Determinantes sociais da saúde na formação em saúde pública Paulo M. Buss Professor Titular Escola Nacional de Saúde Pública Diretor, CRIS/FIOCRUZ Membro Titular Academia Nacional de Medicina Colóquio Brasil-Cuba ENSP, Rio de Janeiro Maio de 2017 HIGEYA – Klimt (Mural sobre a Medicina, Univ. de Viena, 1900-1907) Saúde pública e sociedade (1) Os conceitos e práticas relativas à saúde, sistemas de saúde e saúde pública tem se modificado, ao longo do tempo, em qualquer formação social que se considere Existem tantas noções de ‘saúde pública’ quantas conjunturas e formações sociais estivermos focando A saúde, os riscos que a afetam, a doença, bem como os cuidados individuais e coletivos em saúde, são socialmente produzidos Conceitos e práticas em saúde pública são indissociáveis da organização social (política, poder, ideologia e cultura) e do conhecimento de diversos campos (epistemes) Saúde pública e sociedade (2) Conceitos como ‘saúde’, ‘enfermidade’ e ‘saúde pública’ são categorias técnico-científicas, históricas e políticas “Tanto o conhecimento científico do que é ‘saúde e doença’, como o que constitui e se define como ‘prática médica’ e ‘saúde pública’ e as que se reconhecem como ‘instituições sanitárias’ estão altamente influenciados pelo contexto social e político que os rodeia” (Navarro, 1998) Como afirma Paim (1992), ao sublinhar o caráter histórico e estrutural da saúde pública como campo de saber e de prática: “Cada formação social engendra sua própria saúde pública” Conceito de saúde pública Saúde pública é o campo de conhecimentos e práticas cujos compromissos sociais e históricos são o de identificação das condições de saúde da população e de seus determinantes sociais, econômicos e ambientais, bem como a formulação e implementação de políticas e propostas de intervenções resolutivas, principalmente através de instituições públicas, visando enfrentar as mencionadas condições e seus determinantes e para melhorar, promover, proteger e restaurar a saúde da população, com a mobilização de diversas forças sociais e setores governamentais’ (Buss, 2008) Práticas de saúde pública (1) Os enfoques prioritários da saúde pública, em uma dada formação social, em certo espaço-território e em determinada conjuntura, dependem da adequada compreensão do processo saúdeenfermidade-cuidado vigente e seus determinantes sociais, econômicos e ambientais, e da identificação de recursos organizacionais, tecnológicos e financeiros estatais, públicos e comunitários mais eficazes e eficientes para satisfatoriamente enfrentá-los Práticas de saúde pública (2) A saúde pública deve procurar identificar os processos determinantes da situação de saúde e organizar formas mais resolutivas de atuar sobre eles, de forma a melhorar a saúde e a qualidade de vida dos indivíduos e da população como um todo Para isto, utiliza-se de instrumentos do planejamento, administração e organização do sistema e dos serviços de saúde, assim como da vigilância em saúde, utilizando ações articuladas de promoção da saúde, prevenção das enfermidades e agravos à saúde e de assistência aos doentes. Para ser efetiva, sua ação necessariamente deverá incluir a articulação com a sociedade e outros setores governamentais Políticas e ações em saúde pública Políticas e ações de saúde pública devem necessariamente tomar em conta os contextos que as envolvem e determinam (OPS, 2007): Contextos político, econômico, social e ambiental: Condições de saúde e suas tendências, que incluem: características e dinâmicas de suas populações e suas tendências; magnitude, distribuição e tendências da mortalidade; morbidade (incluindo as enfermidades transmissíveis e não transmissíveis) etc. Abordadas com: promoção da saúde; prevenção de riscos; saúde de grupos especiais e mais vulneráveis; e atenção aos doentes. Medidas intersetoriais de enfrentamento dos DSS Atores principais da saúde pública O Estado é o principal ator institucional da saúde pública e organiza sua atuação através de instituições estatais diretamente responsáveis pelo setor saúde. Em contextos políticos federativos, Ministérios e Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, ou seja, as ‘autoridades sanitárias’ nas esferas nacional, estadual, municipal e local, que lidam com objetos majoritariamente de natureza pública Sociedade civil Por seus objetos, sujeitos e campos do conhecimento e de prática, a saúde pública é parte funcional e operativa integrante do sistema de saúde e tem identidades funcional e operativa específicas Funções essenciais da saúde pública A materialização das ações de saúde pública se traduz nas chamadas ‘funções da saúde pública’, que são o conjunto de ações necessárias para alcançar a finalidade última da saúde pública que é a melhoria da saúde da população Análise, monitoramento e avaliação da situação de saúde Vigilância em saúde, investigação e controle de riscos e danos em saúde Promoção da saúde Participação social em saúde Formulação de políticas, planejamento e gestão de sistemas e serviços de saúde 6. Regulação e fiscalização de bens, serviços e produtos 7. Avaliação e promoção da equidade no acesso aos serviços 8. Desenvolvimento de recursos humanos 9. Garantia da qualidade dos serviços dirigidos aos indivíduos e ao coletivo 10. Pesquisa em saúde 11. Emergências e desastres naturais 1. 2. 3. 4. 5. Saúde pública e DSS Identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde. Formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a definição e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL: Artigo 5º, Lei Nº 8080, de 19 de setembro de 1990) SAÚDE EM (COM) TODAS AS POLÍTICAS Intersectorialidad Participación social Distales Intermediarios Proximales Intervenciones sobre los DSS basadas en evidencias y promotoras de la equidad en salud Relações sociais no capitalismo: as inequidades O desenvolvimento capitalista (e suas crises periódicas) moldaram historicamente um mundo profundamente desigual entre países e entre classes e grupos sociais A sociedade de classes e o modo de produção e consumo vigentes produzem desigualdades, exclusão e são eco-agressivos O 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas do que todo o resto do mundo junto. Uma rede global de paraísos fiscais permite que os indivíduos mais ricos do mundo escondam 7,6 trilhões de dólares das autoridades fiscais. A luta contra a pobreza não será vencida enquanto a crise da desigualdade não for superada (Oxfam, 2016) Mortalidad infantil en AL MI indicador importante de desarrollo social, como del acceso a servicios y situación nutricional (proxy indicador) Cerca de 11 millones de RN/año 237 mil fallecen antes del 1er. año 304 mil antes de completar 5 años Reducción de la MI en todos los países: Medias (por mil RN) 1990 2009 Reducción 42,7 20,6 -51,7% Promedios regionales ocultan grandes disparidades entre países Cuba e Chile (debajo de 10 por mil) Bolivia y Haití (arriba de 40 por mil) Mortalidad infantil en AL, circa 2009 Diagrama de dispersión MI e indic. socio-econ. Mortalidad infantil e indicadores socio-económicos Los países de AL con mayores riesgos de MI son también aquellos con: - menores ingresos - Gasto salud prop. PIB PIB per capita - - menor proporción de mujeres alfabetizadas menor acceso a agua potable y saneamiento básico; y con menor gasto público en salud Es decir, la situación de Acceso a agua potable Escolaridad materna salud acompaña el gradiente social Paisaje geográfica de la acumulación (1/2) Desigualdades se concentran en áreas específicas del territorio: zonas rurales y regiones y municipios con desventajas de diversas naturalezas, como vulnerabilidad crónica, crisis económicas locales o conflictos internos, o que concentran pueblos indígenas, poblaciones afrodescendientes y migrantes Urbanización masiva, con disparidades entre zonas urbanas y peri-urbanas en las mega-ciudades Modernización incompleta de los procesos de trabajo (…) HARVEY, D. O enigma do capital e as crises do capitalismo (2010) Paisaje geográfica de la acumulación (2/2) Dimensiones globales de la acumulación Acción nociva del capital financiero internacional y sus proyecciones o aliados nacionales, con apoyo del FMI y sin control por los gobiernos nacionales División internacional de trabajo: Cambios profundos en zonas y procesos de producción y trabajo. Exportación del trabajo sucio y/o peligroso Acción global de las corporaciones trans-nacionales de medicamentos y alimentos, p.ej. Cambio climático y complejas cuestiones ambientales Insuficiencia de los mecanismos de negociaciones existentes (Naciones Unidas, p.ej.) THE LANCET – UNIVERSITY OF OSLO COMMISSION ON GLOBAL GOVERNANCE FOR HEALTH GLOBAL GOVERNANCE FOR HEALTH: THE POLITICAL ORIGINS OF HEALTH INEQUITIES – PROSPECTS FOR CHANGE http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(13)62407-1/fulltext The Lancet volume 383 issue 9917 pages 630-667, 15 February 2014 http://ecos-crisfiocruz.bvs.br/tiki-index.php?page=producao_cientifica (português) Origens políticas globais das inequidades Crise financeira e consequentes medidas de austeridade Propriedade intelectual e industrial quanto a medicamentos e outros insumos para a saúde Tratados de comércio e investimentos Indústria, comércio e regulação de alimentos Atividades de corporações transnacionais Migração; e Violência armada Algumas conclusões e recomendações A ‘determinação social da saúde’ deveria constituir disciplina fundamental em todo e qualquer processo de formação em saúde pública Os projetos de pesquisa devem buscar introduzir a dimensão da determinação social da saúde na metodologia utilizada Os produtos resultantes (artigos, dissertações, teses, informes à sociedade e outros) jamais deveriam deixar de reconhecer (e comunicar) os laços identificados entre o objeto de estudo e o processo e componentes proximais e distais de sua determinação social Uma ‘agenda mínima’ sobre o tema deveria ser definida como resultado deste Colóquio Contextos determinantes para a ação das Escolas de Saúde Pública Contexto sócio-econômico e cultural Contexto epidemiológico e sanitário Contexto do sistema e serviços de saúde Contexto epistemológico Escolas de Saúde Pública Pesquisa, desenvolvimento e inovação Ensino Formação Cooperação técnica Ação comunitária direta Ações sobre os DSS para combater iniquidades Intervenções sobre os DSS para combate às iniquidades em saúde não podem ser entendidos como constituintes de mais um ‘programa’ Modo diferente de formular e executar políticas, de maneira sustentável e a longo prazo, incidindo nos vários níveis de determinantes: – proximais, vinculados aos comportamentos individuais; – intermediários, relacionados às condições de vida e trabalho; e – distais, referentes à macro-estrutura econômica, social e cultural Desenho e implantação das intervenções baseadas: – na ação coordenada de diversos setores; – baseadas em evidências, conhecimentos e informações; e – apoiadas por ampla participação social Ações sobre os DSS para combater iniquidades Adotar ‘equidade em saúde’ como centro das políticas de saúde implica em abandonar metas com base em médias populacionais, alcançáveis mesmo quando pobres não experimentam qualquer melhora e diferenças de saúde até se ampliam Como problemas de saúde se distribuem obedecendo a um gradiente social, objetivo das intervenções deve ser o de nivelar por cima, ou seja, procurar que a saúde dos diversos grupos sociais alcance o nível do grupo em melhor situação; Para reduzir diferenças em saúde, melhorias devem ser maiores entre grupos menos favorecidos, pois reduzir inequidades equivale a reduzir diferenças Bases estratégicas para ações sobre os DSS Governança para atuar sobre os DSS Estímulo a processos participativos na definição e implantação de políticas Fortalecimento do papel do setor saúde na redução das iniquidades Monitoramento e análise das tendências das iniquidades em saúde e dos impactos das ações sobre elas Esforço global de ação sobre os DSS Monitoramento e análise das tendências das iniquidades em saúde e dos impactos das ações Definição de políticas e programas efetivos no enfrentamento das iniquidades em saúde requer informações e conhecimentos confiáveis e de fácil acesso, pois permitem entender como operam os DS na geração das iniquidades, e onde e como devem incidir as intervenções para transforma-los Disponibilidade de informação sistemática que permita registrar desigualdades em todo o gradiente social com dados e indicadores desagregados de acordo com estratificadores sociais como classe social, renda, escolaridade, ocupação, local de residência e outros Monitoramento e análise das tendências das iniquidades em saúde e dos impactos das ações Existência de evidências não leva automaticamente à implementação de políticas sobre determinantes sociais Para traduzir as evidências em informações para ações sobre os DSS e à promoção da equidade em saúde, são necessários mecanismos que permitam comunica-las aos formuladores de políticas e outros atores relevantes Importante mecanismo são instancias de intermediação entre a produção da informação e o processo de tomada de decisão, tais como Observatórios que preduzam realizem e disseminem, de forma sistemática e contínua, revisões, sumários de políticas (policy briefs) e diretrizes de ação (guidelines for action), entre outros produtos Monitoramento e análise das tendências das iniquidades em saúde e dos impactos das ações Esforços de pesquisa se concentram em estudar, entre outros temas, onde se originam as iniquidades em saúde entre grupos sociais, quais são os caminhos pelos quais as causas básicas produzem as iniquidades em saúde e onde e como devemos intervir para reduzir as iniquidades em saúde Do ponto de vista conceitual e metodológico, importante desafio é a distinção entre os determinantes de saúde dos indivíduos e os da saúde de grupos e populações Alguns fatores importantes para explicar diferenças no estado de saúde de indivíduos, não o são para explicar diferenças entre grupos no seio de uma sociedade ou entre uma sociedade e outra Papel da saúde pública Inteligência: Geração de evidências e tradução das mesmas às políticas Advocacy da saúde e da ciência para a transformação das políticas sociais e de saúde em prol da equidade social e sanitária, nos níveis nacionais e global Formação de recursos humanos capazes de intervir técnica e politicamente no processo Defesa de sistemas de saúde universais, equitativos, integrais e de qualidade. Monitoramento político-técnico. Impregnar definição da Agenda de Desenvolvimento 2030 com o enfoque da determinação social da saúde Começar em casa: no País e por meio da Cooperação SulSul, aproximando os países e Institutos da UNASUL e da CPLP e aliados Papel dos INSs, ESPs e ETs Rede de Institutos, Escolas de Saúde Pública e Escolas Técnicas da UNASUL e CPLP: Institutos públicos em praticamente todos os países Principais orientações atuais Principais desafios temáticos: Saúde e desenvolvimento; determinação social da saúde; equidade em saúde; saúde e ambiente Principais desafios quanto às funções: aperfeiçoar existentes, se respondem aos respectivos sistemas de saúde Pesquisa e desenvolvimento tecnológico Formação de recursos humanos Monitoramento e avaliação da situação de saúde e dos sistemas de saúde Conexões com parlamento e sociedade civil Http http://dssbr.org