comparação entre sistemas de saúde mostra

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Gestão da Saúde Pública
COMPARAÇÃO
ENTRE SISTEMAS
DE SAÚDE MOSTRA
IMPORTÂNCIA
DA GESTÃO DOS
SERVIÇOS
F
ui convidado pela “Ideias em
Mesmo considerando as especificidades
Gestão” para escrever sobre
de cada país, é possível destacar três
as diferenças entre os sistemas
aspectos em que vejo importantes
de saúde do Reino Unido e do Brasil.
diferenças entre o sistema de saúde do
O convite chegou a mim por ser um
Reino Unido e o de nosso país: confiança,
médico brasileiro, sócio de uma clínica
informação e opção, tópicos que serão
de hemodiálise em Santa Catarina,
abordados neste artigo.
morando por um ano em Sheffield
(Inglaterra) para desenvolver pesquisas
Anderson Ricardo Roman Gonçalves
acadêmicas em nefrologia.
O Reino Unido já foi o maior império do
mundo, protagonista central na última
grande guerra e participante ainda de
ações bélicas em diversas regiões do
planeta. Tem cultura e história diferentes
do Brasil, reconhecido poderio
econômico-financeiro e, certamente,
recursos para investir em saúde.
32
IDEIAS EM GESTÃO
Os sistemas
A medicina britânica é principalmente
pública, de acesso universal. Serviços
médicos privados é uma exceção. O
sistema de saúde britânico nasceu após
o término da Segunda Guerra, em 1948.
O sistema foi estruturado e planejado a
partir da experiência dos profissionais
da área, direcionado para o interesse da
população.
Àquela época, o país renascia da
No Brasil, governantes e políticos
destruição causada pelos bombardeios
também são atendidos em instituições
alemães. Surtos de criatividade
públicas, porém apenas em algumas
permitiram a adaptação às dificuldades da
poucas que dispõem de financiamento
época. Os ingleses aprenderam a cuidar de
de exceção, muito acima do restante da
si e da infraestrutura básica das cidades,
rede (caso do Incor, em São Paulo, ou o
os programas
especialmente escolas e hospitais. Estes
Sarah Kubitschek, em Brasília).
de atenção
Doar para o sistema de saúde baseava-se
É parte da tradição britânica que o
básica à saúde,
(e continua se baseando) no conceito de
paciente seja tão responsável pelo
que a soma doada seria utilizada para o
sistema quanto os profissionais que
em especial
bem comum. Esse pano de fundo permitiu
o atendem. Ao comparecer a uma
a estratégia
que a população acreditasse no sistema e,
consulta, o paciente britânico é
como reflexo, que o sistema funcionasse
informado de seu problema e quais as
de saúde da
da melhor forma possível para os usuários.
suas responsabilidades no tratamento.
família, o sus
Essa cultura persiste.
Tanto o sucesso quanto a derrota
cresceram com apoio financeiro local.
“
apesar de
aVanços, como
no processo são compartilhados.
é um sistema
No Brasil, o SUS nasceu seguindo uma
No Brasil, a responsabilidade pelo
com mais de 20
ideia brilhante de universalização de
sucesso ou insucesso do tratamento
serviços, mas pouco se apoiou (ou se
é exclusiva do prestador, no caso, o
anos que ainda
apoia) na experiência dos profissionais
serviço de saúde, o hospital ou mesmo
engatinha em
de saúde. As ideias para criação do
o médico. O resultado, em nosso país, é
sistema foram apresentadas sem uma
a desconfiança no sistema de saúde e a
Vários aspectos,
profunda e extensa reflexão anterior.
transferência para a pessoa do médico
tais como
O resultado é um sistema com mais de
das “glórias” pelos bons resultados e
20 anos que ainda engatinha em vários
também das “culpas” pelos insucessos
financiamento,
aspectos, tais como financiamento,
dos tratamentos.
estrutura,
Informação
metas e
O sistema britânico é alimentado por
qualidade.
estrutura, metas e qualidade, apesar de
avanços significativos, como o programa
de atenção básica à saúde, em especial
a estratégia de saúde da família, algo
similar ao sistema de General Practioners
britânico.
um amplo sistema de informações
”
gerenciais. Além de números de
procedimentos realizados (informação
Confiança
que existe também no Brasil), há dados
Independentemente da classe social, o
medidas preventivas de saúde até
britânico confia no sistema. Há pouca
percentual de tratamento, que seguem
diferença de qualidade entre os serviços
orientações científicas da sociedade
público e privado. O primeiro-ministro,
médica britânica. As verbas destinadas
se necessário, é atendido em instituição
aos serviços de saúde dependem do
pública.
atingimento das metas estabelecidas.
sobre metas. Metas, que vão desde
FACULDADE AIEC
33
Dessa forma, o sistema é planejado e
Com os valores pagos pelo SUS, no
recebe um financiamento adequado.
Brasil, atualizar equipamentos é
um objetivo distante. Atualização
No Brasil o financiamento do SUS é
surreal. É impossível o sistema funcionar
apenas com os valores pagos por
profissional acontece como esforço
individual, não sistemático ou
organizacional como deveria.
procedimento. Cabe ao prestador final
encontrar alternativas de sobrevivência.
O governo federal se omite quanto a uma
discussão madura na área. Sob influência
de grupos de interesse, os valores a serem
pagos são definidos a partir de critérios
políticos e não técnicos. Pouco se pensa
em qualidade no momento de se projetar
o financiamento.
Assimetria de informações
Em coluna na Folha de São Paulo
(16.01.2011), o economista Luiz Carlos
Bresser Pereira, assim justifica sua
objeção à privatização dos serviços de
saúde: “Porque na saúde o mercado
não é um bom alocador de recursos.
Principalmente, não garante a
A minha área específica serve de exemplo.
qualidade que os serviços de saúde
Trabalho com hemodiálise, procedimento
devem ter. Porque os seus usuários
médico para pessoas com doença renal
– pacientes e suas famílias – não têm
avançada. As unidades de hemodiálise
as informações necessárias para que
do governo federal fornecem avaliações
o mercado possa funcionar bem. A
claras dos custos. Os valores pagos pelo
assimetria de informações é gritante. E
SUS, porém, são sabidamente inferiores à
porque o serviço mal feito é algo muito
qualidade exigida pelas portarias federais.
mais grave do que um mau serviço de
Essa realidade é de conhecimento do
limpeza, ou de digitação de dados”.
governo federal, mas ele posterga a
solução enquanto o sistema funciona,
bem ou mal. A lógica do gestor, no caso
o Ministério da Saúde, é um mistério
para o prestador, no caso as clínicas de
hemodiálise.
A assimetria de informações é uma
das raízes da desconfiança no sistema
de saúde brasileiro. Regra geral, a
cultura brasileira coloca o profissional
médico em um patamar social acima do
paciente, quase intocável. Passa, assim,
Com grande contraste, no Reino Unido,
a ter privilégios, como o de fornecer ao
os valores pagos permitem manter um
paciente apenas as informações que
tratamento de qualidade exemplar.
julga importantes – o que nem sempre é
Equipamentos atualizados, profissionais
o melhor. No sistema britânico, há uma
remunerados e treinados são fatores
orientação a ser seguida (guideline) que
fundamentais para atingir metas
inclui informações a serem passadas ao
crescentes de qualidade. O governo
paciente. É preciso citar que a cultura
britânico aceita as informações de
médica brasileira vive um processo de
feedback dos prestadores e ajusta a
transformação que parte dos sistemas
remuneração ao mesmo tempo em que
de gestão de qualidade e do Conselho
ajusta suas metas.
Federal de Medicina, que busca trazer o
melhor da medicina para o paciente.
34
IDEIAS EM GESTÃO
“
O sistema de
saúde britânico
é alimentado
por um amplo
sistema de
informações
gerenciais.
As verbas
destinadas
aos serviços
dependem do
atingimento
das metas
estabelecidas.
Dessa forma,
o sistema é
planejado
e recebe um
financiamento
adequado.
”
“
Mas essa cultura levará alguns anos
Em nosso país, médico e paciente são
para ser incorporada ao dia a dia da
limitados nas suas escolhas. A opção,
profissão, coisa que já ocorre no Reino
em geral, se dá por aquilo que é possível.
a um médico
Até a próxima crise
britânico: ‘qual
Unido.
Pergunto a um médico britânico: “Qual
a principal qualidade do seu sistema de
saúde?” Resposta: “Acesso universal
e gratuito.” O SUS tem a mesma
característica. Resta saber se o serviço
prestado é da mesma qualidade.
É possível que sim, apesar de uma
infraestrutura provavelmente inferior.
Mas não saberemos tão cedo, pois as
informações do nosso sistema ainda
são insuficientes e imprecisas.
Opção
O que mudaria na gestão da minha
profissão após a experiência no Reino
Unido? A resposta é difícil e se limita
ao plano individual: estruturar as
informações para o paciente, de forma
a garantir a ele acesso ao que há de
atual a respeito do motivo da consulta
médica; apresentar todas as opções
de tratamento, disponíveis ou não
em nosso meio; e, com isso, buscar
aumentar a confiança do paciente no
atendimento médico, mostrando a ele
a responsabilidade que lhe cabe no
Tratamentos excessivamente caros são
pergunto
a principal
qualidade do
sistema de
saúde do reino
unido?’ resposta:
‘acesso
uniVersal e
gratuito’.
”
tratamento.
exceções, mas o paciente britânico tem
várias opções a seu dispor, tanto para
Planejamento e financiamento são
diagnóstico como para tratamento.
macrodiferenças entre os sistemas
Um exemplo é a opção da hemodiálise
de saúde do Reino Unido e do Brasil.
domiciliar, que permite ao paciente ter
Foge de minhas possibilidades propor
em sua casa o equipamento e receber
soluções para melhorar a estrutura
os insumos para realizar a sessão,
e financiamento do sistema de saúde
descartando-os após o uso. No Brasil,
brasileiro. Mas a realidade mostra que
as sessões são realizadas em grandes
estamos distantes do planejamento
clínicas, que sobrevivem por escala. Os
mínimo e do financiamento adequado.
materiais são reutilizados, seguindo
Até quando o sistema assim
normas técnicas, para redução de
permanecerá? Até a próxima crise?
custos.
Anderson Ricardo Roman Gonçalves
Médico especialista em Nefrologia e
Medicina Intensiva. Sócio da Clínica
de Nefrologia de Joinville. Professor
da Faculdade de Medicina da Univille,
Joinville (SC). Doutor em Ciências
pela Faculdade de Medicina da USP.
Atualmente desenvolve pesquisas em
nível de pós-doutorado no Sheffield
Kidney Institute, University of Sheffield,
Reino Unido.
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