica capitalista, tinham sua relação social fundamental baseada no trabalho assalariado, o que lhes garantia a formação de um mercado interno que impulsionava o próprio desenvolvimento; 4. O poder político assumiu a direção de novas e inéditas redes de diplomacia. Isso possibilitava a administração dos monopólios de comércio na rede por parte do poder estatal. As redes diplomáticas eram construídas através da longas rotas comerciais. • Tais características – em especial o equilíbrio de poder, peça essencial do sistema interestatal posterior – deu previsibilidade ao funcionamento do sistema, otimizou gastos bélicos e promoveu inédita concentração de riqueza e poder nas mãos da oligarquia. • http://portugalglorioso.blogspot.com.br/201 4/03/mapa-da-europa-1000-dc-atehoje.html 3.1648-1789: A Paz de Vestfália e o conceito de soberania Gilberto Maringoni UFABC 2014 O sistema mundial José Luís Fiori • O atual "sistema político mundial", que nasceu na Europa no século XVI e se universalizou nos últimos 500 anos, não foi uma obra espontânea nem diplomática. Foi uma criação do poder, do poder conquistador de alguns Estados territoriais europeus que definiram suas fronteiras nacionais no mesmo momento em que se expandiram para fora da Europa e se transformaram em impérios globais. • Da mesma forma, o "sistema econômico mundial", que também se constituiu nesse mesmo período a partir da Europa, não foi uma obra exclusiva dos "mercados" ou do "capital em geral". Foi um subproduto da expansão competitiva e conquistadora de algumas economias nacionais europeias que se internacionalizaram junto com seus respectivos "Estados-economias", que se transformaram, imediatamente, em impérios coloniais. • Duas características distinguem a originalidade e explicam a força vitoriosa desses poderes europeus: • Primeiro, a maneira como os Estados territoriais criaram e se articularam com suas economias nacionais, produzindo uma "máquina de acumulação" de poder e riqueza absolutamente nova e explosiva - os "Estadoseconomias nacionais"; • Segundo, a maneira como esses "Estadoseconomias nacionais" nasceram, em conjunto e numa situação de permanente competição e guerra entre si e com os poderes imperiais de fora da Europa. • De acordo com o sociólogo alemão Norbert Elias, desde o início desse sistema, nessa competição permanente, "quem não sobe, cai". Por isso, as guerras se transformaram na atividade principal dos primeiros poderes territoriais europeus e depois seguiram sendo a atividade básica dos Estados nacionais. • E, com isso, as guerras acabaram cumprindo na Europa, um papel contraditório, atuando simultaneamente como uma força destrutiva e integradora, promovendo uma espécie de "integração destrutiva" de territórios e regiões que tinham se mantido distantes e separados até os séculos XVI e XVII, e que só passaram a fazer parte de uma mesma unidade, ou de um mesmo sistema político, depois da Guerra dos 30 anos, da Paz de Vestfália (em 1648) e das Guerras do Norte, no início do século XVIII. • Dentro desse novo sistema político, todos os Estados estavam obrigados a se expandir para poder sobreviver. • Por isso se pode falar de uma "compulsão expansiva" de todo o sistema e de cada um de seus Estados territoriais e da sua necessidade de conquista permanente de novas posições monopólicas de poder e de acumulação de riqueza. • É nesse sentido que se pode dizer que, desde a formação mais incipiente do novo sistema, suas unidades competidoras tinham que se propor, em última instância, à conquista de um poder cada vez mais global sobre territórios e populações cada vez mais amplos e unificados até o limite teórico da monopolização absoluta e da constituição de um império político e econômico que teria uma abrangência mundial. O breve século XX Giovanni Arrighi • O moderno sistema de governo emergiu da desintegração do sistema da Europa medieval, que consistia numa relação senhor-vassalo, uma mistura de público e privado, mobilidade geográfica do poder e legitimação dada por um corpo comum de leis, religião e costumes. • O sistema moderno torna as esferas públicas e privadas distintas; a jurisdição é claramente demarcada por fronteiras nacionais e está estreitamente associado ao desenvolvimento do capitalismo como sistema de acumulação mundial. • Este vínculo é tanto contraditório como único: o capitalismo e os Estados nacionais surgiram juntos e são interdependentes, mas há condições que fazem os capitalistas se oporem à ampliação do poder do Estado; enquanto o foco estatal é a aquisição de territórios e o controle de populações, o foco do capitalista é o acúmulo de capitais. • O Estado usa o controle do capital como meio de adquirir territórios; o capitalista usa o controle do território como meio de acumular capitais. • O apoio capitalista ao Estado está condicionado ao seu funcionamento como facilitador do acúmulo de capitais. • Arrighi cita como exemplo China e Europa nos séculos XIV-XV: enquanto o capitalismo é o grande motivador do esforço europeu de adquirir territórios, a China (superior tecnologicamente e muito rica) não tem motivação econômica para ir à Europa. A invenção do Estado moderno ocorre primeiro nas cidades renascentistas da Itália setentrional. Veneza tem uma oligarquia mercantil que controla o poder estatal, com quatro características básicas: • Sistema capitalista de gestão do estado e da guerra. • Equilíbrio de poder como garantia de independência. • Guerras concebidas como indústria de produção de proteção, autocusteadas. • Desenvolvimento de redes de diplomacia para manutenção do equilíbrio. • Às cidades italianas sucederam a Espanha. A nova tecnologia militar e o fluxo de riquezas vindas da América produziram um enorme aumento nos gastos militares; a escalada militar e a afirmação dos Estados nacionais criaram enormes conflitos e tensão social; o uso da religião nos conflitos de poder aumentou a violência. O domínio dos Habsburgos Paul Kennedy • Durante um século e meio, depois de 1500, uma combinação de reinos, ducados e províncias espalhados por todo o continente, governados por membros espanhóis e austríacos da família Habsburgo, ameaçou tornarse a influência política e religiosa predominante na Europa. • Uma característica européia no século XVI é sua fragmentação política, ao contrário do que ocorria em impérios de larga extensão, como o otomano e o chinês. Durante séculos, a unidade de poder foi pequena e descentralizada. • Muito provavelmente, a geografia continental tenha favorecido esta pluralidade. As conseqüências políticas e sociais de um crescimento não centralizado foram da maior significação. • A evolução econômica não podia ser sufocada. • Não havia uma autoridade única a regular todas as instancias de comercio. Houve sempre senhores locas a tolerar práticas e usos comerciais que outros não aceitariam. Histórico das guerras • As lutas que perturbaram a paz na Europa nos cem anos anteriores a 1500 foram localizadas, os choques entre os vários Estados italianos e a rivalidade entre as coroas francesa e inglesa e as guerras dos cavaleiros teutônicos contra lituanos e poloneses foram exemplos disso. A partir do final do século XVI, as disputas se dão entre cinco ou seis Estados maiores e outros menores. • O histórico das guerras podem ser marcados por três características: A. Reforma • O advento da Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero (1483-1546). A alegação de que a liberdade da punição de Deus sobre o pecado poderia ser comprada, confrontou um vendedor de indulgências. • Lutero viu este tráfico de indulgências como um abuso que poderia confundir as pessoas, deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiros. • Sua recusa em retirar seus escritos a pedido do do Papa Leão X em 1520 e do Imperador Carlos V na Dieta de Worms em 1521 resultou em sua excomunhão pelo Papa e a condenação como um fora-da-lei pelo imperador do Sacro Império Romano. • Lutero ensinava que a salvação não se consegue com boas ações, mas é um livre presente de Deus, recebida apenas pela graça, através da fé em Jesus como único redentor do pecador. Sua teologia desafiou a autoridade papal na Igreja Católica Romana. B. Habsburgos • A criação de uma combinação dinástica, a dos Habsburgos, que formou uma rede de territórios que se estendiam de Gibraltar à Hungria e da Sicília a Amsterdam, superando tudo o que já se vira na Europa, em tamanho. • A Casa de Habsburgo se constituiu pelas ramificações de uma família nobre da Europa foi uma das mais importantes e influentes entre os séculos XIII e XX. • Foi a dinastia soberana de vários Estados e territórios. Entre os seus principais domínios estavam o Sacro Império Romano Germânico (962-1806), onde imperou de1273 até seu desmembramento em 1806, como consequência das Guerras Napoleônicas (1799-1815); e o Império Austro-Húngaro, que governou desde a sua fundação em 1867 até sua dissolução em 1918, pelo Tratado de Saint-Germain-en-Laye, como consequência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Império Habsburgo, c.1580 • Por ter sido elevada a realeza em 1273, é denominada a "família imperial" do Sacro Império Romano Germânico (962-1806); e por ter sido a soberana da Áustria desde1278 até 1918, tendo inclusive sido a única governante do Império ÁustroHúngaro (1867-1918), é denominada como a "família imperial austríaca". • Reunia nele as heranças das casas de Áustria, Borgonha, Aragão, Castela e as imensas terras espanholas no Novo Mundo. • A Reforma Protestante e a invasão turca da Europa Oriental obrigaram os dois ramos dos Habsburgos a juntar forças para preservar o catolicismo europeu durante toda a Contra-Reforma e a guerra dos Trinta Anos (1618-1648). • O combate aos turcos marcaria por mais de dois séculos o destino da dinastia Habsburgo, entre 1453 (queda de Constantinopla, atual Istambul) e 1718 (Tratado de Passarowitz, fim da guerra austro-turca). • As possessões dos Habsburgos não formaram porém um conjunto unido, apesar da criação de um governo central comum a todos os territórios, com um conselho áulico, um conselho secreto e um conselho de guerra. Disputas de família trouxeram muitas instabilidades aos domínios. C. Império Otomano • O Império Otomano foi um estado que existiu entre 1281 e 1923 e que no seu auge compreendia a Anatólia (Turquia), o Médio Oriente, parte do norte da África e do sudeste europeu. Nos séculos XVI e XVII, o império otomano constava entre as principais potências políticas européias e em vários países europeus foi sentido o receio dos avanços nos Balcãs. No seu clímax, compreendia uma área de 11.955.000 km². • Em 1453, após a captura da cidade de Constantinopla (atual Istambul) esta tornou-se sua capital. • Não é inexato afirmar, sob as perspectivas histórica e geográfica, que os impérios muçulmanos se constituíam as forças de mais rápida expansão no mundo do século XVI. • Os turcos otomanos avançavam para o ocidente e os persas conheciam um renascimento de poder, prosperidade e cultura. Em várias partes os muçulmanos avançavam em poder e influência no oriente. • Militar e culturalmente, o Império Otomano obteve uma área geográfica maior que a do Império Romano em seus melhores dias, abarcando 14 milhões de súditos e envolvendo uma política de dominação flexível e tolerante em relação a outras raças. Constantinopla era maior que qualquer cidade européia em 1600, com 500 mil habitantes. • Como o teórico do nacionalismo Ernest Renan (1823-92) afirma, o Império Otomano era, em contraste com outros estados-nações (como a França, Alemanha ou Reino Unido) uma unidade política multiétnica. • Em "Qu 'est-ce qu' une nation ?", de 1882, ele afirma que "o turco, o eslavo, o grego, o arménio, o árabe, o sírio, o curdo, são tão distintos hoje como sempre foram desde o primeiro dia da conquista". • No entanto, ao contrário de outros imperalismos, o Otomano não foi economicamente eficiente e acabou por fechar-se em si mesmo. • Em fins do século XVI, o império mostrava os primeiros sinais de excessiva extensão estratégica, com exército e marinha com elevados custos, impossíveis de serem supridos a contento. A excessiva centralização despótica e uma burocracia ineficiente e uma excessiva ortodoxia para com o comércio em seus domínios. • . • Tarifas excessivas levaram estabelecimentos à falência e despovoaram cidades. • Com a crise econômica, o saque por parte do exército, que já existia, atingiu níveis alarmantes. Nessa atividade, foram seguidos dos funcionários civis Religião e poder • Era quase impossível separar o poder político das ordens religiosas nesses anos. Disputas religiosas – não havia separação entre Igreja e Estado – fatalmente se traduziam em disputas territoriais e contendas pelo poder político. • O principal objetivo das dinastias francesas, em especial os Bourbons (1555-1889), na Europa era romper o poder dos Habsburgos em inúmeros conflitos de maior ou menor intensidade. No século XVI, apenas a Inglaterra, França, Escandinávia, Polônia, Moscóvia e as terras sob controle otomano não faziam parte dos domínios dos Habsburgos. • A verdadeira “revolução militar” dos princípios da Europa moderna, com aumento maciço da escala, custo e organização da guerra. Aumentou a proporção da infantaria em relação às forças de cavalaria. • Sendo mais barato recrutar e equipar soldados a pé, os exércitos aumentaram expressivamente de tamanho, com conseqüente aumento das burocracias e comandos. • Guerra implicava condições materiais crescentes para mantê-las. Se pensarmos que os Habsburgos envolveram-se em cerca de 140 anos de guerras entre os séculos XVI e XVII, fica claro um dos motivos de sua decadência. O objetivo principal dos Habsburgos era a tentativa de impor um sistema hegemônico da cristandade, o que traria estabilidade e previsibilidade ao sistema europeu. • Em 1618, a revolta dos Estados protestantes da Boêmia (atuais repúblicas Tcheca e Eslováquia) contra o governante católico Fernando II (Habsburgo) foi o episódio deflagrador de uma guerra que se estenderia por três décadas. A Guerra dos Trinta Anos • A Guerra dos Trinta Anos consistiu-se num grande conflito multidimensional – entre variadas guerras localizadas ou de maior ou menor dimensão - travado pelos Habsburgos da Áustria e da Espanha contra sucessivas coalizões de Estados inimigos de 1618 até a Paz de Vestfália, em 1648. A escala, o número de homens envolvidos e os custos de um conflito armado no século XVI eram muito maiores do que no século anterior. • Os embates ocorreram especialmente na Alemanha, nos quais rivalidades entre católicos e protestantes e assuntos constitucionais germânicos foram gradualmente transformados em uma luta européia. • Apesar de as disputas religiosas serem a causa direta do conflito, ele envolveu um grande esforço político da Suécia e da França para procurar diminuir a força da dinastia dos Habsburgos, que governavam a Áustria. A guerra causou sérios problemas econômicos e demográficos na Europa Central. • A Guerra dos Trinta Anos envolveu os principais países da Europa – além de expedições holandesas que atacaram, em além mar, Brasil, Angola e Ceilão (Sri-Lanka) – transformando-se naquilo que alguns historiadores chama de primeira guerra global. • Segundo Paul Kennedy, “o final da Guerra dos Trinta Anos constitui uma questão confusa. A Espanha celebrou subitamente a paz com os holandeses em 1648, reconhecendo finalmente sua independência total; isso foi feito, porém, para privar a França de um aliado e a luta franco-Habsburgo continuou. • Tornou-se puramente franco-espanhola, quando a Paz de Vestfália trouxe finalmente tranquilidade à Alemanha e permitiu que os Habsburgos da Áustria se afastassem do conflito. A Paz de Vestfália • A Paz de Vestfália (região alemã) designa uma série de tratados que encerrou a Guerra dos Trinta Anos e também reconheceu oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça. • O Tratado Hispano-Holandês, que pôs fim à Guerra dos Oitenta Anos, foi assinado no dia 30 de janeiro de 1648 (em Münster), após quatro anos de negociações. • Em 24 de outubro do mesmo ano foi assinado o tratado de paz entre o Sacro Império Romano-Germânico, os outros príncipes alemães, a França e a Suécia. Os tratados concluídos nessas duas cidades da Westfália foram depois reunidos no Ato Geral de Vestfália em Münster em 24 de Outubro de 1648 • O Tratado dos Pirineus, de 1659, o qual deu fim à guerra entre França e Espanha, também costuma ser considerado parte da Paz de Vestfália. • A essência da solução de Vestfália foi o reconhecimento do equilíbrio religioso dentro do Sacro Império Romano (império Habsburgo), apesar dos sinais evidentes de sua decadência. Cerca de um quarto da população europeia vivia sob seus domínios. • A idéia da constituição de um sistema político mundial, ou europeu, era fundado da noção de equilíbrio de poder, direito exercido pelos Estados e não acima deles. Constituiu-se assim uma nova ordem anárquica, com uma reorganização dos espaços politicos destinados a permitir a liberdade de comércio. • A Paz de Vestfália inaugurou o moderno sistema internacional, ao acatar noções e princípios tais como o de soberania estatal e o de Estado nação. • Os resultados do tratado foram muito abrangentes. Dentre outras conseqüências, os Países Baixos ficaram independentes da Espanha, terminando-se com a Guerra dos Oitenta Anos; a Suécia ficou com a Pomerânia, Wismar, Bremen e Werden. • O poder dos Sacro-Imperadores foi irreparavelmente abalado e os governantes dos estados germânicos voltaram a gozar da prerrogativa de determinar a religião oficial dos seus territórios. • O tratado deu reconhecimento legal aos calvinistas. Três grandes potências emergiram: a Suécia, as Províncias Unidas e a França. O poderio da Suécia foi, contudo, de pouca duração. Decorrências • As guerras posteriores a 1540 estavam intimamente ligadas ao nascimento do Estadonação. Entre fins do século XV e fins do século XVII, a maioria dos países europeus presenciou a centralização da autoridade política e militar, em geral no monarca, acompanhada de maiores poderes e métodos de tributação pelo Estado e realizada por uuma máquina burocrática muito mais complicada do que existia quando os reis deviam “viver de seus próprios recursos” e os exércitos nacionais eram mantidos com um recrutamento feudal. • A guerra e suas consequências criavam uma pressão premente e contínua no sentido da “construção da nação” do que a lenta evolução das tendências sociais. • O poder militar permitiu a muitas dinastias europeias manter-se acima dos grandes magnatas e assegurar a uniformidade a a autoridade política. • A guerra tornou concreto o destino da arrecadação fiscal. Nos últimos anos do reinado de Isabel, da Inglaterra (1533-1603) e de Felipe II, da Espanha (15271598), três quartos das despesas dos governos eram destinados à guerra ou ao pagamento de dívidas. • A monopolização e burocratização do poder militar do Estado são claramente parte central da “criação da nação”. O exército deixava de ser um corpo transitório, composto por mercenários, e tornava-se permanente e estável. O poder passava a ser nacional. • O sistema de estados europeus era na verdade um sistema de cinco grandes potências: França, o Império Habsburgo, Prússia, Inglaterra e Rússia, bem como países menores, como Savoia e Espanha. O poder agora era “nacional”. • O aspecto mais significativo no cenário europeu após 1660 foi o amadurecimento de um sistema realmente multipolar de Estados, cada qual com a tendência cada vez mais acentuada de tomar decisões sobre a guerra e a paz a partir dos ‘interesses nacionais’ e não por motivos transnacionais ou religiosos. • Países que tinham sido inimigos numa guerra muitas vezes se aliavam na guerra seguinte, o que dava ênfase a uma Realpolitik calculada, e não a convicções religiosas profundas na determinação de seus interesses. • A paz representava o coroamento de um processo marcado pelo início da hegemonia e francesa na Europa e pelo declínio do poder dos Habsburgos. • A Alemanha foi a única que saiu derrotada desses trinta anos de guerra. Os principais campos de batalhas dos intermitentes conflitos foram as cidades e principados da Alemanha, que sofreram danos muito graves. • Conseqüências de longo prazo da guerra foram, além da emergência da França como o poder terrestre dominante na Europa, a formação das Repúblicas da Holanda e Suíça e a contínua fragmentação da Alemanha, pois torna 39 Estados alemães quase que independentes do Imperador, atrasando a sua unificação em um único Estado. Arrighi • As Províncias Unidas sobressaíram-se neste cenário, por serem os primeiros a liquidar o sistema de governo medieval. A Holanda surge como potência hegemônica após a Guerra dos Trinta Anos. • Os acordos para proteger o comércio em tempo de guerra celebrados na Paz da Vestfália criaram as condições para a expansão do capitalismo; Haia permanece até hoje como o centro da diplomacia européia. • Províncias Unidas ou República dos Sete Países Baixos Unidos foi um Estado formado pelas províncias do norte dos países baixos – entre eles a Holanda – agrupados desde o Tratado de Utrecht, em 1579, até a ocupação francesa, em 1795. • De 1652 a 1815 há a luta entre França e Inglaterra pela supremacia. Na primeira fase ambas tentaram anexar a Holanda para controlar suas redes comerciais; na segunda fase dos conflitos o alvo são as próprias redes comerciais holandesas; a geografia política do comércio mundial é reestruturada radicalmente: saem de cena portugueses, espanhóis e holandeses; ascendem franceses e ingleses no século XVIII. Consequências da Paz • Reconheceu-se a completa independência da Suíça (curiosamente, a própria Suíça não é signatária da Paz de Vestfália). • Reconheceu-se a independência da República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos (previamente a sua revolta, um século antes, havia sido possessão da Casa de Habsburgo e, portanto, da Espanha). • Os diversos estados alemães independentes receberam o direito de conduzir a sua própria política externa, mas lhes era vedado cometer atos de guerra contra o Sacro Imperador. O Império, como um todo, se reservava o direito de fazer a guerra e de celebrar tratados. • A França saiu da guerra em uma posição muito melhor do que as outras potências, sendo capaz de ditar boa parte do tratado. O conceito de soberania • Foi a Paz de Vestfália,assinada em 1648,que consagrou o princípio da “soberania nacional” e gerou o “sistema político-estatal europeu”. Mas ao consagrar o princípio da soberania criou um sistema de poder anárquico, no qual o exercício do “equilíbrio de poder” e a guerra se tornaram as duas formas conhecidas e possíveis de resolução dos conflitos entre os Estados soberanos. Configurou-se, assim, uma forma primitiva de governança supranacional. • Em síntese, as primeiras “economias nacionais” nasceram como uma estratégia de guerra defensiva dos primeiros Estados territoriais europeus e depois se transformaram numa imposição do sistema político interestatal,cuja regra número um era a continuidade e a intensificação permanente da competição político-militar entre seus Estados-membros. • Como resultado,desde o início o sistema político europeu esteve sob o controle compartido ou competitivo de uns poucos Estados que impuseram aos demais sua liderança políticomilitar e econômica. Foram as grandes potências, que nunca passaram de seis ou sete, que desde o início se transformaram no núcleo dominante de todo o sistema. Alessandra Rodrigues, David Carvalho e Luciano Diniz • A Paz de Vestfália é frequentemente apontada como o marco da diplomacia moderna, pois deu início ao sistema moderno do Estado nação - a primeira vez em que se reconheceu a soberania de cada um dos Estados envolvidos. • As guerras posteriores ao acordo não mais tiveram como causa principal a religião, mas giravam em torno de questões de Estado. Também fortaleceu as divisões internas da Alemanha, impedindo-a de formar um Estadonação unido, o que perdurou até o final do século XIX. • Nessa conjuntura é que surge o Estado nacional com uma característica antes desconhecida: a soberania. Este Estado tem sua forma unitária com poder unificado de onde originava toda sua vontade. Seu fortalecimento era importante para assegurar a supremacia e toda uma idéia de soberania sistematicamente construída com base num Estado moderno centralizado e burocrático. • A soberania era, portanto, una, indivisível, imprescritível, inalienável. E sua supremacia assegurava oposição aos poderes da Igreja, subordinando-os, e ao poder feudal, eliminando mediadores políticos entre os indivíduos e o Estado. Daí, respectivamente, os primórdios da dupla face da soberania, a externa e a interna. • Na Idade Média, o poder era fragmentado e não havia a idéia de um Estado nacional com um exército, moeda, poder unitário e sequer soberano. • O que se poderia chamar à época de soberania aparece com uma diferente conotação: expressava-se na noção de propriedade de território. • Poder-se-ia dizer que a construção do conceito no Ocidente se deu devido a fatos históricos como os conflitos existentes entre os poderes da Igreja, do sistema feudal, e dos reis representantes do Estado, nas lutas que se travavam para conquistar territórios visando imposição de uma autoridade sob os barões feudais (assegurando certa noção de soberania interna) e ao Santo Império Romano (assegurando certa noção de soberania externa). • Neste período surgiram vários centros de poderes independentes, cada um exercia o que se poderia designar ‘soberania medieval’. • Significava tão-somente determinada qualidade investida num Senhor que exercia no seu território um poder, ou seja, manifestava superioridade no poder de governo e na produção de leis naquele local. • Esse processo histórico foi a base para a construção conceitual do termo soberania que aos poucos viu-se transferir da vinculação da posse de terra à pessoa do rei e para o propriamente dito poder real. • Após a consolidação dos Estados nacionais e o estabelecimento da divisão de poderes internamente, os soberanos passaram a reconhecerem-se mutuamente como iguais. • Nesse contexto produziu-se a Paz de Vestfália em 1648. Esse acordo configurou o Princípio da Soberania como poder supremo, legítimo, confirmado pelo reconhecimento de outros Estados. Foi assim que tanto no direito constitucional como no direito internacional evidenciou-se principalmente nas relações internacionais entre Estados. • A lógica do sistema de Wetfália - onde cada Estado é a única autoridade legítima sobre o seu território - manteve o cenário internacional equilibrado até o início do século XX. • Não obstante conciliar a intensificação das relações internacionais com tal autonomia política de cada ator, o ambiente internacional era um sistema de ordem descentralizada com base na reciprocidade, sob a égide dos princípios internacionais estabelecidos para a regulação do relacionamento entre os Estados. 4. O pós Vestfália e o sistema internacional • Gilberto Maringoni • UFABC 2014 Bibliografia da aula • Pecequilo, Cristina. Manual do candidato – Política internacional (Funag, 2009) págs. 17 a 27 • Bull, Hedley. A sociedade anárquica (Funag, 1977), págs. 7 a 35 • Dicionário de Relações Internacionais, (Afrontamento, 2005) – Verbete “Anarquia” Estado e nação Manual do candidato – Política internacional (2009) Cristina Pecequilo • O primeiro conceito a ser apontado na área de Relações Internacionais é o do espaço no qual ocorrem as interações sociais, o do Sistema Internacional (SI). • Outros termos que podem ser indicados como sinônimos de SI são cenário e ambiente. • Sua característica básica é a anarquia, representada pela ausência de um governo ou leis que estabeleçam parâmetros regulatórios para estas relações, em contraposição ao sistema doméstico dos Estados. • A partir deste princípio básico, a ordem internacional é definida por meio dos intercâmbios e choques que se estabelecem entre os atores da política internacional. • O ponto de partida desta visão clássica é o surgimento do Estado Moderno é a Paz de Vestfalia em 1648 (o outro marco é o Tratado de Utrecht, 1713). • Tratados de Utrecht (1713-1715) • O século XVIII iniciou-se e foi marcado pela deflagração da Guerra da Sucessão Espanhola, quando Carlos II de Espanha morreu em 1700, sem descendência direta. • O trono era pretendido por Filipe d'Anjou (Bourbon) e por Carlos, da casa da Áustria (Habsburgo). • Os opositores, de um lado, a França, em apoio a Filipe d'Anjou; do outro, a Grande Aliança, a favor do príncipe Carlos, formada por Grã-Bretanha, República Neerlandesa, Prússia, Portugal e a casa de Savóia. • O conflito, que se estendeu entre 1702 a 1714, envolveu a maioria das nações da Europa ocidental. • A questão da sucessão na Espanha foi solucionada em favor de Filipe V, que conservou a coroa da Espanha (1700-1746) e as respectivas colônias, mas renunciou ao direito de sucessão ao trono francês. • A integridade do território francês foi preservada e a Inglaterra recebeu importantes bases marítimas - Gibraltar, Minorca, Terra Nova (Newfoundland), Acádia - e obteve o direito de abastecer as colônias da América Espanhola com escravos negros. • Carlos foi indicado imperador do Sacro Império RomanoGermânico, com o nome de Carlos VI da Germânia • Sob seu pano de fundo, no entanto, várias outras questões emergiam: a rivalidade entre a França e a Inglaterra pela hegemonia continental (que poderia ser chamada de mundial á época). • O Tratado de Utrecht foi o documento que pôs fim à esse conflito, regulamentando a paz entre as potências beligerantes, em 17131715, na cidade holandesa do mesmo nome. • A Inglaterra ganhou da França, além da Terra Nova, a baía de Hudson e St. Kitts e o reconhecimento da sucessão hanoveriana. • O sul dos Países Baixos, Milão, Nápoles e Sardenha passaram à Áustria. • A França restituiu conquistas recentes, mas manteve tudo o que fora conseguido na Paz de Nijmegen, em 1679, além da cidade de Estrasburgo. • O duque de Savóia ganhou a Sicília e aumentou as fronteiras do norte da Itália. • Os holandeses asseguraram, junto ao governo austríaco, o direito de guarnecerem fortalezas no sul dos Países Baixos. • A Inglaterra obteve conquistas navais, comerciais e coloniais significativas, assumindo posteriormente um papel preponderante no que diz respeito às questões de ordem mundial. • Em 1713 foi reconhecida a soberania de Portugal sobre as terras da América Portuguesa, compreendidas entre os rios Amazonas e Oiapoque. Em 1715 acordou-se a restituição aos portugueses da Colônia do Sacramento. • Consequências: • - Pôs termo à hegemonia francesa. nivelando as forças européias; • - Beneficiou principalmente a Inglaterra (que adquiriu novas colônias e novos privilégios comerciais); • - Fez passar para o primeiro plano da cena política européia duas potências até aí secundárias, a Prússia e a Sabóia. • - No Brasil, definições de fronteiras ao norte e ao sul • • Crsitina Pecequilo: Avaliando o SI a partir desta visão, três características definem este ambiente: 1. A sua dimensão global e fechada, resultante do processo de expansão do mundo ocidental iniciada pelas potências portuguesa e espanhola nos séculos XV e que atingiu no século XX o limite de todo os fluxos e Estados que compõem o SI; 2. A heterogeneidade que corresponde às diferenças entre os atores que ocupam o espaço internacional, a diversidade destes mesmos atores (Estados, OIGs e FTs) e dos fenômenos que ocorrem no ambiente global (igualmente conhecidas como forças que se subdividem em naturais, demográficas, econômicas, tecnológicas e ideológicas); e, por fim, 3. A estrutura, que representa a ordem do SI, ou seja, o Equilíbrio de Poder (EP) que se estabelece entre os Estados e define uma determinada hierarquia. • OIGs - Organizações Internacionais Governamentais – Formadas por Estados, as OIGs são as instituições multilaterais de diversas abrangências, como a ONU, OEA, Unasul, FMI etc. • FTs - Forças Transnacionais – Pertencem à categoria dos atores não estatais, como empresas transnacionais, ONGs etc. Ao longo da história, três tipos de ordem podem ser encontradas: • A unipolar, com a proeminência de um pólo de poder (Império Romano); a bipolar, com a existência de dois pólos principais (Guerra Fria, 1947/1989 entre EUA e URRS); e • A multipolar composta por diferentes pólos. Como indicado, o “tipo ideal do EP” foi o Concerto Europeu de 1815 a 1914, composto pelos pólos França, Grã-Bretanha, Prússia (Alemanha depois de 1870 com a unificação), Rússia e Império Austro-Hungaro Estados • Unidades políticas centralizadas surgidas a partir da Paz de Vestfalia em 1648, contrapondo-se às instâncias fragmentadas e não seculares da Idade Média. • Os princípios básicos do Estado Moderno são a territorialidade com base em fronteiras definidas, a soberania política sobre este território, constituindo um governo organizado, e a existência de uma população que habita este espaço geográfico. • Juridicamente, os Estados reconhecem-se mutuamente, respeitando seus limites territoriais (respeito aos princípios de nãointervenção e não-ingerência), e estabelecem relações diplomáticas entre si. Em síntese, três componentes materiais compõem estas unidades políticas, o território, a população e o governo. • Todos os Estados são, portanto, soberanos dentro de seu determinado território. • Ainda que os Estados sejam iguais de direito, não o são de fato. As diferenças referem-se a suas histórias (processo de construção e idade como Estados Vestfalianos), constituições domésticas (regimes, formas de governo e dinâmica dos atores da sociedade civil e a seus recursos de poder. • À medida que o poder é um elemento essencial da política (seja ela doméstica ou internacional), a posse destes recursos por um determinado Estado delimita sua capacidade de atuação e projeção no sistema e sua medida de vulnerabilidade. Estes elementos correspondem ao nível de autonomia. Ainda o pós-Vestfália A evolução da sociedade internacional (1977) Adam Watson (1914-2007) • A ordem de Vestfália, negociada pelos governantes soberanos, legitimou uma colcha de retalhos de independências na Europa. As fronteiras que separavam os Estados daqueles soberanos eram claramente desenhadas com uma linha grossa e o que acontecesse dentro daquela linha era de competência exclusiva daquele Estado. • A soberania, sobretudo quando aplicada aos principados do império legitimava a extensão de cujus régio efus religio ("Tal príncipe, sua religião"). A ruptura da Igreja universal agora se refletia na ruptura da estrutura laica da Europa. • Em sua ênfase no caráter separado dos Estados europeus, em vez de sua unidade da cristandade e em sua rejeição a qualquer idéia de que um papa ou imperador tivesse alguma autoridade universal, ou de que um Estado dominante pudesse ditar os acordos para os outros, os acordos de Vestfália foram antihegemônicos. • Em todas essas questões, os acertos refletiram as visões de seus arquitetos, a França, a Suécia e a Holanda, que eram potências protestantes ou seguiam uma política chamada de protestante. • A ordem de Vestfalia foi imposta pelos vencedores sobre os vencidos e os objetivos da coalizão vencedora tornaram-se o direito público da Europa. • Os Habsburgos foram obrigados a abandonar seus objetivos estratégicos. O papa, compreensivelmente, denunciou o acordo como inválido e risível. • “O século XVII assistiu ao efetivo estabelecimento de uma Europa de Estados legitimamente independentes que se reconheciam uns aos outros como tais. (...) cada Estado, especialmente aqueles mais poderosos, sentia-se obrigado a levar em conta as ações dos demais.” • “Eles reconheciam que, uma vez que as limitações medievais haviam desaparecido ou haviam se tornado irrelevantes, novas regras e procedimentos eram necessários para regular suas relações.” Hedley Bull A sociedade anárquica (1977) • O ponto de partida das relações internacionais é a existência de Estados. comunidades políticas independentes, cada uma das quais possui um governo e afirma a sua soberania com relação a uma parte da superfície terrestre e a um segmento da população humana. • De um lado, os Estados têm, com relação a esse território e a essa população, o que poderíamos chamar de "soberania interna", ou seja, a supremacia sobre todas as demais autoridades dentro daquele território e com respeito a essa população; de outro, detêm o que se poderia chamar de "soberania externa", que consiste não na supremacia mas na independência com respeito às autoridades externas. • A soberania dos Estados, interna e externa, existe tanto no nível normativo como no factual. • Os Estados não só afirmam a sua soberania interna e externa como na prática exercem efetivamente, em graus variados, essa supremacia interna e independência externa. • A comunidade política independente que simplesmente afirma o direito à soberania (ou é julgada soberana por outros), mas não pode exercer na prática esse direito não é propriamente um Estado. • As comunidades políticas independentes que de acordo com este critério são ou foram Estados incluem cidadesestado, como os da antiga Grécia ou da Itália renascentista, e os modernos Estados nacionais. • Abrangem Estados cujos governos se baseiam no princípio da legitimidade dinástica, como os que predominavam na Europa moderna até a época da Revolução Francesa, assim como Estados em que o governo se baseia nos princípios da legitimidade popular ou nacional, como os que têm predominado na Europa depois daquela época. • Incluem Estados multinacionais, como os impérios europeus do século XIX, e Estados de uma única nacionalidade; Estados de território dividido, como os Estados imperiais oceânicos da Europa Ocidental, e aqueles cujo território representa uma única entidade geográfica. • Há também uma grande variedade de comunidades políticas independentes que existiram ao longo da história sem serem Estados no sentido aqui definido. • Por exemplo: os povos germânicos da Idade das Trevas eram comunidades políticas independentes, mas embora os seus governantes exercessem supremacia sobre uma população, não a afirmavam sobre um território definido. • Os reinos e principados da Cristandade Ocidental, na Idade Média, não eram Estados, pois não possuíam soberania interna, porque não tinham supremacia sobre outras autoridades no seu território e dentro da sua população; e também não possuíam soberania externa, porque não eram independentes do papa ou, em certos casos, do imperador do Sagrado Império Romano. • Antes da chegada dos europeus, havia em certas regiões da África, da Austrália e da Oceania comunidades políticas independentes unidas pelos laços de linhagem ou parentesco, nas quais inexistia uma instituição que atuasse como governo. • Essas entidades não recaíam no âmbito das "relações internacionais", se por tal expressão queremos designar (como é habitual) não as relações entre nações, mas as relações entre Estados, no sentido estrito. • As relações dessas comunidades políticas independentes poderiam ocupar um lugar dentro de uma teoria mais ampla das relações dos poderes, de que as relações entre os Estados constituiria um caso especial; mas o fato é que elas se situam fora do domínio estrito das "relações internacionais." O conceito de ordem na política internacional • Um sistema de Estados (ou sistema internacional) se forma quando dois ou mais Estados têm suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo. • Naturalmente, dois ou mais Estados podem existir sem formar um sistema internacional, neste sentido. • Um exemplo é o das comunidades políticas independentes que existiam no continente americano antes da chegada de Cristóvão Colombo; essas comunidades não formavam um sistema internacional com os Estados europeus. • As comunidades políticas independentes que havia na China durante o período dos Estados beligerantes (481-221 a.C.), não formavam um sistema internacional com os Estados existentes na mesma época na Grécia e no Mediterrâneo, • Mas quando os Estados mantêm contato regular entre si, e quando, além disso, a sua interação é suficiente para fazer com que o comportamento de cada um deles seja um fator necessário nos cálculos dos outros, podemos dizer que eles formam um sistema. • A interação dos Estados pode ser direta (quando são vizinhos, parceiros ou competem pelo mesmo fim) ou indireta (em conseqüência do relacionamento de cada um com um terceiro), ou simplesmente pelo impacto deles sobre o sistema. • Assim, o Nepal e a Bolívia não são vizinhos, competidores ou parceiros em qualquer empreendimento comum (exceto talvez como membros das Nações Unidas), mas eles se influenciam mutuamente por meio da cadeia que vincula outros Estados, a que ambos estão presos. • A interação dos Estados que define um sistema internacional pode ter a forma de cooperação ou de conflito, ou mesmo de neutralidade ou indiferença recíprocas com relação aos objetivos de cada um. Essa interação pode abranger toda uma gama de atividades políticas, estratégicas, econômicas, sociais -, como acontece hoje, ou apenas uma ou duas delas. • Conforme implicado na definição de sistema internacional proposta por Raymond Aron, basta que as comunidades políticas independentes em questão "mantenham regularmente relações entre si", e que "sejam todas capazes de estar implicadas em uma guerra generalizada". • Existe uma "sociedade de Estados" (ou "sociedade internacional") quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns. • Se hoje os Estados formam uma sociedade internacional é porque, reconhecendo certos interesses comuns e talvez também certos valores comuns, eles se consideram vinculados a determinadas regras no seu inter-relacionamento, tais como a de respeitar a independência de cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força. Ao mesmo tempo, cooperam para o funcionamento de instituições tais como a forma dos procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional, assim como os costumes e convenções da guerra. • Nesta acepção, uma sociedade internacional pressupõe um sistema internacional, mas pode haver um sistema internacional que não seja uma sociedade. • Em outras palavras, dois ou mais Estados podem manter contato entre si, interagindo de tal forma que cada um deles represente um fator necessário nos cálculos do outro, sem que os dois tenham consciência dos interesses e valores comuns, mas percebendo que estão ambos sujeitos a um conjunto comum de regras, ou cooperando para o funcionamento das instituições comuns. • Assim, por exemplo, Turquia, China, Japão, Coréia e Sião (atual Tailândia) eram parte de um sistema internacional dominado pela Europa antes de integrarem uma sociedade internacional também dominada pela Europa. • Em outras palavras: esses países mantinham contato com as potências européias e interagiam com elas em grau significativo no comércio e na guerra antes de reconhecer, juntamente com aquelas potências, interesses ou valores comuns, admitindo que estavam todos sujeitos às mesmas normas e cooperavam para o funcionamento de instituições comuns. • Quando os Estados participam de um mesmo sistema internacional, mas não de uma sociedade internacional, como no caso dos contatos entre Estados europeus e não-europeus, do século XVI até o fim do século XIX, pode haver comunicação entre eles, acordos, troca de diplomatas ou de mensageiros, não só a respeito do comércio mas da paz, da guerra e de alianças. Mas em si mesmas essas formas de interação não demonstram a existência de uma genuína sociedade internacional. • Pode haver comunicação, acordos e troca de representantes sem que haja a percepção de interesses ou valores comuns, que confiram a essas trocas substância e uma perspectiva de permanência, sem que se estabeleçam regras a respeito do modo como tal interação deva prosseguir, e sem a tentativa de cooperar em instituições nas quais haja de fato um interesse comum. • Quando Cortez e Pizarro encontraram os monarcas asteca e inca, quando George III (1738-1820) enviou lorde Macartney a Pequim, ou quando os representantes da Rainha Vitória entraram em acordo com os chefes maori, o Sultão de Socoto ou o Cabala de Uganda, isso ocorreu fora do quadro de qualquer concepção compartilhada de uma sociedade internacional de que os dois lados fossem membros, com os mesmo direitos e deveres. • Na verdade a sociedade internacional tem tratado a preservação da independência dos Estados como um objetivo subordinado à preservação da própria sociedade internacional, o que reflete o papel predominante desempenhado pelas grandes potências na formação dessa sociedade, de que elas se consideram guardiães. • Assim, a sociedade internacional permite muitas vezes a extinção da independência de Estados individuais, como acontece nos processos de partição e absorção das pequenas potências pelas potências maiores, em nome de princípios tais como "compensação" e "equilíbrio de poder", o que levou ao declínio contínuo do número de Estados europeus, a partir da Paz de Vestfália, de 1648, até o Congresso de Viena de 1815. • Da mesma forma, pelo menos na perspectiva das grandes potências, que se consideram seus guardiães, a sociedade internacional trata a questão da independência dos Estados, considerados individualmente, como sujeita à preservação do sistema, tolerando e estimulando a limitação da soberania ou independência dos pequenos Estados mediante recursos como os acordos que definem esferas de influência ou criam Estados tampões ou neutralizados. • A real instituição do equilíbrio de poder, no sentido de um esforço consciente para evitar a preponderância de qualquer estado em particular, começou a ser desenvolvida na coalizão contra Filipe lI, e sua preservação foi um objetivo implícito da Paz de Westfália de 1648, que marcou o fim das prctensões dos Habsburgos a uma monarquia universal. • Mas só muito mais tarde, na época da luta contra Luís XIV, o equilíbrio de poder foi admitido pela teoria internacional como uma instituição da sociedade internacional, e os vários autores do período precedente que contribuíram para o desenvolvimento dessa concepção pertenciam a uma distinta tradição de comentaristas políticos e históricos, cujas observações não se integravam à teoria do direito natural da sociedade internacional. • Sustenta-se em geral que a existência da sociedade internacional é desmentida em razão da anarquia, ou seja, da ausência de governo ou de regras. É óbvio que, ao contrário dos indivíduos que vivem no seu interior, os Estados soberanos não estão sujeitos a um governo comum, e que neste sentido existe uma "anarquia internacional" - expressão que Goldsworthy Lowes Dickinson (18621932) tornou famosa. • No moderno debate sobre as relações internacionais um tema persistente tem sido o fato de que, devido a essa anarquia, os Estados não formariam na verdade um tipo de sociedade, o que só poderia acontecer se eles estivessem sujeitos a uma autoridade comum. Anarquia nas relações Internacionais Dicionário de Relações Internacionais • Característica definidora da política internacional e do sistema vestfaliano de Relações Internacionais, onde não existe um poder soberano superior que regule as entidades do sistema. • Anarquia, então, é a inexistência de um centro regulador de poder hierárquico, com capacidade de definir e impor normas e condutas que obrigue as unidades do sistema internacional. Assim, a política internacional é anárquica no sentido em que não existe um governo internacional que governe hierarquicamente o sistema internacional da mesma forma que acontece no sistema nacional. • Deste modo, o sistema internacional contemporâneo caracteriza-se por ter uma organização anárquica, onde as unidades principais do sistema são Estados territoriais relativamente coesos e soberanos sem um poder superior acima deles. • Assim, fala-se de anarquia internacional para referir a ausência de um soberano comum ao sistema, ao relacionamento entre entidades sem um poder acima delas. Ao contrário dos sistemas políticos internos, no sistema internacional não existe um governo que detenha o monopólio do uso legítimo da força (Max Weber), não existe uma polícia internacional e um tribunal internacional que administre o uso legítimo da força. • Nem mesmo um consenso universal e inequívoco sobre quais os valores e normas fundamentais que devem regular o sistema internacional através do Direito Internacional. • Deste modo, a anarquia internacional, mesmo a “madura” (Barry Buzan) do final do século XX e início do século XXI, baseia-se num sistema de auto-ajuda e de alianças, onde uns Estados são mais fortes do que outros e onde estes podem ter a tentação de subjugar os mais fracos à sua força superior. O contrato social (in Rousseau e as relações internacionais, Editora UnB, 2003, p. 127-129) Jean Jacques Rousseau (1762) Em que consiste a soberania, e o que a torna inalienável Existe assim no Estado uma força comum que o sustenta e uma vontade geral que o orienta; e a soberania está constituída pela aplicação de uma à outra. De onde se vê que pela sua natureza o soberano é uma pessoa moral; que só tem existência abstrata e coletiva, e a idéia que se associa a esse termo não pode ser vinculada a um indivíduo. Como esta é uma das proposições mais importantes do direito político, procuremos esclarecê-la melhor. • Acredito poder afirmar como princípio incontestável que só a vontade geral pode orientar as forças do estado de conformidade com o seu objetivo, que é o bem comum. Se a oposição dos interesses particulares tornou necessária a criação das sociedades civis, isso só foi possível devido ao acordo desses mesmos interesses. • O vínculo social está representado pelo que há de comum entre eles, e a sociedade não poderia existir se não houvesse um ponto de concordância entre todos esses interesses. • Ora, como a vontade tende sempre ao bem do ser que a exerce, a vontade particular tem sempre como objeto o bem privado, e a vontade geral o interesse comum, segue-se que esta última é ou deve ser a única motivação verdadeira do organismo social. • Mais ainda: mesmo no caso de haver em determinado momento uma concordância entre duas vontades, não se poderia jamais garantir que ela seria duradoura, e que nunca surgiria uma oposição entre essas vontades. • A ordem das coisas humanas está sujeita a tantas mudanças, e os modos de pensar e de ser mudam tão facilmente que seria temerário afirmar que amanhã se continuará desejando o que hoje se quer; e se a vontade geral está menos sujeita a essa inconstância, nada pode debelar a vontade particular. • Assim, mesmo se o organismo social pudesse dizer: desejo agora tudo o que deseja essa pessoa, nunca poderia dizer, a respeito da mesma pessoa, o que ela vai desejar amanhã, e se esse desejo seria também o seu. • Ora, a vontade geral que deve orientar o Estado não é a de um tempo passado, mas a do momento presente, e a verdadeira característica da soberania é a necessidade de que haja sempre concordância de tempo, lugar e efeito entre a direção da vontade geral e o emprego da força pública. • Acordo com o qual não se pode continuar contando quando uma outra vontade dispõe dessa força. • É bem verdade que em um Estado bem ordenado é sempre possível inferir a duração de um ato da vontade do povo se ele não é prejudicado por uma ação contrária; mas é sempre em virtude de um consentimento presente e tácito que o ato anterior mantém a sua eficácia. Holanda e países baixos José Luís Fiori • Nos séculos XVI e XVII, a Holanda foi berço do capitalismo comercial e da ciência moderna, e foi a pátria de Grotius, Spinoza, Vermeer, Rembrandt, Huygens e Sawammerdam, entre tantos outros gênios que viveram em Amsterdam, Utrecht ou Leiden, como no caso de Descartes ou Hobbes. • Naquele período, a Holanda foi considerada terra por excelência do inconformismo e da liberdade do pensamento. E foi também o lugar onde se deu o primeiro “milagre econômico nacional” da história do capitalismo. Assim mesmo, costuma se dedicar pouca atenção à história real, violenta e descontínua que está por trás desta visão estilizada e idílica da ascensão holandesa, e de sua revolução capitalista. • No século XVI, os Países Baixos eram uma pequena província do Império Habsburgo, de Carlos V e Felipe II, retalhada por rios e canais, e ocupada por uma rede compacta de cidades. • Naquele período, suas cidades costeiras funcionaram como um dos entrepostos mercantis do império espanhol, com um comércio de baixo valor agregado e pouco impacto sobre toda a economia da Província. • A partir de 1540, entretanto, o pequeno território holandês foi transformado no epicentro geopolítico e militar da guerra entre o Império Espanhol e a França, que começou na Itália, no final do século XV, e se prolongou durante quase todo o século XVI. • A partir deste momento, aumentou enormemente a pressão tributária e a opressão política e religiosa dos espanhóis sobre sua província, provocando uma reação cada vez mais violenta, que se transformou em insurreição nacional, a partir de 1572. • Seguiram-se 80 anos de resistência e luta, até o reconhecimento espanhol da independência holandesa, na Paz de Vestfália, em 1648. Nestes 80 anos, as Províncias Unidas viveram cercadas e em estado permanente de guerra, dentro do seu próprio território. • Em 1585, a situação havia se deteriorado de tal forma que Amsterdam chegou a oferecer a soberania holandesa, aos Reis da França e da Inglaterra, e viveu dois anos como protetorado da Rainha Elizabeth I. • Mas em 1590, este cenário mudou de forma súbita e radical. Amsterdam centralizou o poder e impôs sua hegemonia dentro da federação, e em seguida fez um enorme esforço fiscal e organizou em poucos anos um dos maiores e mais eficientes exércitos da Europa, iniciando uma ofensiva militar impressionante e vitoriosa que conquistou 43 cidades e 55 fortalezas espanholas, em menos de 10 anos. • Em seguida criou um anel protetor de cidades fortificadas e militarizadas, e manteve sua ofensiva até o estabelecimento de uma trégua de 12 anos, com a Espanha, entre 1609 e 1621. • O que chama a atenção é que foi exatamente neste período da ofensiva vitoriosa da revolução que se deu o chamado “milagre econômico holandês”, com o aumento exponencial dos seus gastos e investimentos, do seu comércio de alto valor, da sua indústria e da sua inovação tecnológica, da sua finança e da sua integração econômica nacional. • Foram 15 anos de expansão acelerada, e só no final deste período se pode falar de comércio de longa distância, e de império colonial, que começam com a criação da Companhia das Índias Orientais, em 1602. • Além disto, foi neste mesmo período que a Holanda completou sua “revolução financeira” com a criação de um mecanismo de financiamento de suas guerras, através de um “motor” revolucionário de multiplicação nacional da riqueza financeira, alimentado pelos seus títulos da dívida pública de longo prazo, negociados na bolsa de valores e transformados na base do sistema de crédito holandês. • Fernand Braudel afirma que os primeiros mercados e economias nacionais, que nasceram na Europa, não foram uma obra espontânea ou expansiva da divisão do trabalho provocada pela tendência dos indivíduos à troca de mercadorias: foram uma obra do poder e uma estratégia política do Estado, que recortou e extraiu o novo “espaço econômico” de um conjunto mais amplo e preexistente, que Braudel chamou de “economia-mundo européia”. Karl Marx descreve esse mesmo momento do nascimento da economia nacional inglesa no Capítulo XXIV do Capital, em que trata do processo da acumulação originária: • “As diversas etapas da acumulação originária tiveram seu centro, por ordem cronológica mais ou menos precisa, na Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra. Mas foi na Inglaterra, em fins do século XVII, que esse processo se resumiu e sintetizou sistematicamente no “sistema colonial”, no “sistema dadívida pública”,no “moderno sistema tributário” e no “sistema protecionista”. • Em grande medida, todos esses métodos se baseiam na mais avassaladora das forças.Todos eles se valem do poder do Estado”. 4. A Revolução Francesa e a Época Napoleônica; Gilberto Maringoni UFABC - 2014 A evolução da sociedade internacional Adam Watson • O século XVIII, do acordo de Utrecht – 1714, que colocou fim à disputa pela sucessão espanhola – até a Revolução Francesa, foi um período de progresso e ordem na Europa. Uma sociedade internacional de Estados – ou de príncipes – funcionava bem, com governantes e instituições e com pressupostos básicos que seus membros aceitavam. • Houve guerras entre Estados, mas não foram conflitos com grandes causas religiosas ou disputas hegemônicas entre os Estados. Eram guerras menores, de ajuste. • “O século XVIII não era um tempo de estagnação econômica, mas representou um longo período de expansão demográfica, de urbanização crescente e de fábricas e comércio em expansão”. (Hobsbawm) • O equilíbrio de poder tornou-se uma prática viável para os estadistas do século XVIII. O sistema funcionava em torno de cinco Estados principais: França, Áustria, GrãBretanha, Prússia e Rússia. • A Turquia otomanacontinuava a ser parte do sistema, porém fora da regras institucionais dominantes, o que a colocava em posição secundária. O século XVII foi o tempo da razão e das luzes, de acordo com seus líderes, que estabeleceram a partir disso, regras mínimas do direito internacional. Sustentava-se que as sociedades humanas eram contratos sociais que existiam para proteger interesses individuais de seus membros. • O direito internacional diferia do direito interno, onde havia regras e autoridades claras. • Uma das instituições organizadoras da comunidade internacional (européia) do século XVIII foi um diálogo diplomático, multilateral e contínuo. • A inovação italiana de realizar negócios entre príncipes por intermédio de uma rede de agentes residentes foi desenvolvida pelas cortes espanhola e francesa, atingindo o clímax com a complexa diplomacia de Luís XVI (16541715). Linhagens do Estado absolutista Perry Anderson • As monarquias centralizadas da França, Inglaterra e Espanha representavam uma ruptura decisiva com a soberania piramidal e parcelada das formações sociais medievais, com seus sistemas de propriedade e vassalagem. Para Friedrich Engels, “A condição básica da velha monarquia absoluta era um equilíbrio entre a aristocracia fundiária e a burguesia”. Em suma, era um Estado burguês em formação. • As monarquias absolutas introduziram os exércitos regulares, uma burocracia permanente, o sistema tributário nacional, a codificação do direito e os primórdios de um mercado unificado. • Para Althusser, “O regime político da monarquia absoluta é apenas a nova forma política necessária à manutenção da dominação e da exploração feudais, no período de desenvolvimento de uma economia mercantil”. • Pode-se dizer que as monarquias absolutas foram a forma políticoinstitucional encontrada pelas classes dominantes – nobreza feudal e burguesia ascendente – para centralizar o Estado e potencializar o desenvolvimento do capitalismo mercantil. • Para Engels, “a ordem política permaneceu feudal, ao passo que a sociedade tornava-se cada vez mais burguesa”. • Mas o afloramento de uma contradição estrutural gerou, ao longo do tempo, instabilidades incontornáveis no funcionamento do Estado absolutista: a intensificação da propriedade privada na base contrapôs-se ao incremento da autoridade política no topo, corporificada no poder discricionário do monarca. Esta contradição está na base da ruptura representada pela Revolução Francesa. Dicionário de política Norberto Bobbio • O absolutismo como forma específica de organização do poder • Surgido talvez no século XVIII, mas difundido na primeira metade do século XIX, para indicar nos círculos liberais os aspectos negativos do poder monárquico ilimitado e pleno, o termo-conceito Absolutismo espalhou-se desde esse tempo em todas as linguagens técnicas européias para indicar, sob a aparência de um fenômeno único ou pelo menos unitário, espécies de fatos ou categorias diversas da experiência política. • Tais variantes expressavam-se ora (e em medida predominante) com explícita ou implícita condenação dos métodos de Governo autoritário em defesa dos princípios liberais, ora, e bem ao contrário (com resultados qualitativa e até quantitativamente eficazes), com ares de demonstração da inelutabilidade e da conveniência se não da necessidade do sistema monocrático e centralizado para o bom funcionamento de uma unidade política moderna. • De um ponto de vista descritivo, podemos partir da definição de Absolutismo como aquela forma de Governo em que o detentor do poder exerce este último sem dependência ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores. • O Absolutismo se diferencia de forma clara da tirania. • Trata-se de um regime político constitucional (no sentido de que seu funcionamento está sujeito a limites e regras preestabelecidas), não arbitrário (enquanto a vontade do monarca não é ilimitada) e sobretudo de tradições seculares e profanas. • O Absolutismo do poder monárquico é alcançado, ao menos em teoria, na medida em que o príncipe não encontra mais limites para o exercício de seu poder nem dentro nem fora do Estado nascente. • Ele não é mais súdito de ninguém e reduziu a súditos todos aqueles que estão debaixo de suas ordens. Delineou-se, na verdade, em seus traços essenciais, o novo e indiscutível princípio de legitimidade do príncipe no Estado: o princípio de soberania. Significa também a secularização do poder ( a separação da religião). A era das revoluções Hobsbawm • O mundo de 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê-lo sem assimilar esse fato fundamental. Em países como a Rússia e a Escandinávia, cerca de 90 a 97% da população era rural • Havia apenas duas cidades européias que poderiam ser consideradas grandes, Londres, com um milhão de habitantes, e Paris, com 500 mil. Vinte outras tinham cerca de 100 mil habitantes. Havia uma multiplicidade de pequenos lugarejos e aldeias. • Era um mundo no qual estavam vivas ainda as marcas do mundo feudal. Mesmo em regiões dominadas por relações mais capitalistas, a terra era privilégio de poucos senhores que administravam enormes latifúndios. • Ali, a relação social fundamental era a de servidão. À diferença da escravidão, o regime de servidão não tornava o camponês propriedade do senhor. No entanto, a relação era de total submissão, pois as terras eram sempre do senhor. • Essa situação gerava uma contradição com a organização e a centralização do Estado baseado no avanço das relações capitalistas de produção. • A posse da terra dava ao senhor e sua família privilégios políticos e sociais e acesso aos mais altos postos do Estado. Era inconcebível existir um nobre sem a posse de uma grande propriedade. • Embora essa ordem feudal fosse obsoleta em termos econômicos, ela seguia viva e ativa em termos políticos. • Para garantir seus privilégios em tempos de decadência, os nobres expulsavam todos os mal nascidos de todos os cargos rendosos no Estado. Ou seja, havia um claro choque entre a tendência à profissionalização dos negócios de Estado e o poder político do feudalismo remanescente. • A ideologia principal desse mundo era o iluminismo. Dicionário de política Norberto Bobbio Iluminismo • O termo Iluminismo indica um movimento de idéias que tem suas origens no século XVII (ou até talvez nos séculos anteriores, nomeadamente no século XV, segundo interpretação de alguns historiadores), mas que se desenvolve especialmente no século XVIII, denominado por isso o "século das luzes". • Esse movimento visa estimular a luta da razão contra a autoridade, isto é, a luta da "luz" contra as "trevas". Daí o nome de Iluminismo, tradução da palavra alemã Aufklärung, que significa aclaração, esclarecimento, iluminação. O Iluminismo é, então, uma filosofia militante de crítica da tradição cultural e institucional; seu programa é a difusão do uso da razão para dirigir o progresso da vida em todos os aspectos. • Não se trata de um movimento homogêneo; não é possível encontrar nele um sistema de idéias ou uma escola; dirse-ia que é, acima de tudo, uma mentalidade, uma atitude cultural e espiritual, que não é somente dos filósofos, mas de grande parte da sociedade da época, de modo particular da burguesia, dos intelectuais, da sociedade mundana e até de alguns reinantes. • Este modo de pensar e de sentir é difundido, no século XVIII, em muitos países da Europa. • Suas primeiras manifestações se encontram na Inglaterra e na Holanda, mas é um movimento que interessa especialmente à França, onde a decadência do Governo absolutista leva a filosofia a focalizar a doutrina política e social. • Aqui, das classes privilegiadas, o clero possui cerca de um quinto do território nacional, com uma enorme renda e com isenções e privilégios substanciais, e a nobreza tem privilégios análogos e rendas feudais extraordinárias; por isso, a burguesia, cuja cultura e importância econômica aumentaram consideravelmente, a ponto de se haver tornado um sustentáculo da sociedade, não pode deixar de considerá-las classes de parasitas. • A insistência dos iluministas sobre a natureza e o espírito das leis e das Constituições deriva do temor do perigo sempre presente do despotismo e do culto genuíno da liberdade civil e política, que para eles tem o significado inequívoco de que a obrigação se acha expressa e, ao mesmo tempo, limitada na lei. • Embora profundamente diversos em suas doutrinas, Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Diderot acreditam firmemente em tal princípio. Os temas ligados à reforma judiciária são objeto de atenta reflexão. • A filosofia do Iluminismo é a filosofia da burguesia. O burguês é o homem novo, que luta pelas reformas progressivas contra o obscurantismo e os privilégios da aristocracia e do clero. • Sua filosofia é a filosofia da libertação, isto é, de um ideal realizado intelectualmente, mas não socialmente. A liberdade de comércio, a abolição dos privilégios e das imunidades das outras duas classes, a divulgação da cultura, a revisão do sistema fiscal, etc, são os motivos da filosofia do século XVIII, mas são especialmente as aspirações da burguesia. O capitalismo americano José Luís Fiori • Os Estados Unidos foram o primeiro estado nacional que nasceu fora da Europa, mas não fora do sistema geopolítico e econômico europeu. • Pode-se dizer inclusive, que a “Guerra da Independência” americana foi, em grande parte, um capítulo da disputa entre a Inglaterra e a França pela supremacia mundial. E sua conquista definitiva ocorreu entre as duas grandes guerras (“Dos 7 Anos” e “Bonapartista”) que definiram a hierarquia de poder internacional, e a supremacia inglesa, dentro e fora da Europa, a partir de 1815. • Os EUA acabaram se transformando no único estado nacional extra-europeu que nasceu de um império e de uma economia em plena expansão vitoriosa. • Mais do que isto, durante a chamada “revolução industrial” que transformou os Estados Unidos – imediatamente - na primeira periferia “primárioexportadora” de sucesso da economia industrial inglesa. • Situação econômica privilegiada que se consolidou e expandiu durante todo o século XIX, antes e depois da Guerra de Secessão, enquanto a Inglaterra abria espaços de expansão comercial para sua ex-colônia, e assumia a responsabilidade – em alguns momentos por cerca de 60% do investimento direto dentro de todo o território norte-americano, que passou a fazer parte de uma espécie de “zona de co-prosperidade” anglosaxônica , ou mesmo, num caso avant la lettre, de “desenvolvimento a convite”, da Inglaterra. • O desenvolvimento econômico dos EUA não foi uma exceção, pelo contrário, foi uma parte essencial da expansão e das contradições do sistema inter-estatal e do capitalismo europeu. Internacionalismo, um breviário Perry Anderson • As origens do sentimento moderno de nacionalismo como força secular remontam ao século XVIII. Foi nesse período que eclodiram as duas maiores revoluções que originaram a primeira concepção ideológica da nação tal como a compreendemos hoje – a rebelião das colônias norte-americanas contra a GrãBretanha e a derrubada do absolutismo na França. • As revoluções americana e francesa, que efetivamente forjaram nossa idéia de nação como uma coletividade popular, foram produtos das sociedades que estavam entre as mais avançadas de seu tempo: suas ideologias marcaram uma dramática ruptura com as visões de mundo que haviam inspirado revoluções européias anteriores nos Países Baixos no século XVI e na Inglaterra no século XVII, ambos levantes profundamente religiosos, feitos em nome de deus tanto ou mais que em nome do povo. • No entanto, as revoluções francesa e americana ocorreram num mundo ainda anterior à Revolução Industrial; um mundo no qual o capital continuava basicamente comercial ou agrário. • Justamente por este motivo, as elites de cada país eram tipicamente capazes de mobilizar produtores diretos nas cidades e no campo – ou seja, massas populares, compostas principalmente de artesãos e agricultores. • Ainda não havia, como fato social geral, aquele abismo social entre manufatureiros e trabalhadores, criado mais tarde pelas indústrias. Idade contemporânea • A passagem do século XVIII para o século XIX inaugura o que, convencionalmente, se denomina de história contemporânea. • Depois de quase quatro séculos de acumulação de capital, de comércio colonial, de sucessivas guerras hegemônicas e contra-hegemônicas, da desestruturação do feudalismo, da expansão da linguagem escrita e do ensino, da lenta conquista e subjugação de outras civilizações, a Europa teve de enfrentar uma profunda transformação de seu processo histórico, que reafirmava tendências anteriores. • Assim, o desenvolvimento da burguesia desencadeou as duas grandes revoluções, a Francesa e a Industrial, que marcaram o início de uma nova era. • Entretanto, a vitória da burguesia trazia consigo também diversas contradições. • A ideologia libertadora, impulsionada pelo iluminismo liberal, impulsionou a radicalização do pensamento e da prática social. • Assim, o século XIX conviveu com novas e velhas tendências, que disputavam a hegemonia da Europa, como chave para a hegemonia do mundo. A era das revoluções Hobsbawm • O principal objetivo do Iluminismo era “Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam, representado pelo tradicionalismo ignorante da Idade Média, da superstição das Igrejas, da iracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentes mais baixas e mais altas, de acordo com o nascimento ou algum outro critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e a fraternidade eram seus slogans. Revolução Francesa • É o nome dado aos processos políticos e sociais que, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776). • A Revolução é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais na França e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade". • A Revolução Francesa foi o momento em que o pensamento político iluminista da Europa foi colocado em prática, com a ascensão ao poder da burguesia. • Ao menos parte da burguesia, que não se acomodou na mera compra de títulos de nobreza, buscou alcançar o poder para si, alterando a ordem vigente. Era um projeto total, de refundação da sociedade. • O mundo contemporâneo foi moldado nas duras batalhas revolucionárias francesas do século XVIII. • A sociedade francesa, até as vésperas da Revolução, era dividida em três estados, os chamados Estado Gerais: • um primeiro, que compreendia a nobreza; o segundo, de que faziam parte os clérigos e • o terceiro e último, composto de todos aqueles excluídos dos dois primeiros: a pequena burguesia, o campesinato e a população urbana. Revolução Francesa - antecedentes • Com exceção da Grã-Bretanha, que fizera sua revolução no século XVI, e alguns Estados menores, as monarquias absolutistas reinavam em todos os Estados em funcionamento no continente europeu. • A religião ia lentamente sendo confinada na esfera privada, mas ainda provocava a stasis (sedição e rebelião) em vários países. •Mas a stasis religiosa foi sendo substituída pela stasis social e nacionalista. • O despotismo esclarecido surgiu como resposta à possibilidade de modernização dos Estados, e atingiu as áreas mais atrasadas, como Espanha, Portugal, Rússia e Áustria, conseguindo conter temporariamente o impulso pela transformação social e política. Na França, a falta de flexibilidade dos governantes diante das novas exigências sociais condicionou a revolução. Os revolucionários franceses dividiam-se em três alas: 1. Os girondinos, que representavam os interesses da grande burguesia, conhecidos também pela planície, porque sentavam à direita da mesa diretora da Assembleia e ficavam em uma disposição mais baixa; 2. Os jacobinos, que faziam parte do grupo mais radical dentro da Assembleia, sentavam-se à esquerda e no alto à mesa diretora; 3. Os sanscullotes, principalmente pequenos proprietários que queriam aprofundar a revolução, representando, de certo modo, a grande maioria da população que participou da revolta. • As lutas internas da revolução aprofundaram-se de tal forma que, em um momento, as três alas revolucionárias tornaram-se inimigas. Com essa divisão, em breve o vocabulário direita e esquerda marcaria a política ocidental para representar progressistas e conservadores. • De acordo com Adam Watson, a Revolução Francesa foi o ato mais dramático de autoafirmação da classe média (burguesia) na história europeia. • O Terceiro Estado derrubou o antigo regime com uma força explosiva que modificou profundamente as relações entre as várias comunidades europeias, que, desde Vestfália (1648), tinham sido organizadas numa sociedade de Estados semelhantes, num certo tipo de equilíbrio. • O grande aumento de poder que a Revolução liberou no Estado mais importante do sistema foi reforçado pelas ideias, colocadas em termos universais, que ela desenvolvia e disseminava e que eram atraentes aos equivalentes insatisfeitos do Terceiro Estado em outros Estados do continente europeu. • “Em outras palavras, a Revolução produziu e seus lideres ativamente estimularam, uma stasis geral na Europa a Leste da França.” • Terminaram os privilégios da nobreza e do clero, um primeiro passo no sentido do igualitarismo. • É importante lembrar que a Revolução Francesa semeou novas ideologias na Europa, conduziu a guerras, mas foi até certo ponto derrotada pela tentativa de retornar aos padrões políticos, sociais e institucionais do Antigo Regime através de um movimento denominado de Restauração ou Contra-Revolução. Nesse período, o rei francês Luís XVIII outorgou a seus súditos uma Carta Constitucional. Causas da Revolução • As causas da revolução são estruturais e conjunturais. • Entre as do primeiro grupo, há que considerar que a França passava por um período de crise econômica após anos de prosperidade. A participação francesa na guerra da independência norte-americana, os elevados custos da Corte de Luís XVI e a crise na agricultura, tinham deixado as finanças do país em mau estado. • Os votos eram atribuídos por ordem e não por cabeça (1- Nobreza, 2- Clero, 3 Estado ou Povo), havendo grandes injustiças entre as antigas ordens, ficando sempre o 3º Estado altamente prejudicado perante a aprovação das Leis. • Os chamados Privilegiados estavam isentos de Impostos, apenas uma ordem sustentava o País, deixando obviamente a Balança Comercial negativa perante os elevados custos das sucessivas guerras, altos cargos públicos e os supérfluos gastos da corte do Rei Luís XVI. A Assembleia Constituinte • Os deputados dos três estados eram unânimes em um ponto: desejavam limitar o poder real, à semelhança do que se passava na vizinha Inglaterra e que igualmente tinha sido assegurado pelos norte-americanos nas suas constituições. • No dia 5 de maio, o rei mandou abrir a sessão inaugural dos Estados Gerais e, no seu discurso, advertiu que não se deveria tratar de política, isto é, da limitação do poder real, mas apenas da reorganização financeira do reino e do sistema tributário. • A França ainda tinha grandes características feudais: 80% de sua economia era agrícola. • Quando uma grande escassez de alimentos ocorreu devido a uma onda de frio causada naquela região, a população foi obrigada a mudar-se para as cidades e lá nas fábricas eram constantemente exploradas, e a cada ano que passava, tornava-se mais miserável. Viviam a base de pão preto e em casas de péssimas condições, sem saneamento básico e vulneráveis a muitas doenças. • A reavaliação das bases jurídicas do Antigo Regime foi montada à luz do pensamento Iluminista, representada por Voltaire, Diderot, Montesquieu, John Locke etc. • Eles forneceram pensamentos para criticar as estruturas políticas e sociais absolutistas, e sugeriram a idéia de uma maneira de conduzir liberal burguesa. • As causas econômicas também eram estruturais. As riquezas eram mal distribuídas; a crise produtiva manufatureira estava ligada ao sistema corporativo, que fixava quantidade e condições de produtividade. Isso descontentou a burguesia. • Outro fator econômico foi a crise agrícola, que ocorreu graças ao aumento populacional. Entre 1715 e 1789, a população francesa cresceu consideravelmente, entre 8 e 9 milhões de habitantes. Como a quantidade de alimentos produzida era insuficiente e as geadas abatiam a produção alimentícia, o fantasma da fome pairou sobre os franceses. A Bastilha • No dia 14 de Julho, populares armados invadiram o Arsenal dos Inválidos, à procura de munições e, em seguida, invadiram a Bastilha, uma fortaleza que tinha sido transformada em prisão política, mas que já não era a terrível prisão de outros tempos. • Os rebeldes tomaram a Bastilha por causa da pólvora que lá estava armazenada. Caiu assim um dos símbolos do absolutismo. A Queda da Bastilha causou profunda emoção nas províncias e acelerou a queda dos intendentes. Novas municipalidades e guardas nacionais foram organizadas. • A Revolução Francesa se deu no mais populoso e poderoso Estado da Europa. Em 1789, um em cada cinco europeus era francês. A Revolução é um marco em todos os países. Suas repercussões ocasionaram os levantes que levaram à libertação da América Latina após 1808. • A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um programa estruturado. • Nem mesmo chegou a ter “líderes” como as revoluções do século XX. Não obstante, um surpreendente consenso de idéias gerais entre um grupo bastante coerente deu ao movimento uma unidade efetiva.. O grupo era a burguesia e suas idéias as do liberalismo clássico. • Em 1792, a monarquia foi derrubada. Em março de 1793, a França estava em guerra contra a maior parte da Europa e tinha dado início a anexações estrangeiras (legitimada pela recéminventada doutrina do direito francês às ‘fronteiras naturais’). De 1792 a 1815, houve guerra quase que ininterrupta na Europa, em combinação ou simultaneamente a outras guerras fora do continente. • No decorrer dessas décadas, as fronteiras políticas européias foram redesenhadas várias vezes. A mais importante delas foi a racionalização geral do mapa político continental, especialmente na Alemanha e na Itália. Em termos de geografia política, a Revolução Francesa pôs fim à Idade Média. • O típico Estado moderno que já estivera e desenvolvendo por vários séculos, é uma área inisterrupta e territorialmente coerente, com fronteiras claramente definidas, governada por uma só autoridade soberana e de acordo com um só sistema fundamental de administração e de leis. • O Sacro Império Romano acaba em 1806 e as antigas repúblicas de Genova e Veneza desaparecem em 1897. Paul Kennedy • A Revolução Francesa, em 1789 é pautada pelos princípios do liberalismo. A doutrina liberal pregava a iniciativa individual como fator determinante do progresso social. • Embora a tentativa de defender o indivíduo de abusos de diversos tipos de poder seja antiga, a ideia de que todo ser humano teria determinadas prerrogativas garantidoras da vida e do livre-arbítrio surge e amadurece com a Revolução Francesa. • A Assembléia Nacional Constituinte aprovou a legislação, pela qual era abolido o regime feudal e senhorial e suprimido o dízimo. Outras leis proibiram a venda de cargos públicos e a isenção tributária das camadas privilegiadas. E, para dar continuidade ao trabalho, decidiu pela elaboração de uma Constituição. • A pedra angular é consolidada com a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Nacional francesa, em 1789. • Seu primeiro artigo afirma que “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”. • Em seguida, são definidos os “direitos naturais e imprescritíveis do homem”: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Como diretiz geral, havia o lema dos revolucionários: liberdade, igualdade e fraternidade. Estariam aparentemente selados o fim dos privilégios da nobreza e do clero. • Um tópico em especial chama a atenção: “O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”. Ou seja, o garantidor básico dos direitos humanos e do conceito de cidadania é o Estado-nação. • Tal conceito populariza a ideia de uma nova institucionalidade. O Estado não deveria ser algo distante, exterior à vida de cada um, mas parte integrante do corpo social, sintetizando princípios iluministas liberais e burgueses. • Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente pela Revolução Industrial britânica, sua política e ideologia vêm da Revolução Francesa (vocabulário, temas, nacionalismo, código legal). • Ela foi uma revolução social, radical e de massas, diferente de qquer outra. Não foi feita por um partido, mas por idéias que se tornavam surpreendentemente consensuais entre o grupo sócia dominante, a burguesia. Sua razão era o liberalismo. • Revolução industrial • Como afirma Hobsbawm, a Revolução Industrial era a contrapartida econômica da dupla revolução que estava ocorrendo no final do século XVIII e que marcaria a política e a economia mundial até o tempo presente, inaugurando a História contemporânea. • Difícil de precisar, o termo “revolução industrial” reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa, pois começou a tornar-se corrente apenas por volta de 1820. • Do ponto de vista da periodização, embora muitos historiadores considerem 1760 a partida para a revolução industrial, a guinada repentina aconteceu por volta de 1780, embora sua repercussão possa ser precisada mais para as duas últimas décadas do século XVIII. A Revolução Industrial é contemporânea da Revolução Francesa, embora um pouco anterior a ela. • Uma das questões centrais quando se analisa a Revolução Industrial, é compreender as causas do pioneirismo inglês. • De fato, embora outros países e regiões reunissem algumas condições para a produção industrial, nenhum reunia de forma integrada todas as suas condições. • Entre elas, podemos citar a existência anterior de infraestrutura para a manufatura. • A Inglaterra já havia feito a sua “revolução agrícola”: conjunto de transformações, entre os séculos XV e XVIII, que consistiu em cercamento dos campos; fornecimento de mão de obra para as indústrias em transformação e modernização da agricultura (rotatividade, utilização de adubo e maquinaria). • Por outro lado, a Inglaterra gozava de um enorme mercado de consumo (o próprio país e seu enorme império colonial). • Além disso, a participação no grande comércio marítimo propiciou um forte processo de acumulação de capitais, tanto nos fretes marítimos como no comércio de escravos e na pirataria. • A aliança entre a burguesia e alguns setores da nobreza, após a Revolução Inglesa (16401689), também contribuiu. Resumidamente, pode-se afirmar que as condições para a Revolução Industrial na Inglaterra são a existência de capital, mão de obra, máquinas, mercados, comércio internacional, frota mercante e matérias-primas. • Entre as consequências da Revolução Industrial, figura a formação de um mercado de massa. Sob qualquer aspecto, foi esse, provavelmente, o mais importante acontecimento na história do mundo, pelo menos desde a invenção da agricultura e das cidades. • A revolução industrial também criou uma indústria de carvão, o desenvolvimento das ferrovias e a expansão do capital. As ferrovias seriam o principal ponto de investimento capitalista nos outros continentes. A queda da monarquia - França • Em 10 de agosto de 1792, a Assembléia foi dissolvida e a monarquia extinta. Criou-se uma nova Assembléia Nacional Constituinte (a Convenção Nacional), entrando numa fase radical. • As primeiras medidas tomadas pela Convenção foram a Proclamação da República e a promulgação de uma nova Constituição (21 de setembro de 1792). Eleita sem a divisão dos eleitores em passivos e ativos, a alta burguesia monarquista foi derrotada. A Convenção contava com o predomínio dos representantes da burguesia. • A partir de então, a Revolução estendeu-se ao campo, com maior violência: os camponeses saquearam as propriedades feudais e invadiram e queimaram os castelos e cartórios, para destruir os títulos de propriedade das terras (fase do Grande Medo). • Temendo o radicalismo, a noite de 4 de agosto, a Assembléia Nacional Constituinte aprovou a abolição dos direitos feudais, gradual e mediante amortização, além das terras da Igreja terem sido confiscadas. Daí por diante, a igualdade jurídica seria regra. As principais realizações desse período foram: • Abolição da escravidão nas colônias francesas, talvez o maior feito social dos jacobinos. • Reforma Agrária: confisco das terras da nobreza emigrada e da Igreja, que foram divididas em lotes menores e vendidas a baixo preço aos camponeses pobres. Os pagamentos foram divididos em 10 anos; • Lei do Máximo ou Lei do Preço Máximo, estabelecendo um teto máximo para preços e salários; • Venda de bens públicos e dos emigrados para recompor as finanças públicas; • Entrega de pensões anuais e assistência médica gratuita a crianças, velhos, enfermos, mães e viúvas; • Proclamação da Primeira República Francesa (setembro de 1792); Elaboração de um novo sistema de medidas. Graças a essa idéia, os cientistas franceses elaboraram o metro, bem como outras idéias que não tiveram a mesma aceitação: O minuto passou a ter 100 segundos, e a hora passou a ter 100 minutos, mas não se construíram relógios com esse sistema que funcionassem; o ângulo de 90 graus foi substituido como ângulo notável por um ângulo de 100 graus. Napoleão no poder • Destacando-se no assédio de Toulon, em 1793, Napoleão Bonaparte tornou-se general. • Em 1796, Bonaparte esmagou uma insurreição monarquista. • A figura que sobressai ao final do período é a de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Ele era o general francês mais popular e famoso da época. • Quando estourou a revolução, era apenas um simples tenente e, como os oficiais oriundos da nobreza abandonaram ou foram demitidos do exército revolucionário, fez uma carreira rápida. • Aos 24 anos já era general de brigada. Após um breve período de entusiasmo pelos jacobinos, chegando inclusive a ser amigo dos familiares de Robespierre, afastou-se deles quando estavam sendo depostos. • Lutou na Revolução contra os países absolutistas que invadiram a França e foi responsável pelo sufocamento do golpe de 1795. A Era Napoleônica (1800-1815) • Napoleão – nomeado Primeiro Cônsul em 1800 - assinou um acordo, a Concordata de 1801, entre a Igreja Católica e o Estado. O acordo, sob aprovação do Papa Pio VII, dava direito ao governo francês de confiscar as propriedades da Igreja e, em troca, o governo teria de amparar o clero. • Napoleão reconhecia o catolicismo como religião da maioria dos franceses, mas se arrogava o direito de escolher bispos, que mais tarde seriam aprovados pelo papa. • Direito - estabeleceu-se o Código Napoleônico, um Código Civil, em 1804, representando em grande parte os interesses dos burgueses, como casamento civil (separado do religioso), respeito à propriedade privada, direito à liberdade individual e igualdade de todos ante a lei. Está em vigor até hoje, embora com consideráveis alterações legislativas posteriores. • Napoleão – coroado Imperador em 1804 também instituiu em 1809 um código penal, que vigorou até 1994, quando a Assembleia Nacional aprovou o novo código. • Educação - reorganizou-se o ensino e a prioridade foi a formação do cidadão francês. Reconheceu-se a educação pública como meio importante de formação das pessoas, principalmente nos aspectos do comportamento moral, político e social. • Administração - Indicavam-se pessoas da confiança de Napoleão para cargos administrativos. • Em 1803, durante o governo de Napoleão, a França vendeu seus territórios na América para os recémfundados Estados Unidos. Isso permitiu a expansão das fronteiras dos Estados Unidos para o oeste. • A maior parte do dinheiro obtido na venda foi direcionada ao fortalecimento do exército francês para sua expansão territorial no continente europeu. • O Império Francês atingiu sua extensão máxima neste período, em torno de 1812, com quase toda a Europa Ocidental e grande parte da Oriental ocupadas, possuindo 150 departamentos, com 50 milhões de habitantes, quase um terço da população européia da época. • Neste período, Napoleão realizou uma série de batalhas para a conquista de novos territórios para a França. • O exército francês (chamado agora de Grande Armée, ou "Grande Exército") aumentou o número de armas e de combatentes, e tornou-se o mais poderoso de toda a Europa. • Pensando que a expansão e crescimento econômico-militar da França era uma ameaça à Inglaterra, os diplomatas ingleses formaram coligações internacionais para se opor ao novo governo francês e a seu expansionismo. • Também acreditavam que o governo francês poderia influir em países que estavam sob doutrina absolutista e assim causar uma rebelião. • A primeira coligação formada para deter os franceses era formada pela Inglaterra, Áustria, Rússia e Prússia. • Em outubro de 1805, os franceses usaram a marinha para atacar a Inglaterra, mas não obtiveram êxito, derrotados pela marinha inglesa, comandada pelo almirante Nelson, batalha que ficou conhecida como Batalha de Trafalgar, firmando-se o poderio naval britânico. • Ao contrário do malogro com os ingleses, os franceses venceram seus outros inimigos da coligação, como a Áustria, em 1805, na Batalha de Austerlitz, além da Prússia em 1806 e Rússia em 1807. • Na busca de outras maneiras para derrotar ou debilitar os ingleses, o Império Francês decretou o Bloqueio Continental em 1806, em que Napoleão determinava que todos os países europeus deveriam fechar os portos para o comércio com a Inglaterra, debilitando as exportações do país e causando uma crise industrial. • O único obstáculo à concretização de seu império na Europa era a Inglaterra, que, favorecida por sua posição insular (isolada), por seu poder econômico e por sua superioridade naval, não conseguiria conquistar. Para tentar dominá-la, Napoleão usou a estratégia do Bloqueio Continental (1806), ou seja, decretou o fechamento dos portos de todos os países europeus ao comércio inglês. • O governo de Portugal relutava em concordar ao Bloqueio Continental devido à sua aliança com a Inglaterra, da qual era extremamente dependente. • O príncipe D. João, que assumira a regência em 1792, devido ao enlouquecimento de sua mãe, a rainha D. Maria I, estava indeciso quanto à alternativa menos arriscada para a monarquia portuguesa. • Portugal tinha então a Inglaterra como principal parceira para seus negócios. Pressionados por Napoleão, os portugueses não tiveram escolha: como não podiam abdicar os negócios com a Inglaterra, não participaram do Bloqueio Continental. • Insatisfeito com a decisão portuguesa, o exército francês começou a dirigir-se a Portugal. • Napoleão forçara uma aliança, sob a forma do Tratado de Fontainebleau com a casa real espanhola (onde veio a forçar a abdicação do trono de Carlos IV para o seu irmão, José Bonaparte) para a Invasão de Portugal, apesar de se saber que havia já planos anteriormente delineados para conquistar tanto Portugal, como Espanha. • A saída da família real para o Brasil marcou também o início do processo de Independência do Brasil. • Na sequência da Revolução de 1820 em Portugal, a corte voltou a Portugal, restabelecendo-se em Lisboa a capital, voltando o Rio de Janeiro a ser de novo uma cidade colonial. A campanha na Rússia • Em 1812, a aliança franco-russa é quebrada pelo tzar Alexandre I da Rússia, que rompe o bloqueio contra os ingleses. • Napoleão empreende então a campanha contra a Rússia, à frente de mais de 600.000 soldados oriundos dos mais diferentes recantos da Europa. • Sem saída, a Rússia usa uma tática de guerra chamada terra queimada, que consistia em destruir cidades inteiras para criar um campo de batalha favorável aos defensores. • Aliada com o inverno rigoroso, a Rússia consegue vencer o exército napoleônico que sai com apenas 120.000 homens (o restante ou morreu ou se dispersou pelo continente). • Enquanto isso, na França, o general Malet, apoiado por setores descontentes da burguesia e da antiga nobreza francesa, arma uma conspiração para dar um golpe de Estado contra o imperador. • Napoleão retorna imediatamente a Paris e domina a situação. Invasão dos aliados e derrota de Napoleão • Tem início então a luta da coligação europeia contra a França na Batalha das Nações (Confederação do Reno) que acabou com a derrota de Napoleão. Com a capitulação de Paris, o imperador é obrigado a abdicar. Exílio em Elba • O Tratado de Fontainebleau, de 1814, exila Napoleão na Ilha de Elba. Separado da esposa e do filho e sabendo de rumores de que ele iria ser banido para uma ilha remota no meio do oceano Atlântico, Napoleão escapa de Elba em 26 de fevereiro de 1815. Ele aportou na França, dois dias depois A volta ao poder • Inicia-se então o "Governo dos Cem Dias". Napoleão então tenta fazer uma constituição baseada no liberalismo, contrariando as expectativas dos republicanos, que queriam a volta da revolução e a perseguição aos nobres. A Europa coligada retoma sua luta contra o Exército francês. Napoleão entra na Bélgica em junho de 1815, mas é derrotado por uma coligação anglo-prussiana na Batalha de Waterloo e abdica pela segunda vez, pondo fim ao império napoleônico. Exílio em Santa Helena • Napoleão foi preso e então exilado pelos britânicos na ilha de Santa Helena, na costa da África, em 15 de outubro de 1815. Morre em 1821, provavelmente de um câncer no estômago. A evolução da sociedade internacional Adam Watson • A ordem imperial promovida por Napoleão foi o ponto mais avançado do balanço do pêndulo para longe da ortodoxia e da legitimidade das independências múltiplas da Europa. • Assim, a ideia, bastante difundida e parcialmente acatada durante dois séculos, de respeito à soberania e ordem interna dos Estados, e do equilíbrio de poder entre esses Estados, evitando o surgimento de uma potencia hegemônica no sistema, entrou colapso. • Mas, depois da queda de Napoleão, o pendulo só balançou parte do caminho de volta na direção da extremidade do espectro em que se situam as independências múltiplas, ou seja, percebeu-se que a ordem colocada por Napoleão trazia alguma estabilidade no relacionamento entre os Estados, embora fosse desestabilizadora na ordem interna dos Estados. • Dessa forma, as principais potências europeias passaram a negociar alguma forma de governo coletivo, que fosse conservador o suficiente para evitar as crises políticas e sociais • Dois tipos muito diferentes de beligerantes confrontaram-se durante aqueles vinte anos (17921815): os poderes e o sistema. A França como Estado, com seus interesses e aspirações, enfrentou (ou aliouse) a outros Estados do mesmo tipo, mas por outro lado, a França como Revolução inspiravam os outros povos do mundo a derrubarem a tirania e a alcançarem a liberdade, sofrendo, em consequência, a oposição das forças conservadoras e reacionárias. • Sem dúvida, depois dos primeiros anos apocalípticos de guerra, a diferença entre essas duas linhas do conflito diminuiu. Ao final do reinado de Napoleão, o elemento conquista e exploração imperial prevalecia sobre o elemento libertação, sempre que as tropas francesas derrotavam, ocupavam ou anexavam algum país. • O custo da guerra de 1778-83 – a ajuda francesa à Revolução Americana, contra a Inglaterra - e o fracasso em reformar as finanças nacionais acentuaram um descontentamento político. A França, anos antes, chegou a ter o maior exército continental, com cerca de 650 mil homens. Entre 1689 e 1815, haveria sete importantes guerras anglo-francesas. • O imperialismo napoleônico foi pago pelo saque. O processo começou internamente, através do confisco de bens e propriedades dos ‘inimigos da revolução’. No exterior, o exército assumiu uma posição de que a guerra custearia a própria guerra. Isso se daria pelo confisco de propriedades feudais e da coroa nos países derrotados, pelo butim e pelas indenizações. Napoleão não apenas cobriu as despesas, como obteve lucros. A evolução da sociedade internacional Adam Watson • O desejo do Estado mais forte de ditar a lei para todo o sistema, pelo menos nas relações externas entre seus membros tornou-se mais aceitável em virtude das vantagens que uma medida de autoridade no sistema trazia também para os outros. • As legitimidades estabelecidas pelos acordos de Vestfália e Utrecht eram antihegemônicas, sendo que Utrecht o foi de forma explícita. • O equilíbrio da paz de Utrecht durou sete décadas. Nenhum Estado era claramente hegemônico sobre os demais. • A Revolução Francesa estimulou novas energias e aspirações na França – então o Estado mais forte -, que Napoleão conseguiu articular e explorar. Napoleão produziu mudanças radicais tanto nas relações entre as comunidades do sistema europeu quanto no governo interno e na estrutura social daquelas comunidades. • Embora a ordem napoleônica tivesse durado apenas um breve período, as mudanças que ela induziu foram duradouras. • De acordo com Giovanni Arrighi, a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas violaram os princípios, normas e regras do sistema de Vestfália (principalmente soberania); fomentou revoltas vindas de baixo, desrespeitou a liberdade de comércio e a propriedade. • Dessa forma, a expansão da Revolução Francesa desestabilizava o sistema, oferecia risco para as elites, e era necessária uma restauração. Entretanto, os vencedores não puderam, ou quiseram, restaurar o padrão do século XVIII. • Embora o sistema de Napoleão tenha sido demasiado breve para adquirir aceitação geral, após a sua derrubada, as suas vantagens ainda eram suficientemente impressionantes para fazer que os europeus liberados desejassem ver quais de seus méritos podiam ser negociados por meio da cooperação entre as grandes potencias e implementados por meio de uma ação concertada, em vez de impostos pela força unilateral. • Dessa forma, conforme Adam Watson, o império de Napoleão mudou as estruturas sociais da Europa Ocidental e de muitas das da Europa Central, e alterou permanentemente as ideias dos homens sobre o que era desejável ou atingível. • Da Declaração de Aquisgrana (1818, sobre ministros residentes) até o ano das revoluções (1848), as cinco grandes potências chegaram perto de funcionar como uma diretoria. Tinham uma solidariedade de fins: temiam os riscos que ameaçavam seu mundo. • A reconstrução da Europa partiu dos entendimentos entre Rússia e Inglaterra, e convinha aos dois Estados restabelecer a Áustria e a Prússia como grandes potências independentes, nominalmente iguais a eles próprios. • Eles haviam entendido as vantagens da ordem e da tranqüilidade que o império de Napoleão havia trazido às grandes áreas da Europa que ele havia controlado. • A contradoutrina da legitimidade dinástica e o desejo prático de administrar o sistema pareceram aos estadistas, em Viena, justificar igualmente as intervenções ideológicas para reprimir tentativas revolucionárias de tomar o poder em qualquer Estado. • Durante o século XIX, a nação começou a ser aceita como unidade política básica, e outras formas de identidade e lealdade tiveram de acomodar-se. • A própria definição da democracia procurava legitimar a nação. A guerra não seria mais feita por mercenários contratados pelas unidades dinásticas, mas pelo recrutamento do cidadão. A sociedade anárquica Hedley Bull Prefácio Williams da Silva Gonçalves (UFF) • Até o século XIX os contatos entre os europeus e os demais sistemas haviam se realizado com os interlocutores em condições de igualdade. • A partir da Revolução Industrial, no entanto, tudo mudou. • Em vista da superioridade técnica adquirida, os europeus passaram a impor seus valores e estabelecer as condições sob as quais os outros Estados seriam reconhecidos e admitidos no sistema de Estados que comandavam. • Esse processo aconteceu como na China e como no Japão, onde a conformação objetiva da estrutura da sociedade internacional acontece, como defende Hedley Bull, no mesmo contexto que regÍstra a intensificação do processo de dominação colonial e que registra o triunfo da soberania nas independências das colônias americanas. • De um lado, do lado dos povos da Ásia, da África e da Oceania, sentimento europeu de superioridade, prepotência, discriminação racial e cultural; de outro lado, do lado dos povos das Américas que conquistavam a independência, a formulação de uma retórica e de uma doutrina anticolonialista, o sentimento de solidariedade de um para com os outros e uma grande desconfiança em relação às práticas correntes no âmbito das relações internacionais • No período imediatamente anterior à expansão européia, o mundo estava dividido em alguns importantes sistemas internacionais: o sistema Árabe-Islâmico, que se estendia da Espanha à Pérsia; o sistema internacional Indiano, sob a influência da cultura hindu; o sistema internacional Tártaro-Mongol, que ocupava os amplos espaços das estepes eurasianas, também de matriz cultural islâmica; e, por fim, o sistema internacional Chinês, durante longo tempo sob a dominação mongol. • Conquanto eventualmente as partes integrantes desses sistemas entrassem em contato com partes dos outros sistemas, por conta de relações comerciais ou para dar satisfação à curiosidade intelectual, tais sistemas funcionavam de modo inteiramente independente uns dos outros, atuando em conformidade com seus próprios códigos culturais, que compreendiam religiôes, governos, leis, escritas, moedas, regras comerciais. • Segundo Bull, havia, contudo, algo que era comum a todos esses sistemas: o fato de serem regulados pela relação suserano/vassalo. Europa, 1700 Europa, 1750 Europa, 1792 5. 1815-1848 Restauração e Revolução Relações Internacionais Universidade Federal do ABC Gilberto Maringoni Fevereiro de 2013 O Congresso de Viena - 1815 • A grande marca da Restauração foi o Congresso de Viena • Ele se constituiu em uma conferência entre embaixadores das grandes potências europeias que teve lugar na capital austríaca, entre 1 de Outubro de 1814 e 9 de Junho de 1815, cuja intenção era a de redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica na primavera anterior, bem como restaurar os respectivos tronos às famílias reais derrotadas pelas tropas de Napoleão Bonaparte e firmar uma aliança entre os signatários. • Os termos de paz foram estabelecidos com a assinatura do Tratado de Paris (30 de Maio de 1814), no qual se estabeleciam as indenizações a pagar pela França aos países vencedores. • Mesmo diante do regresso ex-imperador Napoleão I do exílio, tendo reassumido o poder em França em Março de 1815, as discussões prosseguiram, concentradas em determinar a forma de toda a Europa depois das guerras napoleônicas. • O Ato Final do Congresso foi assinado a 9 de Junho de 1815, nove dias antes da derrota final de Napoleão na batalha de Waterloo. • Participaram Áustria, Prússia, Reino Unido, Rússia e França. • Inicialmente, os representantes das quatro potências vitoriosas esperavam excluir os franceses de participar nas negociações mais sérias, mas o Ministro Talleyrand conseguiu incluir-se nesses conselhos desde as primeiras semanas de negociações. • Momento de reação conservadora na Europa, articulado na presença de representantes dos diversos países vencedores de Napoleão, o objetivo declarado deste fórum era o de solucionar os problemas suscitados no continente desde a Revolução Francesa (1789) e as conquistas napoleônicas. Em linhas gerais pretendia-se: • Refazer o mapa político da Europa, recriando ou suprimindo Estados; • Restaurar o Antigo Regime, a ordem feudal e absolutista em todas as regiões afetadas pelos ideais liberalistas franceses desde 1789; • Restabelecer um equilíbrio europeu, procurando impedir que um único país fosse suficientemente forte (como a França o fora) para derrotar militarmente todos os demais países europeus unidos; • Restaurar as antigas monarquias depostas a partir de 1789. Sob o Princípio da Legitimidade, retornaram ao poder os Bragança em Portugal, os Bourbon na França (Luís XVIII) e na Espanha (Fernando VII), os Orange na Holanda, e os Sabóia no Piemonte. • Redistribuir os territórios conquistados pela França desde 1789 e punir com a perda de terras os aliados de Napoleão Bonaparte. Pelo Princípio das Compensações os maiores beneficiados foram as potências responsáveis pela vitória militar sobre a França: Inglaterra, Rússia, Prússia e Áustria. Para não desmembrar o território continental francês, essa potências obtiveram compensações territoriais em outras regiões. • O Congresso de Viena representou uma tentativa das forças conservadoras européias para deter o avanço do Liberalismo e do Nacionalismo de diversos povos (polacos, belgas, finlandeses, gregos e outros) que se encontravam dominados politicamente pelos impérios então existentes. • Também serviu como um instrumento de contenção dos movimentos revolucionários liderados pela burguesia. • O Tratado de Paris obrigou a França a pagar 700 milhões de francos em indenizações às nações anteriormente por ela ocupadas. • Seu território passou a ser controlado por exércitos aliados e sua marinha de guerra foi desativada . Suas fronteiras permaneceram as mesmas de 1789 . Luís XVIII, irmão de Luís XVI foi reconhecido como novo Rei A Santa Aliança • A Santa Aliança foi uma das conseqüências imediatas do Congresso de Viena. Ela surgiu por inspiração do Czar da Rússia Alexandre I, que teria sofrido influência da Baronesa de Krudener e de Nicolas Bergasse (antigo constituinte francês). • Ele propôs aos outros príncipes cristãos reunidos em Viena governarem seus países de acordo com os "preceitos da Justiça, Caridade Cristã e Paz" e a formação de um bloco de potências, cujas relações seriam reguladas pelas "elevadas verdades presentes na doutrina de Nosso Salvador". • Todavia, com a interferência do chanceler austríaco Metternich, a Santa Aliança foi apenas um instrumento da restauração monarquica. Foi escolhido o nome de Santa Aliança para designar esse bloco militar que durou até as revoluções européias de 1848. • O Direito de Intervenção foi defendido pelo ministro austríaco, Metternich, segundo o qual as nações européias interviriam onde quer que as monarquias estivessem ameaçadas ou onde fossem derrubadas. • A aliança visou a a manutenção dos tratados de 1815, tendo em vista reprimir as aspirações liberais e nacionalistas dos povos oprimidos. • Com uma forte aparência religiosa, onde transparecia a vontade de aplicar os princípios cristãos (amor, paz e justiça) à política, o acordo, além de contemplar a não agressão mútua, visava a continuidade de uma filosofia de absolutismo a prosseguir na gestão dos Estados, de forma a contrariar as sublevações que se estavam a fazer sentir da parte de setores populacionais que pretendiam uma política mais liberal e nacional. Em síntese, a Santa Aliança reduziu-se a um poderoso fator de manutenção de monarquias absolutistas na Europa. • Através da Santa Aliança, Áustria, Prússia e Rússia passaram a intervir em vários países europeus, combatendo os anseios de libertação nacional. Intervenções foram feitas em Nápoles e na Espanha pelos países integrantes desse órgão. • Como durante o domínio napoleônico ma Europa iniciara-se o processo de emancipação política das colônias ibéricas, a Santa Aliança tentou restabelecer o velho Pacto Colonial nesses países. • Só não teve sucesso devido à oposição da Inglaterra, que queria conservar a liberdade de comércio com a América, e dos Estados Unidos, que desejavam manter longe o absolutismo europeu, conforme previa a Doutrina Monroe. • Baseado nos princípios dessa doutrina, os EUA impediram a Santa Aliança de recolonizar os países americanos que se haviam tornado independentes. • A Revolução de 1830 na França contribuiu para abalar as bases da Santa Aliança e a de 1848 para torná-la definitivamente sem efeito. Na guerra de independência da Grécia, a Rússia apoiou os gregos, a Aústria e a Prússia não a apoiou e a Santa Aliança chegou ao fim. Conhecida como a "Primeira liga militar do mundo em tempo de paz". A Era das Revoluções - Eric Hobsbawm O mundo pós napoleônico • Após 1815, a área do mundo conhecido era maior do que em qualquer época anterior e suas comunicações eram incrivelmente mais rápidas. • O sistema internacional que se desenvolve no meio século seguinte à queda de Napoleão teve várias características definidoras e permanentes. • A primeira foi a constante – e depois de 1840 espetacular – crescimento de uma economia global integrada, que incorporou um número crescente de nações e regiões num comércio e numa rede financeira transoceânica e transcontinental, tendo como centro a Europa ocidental e em particular a Grã-Bretanha. • A hegemonia britânica foi acompanhada de melhorias em grande escala nos transportes e comunicações, pela transferência de tecnologia industrial de uma região a outra, por um e por um imenso surto de produção manufaturada, abertura de novas fronteiras agrícolas e fontes de matérias primas. • A propagação das idéias de livre-mercado marca uma nova ordem internacional, muito diferente do século XVIII. • Os custos da grande guerra 1793-1815 levou os conservadores e liberais a preferirem ao máximo possível a paz e a estabilidade, sustentados pelo Concerto da Europa e pelos tratados de livrecomércio. Há um crescimento sem precedentes da economia global. • O principal resultado da Revolução na França foi o de pôr fim à sociedade aristocrática. • Não à "aristocracia", no sentido da hierarquia de status social distinguido por títulos ou outras marcas visíveis de exclusividade, e que muitas vezes se moldava no protótipo dessas hierarquias, a nobreza "de sangue". A era das revoluções Eric Hobsbawm • Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da História foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós-1815. • Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda a catástrofe pior de uma revolução européia generalizada tendo como modelo a francesa foi o objetivo supremo de todas as potencias que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a França. • Após mais de 20 anos de guerras e revoluções quase ininterruptas, os velhos regimes vitoriosos enfrentaram os problemas do estabelecimento e da preservação da paz, que foram particularmente difíceis e perigosos. • Foram inusitadamente bem sucedidos. • De fato, não houve nenhuma guerra total na Europa, nem qualquer conflito armado entre duas grandes potências, da derrota de Napoleão à Guerra da Criméia, em 1854-6. Na verdade, exceto pela Guerra da Criméia, não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências entre 1815 e 1914. Parêntesis (A Guerra da Crimeia foi um conflito que se estendeu de 1853 a 1856, na península da Crimeia (no mar Negro, ao sul da atual Ucrânia), no sul da Rússia e nos Bálcãs. Envolveu, de um lado o Império Russo e, de outro, uma coligação integrada pelo Reino Unido, a França, o Reino da Sardenha - formando a Aliança AngloFranco-Sarda - e o Império Otomano (atual Turquia). Esta coalizão, que contou ainda com o apoio do Império Austríaco, foi formada como reacção às pretensões expansionistas russas). • O mapa da Europa foi redelineado sem se levar em conta as aspirações dos povos ou os direitos dos inúmeros príncipes destituídos pelos franceses, mas com considerável atenção para o equilíbrio das cinco grandes potências que emergiam das guerras: a Rússia, a GrãBretanha, a França, a Áustria e a Prússia. • Destas, somente as três primeiras contavam. A Grã-Bretanha não tinha ambições territoriais no continente, embora preferisse manter o controle ou a sua mão protetora sobre assuntos de importância comercial e marítima. • A sociedade da França pósrevolucionária era burguesa em sua estrutura e em seus valores. Era a sociedade do parvenu, i.e., do homem que se fez por si mesmo, o self-made-man, embora isto não fosse completamente óbvio antes que o próprio país fosse governado pelos parvenus, i.e., antes que se tornasse republicano ou bonapartista. • Pode não parecer excessivamente revolucionário a nós que metade da nobreza francesa, em 1840, pertencesse a famílias da velha nobreza, mas, para os burgueses franceses contemporâneos, o fato de que a metade tinha sido gente do povo em 1789 era muito mais surpreendente, especialmente quando eles olhavam para as exclusivistas hierarquias sociais do resto da Europa continental. • Os estadistas de 1815 foram bastante inteligentes para saber que nenhum acordo, não obstante quão cuidadosamente elaborado, resistiria com o correr do tempo à pressão das rivalidades estatais e das circunstâncias mutáveis. • Conseqüentemente, trataram de elaborar um mecanismo para a manutenção da paz - i.e. resolvendo todos os problemas maiores à medida que eles surgissem - por meio de congressos regulares. • Claro, entendia-se que as cruciais decisões nesses congressos fossem tomadas pelas "grandes potências" (o próprio termo é uma invenção deste período.) • O "concerto da Europa" - outro termo que surgiu então - não correspondia por exemplo a uma ONU, mas sim aos membros permanentes do seu Conselho de Segurança. Entretanto, os congressos regulares só foram mantidos por alguns anos - de 1818, quando a França foi oficialmente readmitida no concerto, até 1822. A supremacia britânica • Os ingleses estavam satisfeitos. Por volta de 1815, eles tinham obtido uma vitória mais completa do que qualquer outra potência em toda a história mundial, tendo emergido dos 20 anos de guerra com a França como a única economia industrializada, a única potência naval - em 1840 a marinha britânica tinha quase tantos navios quanto todas as outras marinhas reunidas - e virtualmente a única potência colonial do mundo. • Nada parecia atrapalhar o único grande interesse expansionista da política externa britânica, a expansão do comércio e do investimento britânicos. • Poucas vezes a incapacidade dos governos em conter o curso da história foi demonstrada de forma mais decisiva do que na geração pós-1815. • Evitar uma segunda Revolução Francesa, ou ainda a catástrofe pior de uma revolução europeia generalizada tendo como modelo a francesa, foi o objetivo supremo de todas as potências que tinham gasto mais de 20 anos para derrotar a primeira. • A grande transformação Karl Polanyi • Após 1815, a mudança é súbita e completa. A repercussão da Revolução Francesa reforçou a maré montante da Revolução Industrial, estabelecendo os negócios pacíficos como um interesse universal. • Metternich (1773-1859, diplomata austríaco) proclamava que o que os povos da Europa desejavam não era a liberdade, mas a paz. Gentz chamava os patriotas de novos bárbaros. A Igreja e o trono iniciaram a desnacionalização da Europa. Seus argumentos encontravam apoio tanto na ferocidade das recentes formas populares de revolta, como no realce tremendo do valor da paz sob a economia nascente. • Os que apoiavam o novo "interesse pela paz" eram, como de hábito, aqueles que mais se beneficiavam com ela, isto é, aquele cartel de dinastias e feudalistas cujas posições patrimoniais eram ameaçadas pela onda revolucionária de patriotismo que avassalava o continente. • Desta forma, por um período aproximado de um terço de século, a Santa Aliança forneceu a força coerciva e o ímpeto ideológico necessário a uma política de paz atuante; seus exércitos percorriam a Europa em todas as direções, esmagando minorias e reprimindo maiorias. • De 1846 até cerca de 1871 - “um dos quartos de século mais confusos e atravancados à história européia” a paz foi estabelecida com menos segurança, enquanto a força declinante da reação enfrentava a crescente força da industrialização. • No quarto de século que se segue à Guerra Franco-Prussiana (1870-71), encontramos redivivo o interesse pela paz representado por aquela nova e poderosa entidade, o Concerto da Europa. A grande transformação Karl Polanyi A civilização do século XIX se firmava em quatro instituições. • A primeira era o sistema de equilíbrio de poder que, durante um século, impediu a ocorrência de qualquer guerra prolongada e devastadora entre as Grandes Potencias. • A segunda era o padrão internacional do ouro que simbolizava uma organização única na economia mundial. • A terceira era o mercado auto-regulável, que produziu um bem –estar materia sem • precedentes. • A quarta era o estado liberal. O advento do neocolonialismo • O domínio colonial europeu chegou ao fim ao mesmo tempo em que a Inglaterra firmava-se como potência global hegemônica. • Tal supremacia se deu não apenas pela exportação de produtos manufaturados - que iam de tecidos a bens de produção, artigos de luxo e de consumo duráveis -, mas também por outras variáveis. • O país dominava o comércio internacional, seus bancos funcionavam como agências financiadoras universais e a libra esterlina era conversível em todo o mundo. • O padrão-ouro – o lastro metálico da moeda britânica – regulava o sistema monetário em escala planetária, subordinando economias aos desígnios dos financistas da City londrina. A evolução da sociedade internacional Adam Watson • De 1818 até o ano das revoluções (1848), as cinco grandes potências chegaram perto de funcionar como uma diretoria. Tinham uma solidariedade de fins: temiam os riscos que ameaçavam seu mundo. • A reconstrução da Europa partiu dos entendimentos entre Rússia e Inglaterra, e convinha aos dois Estados restabelecer a Áustria e a Prússia como grandes potências independentes, nominalmente iguais a eles próprios. • Eles haviam entendido as vantagens da ordem e da tranqüilidade que o império de Napoleão havia trazido às grandes áreas da Europa que ele havia controlado. • A contradoutrina da legitimidade dinástica e o desejo prático de administrar o sistema pareceram aos estadistas, em Viena, justificar igualmente as intervenções ideológicas para reprimir tentativas revolucionárias de tomar o poder em qualquer Estado Europa, 1800 Europa, 1848 Europa, , 1800 Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848: • 1820-1824 : Espanha (1820); Nápoles (1820); Grécia (1821) • 1829-1834: Oeste da Europa, derrubada dos Bourbon na França. • A onda revolucionária de 1830 foi, portanto, um acontecimento muito mais sério do que a de 1820. Ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental. A classe governante dos próximos 50 anos seria a "grande burguesia" de banqueiros, grandes industriais e, às vezes, altos funcionários civis • Por trás destas grandes mudanças políticas estavam grandes mudanças no desenvolvimento social e econômico. Qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos, 1830 determina um ponto crítico; de todas as datas entre 1789 e 1848, o ano de 1830 é o mais obviamente notável. Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização e da urbanização no continente europeu e nos Estados Unidos, na história das migrações humanas, tanto sociais quanto geográficas, e ainda na história das artes e da ideologia. • O mais formidável legado da própria Revolução Francesa foi o conjunto de modelos e padrões de sublevação política que ela estabeleceu para uso geral dos rebeldes de todas as partes do mundo. • Não queremos dizer com isto que as revoluções de 1815-48 foram a simples obra de alguns agitadores descontentes, como os espiões e policiais do período - uma espécie muito utilizada - deviam informar a seus superiores. • Elas ocorreram porque os sistemas políticos novamente impostos à Europa eram profundamente e cada vez mais inadequados, num período de rápida mudança social, para as condições políticas do continente, e porque os descontentamentos econômicos e sociais foram tão agudos a ponto de criar uma série de erupções virtualmente inevitáveis. • Os modelos políticos criados pela Revolução de 1789 serviram para dar ao descontentamento um objetivo específico, para transformar a intranquilidade em revolução, e acima de tudo para unir toda a Europa em um único movimento - ou, talvez fosse melhor dizer, corrente - de subversão. • O reconhecimento de suas independências por parte destas novas potências passou por negociações que envolveram, invariavelmente, a assinatura de Tratados de Livre Comércio, primeiramente com a Inglaterra e mais tarde com os demais países europeus, e com os Estados Unidos. • Como consequência, a América Latina se transformou no primeiro laboratório de experimentação da estratégia de “relacionamento não colonial com os territórios do novo mundo”, defendida por Adam Smith”. As independências da América Latina José Luís Fiori • “Depois dos Estados Unidos, os países latino-americanos foram os primeiros estados que se formaram fora da Europa. • Nasceram em bloco e quase simultaneamente, por razões ligadas à decadência dos impérios ibéricos e à expansão das novas potências que assumem a liderança do sistema mundial a partir dos séculos XVII e XVIII. Imperialismo britânico Do ponto de vista da América Latina isso significou na prática a aceitação de uma hegemonia política, econômica e financeira externa por parte dos seus novos estados independentes. Hegemonia que os ingleses exerceram durante o século XIX e que depois cederam à sua ex-colônia norte-americana. • Esse segundo período, que vai das independências e da formação de novos Estados nacionais na região até a perda da hegemonia britânica, no início do século XX, pode ser classificada como etapa imperial As independências e a crise do sistema • O processo de independências na região tem origem na crise do Antigo Sistema Colonial. É seu próprio desenvolvimento que cria as bases de sua superação. • A América Latina rompeu com as metrópoles ibéricas entre 1810 e 1828, período que vai da independência Argentina à declaração de soberania do Uruguai. Nesses 18 anos, mudou totalmente a configuração geopolítica desta parte do mundo. Ciclo de rompimentos • Os rompimentos com as metrópoles fazem parte do ciclo histórico das guerras napoleônicas (1807-1815), no continente europeu. • Com a invasão de Portugal e da Espanha pelas forças do general Junot, enfraqueceram-se as cadeias do domínio colonial, já abaladas pelo declínio econômico dos dois países. Combinado com condicionantes regionais, a separação das colônias se faz em um curto período de tempo. • Tratava-se de uma crise sistêmica, como classificada pelo historiador Fernando Novais em Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1801). Dois fatores principais levaram o sistema à crise • Primeiro - A estrutura do sistema baseava-se na produção escravista e na concentração fundiária. A colônia tinha por objetivo fornecer artigos que a metrópole necessitava e oferecer mercado para manufaturados da metrópole. Por exemplo, o Brasil exportava cana de açúcar para Portugal e adquire manufaturados deste, garantindo fornecimento a preços baixos e adquirindo bens que geravam alta lucratividade para a metrópole. • Em dado momento, a dinâmica passa a ser disfuncional. Em determinadas situações, Portugal vai depender do capital estrangeiro, especialmente flamenco, para financiar a produção do açúcar e vai depender das praças de Antuérpia para escoar sua produção. • Assim a Holanda acaba por entrar na concorrência do açúcar e por terminar com o monopólio português. O exclusivo metropolitano é na prática questionado. • Segundo - A extrema concentração de terras e de renda, a realização das riquezas geradas na colônia apenas na metrópole e a inelasticidade do trabalho escravo travam o desenvolvimento do sistema, que já apresenta baixos índices de produtividade. • Ele cresce, como notou Celso Furtado em Formação econômica do Brasil, extensivamente, isto é, por agregação de novas unidades e com a mesma composição de fatores. Mais ainda, ela não reinveste em escala crescente, apenas repõe e agrega, dilapidando a natureza. • Decorre disso, portanto, uma limitação ao crescimento da economia de mercado. • Como não havia meios de se reduzir os custos através do uso de novas tecnologias, a camada senhorial buscava reduzir ao mínimo o custo da mão de obra escrava. Assim, busca-se que o escravo tenha uma lavoura de subsistência dentro da própria unidade produtora para exportação. Esta produção se desenvolve à margem do mercado. • Assim, a demanda de manufaturas era reduzidíssimo. O desenvolvimento de um mercado interno fica travado Industrialismo e independência • Quando as economias metropolitanas se desenvolvem, no bojo da Revolução Industrial, potencializando a atividade produtiva, aumentando da produção e da oferta, passam a exigir nas colônias a ampliação das faixas de consumo, não apenas das camadas superiores da sociedade. Isso só seria possível com a generalização das relações mercantis. • Tais tensões geradas no interior do próprio sistema e por conta de seu próprio desenvolvimento criam as bases de sua crise irreversível. • O exclusivo metropolitano impedia o escoamento da oferta de produtos britânicos para as colônias ibéricas. • Assim, o industrialismo britânico passa a ter interesses diretos na remoção das metrópoles intermediárias. “É neste contexto que se gera (...) a campanha inglesa contra o tráfico negreiro, que era a forma indireta de atacar o antigo sistema colonial no seu cerne; o que entra em crise é, pois, o próprio sistema colonial como um todo”, aponta Novais. Formação dos Estados • A primeira metade do século XIX está marcada pela independência e pela formação dos Estados Nacionais. • Na América espanhola, seus pólos de irradiação foram Buenos Aires, Caracas e Cidade do México. Nas duas primeiras regiões, um rápido desenvolvimento no final do século XVIII, aliada à deterioração do domínio espanhol fortaleceu os movimentos independentistas. Celso Furtado em A economia latino americana • “A estruturação dos Estados nacionais ocorreu de forma acidentada em quase toda a América Latina. • As elites liberais que lideraram ou apoiaram os movimentos de independência em Buenos Aires ou em Caracas não estavam em condições de organizar sistemas de poder capazes de substituir as antigas metrópoles. Ao mesmo tempo, havia permanentes tensões de autonomização regional. Na ausência de vínculos políticos mais significativos, o localismo político tendia a prevalecer”. Fragmentação - Furtado • “Rompidos os vínculos com a metrópole, por toda parte o poder tendeu-se a deslocar-se para a classe dos senhores de terra. • A estruturação dos novos Estados foi condicionada por dois fatores: a inexistência de interdependência real entre os senhores da terra, que se ligariam uns aos outros ou se submeteriam a um dentre eles em função da luta pelo poder; a ação da oligarquia urbana, que manteria contatos com o exterior e exploraria toda a possibilidade de expansão do intercambio externo ao qual iriam se vinculando segmentos do setor rural”. A Revolução de 1830 • Afetou toda a Europa e oeste da Rússia. Na Europa a derrubada dos Bourbons na França estimulou várias revoluções. A Bélgica obteve sua independência da Holanda. Esta é a marca da derrota definitva do poder absolutista na Europa Ocidental. • É o ascenso da grande burguesia financeira e industrial ao poder. A revolução de 1830 determina o surgimento da clase operária como força politica na GB e na França e dos movimentos nacionalistas em boa parte do continente. • Entre 1815 e 1848, nenhum observador consciente podia negar que a situação dos trabalhadores pobres era assustadora. E já em 1840 esses observadores eram muitos e advertiam que tal situação piorava cada vez mais. • Sem dúvida, a verdadeira pobreza era pior no campo, e especialmente entre os trabalhadores assalariados que não possuíam propriedades, os trabalhadores rurais domésticos, e, é claro, entre os camponeses pobres ou entre os que viviam da terra infértil. A partir de 1830, as revoltas se multiplicam pela Europa. Na França, a restauração da monarquia e da dinastia dos Bourbon não havia sido suficiente para Carlos X, que tentou reintroduzir o absolutismo e alguns dos privilégios de que gozava a nobreza no Antigo Regime. • A publicação das ordenações conservadoras, em julho daquele ano, que dissolvia a Assembléia de maioria liberal (burguesa), modificava o sistema eleitoral e estabelecia medidas de censura prévia à imprensa, motivou a insurgência da burguesia e de grande parte da população, que depôs o rei e entregou o trono a Luís Felipe, nobre da família Orleans, de tendências liberais. • A revolta liberal na França repercutiu por toda a Europa e o seu exemplo motivou a rebelião da burguesia da Bélgica. • A Itália também se convulsionou em 183132, quando a sociedade secreta dos carbonários obteve sucesso ao proclamar a república nos Estados Pontificiais (ou Estados Papais, vasta porção territorial sob comando da Igreja entre 756 e 1870), movimento revertido pela intervenção da Áustria. Havia modelos políticos semelhantes, embora fossem todos originários da experiência francesa entre 1789 e 1797. • Eles correspondiam às três principais tendências da oposição depois de 1815, na França: 1. O liberal moderado (ou, em termos sociais, o da classe média superior e da aristocracia liberal), 2. O democrata radical (ou, em termos sociais, o da classe média inferior, parte dos novos industriais, intelectuais e pequena nobreza descontente) e 3. O socialista (ou, em termos sociais, dos "trabalhadores pobres" ou das novas classes operárias industriais). • As revoluções de 1830 mudaram a situação inteiramente. Elas foram os primeiros produtos de um período geral de aguda e disseminada intranquilidade econômica e social e de rápidas transformações. Dois principais resultados seguiram-se a isto. • O primeiro foi que a política de massa e a revolução de massa, com base no modelo de 1789, mais uma vez tornaram-se possíveis, e a dependência exclusiva das irmandades secretas, portanto, menos necessária. • Os Bourbon foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia Restaurada e de intranquilidade popular devida à depressão econômica. Cidade sempre agitada pela atividade de massa, Paris em julho de 1830 mostrava as barricadas surgindo em maior número e em mais lugares do que em qualquer época anterior ou posterior. • O segundo resultado foi que, com o progresso do capitalismo, "o povo" e os "trabalhadores pobres" - i.e. os homens que construíram as barricadas - podiam ser cada vez mais identificados com o novo proletariado industrial como "a classe operária". • Portanto, um movimento revolucionário proletário-socialista passou a existir. • Mudanças - 1789 a 1848 • A primeira destas mudanças foi demográfica. A população mundial - e em especial a população do mundo dentro da órbita da revolução dupla - tinha iniciado uma "explosão" sem precedentes, que tem multiplicado seu número no curso dos últimos 150 anos. • Visto que poucos países, antes do século XIX, tinham qualquer coisa que se parecesse com um censo, sendo os existentes de pouca confiança, não sabemos com precisão com que rapidez a população aumentou neste período; mas foi certamente um aumento sem precedentes e maior (exceto talvez em países pouco populosos que cobriam espaços vazios e até então mal utilizados, como a Rússia) nas áreas economicamente mais avançadas. • O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia. • A segunda maior mudança foi nas comunicações. Segundo consenso geral, as ferrovias estavam apenas na infância em 1848, embora já fossem de considerável importância prática na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na Bélgica, na França e na Alemanha. • O que foi mais relevante, depois de 1830 - o ponto-chave que o historiador de nosso período não pode perder, qualquer que seja seu campo de interesse particular -, é que o ritmo de mudança social e econômica acelerou-se visível e rapidamente. • A Europa viveu um estado de crise latente entre 1815 e 1848, com agravamento de problemas econômicos e sociais, além das disputas entre liberais (burgueses) e conservadores (absolutistas). • A situação mostrou-se insustentável mesmo na França, que avançou depois da Revolução de 1830 para uma forma de governo constitucional. • Neste ano, subiu ao poder Luís Filipe I (1773 – 1850), último rei da França (1830 a 1848). Ficou conhecido como o "Rei Burguês" ou "Rei Cidadão". • Luís Filipe pronunciou-se a favor dos ideais revolução de 1789 e, em 1790, uniu-se aos radicais nas fileiras jacobinas. • O seu reinado foi uma monarquia constitucional, mas ele era, sobretudo, favorável à burguesia numa época em que a França começava a sua Revolução Industrial. • A Monarquia de Julho, como seu reinado muitas vezes é designado, representa a implantação na França de um novo regime de aberta inspiração liberal que acabou com as formas mais anacrônicas da monarquia absoluta. • Com o agravamento das tensões, seu governo desgastou-se rapidamente. • Em 1848, a oposição, formada por republicanos e socialistas e engrossada por segmentos populares tomou as ruas em fevereiro para reclamar reformas políticas, conseguindo destituir o monarca. • O governo provisório, formado no vácuo de poder que se formou proclamou a república, aboliu a censura, pôs fim ao voto censitário (apenas 3% da população votava, pois o direito era limitado pela renda) e formulou políticas de compensação social, como a regulamentação da jornada de trabalho, a legalização dos sindicatos operários, além de convocar uma Assembléia Constituinte. • A tensão não se desfez e explodiram novas reivindicações apenas quatro meses depois, quando, sob a liderança dos socialistas, a classe operária protestou vigorosamente contra a insuficiência das medidas adotadas e, particularmente, contra o fechamento das oficinas nacionais de distribuição de alimentos. • Após três dias de lutas nas ruas, o movimento foi sufocado pelas forças de segurança, deixando um saldo de dois mil mortos e feridos. As eleições • Em dezembro de 1848, os franceses foram às urnas para eleger seu primeiro presidente da República. O vencedor foi Luís Napoleão ou Napoleão III, sobrinho do Imperador, que conseguiu seduzir o eleitorado com a mística da liderança de seu nome e com a promessa de que conseguiria reprimir as rebeliões operárias futuras. • Com o agravamento das tensões, em dezembro de 1851, Luís Bonaparte dá um golpe de Estado e abole a República, restaurando a monarquia. Proclama-se Napoleão III, rei dos franceses. • Acabava melancolicamente o grande ciclo revolucionário francês iniciado em 1789, com ramificações por toda a Europa e parte do mundo. • A Revolução de 1830 na França contribuiu para abalar as bases da Santa Aliança e a de 1848 para torná-la definitivamente sem efeito. • Na guerra de independência da Grécia, a Rússia apoiou os gregos, a Aústria e a Prússia não a apoiou e a Santa Aliança chegou ao fim. Conhecida como a "Primeira liga militar do mundo em tempo de paz". • A revolução de 1830 introduziu constituições moderadamente liberais - antidemocráticas mas também claramente antiaristocráticas - nos principais Estados da Europa Ocidental. • Sem dúvida, havia acordos, impostos pelo temor de uma revolução de massa, que iria além das moderadas aspirações da classe média. • Estes acordos deixaram as classes proprietárias de terras superrepresentadas no governo, como na GrãBretanha, e grandes parcelas das novas classes médias - e especialmente das industriais mais dinâmicas - sem representação, como na França. • Ainda assim, foram acordos que decisivamente inclinaram a balança política para o lado das classes médias. • O movimento operário proporcionou uma resposta ao grito do homem pobre. • Ela não deve ser confundida com a mera reação coletiva contra o sofrimento intolerável, que ocorreu em outros momentos da história, nem sequer com a. prática da greve e outras formas de militância que se tornaram características da classe trabalhadora. • Estes acontecimentos também têm sua própria história que começa muito antes da revolução industrial. • O verdadeiramente novo no movimento operário do princípio do século XIX era a consciência de classe e a ambição de classe. • Os "pobres" não mais se defrontavam com os "ricos". 1848 • A Revolução de 1848 – protagonizada pela primeira vez majoritariamente pelos trabalhadores – aparece como primeira revolução moderna européia, que combinou maior promessa, maior extensão, maior extensão, maior sucesso inicial imediato e o mais rápido e retumbante fracasso. • Entre 1830 e 1850 o proletariado francês cresceu substancialmente. Em Lyon esta classe protagonizou mesmo alguns levantamentos, que foram, todavia, duramente reprimidos pelas autoridades. • Depois destes levantamentos populares surgiram um pouco por toda a França sociedades secretas constituídas por operários, ligadas ao movimento republicano e ao movimento do socialismo utópico. • Dá-se o nome de Revoluções de 1848 à série de revoluções na Europa central e ocidental que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, crises econômicas, falta de representação política das classes médias e nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias européias, onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas. • Também chamadas de Primavera dos Povos , tais revoluções, de caráter liberal democrático e nacionalista, foram iniciadas por membros da burguesia e da nobreza que exigiam governos constitucionais, e por trabalhadores e camponeses que se rebelaram contra os excessos e a difusão das práticas capitalistas. • Em 1848, influenciada pelo liberalismo, pelo nacionalismo, pelo socialismo e em meio a uma conjuntura de crise econômica (na agricultura e na superprodução capitalista), eclodiu uma revolta e o Rei Luís Filipe de Órleans abdicou do trono. • Era a “primavera dos povos”. No dia 23 de abril, ocorreu a primeira eleição na Europa com sufrágio universal masculino, que elegeu Luís Napoleão. • Os anos de 1845 e 1846 foram de péssimas colheitas, desencadeando uma crise agrícola em todo o continente. A crise agrícola iniciou-se em Flandres e na Irlanda, com as péssimas colheitas de batatas. • Na Europa ocidental, a má colheita de trigo desencadeou em 1846 uma série de revoltas camponesas. Essa crise desencadeou uma alta vertiginosa do custo de vida, atirou à miséria grandes setores da população rural e reduziu drasticamente a sua capacidade de consumo de produtos manufaturados. • A crise se agravou atingindo a indústria e as finanças. • A crise, naturalmente, não teve caráter uniforme e atingiu de forma diferente cada região. Foi predominantemente industrial na Inglaterra e na França, mas sobretudo agricola na Irlanda e na Itália. • Centenas de milhares de insatisfeitos com o desemprego, mas sem um programa político claro, descobriram que queriam derrubar o governo do rei Luís Filipe, de seus ministros e de todo o sistema econômico que os enriquecia às custas dos trabalhadores. • No dia seguinte, o centro de Paris estava cheio de barricadas que assustaram os burgueses moderados da oposição. Na fuzilaria morreram cerca de 500 pessoas. • Os cadáveres foram colocados em carros iluminados por tochas e desfilaram pelo centro de Paris, alimentando a insurreição, dando início a uma luta aberta que se estendeu por toda Paris. • Soldados da Guarda Nacional, enviados para reprimir os manifestantes, uniram-se a elas. • O governo ensaiou oferecer reformas para controlar a rebelião que aumentava de proporções, mas já era tarde. Na manhã do dia 24, quando inspecionava as tropas, o rei foi vaiado por elas. Os insurrectos controlavam os arsenais. • À tarde, já corriam proclamações republicanas. Incapaz de reagir, a Luís Filipe só restava abdicar o trono. O parlamento dissolveu-se. A Monarquia de Julho tinha sido destronada e nascia a Segunda República (1848-1852). • Os grandes burgueses moderados da oposição estavam exasperados. • O que mais temiam estava nas ruas: a revolução social dos pobres. • As ruas de Paris eram tomadas por um contingente de 40 á 50 mil manifestantes, sendo muitos mortos e 15 mil presos. Barricadas de Paris durante a revolução de 1848. Fotos de Hippolyte Bayard e Thibault.. Barricadas na rua Saint-Maur, Paris, 1848 O massacre dos bulevares Vitor Hugo (1802-85) • De repente uma janela, dando diretamente para o inferno, foi aberta com violência. Estivesse Dante observando através das trevas, e teria reconhecido o oitavo círculo de seu poema no fatídico bulevar Montmartre. Um espetáculo horrendo - Paris nas garras de Bonaparte! • Os homens armados, amontoados no bulevar, foram tomados por um súbito frenesi. Não eram mais homens, mas sim demônios. Para eles não havia mais uma bandeira, nem lei, humanidade ou país. • A matança do bulevar Montmartre foi um crime sem finalidade, ao qual nenhum motivo poderia ser atribuído. E no entanto uma razão, e uma razão muito terrível, existia. Vamos dizer qual era. • Existem duas poderosas forças no Estado - a lei e o povo. Um homem assassina a lei. Ele vê aproximar-se a hora de pagar, e não há mais nada a fazer senão assassinar o povo. • Louis Bonaparte (1808-73) alcançou essa glória, e ao mesmo tempo chegou ao ápice de sua infâmia. • Vamos contar como ele fez isso, e lembrar o que a história não viu - o assassinato de um povo por um homem! • Subitamente, a um dado sinal disparado de um mosquete - não importa onde ou por quem abriu-se um fogo mortal de metralha contra a multidão. A metralha é em si mesma uma multidão; é morte a granel. Não se sabe de onde vem ou para onde vai; mata, e continua. • E, no entanto, possui uma espécie de alma. Age premeditadamente e executa um plano. O movimento foi inesperado. Foi como um punhado de raios e trovões arremessados sobre o povo. Nada poderia ser mais fácil. Possuía toda a simplicidade da solução de um quebracabeças. A metralha aniquilou o populacho. • Em um instante havia uma série de assassinatos estendendo-se por cerca de quatrocentos metros ao longo do bulevar. Onze canhões destruíram o Hotel Sallandrouze. Um tiro atingiu diretamente vinte e oito casas. Os Banhos de Jouvence foram perfurados. Um quarteirão inteiro de Paris transformou-se em um cenário aterrorizante. O ar estava cheio de gritos de angústia. • Morte, morte repentina, estava por todos os lados. Ninguém esperava nada. Havia gente caindo por todos os lados. • Ninguém escapava. Os mosquetes e pistolas eram usados em todas as direções. O Ano Novo estava se aproximando, e havia lojas cheias de presentes. • Uma criança de 13 anos, voando diante do fogo dos soldados, refugiou-se numa loja da Árcade Sauveur, e escondeu-se debaixo de uma pilha de brinquedos. Foi agarrada e massacrada, enquanto os assassinos abriam as feridas com seus sabres. Contou-me uma mulher: "Podíamos ouvir os gritos da pequena criatura por toda a arcada". • O 75º Regimento da Linha tomou a barricada da Porte Saint-Denis. Não houve resistência, somente carnificina posteriormente. • Uma mulher que vinha correndo com todas as suas forças, o cabelo desgrenhado e os braços esticados para frente, voava pela rue Poissonière, gritando: "Eles estão nos matando! Estão nos matando!" • (...) • Cheguei ao bulevar. A cena era indescritível. Eu vi este crime. Eu vi esta tragédia, esta carnificina. Eu vi esta cega correnteza de morte, e os corpos de pessoas assassinadas caindo ao meu lado, e é por esta razão que posso assinar este livro como testemunha ocular. • O Governo provisório convocou eleições, as quais deram vitória aos candidatos da burguesia e dos latifundiários. Em 25 de Fevereiro foi implantada a Segunda República, em resultado de uma expressiva manifestação; todavia, esta não veio a corresponder às aspirações dos operários que reclamavam uma reforma social. • O sufrágio universal masculino foi estabelecido e por proposta dos socialistas, foi reduzida a jornada de trabalho de 12 para 10 horas diárias. • Por pressão dos operários e socialistas, foram criadas as Oficinas Nacionais (ateliers nationaux) - fábricas com capital estatal e dirigidas por operários, destinadas a aliviar a crise econômica e o desemprego, que logo se tornaram improdutivas e custosas, aumentando o déficit público - e a Comissão de Luxemburgo, cujo objetivo era a preparação de projetos de legislação social e a arbitragem de conflitos de trabalho. Reação • A inexperiência política do governo não satisfazia nem as reivindicações dos mais radicais nem as inquietações dos mais conservadores. Mas era principalmente a crise econômica que agravava a inquietude de todos os operários. • A falta de mercados para vender seus produtos, o aumento dos impostos, o marasmo econômico, aliado às agitações políticas e à fraqueza e hesitação do governo, provocavam pesadelos no mundo dos negócios. • Diante do "perigo vermelho", a burguesia se preparou. Em 23 e 24 de abril de 1848, ocorreram eleições para a formação de uma Assembleia Constituinte. O Governo Provisório cessou as suas funções e deu lugar a uma comissão executiva de cinco membros • Os socialistas e os republicanos concorriam, mas faltava-lhes organização em nível nacional e sua influência estava quase que restrita a Paris. • Já o Partido da Ordem, que representava todos os homens preocupados com a defesa da propriedade, tinha influência nacional, pois se apoiava nos notáveis das cidades e aldeias rurais da França, um imenso país de camponeses. • O Partido da Ordem elegeu 700 deputados, alguns favoráveis à monarquia e outros republicanos moderados. Os republicanos radicais e os socialistas não conseguiram eleger nem 100 deputados • Dominada pelo Partido da Ordem, a Constituinte passou a combater as ideias socialistas. Desempregados e sem meios de sustento, os operários revoltaram-se espontaneamente levantando barricadas e dispostos a enfrentar o novo poder estabelecido e controlado pela burguesia. • Esta revolução teve significativas repercussões no resto da Europa. A crise econômica européia ajudou a Revolução de 1848 a expandir-se pela Europa, atingindo também um dos esteios do Absolutismo, a Áustria, onde o Chanceler Metternich foi obrigado a renunciar. Até mesmo o Brasil pôde sentir os efeitos da onda revolucionária das barricadas francesas, que inspiraria os rebeldes pernambucanos na Revolução Praieira. • O ideal predominante nos demais países europeus onde houve revolução não foi o liberalismo, mas sim o nacionalismo. • Os revolucionários desses países queriam libertar seus povos da dominação estrangeira imposta pelas decisões do Congresso de Viena. • A burguesia apercebera-se dos perigos das revoluções, tomando consciência de que seus anseios políticos poderiam ser alcançados pela via do sufrágio universal, evitando conflitos e sublevações. • Assim, a revolução de 1848 foi o movimento que posicionou definitivamente burguesia e proletariado em campos opostos, o que marcaria profundamente os embates políticos vindouros. • Ainda em 1848, os governos da Prússia e outros Estados germânicos atendem algumas reivindicações sociais por reformas e as forças liberais ganham espaço para convocar uma Assembléia Nacional. • Em 1849, é aprovada a criação de uma Federação de Estados alemães, que teria um único parlamento nacional e cuja coroa caberia a Frederico Guilherme, da dinastia dos Hohenzollern. Com pressões absolutistas da Áustria, há um recuo e a Assembléia é dissolvida. A primeira tentativa de unificação da Alemanha fracassa. • A Áustria ainda dominada pelo que restava do Império Habsburgo controlava com mão de ferro um território formado por múltiplas nacionalidades. • Em 1848, vários movimentos revolucionários eclodiram por todo o Império, a começar por Viena. Outras partes também se levantam, como a Boêmia (Tchecos), a Hungria e parte da Itália. • Embora tenham fracassado, as revoluções alemãs e italianas de 1848 prepararam o terreno para a unificação desses países, que foi realizada entre 1861 e 1871. • A Áustria, por sua vez, teve que acatar, desde 1867, o compromisso de reconhecimento da soberania húngara. O 18 Brumário de Luís Bonaparte Karl Marx (1851-52) • Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. • Caussidière por Danton, Luís Blanc por Robespierre, a Montanha de 1845-1851 pela Montanha de 1793-1795, o sobrinho pelo tio. E a mesma caricatura ocorre nas circunstâncias que acompanham a segunda edição do Dezoito Brumário! • Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. • A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. • E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada. • No umbral da Revolução de Fevereiro, a república social apareceu como uma frase, como uma profecia. • Nas jornadas de junho de 1848 foi afogada no sangue do proletariado de Paris, mas ronda os subseqüentes atos da peça como um fantasma. • A república democrática anuncia o seu advento. A 13 de junho de 1849 é dispersada juntamente com sua pequena burguesia, que se pôs em fuga, mas que na corrida se vangloria com redobrada arrogância. • A república parlamentar, juntamente com a burguesia, apossa-se de todo o cenário; goza a vida em toda a sua plenitude, mas o 2 de dezembro de 1851 a enterra sob o acompanhamento do grito de agonia dos monarquistas coligados:"Viva a República!" • A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. • E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada. • A burguesia francesa rebelou-se contra o domínio do proletariado trabalhador; levou ao poder o lúmpen proletariado tendo à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro. • A burguesia conservava a França resfolegando de pavor ante os futuros terrores da anarquia vermelha; • Bonaparte descontou para ela esse futuro quando, a 4 de dezembro, fez com que o exército da ordem, inspirado pela aguardente, fuzilasse em suas janelas os eminentes burgueses do Bulevar Montmartre e do Bulevar des Italiens. • A burguesia fez a apoteose da espada; a espada a domina. Destruiu a imprensa revolucionária; sua própria imprensa foi destruída. Colocou as reuniões populares sob a vigilância da polícia; seus salões estão sob a Guarda Nacional democrática; sua própria Guarda Nacional foi dissolvida. Impôs o estado de sítio; o estado de sítio foi-lhe imposto. • Assim como os Bourbons representavam a grande propriedade territorial e os Orléans a dinastia do dinheiro, os Bonapartes são a dinastia dos camponeses, ou seja, da massa do povo francês. • Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa, cujos membros vivem em condições semelhantes mas sem estabelecerem relações multiformes entre si. Seu modo de produção os isola uns dos outros, em vez de criar entre eles um intercâmbio mútuo. • Esse isolamento é agravado pelo mau sistema de comunicações existente na França e pela pobreza dos camponeses. • Seu campo de produção, a pequena propriedade, não permite qualquer divisão do trabalho para o cultivo, nenhuma aplicação de métodos científicos e, portanto, nenhuma diversidade de desenvolvimento, nenhuma variedade de talento, nenhuma riqueza de relações sociais. • Não podem representar-se, têm que ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, que aparecer como seu senhor, como autoridade sobre eles, como um poder governamental ilimitado que os protege das demais classes e que do alto lhes manda o sol ou a chuva. • Bonaparte representa não o esclarecimento, mas a superstição do camponês; não o seu bom-senso, mas o seu preconceito; não o seu futuro, mas o seu passado • É preciso que fique bem claro. • A dinastia de Bonaparte representa não o camponês revolucionário, mas o conservador; não o camponês que luta para escapar às condições de sua existência social, a pequena propriedade, mas antes o camponês que quer consolidar sua propriedade; não a população rural que, ligada à das cidades, quer derrubar a velha ordem de coisas por meio de seus próprios esforços, mas, pelo contrário, aqueles que, presos por essa velha ordem em um isolamento embrutecedor, querem ver-se a si próprios e suas propriedades salvos e beneficiados pelo fantasma do Império. • Evidentemente a burguesia não tinha agora outro jeito senão eleger Bonaparte. • (...) • A indústria e o comércio, e, portanto, os negócios da classe média, deverão prosperar em estilo de estufa sob o governo forte. São feitas inúmeras concessões ferroviárias. Mas o lúmpen proletariado bonapartista tem que enriquecer. • Impelido pelas exigências contraditórias de sua situação e estando ao mesmo tempo, como um prestidigitador, ante a necessidade de manter os olhares do público fixados sobre ele, como substituto de Napoleão, por meio de surpresas constantes, isto é, ante a necessidade de executar diariamente um golpe de Estado em miniatura, • Bonaparte lança a confusão em toda a economia burguesa, viola tudo que parecia inviolável à Revolução de 1848, torna alguns tolerantes em face da revolução, outros desejosos de revolução, e produz uma verdadeira anarquia em nome da ordem, ao mesmo tempo que despoja de seu halo toda a máquina do Estado, profana-a e torna-a ao mesmo tempo desprezível e ridícula. 18 Brumário Prefácio de Engels à edição de 1885 • A França é o país em que as lutas históricas de classes sempre foram levadas mais do que em nenhum outro lugar ao seu termo decisivo e onde, portanto, as formas políticas mutáveis dentro das quais se movem estas lutas de classes e nas quais se assumem os seus resultados, adquirem os contornos mais acusados. • Centro do feudalismo na Idade Média e país modelo da monarquia unitária de estados [ou ordens sociais – standische] desde o Renascimento a França demoliu o feudalismo na grande revolução e fundou a dominação pura da burguesia sob uma forma clássica como nenhum outro país da Europa. • Também a luta do proletariado cada vez mais vigoroso contra a burguesia dominante reveste aqui uma forma aguda, desconhecida noutras partes. • Esta foi a razão por que Marx não só estudava com especial predilecção a história passada francesa, mas também seguia em todos os seus pormenores a história em curso, reunindo os materiais para os empregar posteriormente, e portanto nunca se via surpreendido pelos acontecimentos. •6. Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios Gilberto Maringoni – UFABC - 2014 História das relações internacionais Antonio Carlos Lessa • As décadas de 1850 e 1860 foram o período de expressão bem sucedida das nacionalidades. • O século que se iniciou sob os escombros da Revolução Francesa viu despontar o nacionalismo e o liberalismo como idéias de forças que foram impulsionadas em movimentos revolucionários, contidas em contrarrevoluções e consolidadas na unificação. • Novas tensões surgiram dessa longa evolução, novos fatos mudaram a feição da política internacional e das relações intraeuropeias. O principal deles foi o surgimento de um poderoso Estado na Europa Central, com a unificação da Alemanha • A Era dos Impérios • Eric Hobsbawm • O período entre 1875 e 1914 pode ser chamado de Era dos Impérios não por ter criado um novo tipo de imperialismo, mas também por um motivo muito mais antiquado. Foi provavelmente o período da história mundial moderna em que chegou ao máximo o número de governantes que se autodenominavam imperadores ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse título. • Na Europa, os governantes da Alemanha, Áustria, Rússia, Turquia e (em sua qualidade de dirigentes da índia) Grã-Bretanha reivindicavam esse título de imperador. Dois deles (Alemanha e Grã-Betanha/Índia) eram inovadores dos anos 1870. Eles mais que compensaram o desaparecimento do Segundo Império de Napoleão Bonaparte III, da França. • Foi um período de ausência de conflitos entre as potências européias, o que não significa ausência de tensões. Nesse período, o mundo do Congresso de Viena foi reestruturado completamente. A principal marca do período foi a universalização da hegemonia européia por todo o planeta. • No continente, os principais eventos são o surgimento da Alemanha, a nova potência, e a Itália como países unificados, em 1870. Fora da Europa, o fator a contar foi a ascensão dos Estados Unidos no centro da cena mundial. • A base teórica do nacionalismo econômico • Georg Friedrich List (1789-1846) • Foi um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XIX. Investindo contra as postulações do livre mercado e elegendo as idéias de Adam Smith como seu alvo principal, • List construiu uma pequena, mas contundente obra, composta especialmente por seu Sistema nacional de economia política e por centenas de artigos publicados esparsamente. • O centro de suas formulações era a idéia de nação como lócus central da atividade econômica. Defensor da industrialização e entusiasta das estradas de ferro na disseminação do progresso, List batia-se pelo protecionismo estatal para a indústria infante, expressão que cunhou : • “A característica básica deste meu sistema reside na NACIONALIDADE (sic). Toda minha estrutura está baseada na natureza da nacionalidade, a qual é o interesse intermediário entre o indivíduo e a humanidade inteira”. • Ao se voltar para o passado, o economista dizia: • “Se pesquisarmos a história de Veneza, sem preconceitos, verificamos que, em seu caso, como no de grandes reinos em períodos posteriores, tanto a liberdade de comércio internacional, como as restrições impostas a tal comércio, foram benéficas ou prejudiciais para o poder e para a prosperidade do país, em épocas diferentes (...) • Assim, a História demonstra que as restrições à liberdade de comércio não são tanto invenções de mentes meramente especulativas, mas antes conseqüências naturais da diversidade de interesses e dos anseios das nações por independência ou ascendência de poder”. • List percebeu o que mais tarde viria a ser conhecido como relações desiguais de troca entre nações, ao avaliar a disparidade de valores entre a produção industrial e a agrícola. Os trechos seguintes indicam o caminho de suas idéias: • “Uma nação que só possui agricultura é um indivíduo que em sua produção material trabalha com um braço só. (...) Uma nação que troca produtos agrícolas por produtos manufaturados estrangeiros é um indivíduo com um braço só, sustentado por um braço estrangeiro”. • Um Estado puramente agrícola é uma instituição infinitamente menos perfeita que um Estado agromanufatureiro. Um Estado meramente agrícola será, do ponto de vista econômico e político, sempre dependente dos países estrangeiros, que recebem seus produtos agrícolas em troca de bens manufaturados. • Tal nação não conseguirá determinar quanto deve produzir, devendo sempre esperar e verificar quanto os outros desejarão comprar. • “Uma nação manufatureira tem centenas de oportunidades a mais de aplicar a força da maquinaria do que uma nação agrícola. Um aleijado, dirigindo um motor a vapor, pode produzir centenas de vezes mais do que um homem mais forte pode com sua força manual”. • Para sanar tais discrepâncias, List propõe uma política francamente intervencionista: • “O Estado não somente tem o direito, mas também o dever de impor certas normas e restrições ao comércio (o qual é, em si mesmo, inofensivo), na salvaguarda dos interesses superiores na nação”. • “O poder político não apenas assegura à nação o aumento de sua prosperidade por meio do comércio exterior e das colônias estrangeiras, mas também lhe garante desfrutar de prosperidade interna, e a própria existência, o que é muito mais importante do que a riqueza material”. • O que se pode extrair da formulação de um conceito liberal de nação em List é que, independente da necessidade de grandes extensões e populações para o desenvolvimento da economia nacional, a ligação entre Estado e nação se fortalece por somar-se à economia. • Mas, se as dimensões físicas do território são relevantes, a nação depende de um contínuo estado de expansão que realizar-se-ia pela união ou conquista de populações que, por si só, seriam incapazes de atingir uma extensão territorial que favorecesse o desenvolvimento de sua economia. • Hobsbawm • Não se pode negar então que, a concepção liberal de nação “realizável” era uma expressão da idéia de progresso humano defendida pelo século XIX, integrando a nação moderna ao ideário do liberalismo. • O princípio de nacionalidade submetido às categorias criadas pelo liberalismo para definir a nação não permitia sua aplicação a todos os projetos políticos nacionais, eliminando qualquer caracterização desse princípio como universal. A nação ainda continuava sendo definida em sua íntima relação com o território através de um processo político expansionista dos Estados. • Hobsbawm • “Assim, na perspectiva da ideologia liberal, a nação (isto é, a grande nação viável) representava o estágio de evolução alcançado na metade do século XIX. Como vimos, a outra face da moeda ‘nação como progresso’ foi portanto, e logicamente, a assimilação de comunidades e povos menores aos maiores”. • “No entanto, desde que o número de Estadosnações era pequeno no início do século XIX, a questão óbvia para as mentes inquiridoras era quais das numerosas populações européias classificáveis como uma ‘nacionalidade’, com alguma base, poderiam tornar-se um Estado (ou alguma forma menor com reconhecimento administrativo e político distinto) e quais dos numerosos Estados existentes estariam imbuídos do caráter de ‘nação’. A construção de listas com critérios de existência de nação potenciais ou reais servia a esse objetivo”. • A unificação da Alemanha 1871 • A construção do império alemão se constituiu numa das principais inflexões da historia das relações internacionais do último quartel do século XIX. O país dominaria as relações intereuropeias. • Fruto da engenharia política do chanceler prussiano Otto Von Bismarck, o império alemão ocupou o centro da cena política européia. • Em 1870, sua população já era maior que a da França, com o diferencial de que tinha um nível educacional mais elevado e uma boa estrutura universitária e científica.A Alemanha unificada surgira repentinamente como a maior potência da Europa continental, com um grande e bem treinado exército, forças navais em expansão e, especialmente, dotada de excelente estrutura de transportes e comunicação, além de um parque industrial moderno e em expansão. • Com isso, o equilíbrio do sistema construído no Congresso de Viena, em 1815, estava comprometido. • A partir de 1871, a Alemanha comandada por Bismarck tinha duas ambições principais. • Internamente o centro de sua ação passou a ser o crescimento econômico e o reforço à coesão do novo país, eliminando as resistências das minorias absorvidas. No processo de unificação das províncias francesas da Alsáscia e da Lorena, mas também de minorias polonesas e dinamarquesas incorporadas na guerra contra a Áustria. • No plano externo, a ação era para garantir a integridade do Império. • Guerra franco-prussiana • A Guerra franco-prussiana o (19 de julho de 1870 - 10 de maio de 1871) foi um conflito ocorrido entre França e o Reino da Prússia no final do século XIX. Foi essencial no processo de unificação alemão. • Durante o conflito, a Prússia recebeu apoio da Confederação da Alemanha do Norte, da qual fazia parte, e dos estados do Baden, Württemberg e Baviera. A vitória incontestável dos alemães marcou o último capítulo da unificação alemã sob o comando de Guilherme I da Prússia. • Também marcou a queda de Napoleão III e do sistema monárquico na França, com o fim do Segundo Império e sua substituição pela Terceira República Francesa. Também como resultado da guerra ocorreu a anexação da maior parte do território da Alsácia-Lorena pela Prússia, território que ficou em união com o Império Alemão até o fim da Primeira Guerra Mundial. • As causas da Guerra estão profundamente enraizadas nos eventos que cercam o equilíbrio de poder entre grandes potências após as Guerras Napoleônicas. França e Prússia eram inimigos durante essas guerras, com a França do lado derrotado e Napoleão I exilado para Elba. • Após a ascensão de Napoleão III e com o final da Guerra da Criméia, cria-se uma condição favorável para a unificação Alemã que, em pouco tempo, os trouxe para a guerra após a Guerra dos Ducados (1864), contra a Dinamarca e a Guerra Austro-Prussiana (1866). • O chanceler prussiano Otto Von Bismarck e seus generais estavam interessados em uma guerra contra a França, pois esse país punha empecilhos à integração dos Estados do sul da Alemanha na formação de um novo país dominado pelo Reino da Prússia - o Império Alemão. • Por outro lado, os conselheiros de Napoleão III asseguraram-lhe que o exército francês era capaz de derrotar os prussianos, o que restauraria a declinante popularidade do imperador, perdida em consequência das inúmeras derrotas diplomáticas sofridas. • A derrota da França deu-se por ser o exército prussiano maior e estar mais bem organizado para a guerra. • A França apresentou sua rendição, em Metz, no dia 27 de outubro de 1870. A capitulação oficial de Paris ocorreu em 28 de janeiro de 1871. • A população de Paris, entretanto, recusou-se a depor as armas e, em março de 1871, revoltouse, estabelecendo um breve governo revolucionário, a Comuna de Paris. • A Comuna de Paris, que se manteve por 40 dias, foi o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante à invasão alemã , durante a guerra franco-prussiana, foi considerada a primeira República Proletária da história. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13 mil revolucionários foram fuzilados e quase 50 mil deportados. • O maior triunfo de Bismarck ocorreu em 18 de janeiro de 1871, quando Guilherme I da Prússia foi proclamado imperador da Alemanha em Versalhes, o antigo palácio dos reis da França. • A onerosa obrigação francesa só foi cumprida em setembro de 1873. Naquele mesmo mês, as tropas alemãs abandonaram a França, depois de quase três anos de ocupação. • Um reino unido da Itália surgiu nos anos 185870, uma Alemanha unida em 1862-71, incidentalmente levando ao colapso o Segundo Império de Napoleão na França e a Comuna de Paris (1870-71), além de que a Áustria tinha sido excluída da Alemanha e profundamente reestruturada. • Em resumo, com a exceção da Inglaterra, todas as “potências” européias foram substancialmente – em muitos casos até territorialmente – modificadas entre 1856 e 1871, e um novo grande estado, como cedo viria a ser reconhecido, tinha sido fundado: a Itália. Antonio Gramsci A questão meridional • A unificação italiana, sonhada já de maneira embrionária por Maquiavel (1469-1527) – sua obra O Príncipe é de 1513 -, ocorre tardiamente com a criação do Reino da Itália, em 1861, sob a liderança da Casa de Savóia, a monarquia piemontesa, no bojo de largo e secular movimento histórico conhecido como o Ressurgimento. • O Piemonte, no norte da península, região na qual o capitalismo mais se desenvolve, desempenha o papel central na unificação, feita às expensas do sul, agrário, onde a burguesia prima pela ausência. • Gramsci • “O Sul da Itália pode ser definido como uma grande desagregação social. Os camponeses, que constituem a grande maioria da sua população, não têm nenhuma coesão entre si. (É evidente que ocorrem exceções: as Pulhas, a Sardenha, a Sicília, onde existem características especiais no grande quadro da estrutura meridional.)” Na Itália, enfim unificada, embora de maneira precária, dada a fragmentação nacional anterior, se consolida e cristaliza “a questão meridional”: perpetua-se o atraso do sul para subsidiar a acumulação capitalista no norte. Continuam e, de certo modo, se agudizam tensões contra a unidade italiana. • Os Estados Unidos • Na segunda metade do século XIX, os Estados Unidos aceleram sua expansão econômica, após a Guerra Civil (1861-75). • A guerra foi o instrumento decisivo na construção do Estado nacional nos EUA. As estimativas apontam para um número de 970 mil mortes, sendo que um terço era composto por civis. A população total somava 31 milhões de habitantes (22,1 milhões na Confederação – norte – e 9,1 milhões na União, sul). • Em 1861, ano do início da guerra, o país consistia em 19 estados livres, onde a escravidão era proibida, e 15 estados onde a escravidão era permitida. • Após a independência dos Estados Unidos, e até a década de 1850, as diferenças entre o Norte (cada vez mais industrializado) e o Sul agropecuário aumentavam gradativamente. Na década de 1850, os Estados Unidos já haviam se expandido até seus atuais limites territoriais na América do Norte (posteriormente, adquiriria o Alasca da Rússia, Havaí e outros territórios ultramarítimos). O país entrara em uma fase de rápida industrialização. Porém, o rápido crescimento econômico do país esteve concentrado primariamente nos Estados do Norte. • Este desenvolvimento causou o rápido crescimento populacional das cidades da região, gerando grandes avanços na área de transportes e comunicações. Apesar do Sul também ter passado por este processo, o progresso ocorreu muito mais lentamente do que no Norte. • Pouco antes das eleições presidenciais de 1860, líderes sulistas começaram a pedir pela secessão do Sul da União, caso Lincoln vencesse as eleições. Muitos sulistas aprovavam a secessão, através da ideia de que os Estados possuem direitos e poderes que o governo federal não poderia proibir através de métodos legais. • Os sulistas alegaram que os Estados Unidos por si mesmo eram uma liga de estados independentes, e que qualquer destes estados possuía o direito de tornarse independente. • A tendência mais impressionante era o movimento em direção à total liberdade de comércio. Abertamente apenas a Inglaterra havia abandonado o protecionismo de forma total, mas mesmo a Rússia (1863) e a Espanha (1868) ligaram-se de certa forma ao movimento. Apenas os Estados Unidos, cuja indústria apoiava-se grandemente num mercado interno protegido e era pobre em exportações, permaneceu um bastião do protecionismo, mas mesmo assim mostrou alguma modificação no começo da década de 1870. • A economia do sul estava baseada no latifúndio e na mão de obra escrava. Desde 1820, a escravidão ficou confinada ao sul. • O país se inserira na expansão britânica desde o início do século XIX como principal fornecedores de matérias primas, como algodão e recebia – especialmente no norte – investimentos ingleses para a modernização da estrutura produtiva. • Por volta de 1860, a produção industrial dos EUA já era maior que a da Alemanha e da Rússia. Nessa época, o país já possuía 50 mil quilômetros de ferrovias, três vezes maior que a malha ferroviária inglesa. Isso consolida a ocupação do território e a expansão interna. • Vale destacar que o EUA estava em crescente expansão territorial. Grande parte do sudoeste do continente (Califórnia, Arizona, Utah e partes do Colorado e Novo México) foi tomado do México em 1848-53, depois de uma guerra desastrosa. A Rússia vendeu o Alasca em 1867. • A maior parte do mundo, e especialmente a Europa, estava atenta aos Estados Unidos porque nesse período (1848-75) vários milhões de europeus haviam emigrado para lá e porque sua grande extensão territorial e seu extraordinário progresso fizeram-no rapidamente o milagre técnico do planeta. • O maior trunfo deste programa se deu em 1862 com o Homestead Act que oferecia a qualquer filho de família americana, maior de 21 anos, 160 acres gratuitos depois de cinco anos de residência contínua ou compra por US$ 1,25 por acre depois de seis meses, que por obvio fracassou. Nas últimas décadas do século pouco se ouvia falar do bucólico sonho de liberdade da terra. • A transformação dos EUA, portanto, aconteceu no período de 1848-75, devido a dois temas mais profundos e duradouros da história americana localizados na cultura popular: a Guerra Civil e o Oeste. Sendo que ambos estão intimamente interligados, já que foi a busca pelo Oeste que gerou a faísca para a guerra. • A referida expansão para o Oeste não era coisa nova, mas foi acelerado de forma drástica devida o surgimento das estradas de ferro. As primeiras linhas transcontinentais foram construídas simultaneamente para o Leste, a partir do Pacifico, e para o Oeste a partir do Mississippi, encontrando-se em certo ponto do Utah. • As sociedades escravistas, incluindo as do sul, estavam com os dias contados, já que elas estavam isoladas fisicamente, devido a abolição do tráfico negreiro, que era muito eficiente na década de 1850, e também isoladas moralmente, devido ao consenso geral do liberalismo burguês, que as olhava como contrarias à marcha da história, moralmente indesejáveis e economicamente ineficientes. • Mas o que levou o sul a uma situação de crise na década de 1850 foi um problema especifico: a dificuldade de coexistência com o capitalismo dinâmico no Norte e um dilúvio de migração para o Oeste. • Em termos puramente econômicos, o norte não estava muito preocupado com o sul, uma região agrária praticamente não envolvida na industrialização. Os principais empecilhos eram políticos, já que a industria dos Norte estava certamente mais preocupada com uma nação, do ponto de vista do comércio, metade livre e metade protecionista, do que metade escrava e metade livre. • Em resumo, o Norte estava numa posição de unificar o continente que o Sul não tinha, por isso se fez necessária a Guerra Civil que por quatro anos devastou o país. • O triunfo do Norte também era o triunfo do capitalismo americano e dos Estados Unidos modernos e de fato o Sul permaneceu agrário, pobre, atrasado e ressentido. O Japão • De todos os países não -europeus, apenas um conseguiu encontrar e derrotar o Ocidente no terreno inimigo, esse país foi o Japão, para a surpresa dos contemporâneos • Aos olhos do Ocidente, em meados do séc. XIX, o Japão não parecia diferente de qualquer outro país oriental, ou pelo menos afigurava-se igualmente destinado ao atraso econômico e à inferioridade militar para tornar-se vítima do capitalismo. • O Japão, embora com sua tradição cultural, era surpreendentemente análogo ao Ocidente na estrutura social. • O país possuía algo muito próximo de uma ordem feudal da Europa medieval, uma nobreza agrária hereditária, camponeses semi-servis e um corpo de mercadores-empresários e financistas cercados por um corpo incomumente ativo de artífices, todos assentados em uma crescente urbanização. • Os japoneses estavam mais dispostos a imitar os ocidentais do que muitos outros grupos não-europeus e eram também os mais capazes de fazê-lo. Como por exemplo a China que tinha capacidade, mas não queria imitar o Ocidente e os homens cultos do México que queriam imitar o capitalismo liberal tal como os EUA, caso em que a vontade era maior do que a capacidade. • Mas o Japão possuía ambas, era mais uma “nação” potencial do que um império ecumênico, possuíam a capacidade técnica e outras, além do pessoal necessário para uma economia do século XIX. • A elite japonesa possuía um aparato de Estado e uma estrutura social capazes de controlar o movimento de uma sociedade inteira. • Em 1853, os Estados Unidos da América invadiram a baía de Uraga e forçaram o Japão a abrir-se ao comércio internacional. A partir de então iniciou-se um período de turbulência que perdurou até à chamada Restauração Meiji. • A restauração Meiji (ou revolução de cima), foi uma sucessão de eventos que conduziu a uma profunda mudança nas estruturas política, econômica e social do Japão, que teve lugar em 1868, terminou com o sistema feudal de duzentos e cinquenta e seis anos dos xogunatos Tokugawa. • A unidade política do país permitiu a centralização da administração pública, e a intervenção do Estado na economia. Isso, por sua vez, possibilitou reformas econômicas que consistiram na eliminação de entraves e resquícios do modo de produção feudal, na liberação da mão-de-obra, e na assimilação da tecnologia ocidental, preparando o Japão para o capitalismo. • Os antigos feudos foram extintos e os privilégios pessoais foram eliminados através de uma reforma agrária e da reformulação da legislação do imposto territorial rural. • A Rússia • Ao final do século XIX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às demais potências européias: • 1. Atraso econômico, a economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes cidades, deste modo a burguesia russa era extremamente fraca. • 2. Atraso político o Império Russo era oficialmente uma autocracia com todos os poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas fossem bastante atuantes. • 3. Em 1861 aboliu-se a servidão e se deu ao camponês a propriedade da terra em que construíra sua casa. A reforma acentuou a crise social, uma vez que a organização social baseada no mir foi rompida, sendo transformado numa célula administrativa, pois a comunidade era coletivamente responsável pelo pagamento da dívida ao Estado: este assumira o pagamento das indenizações aos senhores da nobreza. • Impérios coloniais • Num sentido menos superficial, o período que nos ocupa é obviamente a era de um novo tipo de Império, o colonial. • A supremacia econômica e militar dos países capitalistas há muito não era seriamente ameaçada, mas não houvera nenhuma tentativa sistemática de traduzi-la em conquista formal, anexação e administração entre o final do século XVIII e o último quartel do século XIX (período este que predomina a colonização imperialista da Europa sobre países asiáticos, africanos e latino americano). • O mundo definitivamente se encontrara divido, seja administrativamente econômica, política ou social. Essa repartição do mundo foi à expressão mais espetacular da crescente divisão do planeta em fortes e fracos, em avançados e atrasados. • Os imperadores e os impérios eram antigos, mas o imperialismo era novíssimo. A palavra foi introduzida na política Grã-Betanha nos anos 1870, e ainda era considerado neologismo no fim da década. • II Revolução Industrial • No plano econômico e científico, o período foi marcado pela Segunda Revolução Industrial e por uma aguda crise econômico-financeira entre 1873 e 1896. Mesmo com a depressão e a queda da atividade econômica, a produtividade aumentou em quase todo o mundo industrializado. • A Segunda Revolução Industrial diferenciava-se da primeira especialmente porque as transformações nos processos produtivos não eram resultado de experimentos ocasionais de homens práticos, ou seja, do empirismo tecnológico, mas decorria de investimentos planejados de grandes empresas. • Foram desenvolvidos novos métodos para a produção de aço e produtos químicos em grande escala, graças à utilização sistemática de novas fontes de energia em substituição ao carvão, como a eletricidade e o petróleo. • O desenvolvimento de técnicas como a refrigeração, a pasteurização e a esterilização permitiram a conservação e o transporte de alimentos em grandes quantidades, facilitando o comércio entre regiões afastadas. • O aumento da expectativa de vida do homem comum foi um dos resultados mais impressionantes desse estado de desenvolvimento. Ela passou de 35 anos na média global em 1800 para 40 anos em 1850 e para 48 em 1900. • As relações econômicas internacionais atingiram um novo patamar de complexidade, com o crescimento exponencial dos fluxos de investimentos externos diretos em ferrovias, portos, serviços de comunicação e serviços públicos (iluminação, pavimentação etc.), por parte das maiores economias industriais (GrãBretanha, Alemanha, França e EUA). • A expansão industrial britânica – com a acumulação de capitais proporcionada pela industrialização, transformaram Londres na capital financeira do mundo. • O século XIX foi marcado pela necessidade de transformações de tal forma, que o índice de progresso de uma nação podia ser mesurado por sua capacidade de produção material, bem como do desenvolvimento de seus meios de comunicações. • A tecnologia moderna começou a ser “visível”, apresentando-se ao povo, através das locomotivas, dos telégrafos e dos navios a vapor. • Além disso, outros avanços tecnológicos permitiram a invenção das turbinas, dos motores de combustão interna, do telefone, do gramofone, da lâmpada elétrica, do automóvel, do cinematografo , da aeronáutica e da radiotelegrafia. • Vantagem comparativa • O custo de se fazer vinhos na ilha era maior que no país ibérico. • A situação se invertia no caso dos tecidos. Assim, era vantajoso para ambos usarem o excedente de suas produções de vinhos e tecidos para comercializarem entre si. • Portugal apresentava uma vantagem comparativa em relação á Inglaterra na produção de vinhos e esta apresentava a mesma característica no caso dos tecidos. Ambos teriam ganhos comerciais entre si. • A industrialização registra o resto mundo em semi-colônias, ou seja, presos na gaiola da especialização. A função dessas colônias ou semi-colônias é não fazer concorrência com as grandes potencias mundiais. • As grandes potencias eram Estados que adquiriam colônias, as pequenas nações não tinham, por assim dizer, nenhum direito, pois, padeciam da perda de terras em guerras e apropriações indevidas. As principais regiões onde havia competição pela retenção de terras ficavam na África e na Oceania. • A depressão econômica, por sua vez, acarretou queda nos salários e o acirramento dos conflitos sociais na Europa. Um novo fenômeno de massas ocorre a partir de 1870, a emigração. • Migração ultramarina • A metade do século XIX marca também o começo da maior migração de povos na História. Seus detalhes não são exatos e não capturam todos os movimentos de homens e mulheres dentro e fora dos países. • Contudo, estimativas apontam que entre 1846 e 1875 um número superior a 9 milhões de pessoas deixaram a Europa indo, em sua grande maioria, para o EUA. Trata-se de um número 4 vezes maior que a população de Londres em 1851. No meio século precedente, tal movimentação não superou o valor de 1,5 milhão de pessoas. • Por que as pessoas emigravam? Sobretudo por razões econômicas. As perseguições políticas formavam depois de 1848 apenas uma pequena fração. A fuga de seitas religiosas era menos significativa que no século precedente. As pessoas emigravam para escapar às más condições em casa ou para procurar melhores no exterior? • Os pobres apresentam tendência de emigrar mais que os ricos... Na primeira grande onda de imigração de nosso período (1845-54) foi essencialmente uma fuga de fome, sendo composta majoritariamente por Irlandeses e alemães. • Entre o final dessa década e o início dos anos 1890 o mundo assiste à retomada do protecionismo e à reversão do livre cambismo no plano internacional. • Os EUA estabelecem tarifas protecionistas em 1861 e as aprofunda em 1890. A Rússia o fez a partir de 1877, seguida da Itália e da Áustria, assim como a Alemanha, em 1879, e a França entre 1872 e 1889. • Eric Hobsbawm • A Revolução centenária • Em 1880, no centenário da Revolução Francesa, o mundo já era praticamente todo conhecido e mapeado. Tornava-se pouco a pouco global. • A sociedade burguesa européia ditava os costumes e era a responsável pelas transformações intelectuais. A cultura da elite, representada pela biblioteca e pelo museu, foi estendido a toda a população, como uma exigência do liberalismo, mas estava articulada com os interesses das classes dominantes. • Crise • A depressão econômica que marcou o período, juntamente com a rapidez e a intensidade da industrialização e a repercussão das idéias nacionalistas amplificaram as pressões sobre a ação internacional dos Estados do núcleo do sistema, incentivando políticas imperialistas e o desenvolvimento de novas formas de dominação sobre regiões menos desenvolvidas. • A ferrovia e a navegação a vapor haviam reduzido as viagens intercontinentais ou transcontinentais a uma questão de semanas, em vez de meses. Com o telégrafo elétrico, a transmissão de informação ao redor do mundo era agora uma questão de horas. • Ao mesmo tempo, o mundo era muito mais densamente povoado. As cifras demográficas são tão especulativas, sobretudo no que tange ao final do século XVIII, que a precisão numérica é inútil e perigosa; mas não deve ser muito equivocado supor que os aproximadamente 1,5 bilhões de seres humanos vivos nos anos 1880 representavam o dobro da população mundial dos anos 1780. • A tecnologia era uma das principais causas dessa defasagem, acentuando-a não só econômica como politicamente. Um século após a Revolução Francesa, tornava-se cada vez mais evidente que os países mais pobres e atrasados podiam ser facilmente vencidos e (salvo se fossem muito grandes) conquistados, devido à inferioridade técnica de seus armamentos. • Em termos de política internacional (isto é, na avaliação dos governos e ministérios das relações exteriores da Europa), o número de entidades tratadas como Estado soberanos no mundo inteiro era bastante modesto para nossos padrões. • Fora das Américas, que continham o maior conjunto de repúblicas do globo, praticamente todos esses Estados eram monarquias – na Europa as únicas exceções eram a Suíça e (a partir de 1870) a França – embora os países desenvolvidos fossem, em sua maioria, monarquias constitucionais ou que, ao menos, acenavam com iniciativas oficiais favoráveis a algum tipo de representação eleitoral. • O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e tanto a Argentina como o Brasil atraíram até 200 mil imigrantes por ano. • Será que um período com um aumento tão espetacular da produção podia ser descrito como uma “Grande Depressão”? • Como podemos sintetizar a economia mundial da Era do Império? • Em primeiro lugar, como vimos, foi uma economia cuja base geográfica era muito mais ampla do que antes. Sua parcela industrializada e em processo de industrialização aumentara. O mercado internacional dos produtos primários cresceu enormemente. • Por conseguinte, como já foi observado, a economia mundial agora era notavelmente mais pluralista que antes. A economia britânica deixou de ser a única totalmente industrializada e, na verdade, a única industrial. A era dos Impérios, como veremos, foi essencialmente caracterizada pela rivalidade entre Estados. • A Era do Império já não era monocêntrica. Esse pluralismo crescente da economia mundial ficou, até certo ponto, oculto por sua persistente e, na verdade, crescente dependência dos serviços financeiros, comerciais e da frota mercante da GrãBretanha. • A maior parte do mundo não estava numa posição de determinar seu próprio destino. Este mundo de vítimas consistia em quatro setores mais importantes: • 1) os impérios não-europeus sobreviventes ou grandes reinos independentes do mundo islâmico e da Ásia (o Império Otomano, Pérsia, China, Japão e outros menores); • 2) as antigas colônias da Espanha e Portugal nas Américas (estados nominalmente independentes); • 3) a África ao sul do Saara; • 4) as vítimas já formalmente colonizadas ou ocupadas, sobretudo na Ásia. • Os impérios coloniais das potências européias consistiam em umas poucas regiões onde uma maioria ou uma minoria de colonos brancos coexistia com uma população indígena de razoável importância. Colônias do “colono branco” viriam criar o mais intratável problema de colonialismo. • O problema das populações nativas era o de como resistir ao avanço dos colonos brancos. A escassez de brancos fez com que fosse essencial usar nativos em grande número para esta administração, pelo menos ao nível local. • Ou seja, os colonizadores precisaram criar um corpo de nativos assimilados para tomar o lugar do homem branco e também de depender das instituições tradicionais dos países. Por outro lado, os povos indígenas confrontavam o desafio da ocidentalização como algo muito mais complexo do que mera resistência. • A Índia, a maior colônia, ilustra as complexidades e paradoxos desta situação. Os ingleses esforçaram-se para inserir um processo de ocidentalização, sobretudo por causa das necessidades de mesma administração e mesma economia. Ambas destruíram a estrutura social e econômica existentes, mesmo quando não era a intenção. • Portanto, após longos debates, T.B. Macaulay (1800-59) – e sua famosa Minuta (1835) – estabeleceu um sistema de educação puramente inglês para os poucos indianos nos quais o British Raj tinha interesse oficial, ou seja, os administradores subalternos. Os ingleses recusaram-se ou fracassaram na tentativa de ocidentalização porque os indianos eram um povo dominado e por causa dos riscos políticos da excessiva interferência em práticas populares. Economia Um balanço • A economia capitalista mudou de quatro formas significativas ao longo do século XIX. Em primeiro lugar, entramos agora numa nova era tecnológica, não mais determinada pelas invenções e métodos da primeira Revolução Industrial. • Agora chegava-se a um período de novas fontes de poder (eletricidade e petróleo, turbinas e motor a explosão), de nova maquinaria baseada em novos materiais (ferro, ligas, metais não-ferrosos), de indústrias baseadas em novas ciências tais como a indústria em expansão da química orgânica. • Em segundo lugar, entramos também agora cada vez mais na economia de mercado de consumo doméstico, iniciada nos Estados Unidos, desenvolvida (na Europa ainda modestamente) pela crescente renda das massas, mas sobretudo pelo substancial aumento demográfico dos países desenvolvidos. • Em terceiro lugar, uma reviravolta paradoxal teve lugar. A era do triunfo liberal tinha sido aquela era de fato do monopólio industrial inglês, dentro do qual (com algumas notáveis exceções) os lucros eram assegurados sem muita dificuldade pela competição de pequenas e médias empresas. • A era pós-liberal caracterizava-se por uma competição internacional entre economias industriais nacionais rivais – a inglesa, a alemã, a norte-americana; uma competição acirrada pelas dificuldades que as firmas dentro de cada uma destas economias enfrentavam (no período de depressões) para fazer lucros adequados. A competição levava, portanto, à concentração econômica, controle de mercado e manipulação. • O mundo entrou no período do imperialismo. Além da rivalidade (que levou as potências a dividir o globo entre reservas formais ou informais para seus próprios negócios) entre mercados e exportações de capital, tal processo também era devido à crescente nãodisponibilidade de matérias-primas na maioria dos próprios países desenvolvidos, por razões geológicas ou climáticas. • A Conferência de Berlim e a partilha da África - Paul Kennedy • No inverno entre 1884 e 1885, o chanceler Bismarck convidou os principais líderes de 14 países a participarem de uma conferência na capital do II Reich- a Conferência de Berlim. Esta reunia chefes de Estado de grandes potências européias e Estados menores, e tinha como objetivo chegar a um acordo sobre a ocupação da África- acordos de comércio, navegação e limites no Congo e na África Ocidental- evitando choques imperialistas, o que conduziria a um conflito europeu de grande porte. • O Japão não participou da conferência por ser considerado atrasado, apesar da sua modernização, diferente dos Estados Unidos que estavam na conferência interessados nos assuntos sobre comércio e navegação. A Rússia se encontrava na conferência- mesmo que seus interesses na África não fossem muitos, estava por apoio à França contra a Inglaterra. • Na conferência acordou-se que as potências deveriam assegurar que nos territórios ocupados por elas deva existir uma autoridade capaz de fazer respeitar os direitos, como a liberdade de comércio e de trânsito. • “As Potências (...) obrigação de assegurar, nos territórios ocupados por elas (...) de fazer respeitar os direitos adquiridos, a liberdade do comércio e do trânsito nas condições em que for estipulada”. (artigo 35). • A Conferência de Berlim era a manifestação mais concreta do fato de as regiões menos desenvolvidas do mundo estarem sendo rapidamente retalhadas. • Um país com centenas de milhões de camponeses pouco representaria. Por outro lado, até mesmo um Estado moderno seria ofuscado também se não tivesse uma base produtiva industrial suficientemente grande. • “As potências bem sucedidas serão as que tiverem maior base industrial”, advertiu o imperialista britânico Leo Amery. “Os povos que tiverem o poder industrial e o poder da inovação e da ciência serão capazes de derrotar todos os outros”, completava. • O neocolonialismo europeu na África serviu ao propósito de amenizar as tensões dentro da Europa, ao exportar desentendimentos entre fronteiras para outras regiões, evitando conflitos bélicos e mantendo o equilíbrio de poder no continente, conquistado desde 1815, com as políticas do Congresso de Viena. Impedia, ainda, pretensões das recentes nações naquele território. • Novas aquisições expandiam suas áreas de influência e, desta forma, representavam uma vantagem estratégica. Do ponto de vista religioso, ou mesmo a partir do debate de raças e da crença de superioridade ariana, a colonização era uma resposta para o sentimento de incumbência de civilizar outras regiões, a qual justificava o processo de colonização e exploração imperialista. • Da formação de fronteiras artificiais, medidas e determinadas pelos interesses dos detentores do poder, resultou a proximidade de excolônias e metrópoles, a qual favoreceu determinadas nações nas relações comerciais bélicas e treinamento militar durante as guerras. • Foi também fator gerador de instabilidade política, resultado do ajuntamento de reinados e sociedades distintas sob um só poder, eleitas e administradas pelos europeus. Para conquistar e controlar seus novos territórios, as nações colonizadoras se valeram de políticas que preteriam grupos sobre outros, através da eleição de cargos públicos e de alto escalão, ou restringindo o acesso à educação. • Suas medidas estimularam as diferenças sociais e incitaram sentimentos negativos entre etnias e raças, as quais não raramente conviviam em harmonia antes da interferência europeia. • A técnica conhecida como “dividir para conquistar” foi mais um elemento que favoreceu a instabilidade política na região, a qual por sua vez foi responsável por inúmeros golpes de Estado e produziu diversos governos ditatoriais desde então. • África minha • Eduardo Galeano • No final do século XIX, as potências coloniais européias se reuniram, em Berlim, para repartir a África. Foi longa e dura a luta pelo botim colonial, as selvas, os rios, as montanhas, os solos, os subsolos, até que as novas fronteiras fossem desenhadas e no dia de hoje de 1885 foi assinada, "em nome de Deus Todo-Poderoso", a Ata Geral. • Os amos europeus tiveram o bom gosto de não mencionar o ouro, os diamantes, o marfim, o petróleo, a borracha, o estanho, o cacau, o café, e óleo de palmeira, proibiram que a escravidão fosse chamada pelo seu nome, chamara de "sociedades filantrópicas" as empresas que proporcionavam carne humana ao mercado mundial.avisaram que atuavam movidos pelo desejo de "favorecer o desenvolvimento do comércio e da Civilização", e, caso houvesse alguma dúvida, explicava, que atuavam preocupados "em aumentar o bemestar moral e material das populações indígenas". • Assim a Europa inventou o novo mapa da África. Nenhum africano compareceu, nem como enfeite, a essa reunião de cúpula.