SiMiKsi: NOVA FASL V. 22 N. 6 9 (1995): 259-265 HEGEL: A FILOSOFIA Marilene COMO Rodrigues CESBelo SISTEMA de Mello Brunelli Horizonte, MG H E G E L , Georg W . Friedrich, Enciclopédia das Ciências Filosóficas cm compêndio: WM) ( T r a d . 1'aulo Monoscs, com a colaboração do José Machado), S ã o Paulo: L o y o l a , 1995, V o l . 1, 443 p p . , I S B N 85-15-01069-0 A s Edições Loyola, com esta publicação e m língua portuguesa, oferecem ao estudioso da filosofia u m dos textos mais importantes do pensamento filosófico sistemádco e, considerado por alguns intérpretes, o mais completo do Idealismo A l e m ã o . A Enciclopédia das Ciências Filosóficas em compêndio é o pensamento d a filosofia enquanto sistema, ou seja, é a r e c u p e r a ç ã o conceptual d e Ioda a história da filosofia ocidental, u m balanço filosófico da e v o l u ç ã o da cultura ocidental e m todos os seus aspectos: político, filosófico, econônuco, social e etc. Segundo Hegel, nào s e pode fundar u m a nova filosofia s e m retornar ao passado. Além do mais, é u m a obra importante para a filosofia c o n t e m p o r â n e a , porque é o ponto de partida d e grandes correntes no c a m p o da lógica, da filosofia do espírito, da filosofia social, política, morai e etc. Sinlese Nova Fa^v. Belo HorUoníe, u. 22, n. 68. 1995 259 É nesta obra que Hegel consegue realizar o seu p r o p ó s i t o expresso no prefácio, publicado como prefácio da Fenoiiieiiolo^ia do Espirilo. m a s que, na realidade, é u m prefácio ao sistema, importante para entender a Lncidopcáia: "A verdadeira figura, em que a verdade existe, só pode ser o seu sistema cientifico. Colaimar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência-da meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser salhr efetina-i' isto que me proponho" ( H E G E L , Fenomenologia do Espirito. T r a d . Paulo Meneses, 1'etrópolis: Vozes, 1992, p. 23). Ü p r o p ó s i t o d e Hege! é construir u m sistema que soja ao mesmo (empo e x p r e s s ã o do sujeito e pensamento do Absoluto. T o d a essa problemática c o m e ç a a surgir no tempo d e lena. Hegel procura mostrar q u e só é possível construir o sistema se o h o m e m for capaz de transgredir s u a finitude e entrar no d o m í n i o da r a z ã o . N o sistema de leoa, já encontramos delineado o esquema futuro da Luciclopcdia. O problema central, e n t ã o , é o da i n t r o d u ç ã o ao sistema, e esta preocupação acompanha Hegel até a r e d a ç ã o da Enciclope'ditt. A situação do sistema c o m relação ao sujeito que pensa, o problema da lógica do sistema que, e m lermos hegelianos, significa como passar do entendimento, que trata da finitude, à razão, q u e é o pensamento do infinito, e ci>mo ordenar a s partes do sistema (estrutura) s ã o questões fundamentais para ele. N a Fenomenoiogia do Espirito, Hegel mostra q u e a i n t r o d u ç ã o possível ao sistema, para o sujeito, acontece quando ele se eleva ao Saber Absoluto (Ciência). Tendo definido o conceito de ciência, coloca o problema de como discorrer sobre ela, ou seja, como construir u m a estrutura discursiva do sistema da razão (Conceito). A introdução fenomenológica aponta, para Hegel, a necessidade de outra i n t r o d u ç ã o — i n t r o d u ç ã o sistemát i c a — que ê a extensão cio caminho fenomenológico, porque é esle que permite a Hegel formular, como u m falo da experiência da razão, o conceito preliminar d o q u e é a ciência. fim N u r e m b e r g , onde foi professor e reitor do ginásio, redige diversos esquemas de cursos, reunidos e publicados posteriormente com o título de Propedêutica Filosófica, onde procura apresentar u m a síntese d e Ioda a filosofia. E s s e s cursos, d e finalidade didática, foram redigidos segundo as normas do ensino público que recomendavam que os objetos do saber científico d e v i a m ser reunidos e m u m a enciclopédia filosófica e não tratados separadamente, t. preciso lembrar q u e esses cursos não s ã o u m estágio no sentido estrito d o pensamento d e H e g e l , apenas ajudam a entender a e v o l u ç ã o d a lógica d e lena para a Ciência da Lógica. A lógica apresentada neles não é u m resumo d a lógica definitiva, mas, quando muito, u m esquema anlecipatório. Provavelmente, llegel encontra, aí, a inspiração d e u m a nova forma para redigir o seu sistema. O s anos passados e m N u r e m b e r g (18<18-1816) s ã o importantes para elaboração do s e u sistema. Neste período, redige a primeira parte dele —Ciência da Lógica— que contém dois volumes; lógica objetiva (lógica do ser e ló- |260 I Sinlese Nova Fase. Belo Horizonte, o. 22. n. 68. 1995 gica da e s s ê n c i a - 1 8 1 2 / 1 8 1 3 ) , qui? retoma e refunde os conceitos chaves da metafísica cla'ssica até Leibniz, e lógica subjetiva (lógica do conceito-1816), onde repensa, e m termos dialéticos, os temas d a lógica formal, fazendo uma espécie de inversão total desta, mostrando que o mais importante é a forma do manifestar-se da verdade —o conceito. Q u a n d o foi c h a m a d o à U n i v e r s i d a d e de Heideiberg, H e g e l , pelas injunções circunstanciais, n ã o pode continuar a expor o s e u sistema nas p r o p o r ç õ e s que a primeira parle assumira, e passa a e x p õ - l o sob a forma enciclopédica. N a Enciclopédia, a elaboração abreviada d a lógica foi facilitada, porque já tinha publicado a Ciência da Lógica, o mesmo não acontecendo c o m as outras duas partes —filosofia d a natureza e filosofia do espírito—, o que justifica certa taita de equilíbrio encontrada ao longo da obra, ora trechos densos, ricos e bem elaborados, ora trechos muito esquema ticos, áridos e enigmáticos, não imped i n d o , no entanto, t]ue ela se transforme n u m texto magistral. A forma enciclopédica não é algo inventado por Hegel. N a Antigüidade clássica, enciclopédia designava a f o r m a ç ã o completa que abrangia todos os conhecimentos necessários para esta f o r m a ç ã o , e, no século X V I I I , adotada pelos enciclopedistas, significava a capacidade de organizar sistematicamente, sob u m determinado princípio, todo o desenvolvimento cultural a l c a n ç a d o pela h u m a n i d a d e , que a permitia chegar a sua maturidade. N a Enciclopédia, há como que u m a junção desses dois aspectos. Hegel quer desenvolver a f o r m a ç ã o do espírito para a plena consciência-de- si e mostrar que esta tem como c o n t e ú d o o saber que, na e x p r e s s ã o mais acabada, é a filosofia. O saber ó o esquema interpretativo da vida e permite ao indivíduo aplicá-lo a todas as suas atividades. A Enciclopédia não é, portanto, u m a s u m a de conhecimenlos, mas a exposição que, segundo a terminologia tiegeliana, significa que o conhecimento é u m a totalidade capaz de se desdobrar e m todos os seus aspectos a partir da sua força imanente. Portanto, a p r e s s u p o s i ç ã o d a Enciclopédia é d e que o p e n s a m e n t o é autoorganizador, e esta pressuposição é demonstrada com o desenrolar do pensamento, ou seja, c o m a c o n s t r u ç ã o da Enciclopédia, só sendo justificada com o término do último parágrafo. Dito de outra forma, a pressuposição hegeliana é a identidade formac o n t e ú d o (p. 13). O c o n t e ú d o é aquele que se dá a si mesmo a sua forma — s u a racionalidade—, e a racionalidade é aquilo que se d á a si mesmo o seu c o n t e ú d o — s u a realidade. Para Hegel, a atividade do pensamento é u m a e x p o s i ç ã o desta identidade, de tal modo que ela deixe de ser u m puro dado, mas identidade e m seu movimento, identidade que se autoconstrói, e isso é que é sistema. E o movimento do nosso conhecimento na sua forma superior que se chama razão. T u d o que o indivíduo possui e a d v é m das suas experiências só é conteúdo. Síntese Nova Fase. Belo Horizonte, v. 22, n. 68, 1996 \ 261 para ele, na medida e m que for idêntico c o m a forma que foi pensado, o u com a r a z ã o que se pode dar a ele. Por isso, a Enciclopédia traia da r a z ã o e m si mesma (Ciência d a Lógica), da r a z ã o na natureza (Filosofia da Natureza) e da razão na história (Filosofia do Espírito). Essa ordem não é arbitrária, mas u m a das ordens possíveis, segundo a qual o conteúdo se expõe, c a esse movimento do c o n t e ú d o é que Hegel chama de m é t o d o (caminho). Q u a n d o o pensamento atinge a radicalidade de pensar-se a si mesmo (reflexão), apresenta-se como o caminho para o indivíduo caminhar a t r a v é s das representações (Idéia Absoluta, pp. 366/ 371). Isso permite a Hegel criticar o subjetivismo r o m â n t i c o , para o qual o sentimento da verdade é que é tudo, e sobretudo o ceticismo criticisla, segundo o q u a ! o h o m e m é incapaz de exprimir a verdade. A Luciclapedia é u m a resposta a estas duas tendências. F a l a n d o e m termos editoriais, a Eiiciclope'dia recebeu três e d i ç õ e s : Heideiberg (1R17) e Berlim (1827/1830). A segunda e a terceira edições, e m relação à primeira, aumentaram muitos parágrafos e modificaram alguns. A terceira e d i ç ã o , e m r e l a ç ã o à anterior, i n t r o d u z a l g u m a s m u d a n ç a s para tornar sua e x p o s i ç ã o m a i s clara (p. 33), mas, quanto às articulações essenciais, não há diferença entre elas. N a e d i ç ã o do texto, como o próprio tradutor c h a m a a a t e n ç ã o (p. 9), é preciso separar o texto escrito por Hegel, parágrafos e notas, e os adendos, fruto das explicações orais, feita pelo professor, e anotada pelos alunos. A edição e m língua portuguesa é a t r a d u ç ã o da e d i ç ã o de 1830 e foi d i v i d i d a e m três volumes, contendo, o primeiro v o l u m e , os prefácios das três ediç õ e s , a i n t r o d u ç ã o e a Ciência da Lógica. Podemos encontrar, no próprio Hegel, a e x p l i c a ç ã o da significação d a EiicicIo}H'dia. No primeiro prefácio, mostra que esta obra é u m texto didático, uma seqüência de leses, cujo desenvolvimento e esclarecimento seriam dados nas aulas. Isto é verdade se a considerarmos só sob o aspecto formal, porque, do ponto de vista do c o n t e ú d o , seu desenvolvimento é absolutamente sistemático. N o prefácio à segimda edição, Hegel já estava e m Berlim e tinha experiência docente de II) anos do desenvolvimento do c o n t e ú d o da Lnciclope'dia ( C u r s o s de Berlim). Depois de reafirmar que o seu pensamento se c o n t r a p õ e ao Romantismo e ao nacionalismo, mostra que seu objetivo é definir o verdadeiro m é todo filosófico (caminho) que c o n d u z ao conhecimento d a verdade, t. a tentativa de restaurar o c o n t e ú d o com relação à forma, cujo crescimento fez com que o homem ocidental só se preocupasse com o pensamento na sua instrumentalidade e não com o fato desse pensamento ter ou não conteúdo. I;m última análise, é mostrar a identidade forma e c o n t e ú d o que não é estática, mas dinâmica. C o m o afirma o p r ó p r i o 1 legel (p. 17), é o caminho mais d i h a t , mas é o único que tem valor. Hegel passa, a partir desle prefácio, a dar ênfase à relação entre filosofia e religião, considerada, aqui, não do ponto de vista d a necessidade subjetiva do 262 Síntese Noita Fase, Belo Horizonte, v. 22, n. 68, 1995 indivíduo de crer, mas enquanto forma encontrada pelo h o m e m para exprimir sua visão do m u n d o como c o n t e ú d o d a verdade. H e g e l , ao contrário do romantismo e sua teoria do sentimento religioso (satisfação da necessidade subjetiva da religião a t r a v é s do sentimento) e d a Aufklãrung c o m sua rejeição d a religião (estágio d a h u m a n i d a d e a ser ultrapassado), procura mostrar a transposição d a visão religiosa do m u n d o para u m a visão racional, mas s e m esvaziar o c o n t e ú d o d a religião. O c o n t e ú d o d a religião e da filosofia é o m e s m o (p. 25). O que a religião apresenta c o m o representação, a filosofia apresenta como pensamento, e cabe à r a z ã o dar u m sentido ao c o n t e ú d o da experiência h u m a n a total, A visão de totalidade, que era d a d a pela religião, passa a ser dada pela r a z ã o . O prefácio à terceira edição retoma os temas dos prefácios anteriores, insistindo e m mostrar que as filosofias do sentimento e do entendimento não tinham c o n d i ç ã o de apresentar uma imagem rador\al do m u n d o , de transpor no registro d a r a z ã o o que era a visão religiosa do mundo. A i n t r o d u ç ã o s ã o d e z o i t o p a r á g r a f o s , o n d e a p r e s e n t a de m o d o condensado o que entende por filosofia. N o s primeiros parágrafos, Hegel reproduz as idéias presentes nos prefácios e na aula inaugural, pronunciada em 1818, quando assumiu a cadeira de filosofia e m Berlim. Depois, apresenta a gênese teórica d a filosofia, a relação desta gênese com a sua gênese histórica, a estrutura sistemática da filosofia, a relação da filosofia com o filósofo, o problema do c o m e ç o da filosofia e a decisão de filosofar e, finalmente, a estrutura interna do sistema como movimento d a idéia. Sendo a filosofia o auto-engendramento de si mesmo no conceito, esse movimento é t a m b é m u m a autodivisão d a idéia e m ciência da lógica, filosofia da natureza e filosofia do espírito, A Enciclopédia unifica as três dimensões sobre as quais o real se apresenta, mas não p o d e m o s pressupor nem a divisão anterior ao todo e nem o todo acabado anterior às partes para c o m e ç a r a descrevê-lo. O discurso mostra o todo se desdobrando e, depois, retornando a si mesmo. A representação e m três partes não é constitutiva do sistema. O que reproduz são os momentos continuamente passando u m no outro. A Ciência da Lógica c o m e ç a pelos conceitos preliminares, onde Hegel explica o que significa o lógico no sistema, termo que leva muitas vezes a u m a visão deformada do que seja a lógica de Hegel. A tarefa da lógica r\ão é estudar as regras formais do pensamento. E l a c o m e ç a pressupondo que o conhecimento atingiu o Saber Absoluto, onde o lógico apresenta-se s e m referência a qualquer exterioridade. O lógico é a forma mais radical de ser, iogo, d i z respeito ao conteúdo. E a ciência do pensamento c o m o conteúdo. Hegel retoma a distinção que faz entre r e p r e s e n t a ç ã o e pensamento, e afirma que a filosofia é a t r a n s f o r m a ç ã o da r e p r e s e n t a ç ã o em pensamento. Seu esforço é no Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, u. 22. n. 68. 1995 \ 263 sentido de mostrar que n à o há perda de c o n t e ú d o nesta passagem. O pensamento tem o momento abstrato, mas ele n ã o permanece aí, passando para o momento concreto do pensamento (conceito). lista passagem do abstrato para o concreto é o desenrolar d o pensamento no seu c o n t e ú d o próprio, c o n t e ú d o que o pensamento se dá a si mesmo, e não o que tira do sensível. Bm seguida, Hegel desenvolve uma grande d i s c u s s ã o com o que denomina as três posições do pensamento diante da objetividade da metah'sica: o Racionalismo, o E m p i r i s m o e o Saber Imediato (pp. 89-156). E s s a s considerações mostram que as formas de filosofia, encontradas na tradição, n ã o resolvem o problema do pensamento como c o n t e ú d o (relação f o r m a / c o n t e ú d o ) e tem que passar para o nível da razão (dialético). No "Conceito m a i s preciso e divisão da lógica" (pp. 159-169), Hegel mostra que o pensamento não se o p õ e ao real, mas que é o c o n t e ú d o do pensamento que d á consistência ao real. Para tanto, explica a estrutura formal do discurso. Hegel não constrói u m a lógica e m c o n t r a p o s i ç ã o à lógica formal, no sentido de que esta não seja importante e nem que não a use, mas d á a sua v e r s ã o definitiva dos três aspectos do lógico: a) o abstrato, d o m í n i o do entendimento que cria os conceitos abstratos; b) o dialético, domínio d a r a z ã o negativamente racional que dissolve a fixidez dos conceitos do entendimento; c) o especídativa, d o m í n i o d a r a z ã o positivamente racional que restabelece a u n i d a d e das oposições. E s s e movimento é imanente ao conceito (dialético). Ü conceito é o que constitui a verdade das coisas, lem d e ser conhecido a t r a v é s d a sua gênese que se faz no próprio terreno lógico. Falar de como c o m e ç a r a discorrer sobre o lógico é, na verdade, falar de como o lógico c o m e ç a a se expor. C o m o afirma Hegel (p. 65), a lógica, do ponto de vista da r e p r e s e n t a ç ã o , é a ciência m a i s difícil, e, d o ponto de vista do conceito, é a m a i s fácil, porque só trata de si mesma. Por isso, c o m e ç a na noção de ser que é o conceito na sua imediaiez, depois, o ser se cinde no ser e no seu aparecer, surge a essência, e a verdade dessa cisão é o conceito que mostra como desenvolveu, a partir do ser, a sua r a z ã o de ser. O conceito é a r a z ã o de ser do ser. O ser, a essência e o conceito são os momentos constitutivos do caminho seguido na Ciência da Lógica. Portanto, no seu aspecto estrutural, a lógica divide-se e m : a doutrina do ser (pp. 173-219), a doutrina da essência (pp. 222-2S9) e a doutrina do conceito e da idéia (pp. 292-371). O começo é o imediato (saber puro), que é o puro nada, e do qual tudo vai proceder, e, nesse sentido, é o fundamento. Ü c o m e ç o é supra.ssumidn pelo desenvolvimento do próprio discurso e, como tal. pode .ser objeto de u m conhecimento científico. Por isso, Hege! d i z . o c o m e ç o não tem nenhuma d e t e r m i n a ç ã o , é o ser e o nada (não-ser) que vai se desenvolver e se tornar tudo. N ã o é d e v i r (movimento) no sentido físico, mas processo puramente lógico. A lógica do ser é o processo do pensamento que tem por gênese intrínseca as d e t e r m i n a ç õ e s do pensamento (quali- 264 Sinteae Nova Fase. Belo Horixonte, v. 22, n. 68, 1995 dade-qiiantidade-medidil) na forma da imediafcz. T e n d o desdobrado todas essas d e t e r m i n a ç õ e s , o pensamento vai além do imediato e surge o mediato — a essência. Esta é a verdade do ser que retorna a si mesmo (reflexão) e, por isso, é dominado pela o p o s i ç ã o ser/aparecer, porque, q u a n d o faz o retorno, aparece o que é, mas não pode justificar o que é. N a essência, o ser afirma a s u a identidade não m a i s imediatamente, mas mediatizada pela lógica do ser. E o conceito é a verdade dialéliia do ser (imediato) e da essência ( m e d i a ç ã o ) , O conceito desenvolveu-se a partir do ser, mas, c o m o se trata de u m esquema circular, esse desenvolvimento é u m aprofundamento dialético do ser e m si mesmo (pp. 288/289-nota). A c o m p a n h a n d o o discurso da lógica, alc a n ç a m o s o princípio na sua e x p r e s s ã o última, o c o n t e ú d o que se sabe a si mesmo (autoconsciência), e, enquanto tal, é forma infinita, identidade demonstrada de forma e c o n t e ú d o — a Idéia Absoluta. E o resultado e, por isso, é o retorno ao c o m e ç o , e esse é s u p r a s s u m i d o na plenitude do fim, O ser é reassumido para tornar-se a plenitude da realidade. E s s e retorno à imediatidade do ser, no termo do processo lógico, é u m retorno que s u p r a s s u m e todas as d e t e r m i n a ç õ e s d a esfera do lógico e, ao mesmo tempo, é o c o m e ç o de unia nova esfera. Isso significa que o lógico vai se de s e nvol ve r de novo, não mais na forma do puro lógico, mas na forma da imediatidade; a Idéia é e m si m e s m a , é na sua imediatidade e, como tal, é natureza (p. 371)). Para terminar essa breve a p r e c i a ç ã o , gostaria de chamar a atenção do leitor para a oportuna publicação, e m apêndice, da t r a d u ç ã o da apres e n t a ç ã o de B. Bourgeois, feita para a sua t r a d u ç ã o francesa da £(icjclopédia. Trata-se, s e m d ú v i d a , de u m dos intérpretes mais notável de Hegel e sua análise é u m instrumento valioso para todos que se interessam pela leitura d o texto hegeliano. A l e m disso, quero ressaltar a qualidade gráfica desta edição. E a d m i r á v e l o esforço das Edições Loyola em colocar à disposição do leitor brasileiro, numa excelente edição, u m texto de inquestionável valor para a bibliografia filosófica, E , finalmente, parabenizar o tradutor pelo seu empreendimento ousado, Irata-se de u m trabalho gigantesco, desenvolvido c o m grande competência. A terminologia hegeliana apresenta grande dificuldade, reconhecida por todos os estudiosos d o seu pensamento, e sua traduç ã o torna-se m a i s difícil ainda n u m a língua onde não existe uma terminologia cuja significação seja aceita pela maioria dos filósofos. E importante para o discurso filosófico, e m língua portuguesa, a constituição de u m léxico da linguagem filosófica, e só traduções do nível desta t r a d u ç ã o , magistralmente correta sob todos os aspectos, é que podem contribuir p a r a isso. Síntese Nova Fase, Belo HoritorUe. v. 22. n. 68, 1995 f "^^l sentido de mostrar que nào há perda de c o n t e ú d o nesta passagem. O pensamento tem o momento abstrato, mas ele não permanece aí, passando para o momento concreto do pensamento (conceito). Esta passagem do abstraio para o concreto é o desenrolar do pensamento no seu c o n t e ú d o próprio, c o n t e ú d o que o pensamento se dá a si mesmo, e não o que tira do sensível. E m seguida, Hegel desenvolve u m a grande discussão com o que denomina as três posições do pensamento diante da objetividade da metah'sica: o Racionalismo, o E m p i r i s m o e o Saber Imediato (pp. 89-156). E s s a s c o n s i d e r a ç õ e s mostram que as formas de filosofia, encontradas na tradição, não resolvem o problema do pensamento como c o n t e ú d o (relação forma/conterido) e tem que passar para o nível d a razão (dialético). No "Conceito mais preciso e divisão da lógica" (pp. 159-169), Hegel mostra que o pensamento não se o p õ e ao real, mas que é o c o n t e ú d o do pensamento que dá consistência ao real. Para tanto, explica a estrutura formal do discurso. Hegel não constrói u m a lógica e m c o n t r a p o s i ç ã o à lógica formal, no sentido de que esta não seja importante e nem que não a use, mas dá a sua versão definitiva dos três aspectos do lógico: a) o abstrato, d o m í n i o do entendimento c]ue cria os conceitos abstratos; b) o diaWtico, d o m í n i o da r a z ã o negativamente racional que dissolve a fixidez dos conceitos do entendimento; c) o especulativo, d o m í n i o d a r a z ã o positivamente racional que reslat>elece a u n i d a d e das oposições. E s s e movimento é imanente ao conceito (dialético). O conceito é o que constitui a verdade das coisas, tem de ser conhecido a t r a v é s da sua gênese que se faz no próprio terreno lógico. Falar de como c o m e ç a r a discorrer sobre o lógico é, na verdade, falar de como o lógico c o m e ç a a se expor. C o m o afirma Hegel (p. 65), a lógica, do ponto de vista da r e p r e s e n t a ç ã o , é a ciência mais difícil, e, do ponto de vista do conceito, é a mais fácil, porque só trata de si m e s m a . Por isso, c o m e ç a na noção d e ser que é o conceito na s u a imediaiez, depois, o ser se cinde no ser e no seu aparecer, surge a essência, e a verdade dessa cisão é o conceito que mostra como d e s e n v o l v e u , a parHr do ser, a sua razão de ser. O conceito é a razão de ser do ser. O ser, a essência e o conceito são os momentos constitutivos do caminho seguido na Ciência da Lógica. Portanto, no seu aspecto estrutural, a lógica divide-se e m : a doutrina do ser (pp. 173-219), a doutrina da essência (pp. 222-289) e a doutrina do conceito e da idéia (pp. 292-371). O começo é o imediato (saber puro), que é o puro nada, e do qua! tudo vai proceder, e, nesse sentido, é o fundamento. O c o m e ç o é s u p r a s s u m i d o pelo desenvolvimento do próprio di.scurso e, como tal, pode ser objeto de u m conhecimento científico. Por isso, Hegel d i z . o c o m e ç o não tem nenhuma d e t e r m i n a ç ã o , é o ser e o nada (não-ser) que vai se desenvolver e se tornar tudo. N ã o é devir (movimento) no sentido físico, mas processo puramente lógico. A lógica do ser é o processo do pensamento que tem por gênese intrínseca as d e t e r m i n a ç õ e s do pensamento (quali- I 2fiA~] SinUse Naoa Fase, Belo Horizonte, v. 22, n. 68, 1995 dade-quantidade-medida) na forma da imediatez. T e n d o desdobrado todas essas d e t e r m i n a ç õ e s , o pensamenlo vai além do imediato e surge o mediato — a essência. Esta é a verdade do ser que retorna a si mesmo (reflexão) e, por isso, é d o m i n a d o pela oposição ser/aparecer, porque, quando faz o retorno, aparece o que é, mas não pode justificar o que é. N a essência, o ser afirma a sua identidade não m a i s imediatamente, mas mediatizada pela lógica d o ser. E o conceiio é a verdade dialética do ser (imediato) e da essência ( m e d i a ç ã o ) . O conceito desenvolveu-se a partir do ser, mas, como se trata de u m esquema circular, esse desenvolvimento é u m aprofundamento dialético do ser em si mesmo (pp. 288/289-nota). A c o m p a n l i a n d o o discurso da lógica, alc a n ç a m o s o princípio na sua e x p r e s s ã o última, o c o n t e ú d o que se sabe a si mesmo (autoconsciência), e, enquanto tal, é forma infinita, identidade demonstrada de forma e c o n t e ú d o — a liie'ia Absoluta. E o resultado e, por isso, é o retorno ao c o m e ç o , e esse é s u p r a s s u m i d o na plenitude do fim, O ser é reassumido para tornar-se a plenitude da realidade. Esse retorno à imediatidade do ser, no termo do processo lógico, é u m retorno que s u p r a s s u m e Iodas as d e t e r m i n a ç õ e s da esfera d o lógico e, ao m e s m o fempo, é o c o m e ç o d e uma nova esfera. Isso significa que o lógico vai se desenvolver de novo, não mais na forma do puro lógico, mas na forma da imediatidade; a Idéia é e m si mesma, é na sua imediatidade e, como tal, é natureza (p, 370). Para terminar essa breve a p r e c i a ç ã o , gostaria de chamar a a t e n ç ã o do leitor para a oportuna publicação, e m apêndice, da t r a d u ç ã o da apresentação de ti, Dourgeois, feita para a sua t r a d u ç ã o francesa da Enciclopáiia. Irata-se, s e m d ú v i d a , de u m dos intérpretes mais notável de Hegel e sua análise é u m instrumento valioso para todos que se interessam pela leitura do texto hegeliano, Além disso, quero ressaltar a qualidade gráfica desta edição. E admirável o esforço das Edições Loyola em colocar à disposição d o leitor brasileiro, n u m a excelente edição, u m texto de inquestionável valor para a bibliografia filosófica. E , finalmente, parabenizar o tradutor pelo seu empreendimento ousado. Trata-se de u m trabalho gigantesco, desenvolvido c o m grande competência, A terminologia hegeliana apresenta grande dificuldade, reconhecida por todos os estudiosos do seu pensamento, e sua traduç ã o torna-se mais difícil ainda n u m a língua onde não existe u m a terminologia cuja significação seja aceita pela maioria dos filósofos. É importante para o discurso filosófico, e m língua portuguesa, a constituição de u m léxico d a linguagem filosófica, e só t r a d u ç õ e s do mVel desta tradução, magistralmente correta sob todos os aspectos, é que podem contribuir para isso. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 22, n. 68, 1995 \ 266 |