MANEJO Desenvolvimento da glândula mamária na fêmea suína e suas implicações (Mamogênese) Introdução A suinocultura atual é regida por um modelo onde conflitam a produtividade de matrizes e a produtividade dos leitões. Na busca pela redução do intervalo entre partos reduziu-se paulatinamente o período de lactação até os 21 dias usualmente empregados, embora produtores tenham tentado reduzir esse período para 16 ou até 14 dias. Essa antecipação foi abandonada por causar prejuízo tanto aos leitões ao desmame quanto na eficiência reprodutiva, apesar dos avanços da nutrição e do manejo. Esse período curto de lactação (14 ou 16 dias) pode trazer desvantagens que, na realidade, estão interligadas. Ao passo que a maior rotatividade das instalações leva a maior pressão infectante, aumentando o risco para o aparecimento de afecções da glândula mamária e do trato genito-urinário. Ao mesmo, descresce a produção de leite, havendo mais letões refugos, maior mortalidade e diminuição dos desmamados/fêmea/ano, finalizando com o maior descarte de matrizes. Esses problemas, independentemente do período de lactação adotado, devem ser analisados no âmbito dos fatores que envolvem o desenvolvimento mamário. Merecem, assim, abordagem distinta como forma de aumentar a quantidade de leite produzido pela fêmea mantendo uma maior homogeneidade da leitegada. Sabe-se, contudo, que o rendimento de leite desejado pode ser obtido através de três maneiras fundamentais: aumentando-se o número de células mamárias ou o seu grau de especialização ou os dois concomitantemente. No entanto, o nível metabólico individual das células secretoras de leite varia muito pouco na espécie suína sendo mais marcante a hiperplasia tecidual e o processo de mamogênese como um todo. Ano IV - nº 22/2007 Figura 1. Teto selado antes do parto, nos primeiros dias pós-parto. Períodos da mamogênese O crescimento da glândula mamária, antes e durante a lactação, leva o nome de mamogênese. Esse processo pode ser dividido em três períodos fundamentais, um deles o pré-parto, o de início e o do final de lactação. No período antes do parto a mamogênese sofre regulação primordialmente hormonal, via hormônios mamogênicos, sendo mais relevantes os estrógenos, a progesterona e a relaxina. Após o parto o desenvolvimento mamário passa a depender, principalmente durante a primeira semana de lactação, dos estímulos de natureza física ligados à sucção do leite e ao estímulo táctil nos tetos, passando a ser importante o tamanho da lei- Felipe De Conti Horta1 Simone M. M. K. Martins1 Abrão A. F. Abrahão1, 2 Aníbal de Sant’Anna Moretti1, 3, 4 1 Laboratório de Pesquisa em Suínos 2 Vet Life Produtos Veterinários 3 Médico Veterinário 4 Mestre tegada, a freqüência das mamadas e sua intensidade. No terceiro período, contudo, à medida que se aproxima o pico de lactação, o principal limitante passa a ser o aporte nutricional à glândula mamária, oriundo da dieta ou da mobilização de reservas corporais da fêmea. Além desses fatores, sabe-se que a temperatura ambiental e o conforto geral da porca, bem como a quantidade e a qualidade da água fornecida, são de vital importância para a otimização da produção de leite. Destaca-se também a localização dos tetos como fator secundário, sendo maior a produção das glândulas torácicas, devido principalmente à condição anatômica vascular. Período pré-parto O crescimento pré-parto é regulado, como foi dito anteriormente, pelos hormônios mamogênicos oriundos da placenta (estrógenos) e oriundos dos corpos lúteos (progesterona e relaxina). A queda dos níveis de progesterona durante o último mês de gestação e o sucessivo aumento da concentração de estrógenos e da relaxina promovem o início do desenvolvimento mamário nesse período. Contudo, estudos apontam como principal responsável pelo processo em questão o aumento dos níveis de relaxina. Período pós-parto inicia Figura 2. O mesmo teto, não succionado durante a lactação, no 28º dia pós-parto. Mesmo que haja uma menor taxa de crescimento das glândulas mamárias antes do parto, esta pode ser compensada, ainda nos primeiros dias pós-parto, pela sucção dos leitões. Tudo depende do tamanho e principalmente do peso da leitegada, sendo maiores os estímulos quanto mais numerosos e mais vigorosos forem Suínos & Cia 21 MANEJO os leitões. Nessa questão, vale lembrar a importância da massagem feita pelos lactentes sobre as glândulas mamárias, antes e após o período de sucção, que ajuda na ejeção do leite. Ao mesmo tempo em que estimulam o crescimento das glândulas mamárias, podem influenciar positivamente na mobilização de reservas corpóreas das fêmeas, mediados pela ação hormonal através da prolactina e ocitocina. Como foi citado anteriormente, há evidências de uma relação, aparentemente indireta, entre a freqüente sucção do leite e a intensidade da proliferação celular observada no aparelho mamário das fêmeas suínas no início da lactação. Além dos hormônios já citados há também um mecanismo de auto-regulação nas células que secretam o leite. Um fator conhecido como FIL (fator de inibição da lactação) é secretado junto com o leite nos alvéolos da glândula sendo responsável por inibir a produção de leite enquanto o alvéolo estiver cheio. Dessa maneira, quanto mais longo for o intervalo entre as mamadas tende a ser menor a produção de leite. Sabe-se hoje que o tempo necessário para o preenchimento dos compartimentos glandulares após uma mamada eficiente é de aproximadamente 35 minutos, podendo ser definido com o tempo mínimo e ideal entre mamadas para que haja maximização da produção. Por se tratarem de estímulos essencialmente tácteis, a força que o leitão emprega na massagem dos tetos e na sucção são especialmente importantes. Leitões com maior peso ao nascimento mamam maior volume de leite e empregam mais força na massagem, sendo mais eficazes na estimulação da produção de leite. Quanto maiores forem as taxas de crescimento dos leitões, maiores também serão os estímulos e maior será a produção de leite, que por sua vez aumentará também a taxa de crescimento dos leitões e assim sucessivamente. Atualmente, esse ciclo tem uma rotatividade acelerada pelo elevado potencial genético para ganho de peso encontrado nas linhagens comerciais que também representam, indiretamente, através do mecanismo descrito, um elevado potencial para produção de leite. De qualquer maneira, leitegadas homogêneas quanto ao peso são ideais, sendo por esse motivo, imprescindível o manejo de transferência cruzada de leitões objetivando a equalização da leitegada após a mamada do colostro. Nesse ponto é importante lembrar a validade de se colocar leitões vigorosos nas fêmeas de primeiro parto. Essa prática é baseada no mesmo princípio de estimulação, aju- 22 Suínos & Cia Os leitões têm grande importância no desenvolvimento da glândula mamária, através de massagem e succção. dando no desenvolvimento das glândulas mamárias dessas fêmeas, ainda que não tenham atingido a maturidade corporal e a capacidade funcional máxima do aparelho mamário. Período final de lactação Principalmente a partir da terceira semana de lactação, quando se aproxima o máximo desenvolvimento mamário e, conseqüentemente, o pico de produção de leite, o estímulo da mamada e a freqüência de retirada do leite são também cada vez maiores. Nessa fase, indiferentemente das demais, eles continuam a ser importantes para o crescimento e a manutenção da estrutura glandular. No entanto, uma vez que a estrutura funcional para aquela lactação está quase totalmente formada, o fator limitante para a produção passa a ser a quantidade e a qualidade de nutrientes disponíveis para as glândulas mamárias. Prioritariamente, esses nutrientes podem vir de duas fontes: das reservas corpóreas da fêmea lactante ou da dieta. Nesse momento há a necessidade de grande cautela, uma vez que a quantidade de matéria seca ingerida pelas fêmeas é influenciada pela genética, temperatura ambiente, programa de alimentação e características do próprio alimento, além é claro, pelo limite natural da espécie. Estudos mostraram que, em boas condições ambientais, alimentos fornecidos por cânula buscando uma ingestão além do consumo voluntário não aumentaram significativamente a produção de leite, mostrando que há limites para acréscimos de consumo. Em contrapartida, se pensarmos na mobilização das reservas, há de se ter cuidado para não acentuar demais o balanço energético negativo. A perda excessiva de peso pode comprometer o desempenho reprodutivo subseqüente devido à alteração dos níveis das gonadotrofinas, evidenciados pelo aumento do intervalo desmame-estro e dos dias não produtivos. A atenção deve ser redobrada quando tratamos de fêmeas jovens, até a terceira parição, uma vez que estas, ainda em fase de crescimento, não podem perder muito peso na lactação. A perda excessiva de reservas, principalmente no que diz respeito à degradação protéica, pode comprometer o desempenho reprodutivo subseqüente, devido à queda dos níveis hormonais. Podemos observar ainda uma influência negativa no desenvolvimento corpóreo, não permitindo a fêmea atingir a máxima capacidade física, com reflexos na capacidade de consumo de ração, tamanho de leitegada, facilidade no parto e, conseqüentemente, na duração de sua vida útil reprodutiva. Preconiza-se, na maioria dos casos, o aumento no número de arraçoamentos ao dia, na dependência do manejo alimentar e de cada situação. Objetiva-se com essa prática o aumento do consumo, o maior aporte nutricional às glândulas e a maximização da produção de leite, minimizando os riscos de perdas corpóreas Ano IV - nº 22/2007 MANEJO excessivas. A mão de obra também faz a diferença em quase todos os aspectos fisiológicos da fêmea e leitões, principalmente no que se refere as observações e intervenções imediatas dentro do manejo de cortinas, fornecimento do alimento, água e no comportamento da fêmea e de seus leitões. Período de involução mamária O período mais comumente adotado para a lactação nas granjas comerciais de suínos, em torno dos 21 dias permite, com a genética atual das fêmeas, que os leitões aproveitem parte da fase de maior produção de leite, que se dá entre a segunda e quarta semanas pós-parto. Mesmo assim, fica evidente que o período lactacional poderia ser estendido, embora com gradativo decréscimo de produção a partir da quinta semana, se ainda houver estímulos de sucção e massagem suficientes. A involução da glândula mamária a partir do pico de lactação é um processo fisiológico, com grande ocorrência de apoptose (morte celular programada) e remodelamento da matriz extracelular. Essa fase é promovida para que os investimentos da fêmea sejam retirados da produção de leite, sendo redirecionados à próxima gestação. Dessa forma, acompanhada pela natural redução dos estímulos tácteis nas glândulas mamárias por parte dos leitões que já buscam outras fontes de alimento, a fêmea deixa de direcionar os nutrientes para a produção de leite, desviando-os agora para o aparelho reprodutivo na busca de preparar o mesmo para uma nova prenhez. Independentemente da fase de lactação, vale lembrar que temperaturas ambientais que excedem a zona de termoneutralidade (7 a 23°C) contribuem para um menor consumo de alimento, além de desviar o fluxo sanguíneo preferencial das glândulas mamárias para a pele, ambos resultando em um menor aporte de substâncias essenciais às glândulas mamárias e, conseqüentemente, menor desenvolvimento e produção de leite. Vale lembrar que qualquer stress produzido no período de aleitamento que interfira na freqüência normal das mamadas pode interferir nos estímulos hormonais, com a possibilidade de culminar em uma manifestação de estro lactacional que interfere negativamente no manejo reprodutivo no momento do desmame. Possibilidades de modulação exógena A administração exógena de prolactina para porcas não é efetiva para o aumento da produção de leite provando-se não ser, normalmente, fator limitante para o processo. Segundo autores isso ocorre provavelmente pelo fato dos receptores mamários para prolactina estarem saturados mesmo com as concentrações endógenas do hormônio em fêmeas lactantes. Em A involução da glândula mamária é um processo fisiológico, é promovida pela apoptose e redução dos estímulo tácteis por parte dos leitões. Ano IV - nº 22/2007 contrapartida, a produção de leite pode ser reduzida com a administração de bromocriptina, supressor de prolactina. A metoclopramida é um antagonista dopaminérgico utilizado no tratamento de hipogalaxia na espécie humana. Inibindo a dopamina, a metoclopramida e outras sustâncias como o domperidone, aumenta a secreção de prolactina e conseqüentemente o crescimento mamário e a produção de leite. A metoclopramida mostrou-se eficaz na espécie suína aumentando significativamente a produção de colostro e de leite quando administrada, por via intramuscular, três vezes ao dia nos primeiros três dias pós-parto, além de melhorar a homogeneidade da leitegada ao desmame. Mais estudos sobre os antagonistas de dopamina são necessários buscando-se uma droga que seja eficaz sem a necessidade de tantas aplicações. A administração de hormônio do crescimento (espécie específico), largamente utilizado em vacas leiteiras, tem resultados variáveis nas fêmeas suínas. No entanto, pode ser efetiva quando a porca é submetida a demandas muito altas de produção, principalmente em leitegadas muito grandes ou que contenham leitões muito pesados. Influência genética As diferentes linhagens de fêmeas suínas da atualidade apresentam grandes diferenças conformacionais no aparelho mamário, o que não necessariamente indicam maiores ou menores quantidades de células secretoras ou diferentes capacidades de produção de leite. Na realidade é difícil afirmar com exatidão sobre a capacidade produtiva uma vez que, para tanto, é necessária a estimativa do número de células epiteliais glandulares - somente possível com a eutanásia da fêmea. Mesmo assim essa quantidade celular estaria sendo influenciada por outros fatores dificilmente isolados. A estimativa da produção de leite também é complicada, tendo sido descritos poucos métodos. O mais utilizado deles é o “pesa-mama-pesa”. Mais estudos sobre os métodos de quantificação da produção leiteira também são fundamentais para o aprofundamento dos conhecimentos sobre o tema. Como citado anteriormente, o balanço energético tem influência direta na produção de leite, na produção hormonal, no estado metabólico e conseqüentemente em muitos processos fisiológicos. Esse balanço é dependente de vários fatores. Dentre eles há de se destacar os ligados Suínos & Cia 23 MANEJO à genética, principalmente no que se diz respeito ao consumo voluntário de ração e à capacidade de mobilização de reservas corpóreas durante períodos de homeorrese (metabolismo intensamente direcionado para uma função específica) como a lactação. Programas nutricionais e alimentares específicos a cada linhagem muitas vezes são necessários para que se adapte a característica congênita das fêmeas às necessidades produtivas de sua função enquanto matriz. Para algumas linhagens de fêmeas pode ser necessário o estabelecimento de uma fase de pré-lactação, com o fornecimento de dietas de maior densidade energética e protéica, para evitar um balanço energético negativo precoce e, conseqüentemente, uma perda excessiva das reservas corpóreas durante a lactação. Enquanto para outras, é imprescindível a imposição de uma gradativa restrição alimentar durante o início da lactação, impedindo que as fêmeas cheguem até a ganhar peso durante o aleitamento, também prejudicando o desempenho reprodutivo consecutivo. Considerações finais A partir do exposto, fica evidente a necessidade de se observar e conhecer o desdobramento das características genéticas das linhagens presentes no mercado para o melhor aproveitamento dos potenciais específicos. Além disso, vale lembrar que grande parte das possibilidades de maximização da mamogênese e, conseqüentemente, da produção de leite são dependentes do manejo reprodutivo, principalmente quando envolvem os leitões. Destaca-se também a importância da grande capacidade de ganho de peso dos leitões, intimamente ligada à genética dos pais, sobretudo à genética do macho. No entanto, sabe-se que existem limitações fisiológicas para a produção de leite, podendo não atender a demanda devido ao Algumas linhagens necessitam do fornecimento de dietas na fase de pré-lactação, envitando assim um balanço energético negativo durante a lactação. acelerado desenvolvimento da leitegada. A ambiência para as matrizes é vital na manutenção do consumo, que por sua vez garante maior disponibilidade de nutrientes. Atua também na manutenção do fluxo sanguíneo direcionado e, conseqüentemente, no aporte dos nutrientes disponíveis ao tecido mamário. Associase também nesse aspecto, a ambiência direcionada aos leitões, fundamental para evitar quadros de hipotermia, apatia e baixa capacidade de ingestão de colostro e leite. Não podemos esquecer também que todo e qualquer fator dependente do desempenho dos leitões, sobretudo nos primeiros dias de vida e no desmame, é primordialmente dependente do status sanitário da granja. Na maternidade, em especial, os cuidados sanitários devem ser máximos, sendo importante a eficácia da limpeza e da desinfecção, a duração do vazio sanitário nas instalações e todas as demais práticas de biossegurança que evitam a morbidade e a conseqüente debilidade dos lactentes. Dentro das interações entre os vários fatores envolvidos em cada fase da mamogênese, temos de buscar o mais pleno equilíbrio entre a biologia da espécie e as necessidades produtivas da matriz e dos leitões. O aprofundamento do conhecimento em cada uma dessas fases de desenvolvimento mamário nos permite modular e adaptar o potencial genético ao melhor desempenho das fêmeas e de sua prole. Dessa maneira, a maximização da produção de leite, associada ao melhor manejo no aleitamento e desmame, proporcionam nas creches lotes de animais mais vigorosos, homogêneos e adaptados a continuidade do desenvolvimento corpóreo. Referências 1. BLACKBURN, D.G. Lactation: Historical Patterns and Potential for Manipulation. Journal os Dairy Science, 76:3195-3212. 2. COTRIM JÚNIOR, I.; PORTO, F. B. L.; MUNIZ, A.; SANTOS, S. F. A. S.; MARTINS, S.M. M. K.; MORETTI, A. S. Efeito da metoclopramida sobre a produção leiteira de porcas no puerpério e o ganho de peso dos leitões. 24 Suínos & Cia Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v.43, n.1, 2006, p. 42-50. 3. HURLEY, W.L. 2001. Mammary gland growth in the lacting sow. Livestock Production Science, 70 (2001) 149-157. 4. THEIL, P.K.; SEJRSEN, K.; HURLEY, W.L.; LABOURIAL, R.; THOMSEN, B.; SORENSEN, M.T. Role of Suckling in the cell turnover and the onset and maintence of lactation in individual mammary glands of sows. Journal of Animal Science. 2006. 84, 1691-1698. 5. VERSTAGEN, M.W.A.; MOUGHAN, P.J.; SCHRAMA, J.W. 1998. The lactating sow. Wageningen Pers, Wageningen, Netherlands,1998. 350 p. Ano IV - nº 22/2007