ENTENDER E MENSURAR A DOR DO OUTRO: INSTIUIR TERI ROBERTO GUÉRIOS CRM 6526 FILÓSOFO desde 2016 MÉDICO desde 1984, ORTOPEDISTA MEMBRO SBOT e da AAOS MÉDICO DA DOR MEMBRO SBED [email protected] Introdução Entender a dor como sintoma, mensurá-la e tratá-la é uma tarefa das mais difíceis para o médico. No início de sua vida clínica, pricipalmente, a dificuldade é ainda maior. Quando se avalia a privacidade advinda da palavra DOR, percebese esta se referir a algo exclusivamente pessoal. A tendência cientificista do médico: Inúmeras tentativas de mensurar a dor, TRANSFORMANDOUMA SENSAÇÃO PRIVADA EM ALGO MENSURÁVEL, são utilizadas -Algômetros -Escala Visual Analógica (EVA) -\ Completamente diferente de, através de um termômetro, medirmos febre ou de um Raio X vermos uma fratura, onde ambas mostram mensurabilidade em uma escala ou numa tebela de classificação. ********** Mas como, então, um médico pode tentar entender e tratar empiricamente/cientificamente outra pessoa que exclama tenho dor! à sua frente? Então para nos propormos a tratar a dor (ou qualquer outra afecção médica), temos que entendê-la sem necessariamente que esta a nós tenha ocorrido total ou parcialmente. De alguma maneira temos que ter acesso a certa ideia que nos permita construir uma estratégia terapêutica para o sintoma presente, e sempre baseado na informação do outro, no caso, o paciente. Poderíamos imaginar, como pintores, que ao pintarmos um quadro, se realmente seria algo factível a todos os indivíduos que a este quadro olham, enxergarem o azul celeste do firmamento por mim pintado da mesma maneira e com a nuance que quisemos transmitir. Heráclito + Parmênides = Platão e Mundo das Ideias Platão afirma filosoficamente que todos nós, através de nossa mente (ao que ele chama de espírito), e quando confrontados com uma situação real mesmo que desconhecida por nós, possamos relembrar a sensação gravada no nosso espírito antes do nosso nascimento, quando este ainda habitava o Mundo das Ideias. Era neste Mundo das Ideias que o espírito conhece os universais (o conceito geral) de todas as coisas. Quando nós entramos em contato com uma destas coisas aparentemente desconhecidas (no mundo existencial), via uma anamnese direcionada ao nosso espírito/mente, “relembramos” aquela impressão do conceito geral , universal, previamente conhecida. E assim, por Platão e sua dialética filosófica metafísica, temos plenas condições de interpretarmos, medirmos sua gravidade e tratarmos qualquer situação médica a despeito de não a termos vivido no mundo em que aqui estamos. Esta concepção metafísica esteve presente desde a filosofia de Platão até o começo do séc. XX. 1953 Ludwig Wittgenstein Investigações Filosóficas Em metafísica, distinugem-se três fases na história desta: i)a presente na filosofia antiga e medieval, onde o objeto central de estudo da metafísica seria o ser; ii)a da filosofia moderna - após Descartes e seu cogito, onde este ser seria abordade sob a égide da razão; iii)a abordagem da metafísica após Wittgenstein, mais especificamente após Investigações Filosóficas, onde Wittgenstein, através da análise da linguagem humana, pôe por terra esta abordagem platônica de um mundo metafísico espiritual. Na passagem 350: “… não é nenhuma elucidação dizer: a suposição de que ele tem dores é exatamente a suposição de que ele tem o mesmo que eu.”. Nas passagens 380 e 381, Wittgenstein sustenta que apenas a linguagem, sem a necessidade de um mundo metafísico platônico, seria suficiente para dar conta do problema do “entender o que os outros privadamente sentem”: “Não poderia aplicar nenhuma regra à passagem privada daquilo que é visto para a palavra. Aqui as regras estão realmente suspensas no ar; pois falta a INSTITUIÇÃO de sua aplicação. Como reconheço que esta cor é vermelha? Uma resposta seria: ‘Eu aprendi português’” Wittgenstein, assim, estabelece que com as inúmeras significações da linguagem, pode-se ter a possibilidade de apreender um conceito pessoal do outro, entendê-lo e reagir, se necessário. Chama a isto de instituição. A linguagem dá conta de, direcionando nosso espírito/mente, abarcar o entendimento de o que é dor, e especificamente a dor de uma questão particular e em outro indivíduo, dando assim ao médico as armas necessárias ao tratamento deste terrível sintoma. “Tem sentido dizer que os homens em geral estão de acordo aos seus juízos sobre dor? Como seria, se fosse diferente? - Este diria que a flor é vermelha, aquela, que é azul ets etc - Mas com que direito se poderia chamar então as palavras ‘vermelho’ e ‘azul’ desses homens, de nossas ‘palavras de cor’?” Explicita-se aqui a ideia de que, pelo fato de sermos humanos, temos as mesmas sensações e os mesmo sentimentos, ou seja, dor e suas mais variadas intensidades e formas, é dor igual em nós todos. Assim, intuir em Wittgenstein nada tem de metafísico. É uma função espiritual/mental pertinente à espécie homo sapiens. O universal de Platão, antes de estar em um mundo à parte, está dentro da linguagem, que é fruto do espírito/mente humanos. CONCLUSÃO A gramática filosófica da palavra dor, valendo-se da sua definição de significação e dentro dos inúmeros jogos de linguagem a ela aplicáveis nas mais variadas situações da comunicação entre o médico e o paciente, nos autoriza afirmar que podemos entender + mensurar mentalmente (instituir) e tratar a dor sentida pelo outro. E assim, o médico pode avaliar e tratar dor, como o pintor pode observar uma cor, pintá-la, e ter certeza que todos os indivíduos da espécie homo sapiens irão percebê-la da mesma maneira. 1 HEBECHE, Luiz, A Filosofia sub specie grammaticae – curso sobre Wittgenstein, https://ead2.moodle.ufsc.br/course/view.php?id=1700 2 HERÁCLITO, Os Pensadores. Os pré-socráticos. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973. 3 PARMÊNIDES, Os Pensadores. Os pré-socráticos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 4 PLATÃO, Teeteto - Crátilo, Domínio Público, 2001 5 PLATÃO, A República, Editora Escala, 1996 6 SPINELLI, Miguel. Filósofos Pré-Socráticos. Primeiros Mestres da Filosofia e da Ciência Grega. 2ª edição. Porto Alegre: Edipucrs, 2003, pp.167-271. 7 WITTGENSTEIN, Ludwig, Investigações Filosóficas, Os Pensadores, Editora Nova Cultural, 1999 OBRIGADO [email protected]